Resumo: Um mesmo tributo pode ter a sua validade questionada por meio de argumentos constitucionais e ligados à interpretação de leis federais ou leis complementares. Essas demandas podem render a interposição de recursos dirigidos ao STF, no primeiro caso, e ao STJ, no último. Eventualmente, essas duas Cortes poderão alcançar conclusões opostas sobre a validade de um mesmo tributo, ainda que em momentos diferentes, situação que tem os seus efeitos agravados quando se trata de julgamento de recursos repetitivos ou submetidos à repercussão geral. O objetivo desse artigo é avaliar essa situação, unindo a moldura constitucional dos tributos com a análise da competência das Cortes Superiores sob o prisma constitucional/processual.
1 – INTRODUÇÃO
1.1 Papel da Constituição nas Democracias
Um dos papeis mais fundamentais de uma Constituição é limitar o exercício do poder pelos agentes do Estado e proteger os cidadãos contra arbítrios, mesmo aqueles endossados por maiorias ocasionais. Uma Constituição é eficaz nesse intento sempre que tentativas abjetas de solapar os seus princípios e regras, mesmo quando empreendida por governantes e legisladores eleitos, ou juízes investidos da jurisdição, encontre limites no próprio texto constitucional, permitindo o acesso aos cidadãos às cortes recursais para que possam exercer o sobredito controle[1].
Nesse sentido, o controle incidental ou difuso de constitucional constitui importante mola propulsora da democracia, delegando aos juízes de todo o país, e aos tribunais por sua composição plena ou órgãos especiais que congreguem a maioria de seus membros, a competência para deixar de aplicar leis consideradas ofensivas às Constituições Federal e dos Estados.
Em última instância, o controle difuso de constitucionalidade é exercido pelo Supremo Tribunal Federal, nas matérias ligadas à Constituição Federal, e decorre do julgamento de recursos extraordinários, manejados em face de decisões proferidas em única ou última instancia pelos tribunais do país.
Por isso não é equívoco afirmar que o Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, o que decorre das altas competências outorgadas ao órgão pela Constituição, que o coloca em posição de controle das instâncias judiciais em matéria constitucional.
1.2 Papel do Supremo na Democracia
A assertiva acima, contudo, jamais deve ser confundida com submissão das demais cortes judiciais brasileira ao Supremo, pois tal equivaleria a qualificar o poder da Corte Suprema como absoluto e ilimitado, o que não se coaduna com o estado democrático de direito inaugurado a partir da Constituição de 1988.
Não é exagero afirmar, portanto, que assim como um Supremo subjugado por governos autoritários em períodos de suspensão da democracia, – como as recentes ditaduras do Estado Novo e do período militar – a concentração exacerbada de poderes nos onze juízes da Suprema Corte, em conjunto ou isoladamente, corrói os alicerces da democracia.
O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, legitima a sua atuação a partir da estrita observância às competências que lhe foram reservadas pela Constituição, que têm como contrapartida o respeito intransigente àquelas competências reservadas a outros órgãos do Poder Judiciário ou mesmo de outros poderes da República. Fora desses limites, não existe Suprema Corte na acepção que possa ser aceita em um Estado Democrático de Direitos.
O operador do Direito não deve, portanto, se contentar com visões simplistas de analistas leigos, inconscientemente contaminados por uma cultura à autoridade com significado de submissão. Autoridade máxima na República Federativa do Brasil é a sociedade, conforme consta do parágrafo único do primeiro artigo da Constituição Federal: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Quando qualquer representante da sociedade brasileira, eleito ou não, exerce os poderes dela recebido de forma excessiva, cabe o controle dessa atividade, restabelecendo-se a ordem constitucional democrática para que o poder retorne aos seus verdadeiros detentores.
1.3 Introduzindo o tema a partir dos princípios constitucionais tributários
Na seara tributária, a compreensão dos referidos conceitos é acentuada pelo fato de a Constituição ter sido pródiga no desenho do exercício do poder tributário. Aliás, colocando as coisas em seus devidos lugares, nos valemos das lições de Roque Carrazza[2], para quem o poder de tributar pertence exclusivamente ao povo brasileiro, que o delegou transitoriamente à Assembleia Nacional Constituinte, existindo a parir daí competências tributárias distribuídas entre as pessoas políticas que integram a república federativa brasileira. O ilustre jurista adverte que enquanto o poder tributário é absoluto e ilimitado, a competência tributária é regrada, disciplinada pelo direito.
A Constituição não outorga, portanto, poder de tributar às pessoas políticas, mas sim competências constitucionais a serem exercidas segundo os limites por ela própria enunciados, sem prejuízo de disposições legais que os complemente.
Aos juízes e tribunais brasileiros compete, de forma incidental ou difusa, portanto, verificar que o exercício das competências tributárias se deu de forma adequada aos parâmetros estabelecidos pela Constituição e, caso contrário, retirar do ordenamento jurídico normas jurídicas que não tenham atendido a esse objetivo.
