1. INTRODUÇÃO
O contrato de trabalho intermitente constitui modalidade de contratação prevista de maneira inovadora pela lei 13.467/2017 (denominada Reforma Trabalhista), e muito se assemelha, na dinâmica prática de prestação do trabalho, à chamada jornada móvel variável. Trata-se de contrato de trabalho especial, cujas formalidades vão além dos pressupostos fático jurídicos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, devendo amoldar-se aos termos do artigo 452-A do diploma celetista, a fim de que seja considerado válido.
Ocorre que, embora se trate de instituto legalmente previsto, e considerado plenamente válido se observada a legislação infraconstitucional de regência, é patente a discussão acerca da constitucionalidade do instituto, uma vez que o trabalho prestado sob a forma de contrato intermitente retira do trabalhador o poder de gestão de sua vida laboral, o que reflexamente implica nas esferas econômica, familiar, social e pessoal de sua vida.
Por outro lado, a justificativa legislativa quando da aprovação da lei 13467/17 foi que essa espécie contratual seria apta a criar empregos e diminuir a informalidade, assegurando assim direitos básicos aos trabalhadores, além de impactar as taxas de desemprego, causando sua diminuição, ante a contratação por período efetivo de trabalho, desconsiderando o tempo à disposição.
Desse modo, se revela de bastante importância a análise do tema, a fim de identificar os benefícios e malefícios advindos da contratação pela via intermitente, sopesando-os, de maneira a respaldar a constatação de violação à dignidade da pessoa do trabalhador, ainda que numa esfera legal de contratação. Nesse sentido, de verificar a constitucionalidade dessa modalidade contratual, tramitam atualmente três ações diretas de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (ADI´S 5.826, 5.829 e 6.154), ainda pendentes de julgamento.
a fim de atender ao objeto de estudo foi realizada pesquisa descritiva, explicativa e bibliográfica sobre o tema, além de pesquisa normativa, utilizando como fontes tanto livros quanto produções acadêmicas, além da própria legislação, notícias relacionadas ao tema e o conteúdo disponibilizado junto ao sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, abarcando, a pesquisa, tanto o método qualitativo quanto o método quantitativo.
Inicialmente, será estudada a origem do contrato intermitente, analisando a aprovação legislativa dessa modalidade contratual, passando ao conceito e requisitos dessa espécie contratual. Após, proceder-se-á à análise dos aspectos contratuais quanto a seus malefícios e benefícios, passando, por fim, à discussão acerca da constitucionalidade da medida, concluindo sobre a relação existente entre o contrato de trabalho intermitente e a ofensa à dignidade do trabalhador.
2. CONTRATO INTERMITENTE: ORIGEM, CONCEITO E REQUISITOS
A origem do trabalho intermitente remete à Inglaterra, na década de 70, apresentado como alternativa ao desemprego num contexto de flexibilização das relações trabalhistas. Tal modelo foi copiado por diversos outros países europeus, com temperamentos específicos em cada um deles, a exemplo de Alemanha e Portugal, sendo também conhecido como contrato "zero-hora".
No Brasil, muito embora o trabalho de caráter intermitente, caracterizado sob a denominação de jornada móvel variável, já existisse e fosse objeto de ampla discussão doutrinária e jurisprudencial, a previsão legal e regulamentação do contrato de trabalho intermitente deu-se apenas com o advento da Reforma Trabalhista, pela Lei 13.467, em 2017.
A referida lei alterou o caput do artigo 443 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como inseriu o parágrafo 3º no aludido artigo e o artigo 452-A, prevendo essa modalidade contratual, calcada na não continuidade e no pagamento relativo apenas às horas efetivamente trabalhadas, desconsiderando, portanto, o tempo à disposição.
Nota-se, portanto, que embora quase meio século após o surgimento na Europa, foi também num contexto de flexibilização dos direitos trabalhistas que teve origem, na legislação nacional, a figura do contrato intermitente.
Henrique Correia (2021, p. 593) define trabalho intermitente como o contrato "cuja prestação dos serviços ocorre com subordinação, mas não é contínua, havendo alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade".
