LETICIA LOURENÇO SANGALETO TERRON[*]
(orientadora)
RESUMO: Diante da alta demanda de processos da área da saúde aguardando uma decisão nas comarcas do país, fez-se necessário a análise do Sistema Único de Saúde e do Judiciário em conjunto. Diante disso, percebeu-se a real necessidade da maioria dos pacientes que buscam sanar suas necessidades por meio da justiça gratuita, sendo este um dos quesitos relevantes que comprovam a precariedade dos solicitantes. Trata-se de um tema de suma importância, ligado ao direito de ação e ao direito à vida, que devem ser tratados com os quesitos agilidade, baixo custo aos cofres do Estado, gratuidade aos usuários, além de garantir um serviço de qualidade conforme a CF de 1988. Em grande maioria a precariedade dos atendimentos se dá por conta da má administração de verbas públicas, mas não cabe julgar apenas este quesito quando se pode fazer algo por meio outras soluções já existentes, como sistemas criados pelo CNJ e câmaras de mediação, faltando apenas aprimorar seu funcionamento. Foi utilizada neste trabalho a metodologia dedutiva com revisão bibliográfica de artigos científicos, doutrinas e pesquisas que apontam o nível de judicialização da saúde no país e os resultados já obtidos com alguns programas implantados.
Palavras-chave: Judicialização da saúde. Direito Constitucional. Saúde Pública.
THE REDUCTION OF EXCESS LEGAL DEMANDS IN THE AREA OF PUBLIC HEALTH IN BRAZIL
ABSTRACT: Faced with the high demand for processes in the health area awaiting a decision in the regions of the country, it was necessary to analyze the Unified Health System and the Judiciary together. In view of this, it was noticed the real need of most patients who seek to remedy their needs through free justice, which is one of the relevant questions that prove the precariousness of the applicants. It is a matter of paramount importance, linked to the right of action and the right to life, which must be dealt with in terms of agility, low cost to the State coffers, free of charge to users, in addition to guaranteeing a quality service in accordance with the CF of 1988. In most cases, the precariousness of care is due to the mismanagement of public funds, but it is not appropriate to judge this issue alone when something can be done through other existing solutions, such as systems created by the CNJ and mediation chambers, just needing to improve its functioning. The deductive methodology was used in this work with a bibliographic review of scientific articles, doctrines and research that point out the level of judicialization of health in the country and the results already obtained with some implemented programs.
Keywords: Health Judicialization. Constitutional Law. Public Health.
1 INTRODUÇÃO
Mesmo possuindo o maior sistema de saúde pública e totalmente gratuito do mundo em comparação ao número de habitantes do Brasil, o SUS Sistema Único de Saúde sofre grande sobrecarga principalmente nos grandes centros e em locais onde a infraestrutura é precária.
Sendo um país de grandes proporções territoriais, este possui em cada região determinados problemas específicos de saúde conforme a concentração de pessoas ou até mesmo a biodiversidade presente em cada ecossistema, por isso desde sua divisão política até a divisão do SUS são distribuídas em três partes; União em que o centro está no Distrito Federal, Estados membros coordenados pelos seus governadores, e Municípios coordenados pelos respectivos prefeitos, além de agentes específicos de outros órgãos da saúde, como exemplo o Ministério da Saúde dentre outros, que por um lado facilitam a administração e por outro podendo criar convergência entre as decisões.
As demandas e verbas destinadas aos setores de saúde espalhados pelo país provêm destes três polos, sendo estes responsáveis separadamente ou em conjunto, quando há falta de determinado tratamento ou medicamento.
O Direito à saúde é um dos elencados na Constituição Federal de 1988, sendo ele de suma importância, pois mantém outro direito que é a vida, portanto o Estado se torna responsável a cuidar bem dos seus administrados, e caso haja violação destes direitos o cidadão poderá ser indenizado, pois, o Estado possui sua responsabilidade Civil objetiva.
Para tanto, percebe-se a necessidade de amparo pré-processual tanto dentro das secretarias de saúde como em câmaras de mediação, evitando que se crie ou prossiga com processo no judiciário evitando que haja abusos nos pedidos e oferecendo alternativas eficazes de se resolver determinada demanda consensualmente, sendo assim o SUS e o judiciário podem fluir rapidamente sem sobrecarga e sem prejuízos aos seus usuários.