Como já referido, esse contencioso a respeito da constitucionalidade das normas jurídicas encontra seu derradeiro destino no Supremo Tribunal Federal, o que ocorre por meio do denominado recurso extraordinário. Como o nome denuncia, trata-se de jurisdição recursal excepcional, apenas legitimada diante de estritas hipóteses descritas na própria Constituição. Fora delas, a Corte Suprema deve abster-se da prestação jurisdicional, que se completará perante as instâncias ordinárias.
Embora a teoria acima seja bela e esteticamente perfeita, a realidade não cabe nos limites estritos da ação da tinta sobre o papel, apresentando desafios que muitas vezes testam a convicção do jurista ou do leigo a respeito da eficácia do direito positivo como instrumento de contenção do abuso do poder do mais forte sobre o mais fraco. O referido desafio deve ser encarado como estímulo ao aprimoramento contínuo da Ciência do Direito. À assertiva de Georges Burdeau de que “Os males da democracia, só se curam com mais democracia” acrescentamos que, contra ofensas à Constituição, o remédio deve ser mais Constituição!
Com esse espírito, pretendemos, a partir de uma situação prática vivenciada recentemente, demonstrar que a posição do Supremo Tribunal Federal em controle difuso em matéria tributária deve ser analisada nos limites da competência constitucional correspondente e, nessa medida, desaparecerá o conflito aparente com posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a mesma matéria.
2 – A Competência Tributária
2.1. A diferença entre competência e poder tributário
Mas, precisamente, a quais limites deve o Supremo se ater ao exercer o controle difuso das normas jurídicas em matéria tributária?
Já nos referimos linhas acima sobre a diferença entre poder tributário e competência tributária, enfocando o caráter absoluto e ilimitado do primeiro em relação aos limites e regras da última, que são traçados não apenas pelo texto constitucional mas, contra intuitivamente, pelas leis que a disciplinam.
2.2. O papel da lei na criação de tributos
Vale lembrar que nem todas as disposições constitucionais são dotadas de eficácia plena. Ao invés disso, a maior parte da constituição é formada por normas de estrutura ou de competência, estabelecendo de que forma, por quem e atendendo a quais critérios o poder será exercido. Paulo de Barros Carvalho se refere à Constituição como Lei [3]das Leis, da qual emanam as permissões para os legislativos da União, dos Estados e dos Municípios instituírem seus tributos.
No caso do Direito Tributário, o texto constitucional erigiu a necessidade de lei em sentido estrito para criar ou aumentar tributos[4], com algumas exceções justificáveis. O reforço dessa regra no capítulo específico das limitações ao exercício da competência tributária era prescindível pois, se constitui direito fundamental dos cidadãos não serem obrigados a fazer algo ou deixar de fazê-lo senão em virtude de lei, pagar tributos não seria uma exceção.
Mas decorre da referida limitação que apenas os Poderes Legislativos da União, dos Estados e dos Municípios podem criar tributos, sendo a possibilidade de aumento sem lei uma exceção reservada a poucos tributos de competência da União, por motivos extrafiscais.
2.3. Princípio federativo e repartição de competências
Mas mesmo a competência para a instituição de impostos pelos Poderes Legislativos segue um padrão determinado pela própria Constituição. Como bem pontuado por Carrazza, fosse o Brasil um estado unitário, seria desnecessário demarcar campos de atuação tributária, bastando a previsão de que qualquer fato economicamente apreciável poderia, em tese, render lugar à cobrança de tributos, desde que respeitados outros direitos fundamentais (propriedade, não confisco, mínimo existencial etc.). A opção pela governança decentralizada do Estado trouxe o ônus de distribuir competências tributárias[5].
É interessante notar, nessa senda, a estrita vinculação entre o princípio federativo e a distribuição de competência tributária, pois embutida na autonomia dos Estados federados e dos seus respectivos municípios a autonomia financeira, pois ninguém é verdadeiramente livre para tomar decisões se não dispuser de meios para realizar o seu próprio destino. A Constituição, portanto, cuidou de demarcar os campos tributários de atuação próprios à União, reforçando a sua atuação como governo central, sem prejuízo da distribuição de competências privativas aos Estados e Municípios, para a realização dos interesses locais dos cidadãos que residem nesses últimos.
Aqui é preciso fazer uma ressalva para a divisão consensualmente aceita e entre as espécies tributárias vinculadas e desvinculadas. As primeiras se caracterizam por decorrerem de uma atuação estatal específica dirigida aos sujeitos passivos e, portanto, só podem ser exigidas daqueles que são diretamente atingidos por esse exercício dessa mesma atividade estatal, tendo o produto de sua arrecadação vinculado ao seu custeio. São comuns das três pessoas políticas e a competência para a sua instituição decorre da competência para a execução da própria atividade estatal que a justifica, o que Luís Eduardo Shoueri qualifica como competência anexa. As taxas e as contribuições de melhoria são os tributos vinculados no ordenamento jurídico brasileiro.
Por outro lado, existem os tributos desvinculados, ou seja, destinados ao custeio de atividades gerais do estado e cuja instituição não decorre de atividades desempenhadas em favor de determinados indivíduos ou grupos, mas das necessidades arrecadatórias do estado ou entidades paraestatais. Esses tributos são exigíveis a partir da prática ou ocorrência de determinados eventos que denotem capacidade contributiva, justificando a cobrança de tributos correspondentes.
