RESUMO: O presente artigo visa fazer uma análise crítica acerca do dano e suas espécies, bem como da importância do dano moral e de sua progressão histórica, com foco no direito brasileiro. Esse instituto deve ser analisado, cautelosamente, para prevenir indenizações que ultrapassem os limites razoáveis de punição para o prestador de serviços, bem como para buscar prevenir o pagamento de valores mínimos, que não fazem jus à extensão do dano causado, sob a alegação de se tratar de mero aborrecimento. Ademais, objetiva provocar o questionamento acerca da banalização do instituto do dano moral no direito brasileiro, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais e à luz do Código de Defesa do Consumidor, além do papel do magistrado na aferição do dano, motivos estes de grandes debates no âmbito jurídico do século XXI.
Palavras chaves: direito civil. Dano moral. Indenização. Banalização do dano moral. Juizados Especiais. Código de Defesa do Consumidor.
ABSTRACT: This article aims to make a critical analysis of the damage and its species, as well as the importance of moral damage and its historical progression, with a focus on Brazilian law. This institute must be carefully examined to prevent indemnities that exceed the reasonable limits of punishment for the service provider, as well as to seek to prevent payment of minimum amounts, which do not justify the extent of the damage caused, on the grounds that to deal with mere annoyance. In addition, it aims to provoke the questioning about the banalization of the institute of moral damages in Brazilian law, especially in the scope of the Special Courts and in light of the Code of Consumer Protection, besides the role of the magistrate in the measurement of the damage, these reasons of great debates in the legal framework of the 21st century.
Keywords: civil law. Moral damage. Indemnity. Banalization of moral damages. Special Courts. Code of Consumer Protection.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO DE DANO MORAL. 3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DANO MORAL COM FOCO NO DIREITO BRASILEIRO. 4. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 5. INDÚSTRIA DO DANO MORAL: GANHO FÁCIL E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS. 6. O PAPEL DO MAGISTRADO NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 8. CONCLUSÃO. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1.INTRODUÇÃO
A dignidade da pessoa humana, princípio fundamental preceituado no Direito Brasileiro, é o ponto de partida para a proteção jurídica do dano em âmbito moral, devendo este bem ser amplamente respeitado.
O artigo, então, abordará a problemática da banalização do dano moral no âmbito dos Juizados Especiais, à luz do Código de Defesa do Consumidor, que se deu a partir da previsão expressa pela Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu artigo 5º, incisos V e X.
Ademais, visa provocar a reflexão acerca da função do magistrado na concessão das indenizações, em face das grandes demandas que, muitas vezes sem causa, contribuem para a morosidade do sistema judiciário brasileiro.
2.CONCEITO DE DANO MORAL
O dano consiste no prejuízo causado por um ato da natureza ou por um ser humano a outrem, subdividindo-se, por sua vez, em dano patrimonial e extrapatrimonial. Urge salientar, ainda, que parte da doutrina também subdivide o dano extrapatrimonial em dano moral e outras espécies. A doutrina majoritária opta por diferenciar os dois tipos de danos supracitados a partir da negativa de uma delas, ou seja, conceitua o dano patrimonial como aquele que atinge os bens materiais ou pecuniários de um ser humano, enquanto que o dano moral é aquele que atinge os bens imateriais dele, como a sua integridade psicológica ou a sua imagem. Assim, como a vida humana é regida de elementos imateriais, é mister a comprovação do atentado à dignidade da pessoa humana para a sua caracterização.
Neste sentido, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2015, p. 333), definem o dano moral como o “prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos direitos da personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e à voz), à integridade psíquica (liberdade, pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e identidade).
Para Carlos Alberto Bittar, os danos morais são “os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal),ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação e da consideração pessoa). Ademais, na doutrina de Maria Helena Diniz, “o dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”.
Em se tratando da indenização dos danos morais, são requisitos a efetividade ou certeza, pois a lesão ao bem jurídico não poderá ser hipotética, muito menos incerta e abstrata; a subsistência do dano, ou seja, a sua existência, ainda, sem ressarcimento; e a lesão a um interesse juridicamente tutelado, de natureza moral.