2 A JUDICIALIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
O fenômeno judicialização surgiu logo após a segunda guerra mundial, em que alguns países perceberam que um judiciário independente e forte favorece a democracia, além do seu objetivo principal que é atender a necessidade de uma pessoa ou coletividade quando o órgão próprio ou o executivo ou legislativo não o fez.
A judicialização também serve de sinal para fiscalizar e controlar os poderes envolvidos nas lides, principalmente a política, que é alvo de desencanto dos cidadãos pela corrupção que ocorre pelo país e a falta de compromisso com a sociedade.
Vários são os temas que podem ser judicializados; conforme a Constituição de 1988 descreve podem ser tratados temas desde assistência ao idoso, meio ambiente, vida, igualdade, dentre outros, inclusive o direito a saúde tratado neste artigo.
Apesar de ser excelente fonte para fazer valer determinado direito, a Judicialização excessiva não atinge o objetivo sanador dos problemas mais existentes no país, tem se como exemplo a saúde, em que o pedido feito e deferido pelo judiciário de determinado medicamento, somente trará efeitos aquele determinado indivíduo, sendo que os demais usuários da rede de saúde continuarão desamparados á espera da resolução de seu pedido particular, fora o risco da demora que determinadas doenças oferecem aos seus pacientes podendo deixar sequelas permanentes ou até mesmo indo a óbito.
Conforme pronunciou o ex-superintendente do Hospital Sírio-Libanês Vecina Neto (2020, n p):
A judicialização excessiva é um problema para a execução das políticas públicas de saúde no Brasil. “O Judiciário deve exigir dos outros Poderes as políticas públicas que construam os direitos e deve verificar os resultados, mas não deve propor ou executar políticas, porque, ordinariamente, os recursos são mal utilizados, beneficiando apenas um demandante. A maioria das demandas que chegam à Justiça é fruto da falta ou da má execução de políticas públicas que afetam a vida de milhões de brasileiros”.
Assim, é interessante que houvesse maior fiscalização e controle sobre os administradores políticos e correspondentes dos órgãos ou hierarquias, para que as verbas bem administradas gerassem a solução coletiva de determinada problema social que ocorre com frequência no Judiciário, fazendo valer com autoridade o direito descrito nos Artigos 196 e 197 da Constituição Federal.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 1988, n p).
Quando houver demora ou falta de algum dos serviços prestados pelo Estado, gerando lesão aos administrados, estes poderão valer de seus direitos, conforme a Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado.
Para se compreender melhor, ao longo do tempo a Responsabilidade Civil do Estado sofreu grandes mudanças iniciou-se com a teoria da Irresponsabilidade do Estado, sendo na época regido pelo Rei que era considerado um ser “perfeito”, dentro de um sistema autoritário, portanto este não cometia erros e automaticamente não necessitava reparar danos causados a particulares. Logo após surgiu em meados do século XIX a Teoria da Responsabilidade com Culpa, tendo que comprovar a culpa do agente que ocasionou a lesão; depois a Teoria da Responsabilidade Administrativa, em que a vítima tem que comprovar a culpa, sem a necessidade de identificar o agente que causou o dano, até que se chegou à teoria atualmente adotada pelo Brasil, a Teoria da Responsabilidade Objetiva, sendo independente de culpa do agente, tendo o interessado apenas que comprovar a relação do fato e do dano ocorrido para se obter indenização.
De acordo com a teoria adotada pela Carta Magna no seu art. 37 §6°:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1988,n p)
Toda vez que um particular se sentir lesionado seja pela má prestação, pela não prestação, ou pela ineficácia de determinado serviço ou coisa poderá este ingressar contra o Estado e, também, terceiro que esteja prestando serviços ao Estado, a fim de que seja atendido e indenizado pela lesão que sofreu, conforme defende a Teoria da Falta Administrativa descrita por Glagliano e Pamplona Filho (2021, p.252):
“A teoria epigrafada toma como espeque a visão de que a falta do serviço estatal caracteriza a culpa da Administração, não havendo necessidade de investigar o elemento subjetivo do agente estatal, mas sim, somente, a falta do serviço em si mesmo.”