Para os tributos desvinculados, a discriminação constitucional de competências assume relevo, porquanto os eventos denotativos de capacidade econômica são limitados e, portanto, tem potencial de atrair a atenção conjunta de diferentes pessoas políticas detentoras de competência tributária, podendo ocasionar um excesso de tributação que atente contra a própria capacidade contributiva[6].
Essa distribuição se deu por meio da identificação de determinados eventos de notório conteúdo econômico como passíveis da criação de tributos sobre eles. Auferir renda, assim, justifica a instituição de um imposto de competência da União, assim como prestar serviços de qualquer natureza enseja a instituição de imposto municipal. Realizar operações que promovam a circulação de mercadorias, a seu turno, dá lugar a um imposto estadual.
2.4. Insuficiência da previsão constitucional
A mera previsão desses eventos e atribuição de competência às pessoas políticas é insuficiente, porém, para justificar a cobrança dos tributos correspondentes pois, como referido, as normas constitucionais em regra atuam como normas de estrutura ou de competência, ou seja, são normas jurídicas vocacionadas a justificar a criação de outras normas jurídicas[7].
Some-se a isso o fato de o exercício da competência tributária ser facultativo, como pontifica Roque Carrazza[8], ponto sobre o qual nos debruçaremos mais adiante, mas não sem notar que o ilustre professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo afima que a Carta Suprema não criou tributos (...) o tributo só nasce a partir do átimo em que uma pessoa pode ser compelida a pagá-lo, por haver acontecido, no mundo fenomênico, o fato hipotetizado na norma jurídica tributária. Ora isso só se verifica subsecutivamente à edição, pela pessoa política competente, da lei veiculadora desta mesma norma.
O fato de a Constituição prever a possibilidade de criação de um imposto de grandes fortunas, por exemplo, não outorga diretamente a um fiscal da receita federal o poder de lançar o referido tributo contra um magnata, pois a própria constituição subordina o exercício da referida competência à aprovação de uma lei complementar. Mesmo as competências tributárias que dispensem esse critério mais rigoroso de aprovação, como a competência para a criação do imposto de renda, por exemplo, não prescindem de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional instituindo o tributo e estabelecendo os seus critérios de incidência.
É notório que, mesmo para aqueles, como Luís Eduardo Schoueri[9], que professam que a Constituição de 1988 não teria propriamente criado competências, mas apenas distribuído ou redistribuído aquelas pré-existentes à sua promulgação a ideia acima não é perdida. Isso porque, conflito dessa corrente com aquela defendida no início do trabalho é apenas aparente.
Ora, não parece haver divergências sérias quanto ao fato de que a Assembleia Nacional Constituinte recebeu do povo brasileiro um poder absoluto e ilimitado para disciplinar sobre o sistema tributário nacional. Decorrência direta disso é que, seja ratificando uma divisão de competências preexistentes ou inaugurando uma ordem, os constituintes realizam uma escolha livre, bastando, para testar o argumento, indagar se essa escolha poderia ter sido diferente se assim quisesse a maioria dos constituintes reunidos àquela época.
A bem da verdade, porém, coube aos representantes do povo naquela ocasião, como de rigor, formular um desenho do Estado brasileiro e provê-lo de indispensáveis fontes de recursos para o financiamento de sua atuação, soberanamente pela arrecadação de receitas tributárias. Não surpreende, portanto, o atalho de se valer do conhecimento acumulado àquela altura sobre o sistema tributário desenhado anos antes por juristas de escol, como Rubens Gomes de Souza e Gilberto Ulhôa Canto, com êxitos e fracassos empiricamente constatáveis e passíveis de aproveitamento ou correção.
Henry Ford tinha em mente as funções e benefícios do seu inovador motor V-8 quando o concebeu, embora não tivesse a mínima ideia dos detalhes técnicos necessários para o seu desenvolvimento. Delegou essa última parte aos seus engenheiros, a despeito do ceticismo inicial desses últimos, tendo obtido sucesso na realização de sua ideia. A analogia do exemplo de Ford com os formuladores do estado de suas fontes de financiamento é possível, pois esses não se dedicam, por via de regra, aos esforços técnicos ao desenho específico dos tributos, papel mais bem desempenhado pelos estudiosos do direito.
Em outras palavras, o poder tributário que forjou a Constituição vigente não foi condicionado pelo esboço do sistema tributário pré-existente mas, o inverso disso, condicionou o exercício da competência tributária segundo esse critério de conveniência livremente eleito, como poderia ter se aventurado a subverte-lo, caso imbuído de espírito revolucionário quanto ao tema.
Promulgada a Constituição, o poder de tributar retornou ao povo brasileiro, ficando na carta somente a distribuição das competências tributárias exclusivas e impositivas. Cabe a cada pessoa política, pelo processo de aprovação previsto na Constituição Federal, pelas Constituições Estaduais e pelas leis orgânicas dos municípios exercer a competência recebida, criando os tributos reservados à sua esfera de competência.
Qual é o impacto dessa assertiva para o estudo que ora se propõe? Considerando que os litígios tributários podem envolver dissensos de interpretação tanto da Constituição Federal quanto das leis responsáveis pela criação e disciplina dos tributos, é com a referida divisão em mente que caberá ao intérprete delimitar onde terminam as competências do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal para a solução final dessas contendas.