Como os objetivos e limites do dano moral não foram previstos, expressamente, no Código Civil de 2002, cabe à doutrina e à Jurisprudência analisá-los, à luz da primazia da pessoa humana, da justiça social e da solidariedade, com o fito de desestimular as práticas abusivas cometidas pelos fornecedores, à medida que previne e pune as mesmas.
3.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DANO MORAL COM FOCO NO DIREITO BRASILEIRO
Com o desenvolvimento das relações interpessoais no desenvolvimento das sociedades, além da reparação pelos danos patrimoniais, em determinado momento, observou-se a necessidade de reparar, também, os danos extrapatrimoniais, surgindo, assim, o instituto do dano moral.
Ainda em 2140 a.C, o Código editado pelo imperador da suméria, Ur-Nammu, já previa em seu texto a reparação do dano moral, a medida em que as leis obrigavam o responsável por causar dano físico a um terceiro, a pagar o equivalente à vítima em mina de prata. O Código de Hamurabi, por sua vez, editado em 1700 a.C na Babilônia, adotava o critério corporal e não pecuniário, pois facultava ao agente a justiça com as próprias mãos, sob o lema “olho por olho, dente por dente”.
No Direito Brasileiro, em se tratando do dano moral, a doutrina muito discutiu sobre a sua reparabilidade, vez que muitos juristas, antes da Constituição Federal de 1988, admitiam, apenas, a indenização pelos danos patrimoniais.
Grandes civilistas como Lafayette, Jorge Americano e Agostinho Alvim, defendiam teses contrárias ao ressarcimento pelo dano moral, influenciados pelo Código Napoleônico, em que o ser humano era visto pelas riquezas que possuía, não pelo ser que ele era. A caracterização, assim, da resistência dos setores conservadores do pensamento jurídico nacional, sustentava que se a lesão não se caracterizasse por ofensas, em sua essência, econômicas, não haveria o que se falar em dano extrapatrimonial, pois era impossível quantificar a sua extensão.
Com a fervorosa discussão doutrinária e à luz, também, da jurisprudência francesa, os tribunais brasileiros passaram a admitir a reparabilidade do dano moral, desde que houvesse reflexos patrimoniais. Também houve progresso em sua consolidação com a Súmula 37 do STJ, que prevê a cumulatividade das indenizações pelo mesmo fato, in verbis:
Súmula 37, STJ: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
Pondo fim às controvérsias, a Constituição Federal de 1988 admitiu expressamente a reparabilidade do dano moral, em seu art. 5º, V (“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem) e X (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”).
Ademais, o Código Civil de 2002, em seu artigo 186, discorre, a saber:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
4.O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor, de 1990, surge como instituto de proteção aos consumidores, tendo sua previsão respaldada na Constituição Federal, em seu art. 170, V, que traz como princípio a defesa do consumidor como forma de justiça social, pois são considerados hipossuficientes em comparação à máquina econômica do sistema capitalista, esta que é baseada no crescimento da ordem econômica em face da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa.
O referido código, em seus artigos 12 e 13, prevê a responsabilidade do fabricante, do produtor, do construtor e do comerciante se dá independentemente de culpa (responsabilidade objetiva), pela reparação dos danos causados aos consumidores por vícios e defeitos decorrentes de seus produtos.
5.INDÚSTRIA DO DANO MORAL: GANHO FÁCIL E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS
A indústria do dano moral, atualmente, pode ser tida como uma das grandes problemáticas acerca da matéria, tendo em vista a sua banalização. Esta se dá, assim, à medida em que a população judicializa situações que, a partir de um olhar crítico, não ensejariam dano moral, pois não tratam de meros aborrecimentos.
O instituto da indenização por dano moral, como conceituado anteriormente, visa respaldar a lesão a bens e interesses jurídicos imateriais, a princípio, pecuniariamente inestimáveis, em face de prejuízo certo e subsistente causados por alguém a um terceiro.
À luz da razoabilidade e da proporcionalidade, o dano moral não pode se dar por um mero aborrecimento, dissabor, mágoa ou irritação cotidiana, pois não pode gerar enriquecimento sem causa. Quanto ao tema, Antonio Jeová Santos (2001, p. 119-120), esclarece que:
“Conquanto existem pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é subsequente de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista o dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade”.