O contrato intermitente é, portanto, modalidade especial de contratação empregatícia individual, em que o empregado coloca à disposição do empregador sua força de trabalho de maneira não contínua, mas respeitando todos os demais pressupostos fático jurídicos da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.
Isso porque o trabalho deve ser prestado com subordinação, onerosidade, pessoalidade e por pessoa, sendo considerada típica relação de emprego por expressa disposição legal, embora a habitualidade se dê de maneira diversa nesta modalidade contratual. Nesse sentido, HOMERO (2019, p. 172) aduz que "a criação dessa modalidade atípica de ajuste laboral, em que a habitualidade da prestação dos serviços é irrelevante, não é suficiente para alterar o conceito de contrato de trabalho", de modo que se trata de típica relação empregatícia.
A definição do próprio contrato encontra guarida no artigo 443, §3º da CLT, e sua regulamentação, no artigo 452-A e seus parágrafos, todos com a redação dada pela Lei 13.467/17.
VEIGA (2019, p. 1 e 2), ao conceituar o trabalho intermitente leciona:
É da essência do contrato de trabalho intermitente a subordinação e a alternância de períodos trabalhados e períodos não trabalhados. O trabalho intermitente é uma forma de regulamentar a prestação de serviço, como contrato de trabalho subordinado, descontínuo, que se caracteriza pela alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade exercido pelo empregado e o fim social perseguido pelo empregador.(grifos nossos)
Em razão dessa alternância de períodos de atividade e inatividade, CORREIA (2021, p. 594) argumenta não ser possível enquadrar o contrato intermitente como contrato de prazo determinado ou indeterminado, configurando espécie sui generis, sendo certo apenas que é o contrato realizado "sem a fixação de um termo final".
O contrato de trabalho intermitente é contrato especial, logo é válido apenas se observados os requisitos legais dispostos no artigo 452-A da CLT e seus parágrafos.
Trata-se de contrato necessariamente escrito, de modo que não se admite a contratação tácita nessa modalidade contratual, embora o contrato verbal seja plenamente admitido num contexto da relação de emprego tradicional; é obrigatório também que consta do contrato o valor da hora de salário, respeitado o salário mínimo ou piso da categoria ou o salário percebido pelos demais empregados do estabelecimento que exerçam idêntica função, independentemente de estarem submetidos a trabalho sob o regime intermitente ou não.
Neste tipo contratual, o pagamento das férias proporcionais com um terço, remuneração, repouso semanal remunerado, adicionais legais e décimo terceiro proporcional serão pagos ao final de cada período de prestação dos serviços, devendo cada verba ser individualmente discriminada no recibo e o período de inatividade do empregado não será contado como tempo de serviço nem tempo à disposição do empregador, nos termos da CLT (art. 452-A e parágrafos).
A convocação para o trabalho deve ter antecedência mínima de três dias corridos, tendo o empregado um dia útil para responder à convocação, não sendo a possibilidade de recusa considerada como fator de descaracterização da subordinação.
No caso de descumprimento do pactuado, sem justo motivo, após aceita a oferta pelo empregado, a parte que descumprir o pactuado incorre em multa de 50% da remuneração que seria devida, a ser paga em trinta dias, permitida a compensação no mesmo prazo.
Um requisito ainda em discussão no âmbito doutrinário e no jurisprudencial seria a aplicabilidade residual dessa forma contratual. Calcada nos princípios da proteção, da condição mais benéfica e da continuidade da relação de emprego, abalizadas doutrina e jurisprudência defendem a possibilidade de contratação de modo intermitente apenas quando não houver outra forma mais benéfica ao trabalhador possível, ou ainda, apenas nas atividades que não se insiram em atividade permanente ou regular da empresa.
Nesse sentido, a Tese 28 da Comissão de nº 3 da 19ª CONAMAT, exarada no XIX Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que afirma: "o trabalho intermitente é incompatível com o atendimento de demanda permanente, contínua ou regular ou para substituir posto de trabalho efetivo e não serve para se adotar a escala móvel e variável de jornada".