3 – Divisão de competências dos Tribunais Superiores
3.1. A crise do Supremo
Uma das mais importantes inovações trazidas pela Constituição de 1988 foi a criação do Superior Tribunal de Justiça, fazendo frente a uma demanda da sociedade brasileira que, àquela altura, já somava mais de quarenta anos de questionamentos sobre a capacidade do Supremo Tribunal Federal de desempenhar o papel que lhe fora reservado desde a sua criação ainda na época do Império.
A criação dos Tribunais Federais de Recursos, na década de 1940, constituiu, segundo artigo presente no próprio sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, uma resposta a uma sobrecarga já observada na década anterior, se mostrando insuficiente nas décadas seguintes para a correção da falha, cunhando-se a partir de 1960 a expressão “crise do Supremo”, que segundo a mesma publicação, era definida por Alfredo Buzaid como o “desequilíbrio entre o número de feitos protocolados e o de julgamentos por ele proferidos, sendo a entrada daqueles consideravelmente superior à capacidade de sua decisão (...) se acumulando os processos não julgados, resultando daí o congestionamento”.
Os esforços legislativos nos anos seguintes buscaram a uma racionalização e sistematização do sistema de recursos de maneira a tentar solucionar o referido gargalo, dos quais é exemplo o próprio Código de Processo Civil de 1973, orientado pelo referido jurista Alfredo Buzaid.
3.2. A criação do Superior Tribunal de Justiça
Apenas com a promulgação da Constituição de 1988, porém, um passo decisivo foi dado no sentido de desafogar as pautas do Supremo, dando vazão a um desígnio antigo de realça o seu papel constitucional, por meio da criação de um novo tribunal, nacional, com jurisdição sobre matéria sem natureza constitucional.
A extinção do Tribunal Federal de Recursos foi compensada pela criação de tribunais regionais federais, segunda instancia da justiça federal, e pela criação do Superior Tribunal de Justiça, que passou a exercer o papel de interpretação e uniformização do entendimento, em nível nacional, sobre a legislação federal, recebendo recursos dos tribunais regionais e federais a respeito dessa matéria.
3.3. Duas Cortes. Duas competências
O preço a pagar pela solução da crise do Supremo foi dividir a competência deste com o recém criado Superior Tribunal de Justiça, delegando-lhe funções outrora exercidas somente pelo primeiro. Entre essas novas funções, destacamos o controle final da interpretação da legislação federal, caro aos propósitos do presente estudo.
Esse controle é exercido por meio do recurso especial, equivalente ao recurso extraordinário, mas voltado à correção de decisões de única ou última instâncias de tribunais brasileiros que contrariem a interpretação da lei federal, promovendo ainda a uniformização de entendimentos porventura existentes em diferentes tribunais a esse respeito, bem como a proteção da legislação federal contra atos locais a ela contrários.
Como optou-se, para o presente estudo, por partir de um caso recentemente julgado pelas cortes superiores, tratando de um tributo federal, em que evidenciada a problemática a ser abordada, a análise levará em conta as competências do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para julgar, respectivamente, os recursos extraordinário e especial. Todavia, nada impede que as conclusões aqui alcançadas incidam igualmente em matéria de tributos estaduais e municipais, com a única diferença de que a análise da legislação local, nesses casos, será realizada pelos Tribunais de Justiça, não pelo STJ (Súmula STF n. 280).
4 – Delimitação do problema
4.1. A competência constitucional das contribuições sociais
Como é sabido, a Constituição de 1988 criou um amplo e nacional sistema de seguridade social, envolvendo ações do governo central no atendimento de demandas sociais voltadas à previdência, assistência e à saúde. Como não poderia ser diferente, coube também à Constituição prever as fontes de financiamento dos referidos programas pela sociedade, prevendo competências tributárias específicas com esta finalidade.
Nesse sentido, de forma genérica o artigo 149 da Constituição previu competir à União criar contribuições, sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais, enquanto o artigo 195 tratou de estabelecer determinadas fontes materiais de contribuições destinadas a financiar a seguridade social. No caso dos empregadores, foram previstos como elementos materiais para o exercício dessa competência, a folha de salários, o faturamento e o lucro.
Conquanto a referida redação original do artigo 195 tenha sofrido modificações pelo poder constituinte reformador, o objeto do presente estudo prescinde da análise dessas alterações, porquanto se concentrará na extensão do termo folha de salários, presente na versão original do texto.
Misabel Derzi[10] destacou pouco depois da entrada em vigor da Constituição de 1988 destacou que a nossa prática brasileira é sempre criar impostos com destinação específica, denominando esses impostos de contribuições.
A classificação pioneira da ilustre mestre mineira é secundada por outros não menos ilustres estudiosos, como Sacha Calmon Navarro Coêlho, Gilberto Ulhôa Canto, Wagner Balera e Roque Carrazza, que reconhecem que a contribuição do empregador sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro possuem fatos geradores e base de cálculos próprios de impostos, ou seja, seguem o regime jurídico da espécie tributária desvinculada, informado pelo princípio da capacidade contributiva[11].