O direito à vida e a saúde é algo incomparável, insubstituível, acima de qualquer outra prerrogativa, sendo assim quase sempre será optado por eles, sendo estabelecida dentro do judiciário à ideia do próprio Ministro Celso de Mello na Pet 1246/96 do Supremo Tribunal Federal:
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, (...) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado (...) razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. (apud CONASEMS, 2021, p. 6).
Principalmente em casos que haja urgência haverá prioridade ao direito à saúde e a vida, sendo depois de responsabilidade do Estado cuidar dos cofres Públicos, conforme pronunciou a Ministra Carmem Lucia, na edição da Folha De São Paulo do dia 07 de novembro de 2016.
Estamos aqui para tornar efetivo aquilo que a Constituição nos garante. A dor tem pressa. Eu lido com o humano, eu não lido com o cofre (apud CONASEMS, 2021, p. 6).
Em vista disso, percebe-se a Responsabilidade Civil que o Estado tem em prestar devidamente seus serviços aos cidadãos e se assim não ocorrer, repará-los, pois configura um direito básico e essencial para população independente de culpa da Administração.
3 CONTROLE DE DIREITOS
O conceito de mínimo existencial pode ser definido como: “condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, o mandamento constitucional estará sendo desrespeitado” (BARROSO, 2015, p. 214 apud ARAÚJO, 2021, n.p.).
Desta feita, é de extrema importância o cumprimento do mínimo existencial pelo Estado, não sendo utilizado como barreiras questões financeiras ou orçamentárias, pois a saúde se trata de um direito essencial, que deve ser colocado acima de outras obrigações, pois está ligado intensamente ao direito a vida, que supera qualquer outro direito ou garantia material.
Por outro lado o que não pode ocorrer é a aprovação de qualquer necessidade que envolva a saúde, pois além de gerar grandes efeitos ao aumento da judicialização, pode também ocasionar um grande aumento orçamentário para socorrer as necessidades dos indivíduos individualmente, deixando de oferecer o mínimo existencial a coletividade.
Por se tratar de um termo muito amplo, o mínimo existencial, quando interpretado abertamente gera sobre o Estado e sobre o sistema de saúde um fardo e um desgaste grandioso, no qual a assistência desmedida pode gerar um verdadeiro caos a coletividade, automaticamente aumentando a judicialização da saúde, por isso se faz necessário cuidado ao interpretar e colocar em prática o conceito do mínimo existencial, devendo antes ser analisado caso a caso, evitando danos tanto ao requerente de determinada demanda judicial, e também para sociedade.
No caso concreto se faz necessário à análise de alguns requisitos como: a adequação e a necessidade de determinado tratamento de saúde, a impossibilidade de substituição de certo medicamento por outro de efeito análogo e a incapacidade financeira do paciente ou de seus familiares.
Para tanto o Estado pode utilizar-se da medida da Reserva do Possível que tem como ideologia em seu conceito uma obrigação em que não se pode exigir, servindo como válvula de escape de algumas obrigações previstas na Constituição.
Como tudo na administração há de se ter um controle, a teoria da Reserva do Possível pode sim ser utilizada, como meio jurídico de se negar determinadas demandas jurídicas, desde que essas após serem observadas não gerem danos aos envolvidos, principalmente o direito ao mínimo existencial, havendo assim controle das contas do governo, pois os planejamentos do Estado são a longo prazo.
Já a jurisprudência do STJ, tem posição contraria, ao sustentar em suas decisões que os direitos ligados a dignidade da pessoa humana não podem ser ligados a teoria da reserva do possível, ou seja a escassez de recursos, tendo também em uma linha de pensamento mais aprofundada a ideia de que a falta de verbas para determinada área pode ter sido ocasionada pela má administração. (REsp 1.185.474- SC,2010).
4 FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Sendo o único sistema público e gratuito de saúde do mundo em um país com mais de 200 milhões de pessoas o SUS, Sistema Único de Saúde, é administrado em três subdivisões principais, União, Estados e Municípios, conforme descreve Varella. (VARELLA,2019)
Várias são as fontes de arrecadação das quais provem as verbas gastas com o SUS, sendo elas, IPI, ICMS, IPVA, IPTU, Cofins e demais impostos sobre produtos e serviços.