Sobre esse ponto específico, a lei 13.467/17 não fez distinção entre atividades, tendo apenas excluído os aeronautas da possibilidade de regime de trabalho intermitente. Segundo CORREIA (2021, p.595) a exclusão dessa categoria diferenciada dá suporte a que outras possam reivindicar pela impossibilidade de sua contratação via modalidade intermitente.
3. BENEFÍCIOS, MALEFÍCIOS E A DISCUSSÃO ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO CONTRATO INTERMITENTE
A Lei 13.467/17 surgiu num contexto de ampliação da liberdade econômica e flexibilização dos direitos trabalhistas, sob a justificativa de superar o momento de crise vivido pelo Brasil, não obstante seu caráter precarizante.
Com relação ao contrato de trabalho intermitente, buscou-se, segundo se extrai dos debates que antecederam a aprovação da norma (não sem protestos da classe trabalhadora, da ala sindical e de outros setores sociais), incrementar o mercado formal de trabalho, através da adoção do sistema intermitente, já utilizado na Europa.
Assim, uma vez que pudesse contratar um empregado formalmente, pagando-lhe apenas os salários e reflexos estritamente vinculados à hora trabalhada, o empregador optaria pelo emprego formal, tendo o condão de extrair milhões de brasileiros da informalidade, segundo os idealizadores do projeto de lei.
Há intensa crítica quando a essa premissa, vez que o simples registro em carteira de trabalho não significa efetiva aferição de renda e ativação no mercado de trabalho (como o é na relação empregatícia tradicional), de modo que os índices de desemprego poderiam cair apenas artificialmente, já que embora registrados os trabalhadores não estariam de fato ativados no serviço.
Na prática, por sua vez, também não se alcançou a ativação esperada, conforme se depreende da notícia veiculada no sítio eletrônico UOL Economia:
A estimativa do governo Temer era criar 2 milhões de empregos em dois anos, considerando o trabalho intermitente e o parcial (meio-período). Mas menos de 9% dessa meta foi atingida: 173.340 em dois anos (até novembro de 2019): 129.229 intermitentes e 44.111 parciais.O trabalho intermitente representa só 11,3% do total de empregos gerados no período.Além disso, o número de trabalhadores sem carteira assinada vem subindo e batendo recordes desde a reforma, colocando em dúvida a eficácia desse contrato na formalização do mercado. (ANTUNES, 2019?)
Por outro lado, também apresentou-se como suposto benefício do contrato intermitente a maior disponibilidade de tempo que teria o empregado, com maiores períodos de tempo livre e possibilidade de organização de seu horário, ante a possibilidade de recusa do trabalho. Mais, a não exclusividade possibilitaria ao empregado se vincular a diversos tomadores, podendo aumentar sua renda conforme o tempo de trabalho.
Aqui se insere também contundente crítica de parte da doutrina justrabalhista, uma vez que a remuneração vinculada ao número de horas de trabalho (também utilizada no salário por produção) induz ao esgotamento do trabalhador, pela realização de jornadas exaustivas, impactando inclusive o sistema de previdência e saúde social, de maneira negativa. De outro modo, um número inferior de horas trabalhadas impactaria diretamente no salário mensalmente percebido pelo empregado, de modo que, no somatório mensal, poderia ser-lhe negado o salário mínimo.
Para Delgado e Delgado (2017, p.156), apenas considerando a modalidade salarial instituída pelo contrato intermitente como salário por unidade de obra ou salário-tarefa, garantindo portanto o mínimo mensal, é que seria possível admitir tal forma de contratação quanto a isso, sem ofender o disposto no artigo 78 parágrafo único da CLT nem tampouco o direito fundamental ao salário mínimo disposto no artigo 7º inciso VII, da Constituição Federal.
Ainda, mostrou-se como benefício esperado do trabalho intermitente a possibilidade de composição da mão-de-obra sazonal pelo empregador, bem como nas hipóteses em que a necessidade de mais mão de obra se dá em determinados horários do dia ou da noite, racionalizando assim os custos para o empregador, já que passaria a não mais ter que contar com determinado número de empregados durante todo o tempo em que a empresa estiver em funcionamento.