O acerto dessa classificação parece inequívoco, considerando que o empregador ou a empresa não são beneficiados pelas ações da União relacionadas à Seguridade Social, sendo convocados a “contribuir” com a referida finalidade por conta de manifestações objetivas de capacidade econômica, quando remuneram os seus empregados e prestadores de serviços sem vínculo de emprego, realizarem operações com venda de mercadorias e prestarem serviços e auferirem lucro.
Sobre a terminologia “empregadores” e “folha de salários”, é importante mencionar que o Supremo Tribunal Federal há muito considerou inconstitucional tentativas legislativas voltadas a abarcar na hipótese de incidência do tributo remunerações a pessoas naturais que prestassem serviços a empresas sem vínculo de emprego, tal como definido pela legislação trabalhista[12].
As referidas limitações foram superadas ao longo dos anos, primeiro por meio da edição de uma lei complementar prevendo a incidência da contribuição sobre a remuneração do trabalho sem vínculo de emprego como fonte adicional de financiamento da Seguridade Social. Mais recentemente, com a alteração do próprio texto constitucional, passando a contemplar não mais apenas o trabalho prestado aos “empregadores” e tendo por aspecto material “a folha de salários”, mas de forma indiferente as empresas e entidades equiparáveis tendo por base também os “demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.
4.2. Hipótese de incidência
Sem prejuízo do exposto, há um consenso doutrinário e jurisprudencial no sentido de segregar valores de notória função de remunerar o trabalho de outras que, embora vinculadas à relação laboral, têm por objetivo indenizar[13] o prestador do serviço ou ainda sejam ocasionais, despidas de habitualidade inerente à remuneração[14].
Ou seja, não custa lembrar que o legislador federal[15] definiu a hipótese de incidência da contribuição da empresa sobre a remuneração como o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho.
Merece destaque, na referida definição da hipótese normativa de incidência, do complemento nominal destinadas a retribuir o trabalho, pois limita o alcance do nome o total das remunerações pagas, justamente no sentido defendido nas linhas acima, o valor pago que não tenha por finalidade retribuir o trabalho, ainda que vinculados ao contrato de trabalho, estão fora do juízo hipotético traçado pela lei que define a hipótese de incidência tributária.
4.3. Juntando os conceitos
Assim, entrelaçando o que dissemos sobre a competência constitucional com a definição da hipótese de incidência da contribuição social do empregador sobre a folha de pagamentos, temos em primeiro lugar a abrangência do termo a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício, presente no artigo 195, inciso I, a, da Constituição Federal.
Nesse sentido, mais recentemente a questão foi enfrentada pelo Supremo[16], tendo prevalecido na ocasião a interpretação da extensão da referida competência constitucional – antes ou depois da EC 20/98 – a partir do que prevê o artigo 201, § 4º ou § 11, a depender do período analisado, ou seja, abarcando “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título”.
Em outras palavras, segundo o Supremo, a Constituição outorgou competência para a União instituir contribuição social da empresa sobre a totalidade dos valores pagos com habitualidade ao empregado (ou prestador sem vínculo empregatício), realizando uma interpretação sistemática que vincule a contribuição patronal às parcelas adimplidas pelo próprio trabalhador, com repercussão direta nos benefícios previdenciários almejados.
Nada obstante, conforme já enunciado, o fato de a Constituição outorgar uma determinada competência é insuficiente, por si só, para justificar a incidência do tributo sobre um determinado evento, pois: (a) a Constituição Federal brasileira não cria tributos, se limitando a distribuir competências tributárias; e (b) as pessoas políticas não estão vinculadas ao exercício da competência tributária recebida, em regra, podendo em maior ou menor extensão deixar de exercê-la.
Assim, a constatação de que qualquer valor pago com habitualidade ao trabalhador legitima a instituição de contribuição social pela União não permite concluir pela incidência da contribuição social nessa amplitude, cabendo investigar a partir da lei que disciplina o tributo essa questão.
4.4. Facultatividade das competências constitucionais
Conforme já referido, Roque Carrazza elenca a facultatividade como uma das características da competência tributária, ou seja, embora esta seja indelegável, as pessoas políticas são livres para delas se utilizarem ou não.
A mesma posição é esposada por Paulo de Barros Carvalho, conquanto com a ressalva de que não está presente em todos os casos, citando expressamente o caso do ICMS, que demanda a instituição obrigatória no âmbito nacional, em razão do figurino constitucional e legal do imposto, o que não compromete o presente estudo, voltado à contribuição sobre a folha de salários.
Assim, nada impede que um determinado pagamento realizado no contexto do contrato de trabalho que se adeque ao arquétipo constitucional seja deixado de fora da hipótese de incidência da contribuição social tal qual definida pela legislação federal.
Fixadas as premissas acima, passa-se à fase derradeira do presente trabalho, voltada à análise se, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que não identifica o enquadramento de determinado pagamento realizado pelo empregador ao trabalhador na hipótese de incidência da contribuição social, pode ser superado pela sobrevinda de julgamento, pelo Supremo, entendendo pelo enquadramento
5 – Julgamentos aparentemente contraditórios
5.1 Julgamento do repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça
No dia 23.04.2014, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça concluiu o julgamento do Recurso Especial n. 1.230.957, envolvendo litígio entre a União e uma empresa privada sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre verbas tidas por não salariais, entre elas o terço-constitucional de férias.