Após captados os impostos eles são distribuídos aos seus principais administradores, sendo que grande parte vem da União, devendo esta sempre investir o valor do ano anterior junto com a variação nominal do PIB. (VARELLA, 2019)
Desde a UBS (Unidade Básica de Saúde), UPA (Unidade de Pronto Atendimento), até outros canais de atendimento médico especifico seja de internação, ou ambulatorial para realização de exames todos tem seu papel especifico para o atendimento da população Brasileira, seja para emergências, seja para prevenção de determinadas doenças, todos estes financiados fortemente pela União em primeiro lugar e posteriormente pelos estados e municípios com porcentagem mínima de 12% de suas receitas cada um. (VARELLA, 2019)
Já os medicamentos são financiados de forma diferente, os básicos para tratamento de dores, pressão alta, diabetes e também anticoncepcionais, são custeados pelos Estados membros e municípios conforme cada região e o acordo pré-estabelecidos entre as secretárias, já os de alto custo são adquiridos pelos Estados membros e 80% da verba provém da União, sendo o restante pago pelo próprio Estado, tendo apenas a exceção dos medicamentos utilizados para Aids, que são adquiridos Pelo Ministério da Saúde. (VARELLA,2019)
Todo este sistema subdividido facilita a administração estadual e local, a decidir em quais áreas irá investir as verbas disponíveis, pois cada região do país sofre com certos problemas, para que seja implantado desde politicas sanitárias para prevenção de doenças, ao tratamento de algumas enfermidades complexas, que obtenha êxito conforme a demanda necessária.
Por outro lado quando os órgãos que financiam e administram todo este sistema estão em desacordo com as decisões a serem tomadas podem acarretar catástrofes e o mal funcionamento ou funcionamento tardio de diversas medidas seja de prevenção, de projetos sanitaristas, podendo alavancar extremamente a ocorrência de determinadas doenças, tornando o sistema sobrecarregado podendo chegar ao seu colapso, como exemplo o alto grau de contaminação e internações por COVID 19 no país, gerados pela indecisão sobre medidas de lockdown, indecisão sobre a compra de medicamentos para tratamento da doença, a demora para adquirir tanques de oxigênio dentre tantos outros empasses noticiados pela mídia.
No intuito de dar norte aos gestores da saúde pública pelo país, foram criados pelo CONASEMS, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, manuais sobre Judicialização da saúde nos municípios com os temas como responder e prevenir; e a Eficiência do gasto, descrevendo pontos relevantes de como o Estado analisa as compras e métodos a serem investidos no país a forma mais eficaz e econômica, dentre outros. Muitos são os métodos existentes para se medir esta eficiência, porém o mais utilizado é o QALY, no qual mede os anos e a qualidade de vida ganhada para cada decisão tomada, sejam referentes a tratamentos novos, métodos preventivos, dentre outros existentes, porém, mesmo que os índices sejam ótimos não quer dizer que serão implantados, pois, dependem muito do custo e do impacto financeiro que poderão acarretar. (CONASEMS, 2021).
Nada mais nada menos, o intuito destes programas são facilitar a Administração Pública no geral dentro dos seus princípios deixando evidente o princípio da eficiência muito importante para a qualidade da saúde no Brasil conforme descreve Pazzaglini Filho (2003, p.34).
A gestão administrativa na Administração Pública direta ou indireta, de qualquer do Poderes da União, em decorrência, além do dever tradicional de se reger pela ética, impessoalidade, transparência e sujeição ao ordenamento jurídico, tem de ater-se à eficiência, ou seja, deve ser direcionada sempre ao entendimento, mais adequado, razoável ou eficaz possível, do interesse público. Consequentemente, a eficiência é requisito de validade dos comportamentos administrativos.
Outro princípio abordado é a redução das desigualdades subdivididas em duas categorias, a não discriminação e a redução das desigualdades. A não discriminação é uma forma de igualdade horizontal, ou seja, tratar todos igualmente, independentemente de sexo, cor, raça, religião, classe social, evitando o atendimento prioritário por motivos de relação com o paciente ou interesse particular envolvido. Já a redução de desigualdades é analisada de forma vertical, buscando tratar de modo diferente os desiguais, mas, no intuito de gerar maior igualdade, por meio do atendimento prioritário de casos de extrema urgência e emergência ou regiões mais afetadas por determinada doença ou por indicadores de saúde precários. Toda e qualquer alocação de recursos deve-se ter como base a evidência científica destinando corretamente e justamente os recursos aos mais necessitados e urgentes gerando maior igualdade de atendimento, garantindo os princípios pré-estabelecidos na CF. (CONASEMS, 2021).