Nesse ponto, observa-se completa inversão dos valores e princípios fundantes do Direito do Trabalho, já que afasta a alteridade do contrato de trabalho, prevista no artigo 2º da CLT, de modo que os riscos do negócio restariam transferidos para o empregado, em claro aviltamento ao princípio da proteção e ao princípio da alteridade. Aliás, para atender a tais demandas já existia na legislação regramento próprio, seja aquela relativa aos contratos por prazo determinado (art. 443, §2º, a, CLT), seja pela forma prevista na Lei 6.019/74.
Outro objetivo da instituição do contrato intermitente seria o incentivo ao "primeiro emprego", viabilizando a inserção de jovens no mercado de trabalho, além do possível alcance de idoso, ante a flexibilidade na contratação e nos tempos de trabalho. Ocorre que, ainda que se verifique tal incremento, é inarredável reconhecer que a inserção desses grupos no mercado de trabalho se daria de forma precária, já que sem a segurança quanto ao valor do salário mensal em razão da imprevisão quanto ao número de horas a serem trabalhadas no mês.
Por fim, a figura do trabalho intermitente foi apresentado como um novo método de trabalho para modernização das relações trabalhistas, adaptado às novas exigências do mercado de trabalho, de flexibilização do regramento laboral para atender às necessidades de mercado. Ocorre que a prática demonstra que se trata, na verdade, de método arcaico de exploração do trabalho alheio, marcado pela ofensa à dignidade da pessoa do trabalhador, inserindo-o na dinâmica empresarial como apenas mais um componente do processo produtivo, ignorando suas características distintivas como pessoa humana e promovendo verdadeira desregulamentação da atividade laboral.
Além das ponderações apontadas acima, a doutrina aponta como malefícios do trabalho intermitente a impossibilidade de planejamento quanto à sua vida pessoal, no que afeta frontalmente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil art. 1º, incisos III e IV da Constituição Federal. Isso porque do trabalhador é retirado o poder de gerir seus compromissos de lazer, educação, compatibilidade de horário familiar, dentre outros, já que o fator surpresa quanto ao chamado para o trabalho está sempre presente nessa espécie contratual, impedindo inclusive que desfrute do direito à desconexão.
Não sabendo quando e por quanto tempo irá trabalhar, o empregado não pode exercitar plenamente os direitos previstos no art. 6º da Carta Magna, tais como lazer e educação, já que não poderá se programar quanto a horários de cursos ou eventos, além de não poder prever quanto irá ganhar a título de remuneração mensal, sendo impedido de fazer planos financeiros.
Nesse sentido, VEIGA (2019, p. 10) afirma:
Para o trabalhador a descontinuidade no trabalho representa a imprevisibilidade, a instabilidade: isto é, a impossibilidade de programar o futuro. Impossibilidade também de fazer face às despesas do quotidiano, pois o empregado não sabe qual será a sua remuneração mensal, além da alteração dos ritmos de vida (alteração nos horários de trabalho, alternância de tempo de trabalho e não trabalho). As normas constitucionais, legais e tratados e convenções internacionais15 protegem o limite da jornada como forma de resguardar a saúde e o bem-estar dos trabalhadores. (grifos nossos)
Nesse caso, nem a possibilidade de recusa do chamado para o trabalho se revela como mecanismo de afirmação dos direitos fundamentais do trabalhador (pelo próprio trabalhador) já que este encontra-se normalmente em situação de vulnerabilidade, necessitando do emprego e do salário, que só virá de acordo com o número de horas efetivamente trabalhadas.
Outro malefício apontado seria a desagregação da categoria, enfraquecendo a dimensão coletiva do trabalho, sobretudo quando somado às demais alterações trazidas pela Lei 13.467/17, a exemplo da extinção da obrigatoriedade da contribuição sindical.
O próprio conceito de categoria profissional, previsto no artigo 511, §2º da CLT faz exsurgir essa relação entre o trabalho intermitente e a desidentificação coletiva. Aduz o referido artigo que "
Art. 511 (...)
§2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional. (BRASIL, 1943).