Segundo o voto-condutor do referido precedente, é direito constitucional do trabalhador gozar de férias remuneradas acrescidas de, pelo menos, um terço-adicional à remuneração avençada, tendo sido questionada se esse acréscimo se enquadraria no conceito legal de remuneração para efeito de contribuição previdenciária do empregador.
Sua Exa. concluiu, a partir da análise de precedentes do Supremo envolvendo a remuneração de servidores públicos e do próprio STJ sobre os pagamentos realizados pela empresa a título de terço de férias, que a verba possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa), motivo pelo qual não deve integrar a hipótese de incidência da contribuição social patronal.
Inclusive, espancando qualquer dúvida sobre a origem do entendimento pela não incidência do tributo, o ministro citado afastou a alegação de uma suposta ofensa à reserva de plenário, justificando que a decisão não atestava a inconstitucionalidade da lei, mas, ao contrário, a partir de sua interpretação concluíra que a importância em comento não se enquadra no disposto no art. 22, I, da Lei 8.212/91, nem se amolda ao conceito de salário de contribuição do empregado, previsto no art. 28, I, da Lei 8.212/91, sendo que a interpretação, a contrario senso, do art. 28, § 9º, da lei referida — como pleiteia a Fazenda Nacional — não possui o condão de alterar a natureza do terço constitucional de férias, transformando-o em verba remuneratória.
Portanto, o Superior Tribunal de Justiça refutou a inclusão do terço de férias à base de cálculo da contribuição social do empregador porque entendeu que a verba não se amolda à hipótese legal de incidência do tributo, porquanto dotada de função indenizatória/compensatória e não habitual.
Conquanto o referido entendimento tenha sido incorporado, como haveria de ser, à jurisprudência nacional, por se tratar de recurso julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos – com aplicação imediata aos casos idênticos pelas instâncias ordinárias – em 2018 o Supremo Tribunal Federal selecionou o Recurso Extraordinário n. 1.072.485 como representativo do Tema 985 da Repercussão Geral (Natureza jurídica do terço constitucional de férias, indenizadas ou gozadas, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal).
Conforme se passará a analisar no subitem seguinte, no dia 31.08.2020 o Supremo concluiu o julgamento de mérito do referido recurso extraordinário, fixando a seguinte tese de repercussão geral: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.
Teria o referido posicionamento da mais alta corte do Brasil superado o posicionamento manifestado anos antes pelo Superior Tribunal de Justiça, que concluíra pela não incidência de contribuição social patronal sobre o terço de férias?
5.2. Julgamento da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal
O Recurso Extraordinário n. 1.072.485 foi interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região que concluiu pela não incidência de contribuição social patronal sobre, entre outras verbas, o terço constitucional de férias.
Segundo relato do ministro relator do referido apelo, a União alegara a natureza remuneratória do terço constitucional de férias, arguindo a diferença entre os regimes previdenciários dos servidores públicos e dos empregados celetistas, sustentando a impossibilidade de o Judiciário instituir isenção tributária.
Em seu voto de mérito, o ministro Marco Aurélio principia esclarecendo que cabe ao Supremo definir se o artigo 195, I, da Constituição Federal alcança o terço constitucional de férias, ante a natureza jurídica da verba.
Após citar precedentes sobre a matéria contribuição previdenciária do empregador, o relator convoca dois requisitos para a integração de determinado pagamento ao referido arquétipo constitucional: a natureza remuneratória e a habitualidade do pagamento.
Sobre o último requisito, após se referir à tese fixada no Tema n. 20, à qual já nos referimos anteriormente, o relator conclui todos os valores adimplidos em decorrência do contrato de trabalho, e não apenas aqueles diretamente destinados a retribuir o serviço, possuem natureza remuneratória, excluindo-se as verbas nitidamente indenizatórias.
Sobre o segundo ponto, o ministro destacou que a análise decorre da previsibilidade e periodicidade do pagamento, estando fora da abrangência desse elemento recebimentos eventuais, desprovidos de previsibilidade.
Adentrando à apreciação específica do terço de férias, o relator sustenta que a verba é paga como complemento à remuneração habitual decorrido determinado período do contrato de trabalho, sendo desinfluente para a sua caracterização jurídica o fato de não haver prestação de serviços no período de férias, porquanto o vínculo empregatício é preservado no período e a remuneração correspondente é indissociável do trabalho realizado durante o ano.
Assim, sua Exa. conclui, em decorrência da habitualidade e o caráter remuneratório da totalidade do que percebido no mês de gozo das férias, ser devida a contribuição social patronal sobre o terço de férias, tendo sido acompanhado pela maioria dos ministros do Supremo que participaram do julgamento.
A questão que se colocará no tópico conclusivo a seguir será: tendo o referido precedente sido firmado a partir da análise da extensão da competência constitucional da União para instituir a contribuição previdenciária, é possível afirmar que a partir da publicação do acórdão correspondente restou sem efeito o posicionamento repetitivo do STJ sobre o qual discorremos no subitem anterior?