5 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL
Segundo CNJ Conselho Nacional de Justiça, entre os anos de 2008 e 2017 houve um aumento de 130% nas ações de saúde, atualmente tramitam mais de dois milhões de ações no Brasil, sendo que a grande maioria é sobre pedidos de medicamentos, inclusive muitos dos medicamentos solicitados se encontram cadastrados na lista do Sistema Único de Saúde (SUS), mas infelizmente são negligenciados e, também, outros que não constam nesta lista dificilmente serão custeados pelo SUS. (CNJ, 2020)
Existem em primeira instância cerca de 498.715 mil processos relacionados a saúde, existentes em 17 tribunais estaduais e 277.411 mil procedimentos correndo em segunda instância presentes em 15 tribunais de justiça estaduais, sendo que em 2016 gerou um gasto de 1,6 bilhão de reais ao Ministério da Saúde correspondente a um aumento de 13 vezes, todos referentes a demandas judiciais. (CNJ, 2020)
Uma pesquisa realizada sobre a “Judicialização e Saúde Pública: proposta de análise e monitoramento das demandas judiciais individuais para o acesso a medicamentos” e aprovada pela comissão de ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da fundação Oswaldo Cruz. (Parecer n.° 105/08 CAAE: 0131.0.031.000-08).
A mesma utilizou-se de dados fornecidos pelo TJ do Rio de Janeiro no período de julho de 2007 a junho de 2008 com 1263 processos, sendo utilizada uma amostra de 289, o estudo foi dividido em duas análises, a primeira se o demandante é beneficiário da gratuidade de justiça; a segunda se nas decisões houve antecipação de tutela.
O Sistema Único de Saúde possui como característica a gratuidade de seus serviços e bens prestados a população, diferente da justiça, que para alcançar o benefício da gratuidade o demandante deverá comprovar sua hipossuficiência e o magistrado perante a análise poderá concedê-la ou não.
Algo interessante percebido durante a pesquisa é que 95,8 dos casos que fizeram o pedido de acesso gratuito da justiça todos foram deferidos, automaticamente demonstrando a linha de pobreza em que se encontram a maioria das pessoas que necessitam do amparo especial do Estado no âmbito da saúde. (TJ/RJ,2008, n.p, apud PEPE, V. L. E. et al, 2010)
Já no segundo quesito sobre a antecipação de tutela todos os requerentes obtiveram êxito na requisição, sendo que todos os juízes apoiaram suas decisões no Fumus bonis juris, Fumaça do bom direito, porém estes tiveram por base provas levadas pelos próprios interessados como o pedido de seu médico. (TJ/RJ,2008, n.p, apud PEPE, V. L. E. et al, 2010)
Em raros casos foram solicitados outros meios de comprovação do direito requerido, como exemplo declaração originária de pedido do SUS, laudo médico originário do SUS ou outras exigências e em 96,9 % não foi solicitada nenhuma exigência além dos documentos já anexados a petição inicial. (TJ/RJ,2008, n.p, apud PEPE, V. L. E. et al, 2010)
Alguns dos motivos dos quais fazem com que cresça o número de judicializações no campo da saúde é, a maior expectativa dos pacientes pelo alcance da cura ou melhora de saúde com as novas tecnologias, aparelhos, medicamentos, dentre outros criados atualmente.