Ora, uma vez que não há exclusividade e que a ativação é esporádica, o que induz à ativação em diversos empregadores em atividades econômicas das mais diversas, é certo que não haverá a similitude nem de condições de vida, nem relativa ao exercício da mesma atividade laboral entre os empregados, o que inviabiliza o real sentido da expressão "categoria profissional".
Ainda, a desqualificação da mão de obra também é indicada como fator prejudicial deste tipo de contrato, vez que
O trabalhador que deixa de ir com certa frequência a ao posto de trabalho na mesma medida deixa de se atualizar sobre o processo produtivo e de aperfeiçoar as técnicas laborais já utilizadas. Cria-se uma categoria de trabalho com dificuldades nítidas ao alcance da excelência, que deve ser prezado nos ambientes de produção, e com óbice à aquisição de experiência e aprendizado eficiente, tão caros ao mercado de trabalho. Além disso, a intermitência da presença do empregado no ambiente de trabalho cria óbice intransponível de identidade do obreiro com o ofício e com a cultura da empresa. (SALES; OLIVEIRA, 2018, p.80)
Diante de tantos contrapontos, a constitucionalidade da Lei 13.467/17 vem sendo discutida junto ao Supremo Tribunal Federal em diversas ações diretas de constitucionalidade, havendo, apenas sobre o tema do contrato intermitente, três delas em andamento, pendentes de julgamento.
Trata-se das ADI´S 5.826, 5.829 e 6.154, ajuizadas pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo, pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, respectivamente.
O julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade 5.826, 5.829 e 6.154 encontra-se suspenso no Supremo Tribunal Federal ante o pedido de vista da Ministra Rosa Weber, realizado em dezembro de 2020. Até então, haviam votado o Ministro Edson Fachin, relator, que defendia a inconstitucionalidade da norma no que tange ao contrato intermitente, bem como os Ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques, que votavam pela constitucionalidade dos dispositivos, sendo neste mesmo sentido os votos da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República.
Em seus votos, os Ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques defenderam que a Lei 13.467/17, no que tange ao contrato intermitente, garante os direitos sociais mínimos necessários, tendo argumentado também que se trata de modalidade inserida na legislação em resposta à necessidade de flexibilização dos modelos de contratação na sociedade moderna, além de ter o condão de regularizar e reinserir trabalhadores no mercado formal de trabalho.
O Relator, Ministro Edson Fachin, por sua vez, defendeu a inconstitucionalidade afirmando se tratar de modalidade contratual que expõe o trabalhador a situação de fragilidade e vulnerabilidade social, tendo destacado ainda que os direitos sociais constitucionais mínimos ainda que formalmente previstos, restariam efetivamente suspensos quando dos períodos de inatividade. Destacou, ademais, que o contrato intermitente "é insuficiente para proteger os direitos fundamentais sociais trabalhistas, pois não fixa horas mínimas de trabalho nem rendimentos mínimos, ainda que estimados"[1].
Nas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, para os que defendem a constitucionalidade desse regime de contratação, o contrato intermitente seria tão somente mais uma forma de prestação laboral, alinhada às novas condições do mercado de trabalho, já que, aprioristicamente, garante o salário mínimo hora e as verbas correspondentes (ainda que pagas ao final de cada jornada e proporcionalmente às horas trabalhadas).
A inconstitucionalidade, por sua vez, é apontada ante a violação da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, da livre associação, da tutela sindical efetiva, do direito ao salário mínimo capaz de atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família, do dever de manutenção de um meio ambiente de trabalho hígido, da busca pelo pleno emprego e do direito à saúde, previstos respectivamente nos artigos 1º incisos III e IV; 5º, inciso XVII; 6º; 7º incisos IV e XXX; 8º, inciso III, 170, inciso III e 196, todos da Constituição Federal, além de ofensa à cláusula de vedação ao retrocesso, prevista no artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
4. CONCLUSÃO
O contrato de trabalho intermitente, apesar de já existente no cenário internacional desde a década de 70, e de haver forma semelhante de contratação no Brasil sob a modalidade de jornada móvel variável, foi inserido na legislação nacional apenas em 2017, com a Lei 13.467, denominada Reforma Trabalhista.