6 – Notas conclusivas
O estudo pormenorizado das premissas jurídicas que norteiam a previsão de competências tributárias pela Constituição; a aptidão para criar tributos segundo a referida distribuição de competências; e os âmbitos reservados ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça no julgamento de recursos extraordinários e recursos especial, incluindo aqueles dotados de repercussão geral ou inseridos no sistema dos repetitivos, leva à conclusão de que os referidos posicionamentos das Cortes Superiores, embora contraditório na fundamentação, podem conviver de forma harmoniosa.
Em primeiro lugar, demonstramos que as competências dos referidos tribunais em termos recursais não é excludente e tampouco sobreposta, mas são notavelmente complementares, cabendo ao Supremo, a partir da Constituição de 1988, exercer o controle difuso ou incidental de constitucionalidade, enquanto reservou-se ao Superior Tribunal de Justiça repelir possíveis ofensas ou interpretações díspares da legislação federal em todo o território nacional.
Destacamos, outrossim, que a Constituição não criou tributos no Brasil, se limitando à tarefa de distribuir competências tributárias às pessoas políticas dotadas de capacidade tributária ativa, como a União no caso das contribuições sociais voltadas ao financiamento da Seguridade Social. Estudamos, ainda, que as competências tributárias em regra são facultativas, embora irrenunciáveis e indelegáveis, podendo ser exercidas em menor extensão ou mesmo deixar de ser exercidas.
De todo o exposto acima, decorre que quanto o Supremo julgou o Recurso Extraordinário n. 1.072.485 e afirmou que pode haver a incidência de contribuição social do empregador sobre o terço de férias, o faz no sentido de reconhecer que a competência outorgada pelo artigo 195, I, da Constituição contempla o referido pagamento, estando livre a União para instituir a contribuição sobre ele.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, já havia analisado a matéria sob o prisma da Lei n. 8.212/91, concluindo pela não integração do terço de férias ã regra matriz de incidência tributária da contribuição social da empresa.
Portanto, apenas o Poder Legislativo, por meio de alteração da referida regra matriz de incidência, poderá prever a inclusão do terço de férias à base de incidência da contribuição previdenciária patronal.
A resposta aos questionamentos formulados nos itens anteriores é, portanto, inequivocamente negativa, ou seja, o posicionamento posterior do Supremo pela abrangência do terço constitucional de férias na competência da União para instituir contribuição social sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho não revogou automaticamente os efeitos do repetitivo julgado pelo Superior Tribunal de Justiça anos antes, pelo qual se reconheceu a não integração da verba à hipótese legal de incidência efetivamente exercida até o momento.
Bibliografia
ATALIBA, Geraldo. Revista de Direito Tributário n. 48. Contribuições.
CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário / Roque Antonio Carrazza - 26ª edição – São Paulo: Malheiros2010.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário/ Paulo de Barros Carvalho – 20 ed. Ver. – São Paulo : Saraiva. 2008.
DERZI. Misabel. Revista de Direito Tributário n. 48. Contribuições.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 1940 – Curso de direito tributário brasileiro/ Sacha Calmon Navarro Coêlho. – Rio de Janeiro: Forense, 2009.
IBRAHIM, Fabio Zambitte in Curso de Direito Previdenciário, Editora Impetus, 2004, Rio de Janeiro.
MELO. José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário/ José Eduardo Soares de Melo – 7. Ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Malheiros, 2018.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho.
SHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário/ Luís Eduardo Shoueri – São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] A República finda-se na igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Os Poderes são constituídos pelo povo. Os detentores dos Poderes (legislatura e governo) são eleitos para mandatos transitórios, e os juízes são nomeados, exceto os do Supremo Tribunal Federal, no caso do Brasil, após concurso de provas e títulos, com as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, para aplicarem a lei com segurança e independência. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 1940 – Curso de direito tributário brasileiro/ Sacha Calmon Navarro Coêlho. – Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 46)
[2] CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário / Roque Antonio Carrazza - 26ª edição – São Paulo: Malheiros2010.
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário/ Paulo de Barros Carvalho – 20 ed. Ver. – São Paulo : Saraiva. 2008. p. 59
[4] Por força do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), a ponência de normas jurídicas inaugurais no sistema há de ser feita, exclusivamente, por intermédio de lei, compreendido este vocábulo no seu sentido lato. Em qualquer segmento da conduta social, regulada pelo direito, é a lei o instrumento introdutor dos preceitos jurídicos que criam direitos e deveres correlatos. (ob. cit. p. 234)
[5] Em contraponto a essa afirmação, Luís Eduardo Shoueri opina pela desnecessidade de repartição de competência para a realização do federalismo, bastando para tanto discriminação de rendas que, segundo defende, não se confunde com discriminação de competências. (Shoueri, Luís Eduardo. Direito tributário/ Luís Eduardo Shoueri – São Paulo: Saraiva, 2011)
[6] V. Shoueri, ob. cit. p. 239.