O segundo motivo que tem influenciado é a maior facilidade de acesso ao judiciário, por meio de advogados, Defensorias Públicas e Ministério Público. Um outro motivo é a abrangência da interpretação do direito a saúde como algo absoluto, em que todos tem o mesmo direito e necessidade de determinado tratamento, sendo que na prática, deve antes haver análise do que realmente se necessita em cada caso, evitando o desarranjo financeiro que vem ocorrendo no Sistema. A ideia deste último motivo, vem sendo influenciada pela enxurrada de ações no âmbito da saúde com grande número de decisões proferidas sem determinado cuidado de observância, estabelecendo com prontidão os pedidos médicos, junto a fala dos próprios pacientes. (CONASEMS, 2021)
6 MEDICAMENTOS LISTADOS E NÃO LISTADOS
Nas judicializações da área da saúde, podem ser requisitados medicamentos e serviços já relacionados na lista do SUS, e outros não relacionados. Os não relacionados primeiramente devem passar por um processo de aprovação que primeiro envolve pesquisas clínicas, sendo testados em humanos pelos motivos da eficácia e segurança. (CONASEMS, 2021)
Segundo passo a ser tomado é a avaliação e aprovação e registro da Anvisa, após esta avaliação o Conitec, Comissão Nacional para Incorporação de Tecnologias no SUS, faz varias avaliações, das quais as mais importantes são, o valor econômico, o impacto que o novo tratamento trará e se realmente compensa incorpora-la se comparado ao que já esta disponível na relação do SUS. (CONASEMS, 2021)
Em quarta fase o SUS, negocia valores de compra com determinada patente, devido à grandiosa quantidade de produtos que serão fornecidos. Após será realizada análise técnico-política sobre a distribuição e acesso regular do produto no país, cadastrando ele no (Rename) Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde. (CONASEMS, 2021)
Não há o dever do Estado em fornecer tratamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde, por outro lado entende-se que os aprovados deveriam sempre estar à disposição dos que precisam, pois foram planejados os gastos e resultados provindos dele, portanto gerando obrigação de atender a população, porém nem sempre esta obrigação se torna absoluta, pois quando há falta de oferta de determinado produto por escassez, ou por motivo justificado não é fornecido a determinado paciente pelas suas condições clínicas. Em muitos casos essa falta de atendimento pode gerar uma ação ao Judiciário, porém é necessária prévia conversa a fim de tentar resolver a falta por outros métodos existentes, caso haja.
O STF, tem decisão firmada sobre medicamentos não registrados pela Anvisa, devendo atender todos os seguintes requisitos para que possa ser julgado procedente o pedido. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido de registro (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”. (STF, RE 657718 MG, p.2).
Caso não haja todos os requisitos preenchidos será necessário que o autor busque outra forma de tratamento que possa substituir o requerido, e mesmo que não exista um substituto perfeito já registrado pelos órgãos do país, não justifica o pedido de tratamento não registrado. Por se tratar de tema muito complexo, foram criados apenas diretrizes como o Tema 500 do STF acima descrito, devendo ser analisado com muita precaução cada caso em concreto.
7 MÉTODOS CONTROLADORES DA JUDICIALIZAÇÃO.
Nos dados aqui apresentados, percebe-se a necessidade de políticas públicas regionalizadas voltadas a atender a coletividade, principalmente as comunidades mais carentes, também a precariedade de análise dos fatos interpostos na ação.
Diante do crescente aumento da Judicialização da Saúde no Brasil o CNJ teve a ideia de criar um grupo que pudesse criar parâmetros e medidas mais concretas e eficientes a fim de controlar a forte demanda ao judiciário e que as decisões fossem mais concisas, rápidas e desembaraçadas.