Trata-se de relação empregatícia na qual presentes os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, à exceção da habitualidade, já que o trabalho intermitente é marcado pela alternância entre períodos de atividade e inatividade, de modo que a habitualidade resta mitigada, sem que isso seja um óbice à configuração do vínculo de emprego, por expressa disposição legal.
Quando da aprovação da Lei 13.467/2017, a Reforma Trabalhista, para inserção do parágrafo 3º no artigo 443 da CLT, bem como do artigo 452-A e seus parágrafos foram apontados como benefícios do contrato intermitente, dentre outros, o incremento no número de empregos formais; o maior acesso ao primeiro emprego; a flexibilidade de horários para os trabalhadores; o custo de contratação relativo ao tempo de atividade e a garantia do salário mínimo-hora. Também, o contrato intermitente foi apresentado como nova forma de contratação laboral necessária à modernização das relações de trabalho.
Apontando os malefícios do contrato intermitente a doutrina aponta desrespeito a diversos direitos constitucionais básicos, atinentes ao núcleo mínimo de proteção dos trabalhadores, tais como a garantia de salário não inferior ao mínimo (sustentando que a garantia do salário mínimo-hora sem que haja garantia de contratação mínima de jornada não atende ao desiderato constitucional), à função social da propriedade, já que a contratação sob a forma intermitente representa precarização da relação de trabalho, além, dentre outros, da ofensa à liberdade de associação e à efetiva proteção sindical, haja vista que o contrato intermitente promove desagregação e desidentificação da categoria, já que o trabalhador se ativa em diversas atividades, para diversos empregadores.
Sob protestos a referida lei foi aprovada e sua constitucionalidade vem sendo discutida no Supremo Tribunal Federal, no bojo das ADI´s 5.826, 5.829 e 6.154, cujo julgamento encontra-se suspenso em razão de pedido de vista, havendo dois votos a favor da constitucionalidade e um voto, do Relator, pela inconstitucionalidade.
Percebe-se, portanto, que apesar de apresentado como mecanismo de flexibilização e modernização, o contrato intermitente revela-se instrumento de violação da dignidade do trabalhador, aviltado em seus direitos essenciais mínimos, bem como fere de morte princípios basilares do Direito do Trabalho, como o da proteção e o princípio da continuidade da relação de emprego, além de ofender o princípio da vedação ao retrocesso, previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
5. REFERÊNCIAS
ANTUNES, Leda. Sem jornada e salário fixos. Contrato intermitente cresce em 2 anos, mas gera menos de 9% das cagas esperadas e não reduz informalidade. UOL Economia. Rio de Janeiro, [2019?]. Disponível em: https://economia.uol.com.br/reportagens-especiais/trabalho-intermitente-reformatrab
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 fev 2022.
BRASIL. Decreto-Lei nº 5452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 21 fev. 2022.
BRASIL. Lei 6.019/74, de 03 de janeiro de 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm. Acesso em 26 fev. 2022.
CORREIA, Henrique. Curso de Direito do Trabalho. 6.ed. Vol.Único. Salvador: Juspodivm, 2021.
DELGADO, Gabriela Neves; DELGADO, Maurício Godinho. A Reforma Trabalhista no Brasil: com comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.
Pedido de vista suspende julgamento de ações sobre contrato de trabalho intermitente. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 03 de dez. de 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456594&ori=1. Acesso em 27 fev. 2022.
SALES, A. J.; OLIVEIRA, D. Trabalho intermitente: entre a inovação e a precarização. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, v. 22, n. 2, p. 73-84, 10 dez. 2018. Disponível em: https://revista.trt10.jus.br/index. php/revista10/article/view/233. Acesso em 26 fev. 2022.
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Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e em Direitos Difusos e Coletivos pela Uniamerica e Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho com capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, DEISIANE CHRISTMAS SANTOS LEÃO MACHADO DA. O contrato de trabalho intermitente como instrumento de violação à dignidade do trabalhador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61230/o-contrato-de-trabalho-intermitente-como-instrumento-de-violao-dignidade-do-trabalhador. Acesso em: 23 dez 2024.
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