[7] A Constituição é a lei suprema, é a lei das leis, é a lei máxima. A Constituição cria o Estado, ela está acima de todos os Poderes do Estado, ela é a criadora dos Poderes do Estado. Ela é que instituiu o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, ela é que dá a eles três competências; e dando competência limita essas competências. E por ser superior não admite, não consente, não tolera que nenhum ato Legislativo, Executivo, Judiciário contrarie suas exigências, seus imperativos. (ATALIBA, Geraldo. Revista de Direito Tributário n. 48. Contribuições).
[8] Ob. cit. p. 698.
[9] A mera leitura dos elencos dos artigos 153, 155 e 156 revela que o constituinte pouco inovou, i.e., não procurou novas “fontes”de capacidade contributiva de onde extrair sua participação. Apenas redistribuiu impostos preexistentes, fundindo alguns deles e eliminando outros. (in ob. cit. p. 248).
[10] DERZI. Misabel. Ob. cit. p. 230.
[11]Apud MELO. José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário/ José Eduardo Soares de Melo – 7. Ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Malheiros, 2018. p. 106/107.
Partes RECTES.: ABASTECEDORA TONOLLI LTDA. E OUTROS ADVDOS.: CELSO LUIZ BERNARDON E OUTROS RECDO. : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS ADVDO. : LINO DALMOLIN E OUTROS Ementa INTERPRETAÇÃO - CARGA CONSTRUTIVA - EXTENSAO. Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida" - Celso Antonio Bandeira de Mello - em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este àquele. CONSTITUIÇÃO - ALCANCE POLÍTICO - SENTIDO DOS VOCÁBULOS - INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios. SEGURIDADE SOCIAL - DISCIPLINA - ESPÉCIES - CONSTITUIÇÕES FEDERAIS - DISTINÇÃO. Sob a égide das Constituições Federais de 1934, 1946 e 1967, bem como da Emenda Constitucional nº 1/69, teve-se a previsão geral do tríplice custeio, ficando aberto campo propício a que, por norma ordinária, ocorresse a regência das contribuições. A Carta da República de 1988 inovou. Em preceitos exaustivos - incisos I, II e III do artigo 195 - impôs contribuições, dispondo que a lei poderia criar novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecida a regra do artigo 154, inciso I, nela inserta (§ 4º do artigo 195 em comento). CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - TOMADOR DE SERVIÇOS - PAGAMENTOS A ADMINISTRADORES E AUTÔNOMOS - REGÊNCIA. A relação jurídica mantida com administradores e autônomos não resulta de contrato de trabalho e, portanto, de ajuste formalizado à luz da Consolidação das Leis do Trabalho. Daí a impossibilidade de se dizer que o tomador dos serviços qualifica-se como empregador e que a satisfação do que devido ocorra via folha de salários. Afastado o enquadramento no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, exsurge a desvalia constitucional da norma ordinária disciplinadora da matéria. A referencia contida no § 4º do artigo 195 da Constituição Federal ao inciso I do artigo 154 nela insculpido, impõe a observância de veículo próprio - a lei complementar. Inconstitucionalidade do inciso I do artigo 3º da Lei nº 7.787/89, no que abrangido o que pago a administradores e autônomos. Declaração de inconstitucionalidade limitada pela controvérsia dos autos, no que não envolvidos pagamentos a avulsos.
[13] A propósito, vale transcrever o ensinamento de Amauri Mascaro Nascimento:
"Distinguem-se salário e indenização. Indenização é a reparação de danos. Não se confundem com salário as indenizações de dispensa sem justa causa e outras, como as diárias e ajudas de custo, cuja natureza é também de ressarcimento." (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. P. 339)
[14] Esta contribuição é de 20% sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer titulo, durante o mês, ao segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinado a retribuir o trabalho. (...) A partir do momento em que há a prestação de serviço, tendo-se remuneração devida, há o fato gerador. O que interessa é o crédito jurídico não o efetivo pagamento.
(...) Ao contrário da contribuição dos segurados, a qual incide sobre o salário-de-contribuição, a cota patronal incide sobre a remuneração. Isso é fundamental pelo seguinte: a base de incidência da contribuição patronal não possui limite máximo, como a dos segurados.” (IBRAHIM, Fabio Zambitte in Curso de Direito Previdenciário, Editora Impetus, 2004, Rio de Janeiro, p. 184/1825)
[15] BRASIL. Lei 8.212, de 24 de julho de 1991. DOU de 25.7.1991, republicado em 11.4.1996 e republicado em 14.8.1998.
[16] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 565160. Recorrente EMPRESA NOSSA SENHORA DA GLÓRIA LTDA. Rel. Ministro Marco Aurélio. Brasília, Julgamento: 29/03/2017 Publicação: 23/08/2017.
Advogado e Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Faculdade de Direito. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Leonardo Augusto. Análise dos efeitos da decisão do Supremo sobre a extensão da competência constitucional em relação a decisão do Superior Tribunal de Justiça que considera ilegal a exigência de um tributo oriundo dessa mesma competência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2023, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60764/anlise-dos-efeitos-da-deciso-do-supremo-sobre-a-extenso-da-competncia-constitucional-em-relao-a-deciso-do-superior-tribunal-de-justia-que-considera-ilegal-a-exigncia-de-um-tributo-oriundo-dessa-mesma-competncia. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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