Em 2010 foi primeiramente criada a Resolução n. 31/2010, que busca ampliar a base de informações que o magistrado possui ao proceder a um julgamento, unindo conhecimentos da comunidade médica e científica além de gestores públicos. (CNJ, 2020)
Próximo passo tomado foi à aprovação da Resolução n.107/2010, com a instituição do Fórum Nacional da Saúde, quem tem o proposito de elaborar estudos para aperfeiçoar procedimentos no intuito de criar ferramentas que subsidiem os juízes com informações mais técnicas e cientificas formada a partir de evidências. (CNJ, 2020)
Grande foi o avanço quando ocorreu a criação do NAT-Jus, que é o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário, sendo este o principal auxiliador dos magistrados, fornecendo informações técnicas com fundamentos científicos que envolvam procedimentos Médicos e medicamentos a serem fornecidos, pois os Juízes sempre se limitavam a um laudo médico, trazido pela parte autora ao processo, em que poderia haver controvérsias ou detalhes minuciosos que somente um operador da saúde poderia detectar e que poderia levar a um julgamento impreciso. Ocorrido no ano de 2016 com a Resolução n.238/2016 foi expandido o NAT-Jus aos estados com a criação de Comitês Estaduais de Saúde espalhando-se assim os benefícios do Comitê Nacional a todo País e junto ao Ministério da Saúde, o Judiciário recebeu mais um apoio, com o treinamento dos grupos dos NATs pela equipe do Hospital Sírio-Libanês e também a capacitação de Protocolos Terapêuticos Clínicos (PTC) de vários medicamentos. (CNJ, 2020)
Não deixando de lado o bem mais valioso dos últimos tempos, a informação precisa de modo eletrônico, em 2017 foi criado pelo CNJ o e-NatJus Nacional, com um sistema totalmente digital, reunindo dados técnicos sobre casos judicializados na área da Saúde, durante a criação do projeto foi realizada audiência Pública, com a participação de 30 instituições diferentes, desde iniciativa privada, associações de pacientes com doenças raras a gestores e secretários públicos de saúde. (CNJ, 2020)
Este sistema, porém, só foi oficializado em 2018 por meio do Termo de Cooperação n. 51 com o Ministério da Saúde e financiado pelo governo federal, em que a equipe técnica do Hospital Israelita Albert Einstein passou a auxiliar os juízes em casos de urgência durante as 24 horas do dia, além de reunir hospitais filantrópicos que buscam melhoria da saúde brasileira. (CNJ, 2020)
No ano de 2020 o sistema já possuía mil notas técnicas, em que todos os promotores e defensores a partir de solicitação a um magistrado podem ter acesso completo, já seguindo uma evolução na prática dos processos que se subdividiram em jurisdição técnico-científica e a busca por soluções por meio negociável. (CNJ, 2020)
Todo esse sistema gera bons resultados na diminuição da Judicialização da Saúde sendo 72% a menos de entrada de novos processos por conta do aumento de acordos pré-processuais, segundo análise feita pelo CNJ no estado do Tocantins, após a utilização por 95% dos magistrados, dos meios descritos neste capítulo. (CNJ, 2020).
Porem para que o NatJus tenha efeito maior o CNJ avaliará no Premio CNJ de qualidade os quesitos de criação e bom funcionamento em cada tribunal, além de capacitar e aprimorar as decisões proferidas, com intuito de que fiquem cada vez mais técnicas, e que ao longo do tempo aumente o banco de dados e sentenças do programa e-NatJus, facilitando cada vez mais a tomada de decisão, só que para isso os Magistrados devem utilizar com maior frequência todo este sistema criado além de outras medidas existentes para comprovar a necessidade real do paciente aquele determinado caso. (TRF-2, 2020)
A mediação e outras medidas extrajudiciais são também métodos que podem auxiliar no impedimento de que as ações entrem na esfera judicial, tudo o que pode ser feito antes do inicio do processo gera benefícios, tanto a parte que necessita do beneficio, quanto ao Estado ou parte prestadora de algum tipo de serviço, esta formalidade demonstra a evolução da sociedade em resolver conflitos de maneira mais eficiente, rápida e econômica, além de trazer um maior controle sobre o resultado do pedido.
Resolução do CNJ n°125 de 29/11/2010, prevê esta necessidade e regulamenta:
CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação;
Para tanto, entende-se a necessidade de um procedimento extrajudicial, conciso e pautável juntando a união de profissionais sejam médicos, assistentes sociais, psicólogos, farmacêuticos dentre outros, mais uma série de informações precisas, podendo ser utilizado até mesmo o sistema do CNJ neste artigo mencionado, como meio complementar a resolução de conflitos no principio das demandas da área da saúde, pois lá se encontram as mais diversas alternativas de resolução para os casos em concreto, seja substituição de medicamentos por similares ou genéricos, ou alternativas de tratamentos diferenciados aos prescritos pelo médico que acompanha o caso.
Este método prévio a judicialização se equipara ao Alternative Dispute Resolution (ADR) já utilizado desde 1970 nos EUA para resolução dos mais variados tipos de conflito, e com ele reduziu-se o custo e o tempo para resolução das demandas e o prosseguimento do caso ao julgamento pelo judiciário, no qual vários escritórios de advocacia da época focaram em atender as demandas neste método. O resultado positivo foi tão grande que vários países adotaram a ADR, como a África do Sul, Colômbia, Equador, Argentina, Bangladesh, Ucrânia, Uruguai. Segundo Ribeiro,Wesllay C. apud Sander e Goldberg: a ADR tem destinação a resolver os mais diversos tipos de demandas sejam elas sociais, comerciais, legais e políticas.(RIBEIRO C., WESLLAY, 2016)
Após a pandemia do COVID 19 todas as áreas jurídicas sofreram grandes avanços digitais, com medidas para dar continuidade nos processos de forma virtual, para tanto as medidas alternativas de disputas também tiveram que acompanhar estes eventos.