Exatamente com a ideia de ganho fácil, muitas pessoas buscam o judiciário invocando o dano moral por situações mínimas, ao passo que, as baixas indenizações imputadas aos fornecedores, na maioria das vezes, hiper suficientes, contribuem para a impunidade e para a continuidade das práticas abusivas. Sob o prisma da relação consumerista, a parte ofendida pode até enriquecer sem causa, todavia, tal fato deve se dar, excepcionalmente, quando a mesma for vítima de má-fé pelo agente causador do dano, quando não tiver dado causa ao prejuízo.
No âmbito dos Juizados Especiais, ante o jus postulandi das partes e ausência de custas iniciais, bem como a ausência de sucumbência no âmbito dos Juizados Especiais, tem-se uma maior facilidade de postular e o consequente aumento das demandas, dando continuidade ao ciclo vicioso da morosidade do sistema judiciário brasileiro e da cultura da banalização do dano moral.
6.O PAPEL DO MAGISTRADO NA SOLUÇÃO DO CONFLITO
A “dor moral ou psicológica”, muito mencionada, acaba por deixar os magistrados sem um parâmetro concreto para mensurar a incidência e o grau do dano moral, vez que abarca conceitos muito subjetivos. Esta dor, entretanto, é consequência, e não o próprio direito violado (Paulo Lôbo, 2002, p; 364).
Tendo em vista a responsabilidade dos magistrados em reconhecer ações que visam apenas o enriquecimento ilícito, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2015, p. 330), lecionam:
“O dano deve ser devidamente comprovado na ação indenizatória ajuizada contra o agente causador do mesmo, sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos escrupulosas, incentivadoras da famigerada “indústria da indenização”, tenham êxito em pleitos absurdos, sem base real, formulados com o nítido escopo, não de buscar ressarcimento, mas de obterem lucro abusivo e escorchante”.
Em contrapartida, os réus dessas ações, ao tentarem minimizar os efeitos de sua atuação ilícita, procuram basear sua defesa no fato de que todos os danos causados não passam de meros aborrecimentos, cabendo aos juízes redobrarem a cautela nessas demandas, ao apreciarem as alegações, sob pena de, acolhendo o pedido do réu, corroborarem com uma injustiça ao causar prejuízo à vítima, ou, em defesa extrema ao consumidor, incentivar, cada vez mais, a banalização do enriquecimento por dano moral.
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme demonstrado nos capítulos anteriores, o dano, desde os primórdios da sociedade, é um instituto que visa reparar o prejuízo sofrido por outrem, cabendo ao dano moral, especificamente, indenizar as lesões de caráter imaterial dos indivíduos.
O presente trabalho, assim, ressalta a banalização desde instituto, à medida em que, no âmbito dos Juizados Especiais e à luz do Código de Defesa do Consumidor, o mesmo é buscado pela população como forma de enriquecimento ilícito, vez que, meros aborrecimentos e chateações do dia a dia estão sendo levadas ao judiciário, com a sua consequente procedência, sem que o juiz análise, à rigor, os requisitos para o pleito do dano moral.
Tal aumento das demandas indenizatórias no âmbito dos Juizados, também se dá em face do jus postulandi das partes e da ausência de condenação em honorários sucumbenciais, o que, na teoria, é um grande avanço ao acesso à justiça, entretanto, na prática, é utilizado por muitos visando o lucro em si.
Neste sentido, urge salientar a figura do magistrado como essencial a essa problemática, pois devem analisar com cautela os requisitos para o pedido do dano, bem como, na análise do caso concreto, a dosagem do quantum indenizatório.
8.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Lei N° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Senado, 1990.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 2. 16 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015.
BITTAR, Carlos Alberto; Reparação Civil por Danos morais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. V.7. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1998.
SANTOS, Marina Pereira. A Banalização do Dano Moral. Maio, 2011. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI132982,61044-A+banalizacao+do+dano+moral>.
Acesso em 13 de junho de 2018.
Advogada. Especialização em direito tributário pelo IBET, bacharel em direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Débora Pascal de. A indústria do dano moral no âmbito dos juizados especiais e o papel do magistrado na solução dos conflitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60727/a-indstria-do-dano-moral-no-mbito-dos-juizados-especiais-e-o-papel-do-magistrado-na-soluo-dos-conflitos. Acesso em: 25 dez 2024.
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