A ODR On-line Dispute Resolution veio para compor as novas necessidades do período pandêmico e pós pandêmico, utilizando-se de audiências virtuais e aproveitando de outros sistemas já digitais de informações, facilitando o serviço dos mediadores na solução dos conflitos, melhorando a organização das falas, facilitando acesso a pessoas debilitadas ou de risco, que não podem ou devem evitar contatos presenciais com outras pessoas, dentre outros motivos já percebidos neste modelo.
A maioria das plataformas não permite que mais de uma pessoa fale ao mesmo tempo; isso reduz o volume das falas simultâneas ou mesmo as evita. Se, de um lado, isso faz com que todos se escutem claramente, evitando interrupções, sob outra perspectiva torna a comunicação menos natural, o que pode dificultar a fluidez da conversa. Nesse cenário o conciliador deverá ter cuidado redobrado para permitir espaços de fala de modo cadenciado e igualitário. (TARTUCE, 2021, p.241)
Portanto mesmo com tantos benefícios é importante que o mediador ou conciliador esteja atento as falas e pedidos da parte autora durante audiência online para que possa solucionar da melhor maneira possível, a fim de atender corretamente a demanda.
Como exemplo aplicado no Brasil, temos algumas poucas câmaras de mediação esparsas pelo país, sendo modelo a CAMEDIS, câmara de mediação em saúde do Distrito Federal, em que é composta por Defensores Públicos, e Servidores da Secretária de Saúde, resolvendo até 80% dos casos discutidos na câmara, evitando que fossem para judiciário. (DEFENSORIA PÚBLICA DF, 2015).
8 CONCLUSÃO
Conforme explanado, o Direito Constitucional de garantia à saúde e a vida deve ser tratado como algo especial, não devendo ser moroso porque pode gerar sérias consequências aos usuários que tanto necessitam do apoio governamental, pois, realmente não possuem condições de custear determinados tratamentos médicos.
De acordo com Art. 23 da CF, a competência da saúde no Brasil se faz pela união de todos os entes, para tanto, se faz necessário à união de todos os órgãos responsáveis pela saúde no Brasil, para que juntos possam atender as demandas de cada setor, pois, por se tratar de um país de grandes proporções cada área necessita de um apoio especifico, tratando com exatidão as demandas e doenças existentes, evita-se e previne-se o adoecimento da população, automaticamente reduzindo gastos com a saúde, evitando também demandas judiciais, tudo se cria e se evita através de ciclos, o que se faz no inicio da cadeia evita-se no fim dela.
Há ainda necessidade de se ir além, trazendo para os órgãos extrajudiciais o sistema de dados de processos voltados a área da saúde, junto ao conhecimento técnico especializado de diversos profissionais, para que, tanto nas exposições extrajudiciais como no judiciário possa obter uma gama de formas de resolver determinados pedidos, descartando os excessivos, oferecendo opções de tratamentos alternativos com o mesmo resultado, não deixando desamparando o paciente, não sobrecarregando o SUS e dando celeridade a resolução do problema.
Para isso, é necessário utilizar-se mais dos projetos do CNJ, dentro e fora do espaço judicial neste artigo descrito e fazer com que todos os magistrados utilizem com frequência deste sistema e seja autorizado que outros indivíduos previamente preparados possam aproveitar o máximo possível do que já existe, colocando em prática o diálogo entre os órgãos de saúde do país e o paciente, esclarecendo e dando soluções para que este tenha êxito no seu tratamento com praticidade e agilidade, utilizando das benfeitorias que a ciência e a tecnologia proporcionam.
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Graduando em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COMBINATO, Leonardo Villanova. A redução do excesso de demandas judiciais na área da saúde pública no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2023, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61176/a-reduo-do-excesso-de-demandas-judiciais-na-rea-da-sade-pblica-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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