RESUMO: O Imposto de Transmissão de Bens Inter Vivos – ITBI é um imposto de competência dos Municípios e é devido sobre a transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis. Possui previsão constitucional no art. 156, inciso II da CF/88. Ao tratar sobre o tema em análise, o constituinte originário optou pela não incidência do ITBI na “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital [...]”, nos exatos termos do art. 156, § 2º, I da CF/88. O objetivo do constituinte originário ao elencar as situações que seriam imunes a tributação foi justamente proteger valores considerados relevantes para o desenvolvimento da sociedade, de modo a incentivar determinadas ações através da desoneração tributária de pessoas, bens e situações cujas condições implicam a necessidade de maior proteção, sendo certo que a interpretação de dispositivos imunizantes deve ser feita de forma extensiva e teleológica, de modo a respeitar o que determina a carga magna de modo que sobre a diferença do valor dos bens imóveis que supere o capital subscrito a ser integralizado, não deveria, nos termos da CF/88, incidir a tributação do ITBI.
Palavras-chave: ITBI. Integralização do Capital Social. Imunidade Tributária.
Abstract: The Inter-Vivos Real State Property Transfer Tax - ITBI is a tax that is in the responsibility of the Municipalities and is due to the “inter vivos” transmission of real propertys and real rights over real propertys, having constitutional provision in art. 156, item II of CF/88. When dealing with the subject under analysis, the original constituent chose the not to charge the ITBI upon the “Paragraph 2. The tax set forth in item II: I – shall not be levied on the transfer of goods or rights incorporated into the assets of a corporate body to pay up its capital, [...]”, in the exact terms of art. 156, § 2, I of CF/88. The objective of the original constituent, when listing the situations that would be immune from taxation, was precisely to protect values considered relevant for the development of society, in order to encourage certain behaviors through the tax relief of people, goods and situations whose conditions imply the need for greater protection, being certain that the interpretation of immunizing rules must be done in an extensive and teleological way, in order to respect what determines the CF/88 so that on the difference in the value of the real estate that exceeds the subscribed capital to be paid in, it should not , under the terms of CF/88, be subject to ITBI taxation.
Keywords: ITBI. Payment of company capital. Tributary Immunity.
1. INTRODUÇÃO
O Imposto de Transmissão de Bens “Inter Vivos” – ITBI, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro em 1809 chamado, há época, de Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis. Sua previsão constitucional está descrita no art. 156 da CF, que assim dispõe:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[…]
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição
[…].
Os tributos são detentores de “alto poder de interferência nas relações em sociedade, podendo dificultar, estimular, ou até mesmo impedir certa atividade ou sua prática”[1].
O objetivo do constituinte originário ao elencar as situações que seriam imunes a tributação foi justamente proteger valores considerados relevantes para o desenvolvimento da sociedade, de modo a incentivar determinadas ações através da desoneração tributária de pessoas, bens e situações cujas condições implicam a necessidade de maior proteção.
Assim, por exemplo, ao dispor sobre a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF/88, o constituinte originário buscou proteger o princípio federativo e a isonomia entre os entes, de modo que não seja possível a interferência de um ente na esfera do outro por meio da cobrança de impostos.
Outro exemplo é imunidade dos templos de qualquer culto, prevista no art. 150, VI, b, da CF/88. Neste caso, por ser o Brasil um Estado laico, o constituinte originário buscou proteger a liberdade de consciência e de crença, bem como o livre exercício dos cultos religiosos, na medida em que busca impedir que sejam criados embaraços ao livre exercício da atividade religiosa por meio da cobrança de tributos.
No âmbito empresarial, ao imunizar a operação de transmissão de imóveis destinados à integralização do capital social de pessoa jurídica, a finalidade constitucional foi justamente “facilitar a capitalização e, assim, fomentar o desenvolvimento econômico nacional”[2].
A noma constitucional imunizante não traz nenhuma restrição em relação a incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica – e por esta razão – a imunidade não se restringe ao pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito, apenas.
Logo, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, não deveria, nos termos da CF/88, incidir a tributação pelo ITBI. Entretanto, este não foi o entendimento da Suprema Corte Brasileira ao julgar o RE 796.376 (tema 796).
Com a máxima vênia, ressalvada a exceção constitucional no caso de preponderância imobiliária, a CF/88 imunizou o ato de integralização de bens ao patrimônio da empresa, sendo irrelevante a alocação do capital - seja em quotas sociais ou em reserva de capital, estará albergada pela norma imunizante - sendo necessário apenas que os bens e direitos transferidos integrem o patrimônio da empresa, pois somente desta maneira o objetivo disposto no comando constitucional – viabilizar a capitação das empresas e o desenvolvimento econômico – estará sendo respeitado.
2. IMUNIDADES
Analogia construída por Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello considera que o sistema jurídico assemelha-se a um vasto edifício, que se ergue a partir da combinação de vários elementos sendo que os princípios constituiriam o seu alicerce, a sua viga mestra. Ora, se este ruir, nada sobrará. O princípio jurídico é, portanto, o “alicerce”, a “viga mestra” do ordenamento jurídico.
É firme a convicção sobre a irrefutável importância dos princípios para criação e aplicação das leis. Nos ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello:
"Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico".
Eis porque: "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.
É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”. [3]
Neste sentido, os princípios jurídicos consagram valores que devem, obrigatoriamente, ser observados quando da interpretação e aplicação dos atos normativos. Inicialmente os princípios não tinham força de norma jurídica: eram exortações de ordem moral ou política.
Especificamente no caso do Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 os princípios jurídicos foram reconhecidos como verdadeiras normas dotadas de efetividade e juridicidade.
Carlos Ari Sundfeld define os princípios como as “ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de se organizar-se”[4].
Por sua vez, as imunidades são comandos constitucionais que estabelecem a impossibilidade de que as pessoas políticas de direito constitucional interno instituam tributos sobre determinadas situações, estas especificadas no próprio texto constitucional, tendo como finalidade proteger valores presentes em princípios constitucionais.
Nos ensinamentos de Aliomar Baleeiro[5] trata-se de regra jurídica, com sede constitucional, delimitativa (no sentido negativo) da competência dos entes políticos da Federação, ou regra de incompetência, e neste sentido, regra de exceção e delimitação de competência. Nas palavras do mestre Roque Antonio Carrazza:
A imunidade tributária ajuda a delimitar o campo tributário. De fato, as regras de imunidade também demarcam (no sentido negativo) as competências tributárias das pessoas políticas. Apontam os limites materiais e formais da atividade legiferante.
A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam a incompetência das entidades tributantes para onerarem, com exações, certas pessoas, seja em função de sua nah1reza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações. [6]
Neste sentido, as imunidades são verdadeiras limitações ao poder de tributar. Aliomar Baleeiro explica que “as imunidades somente adquirem sentido e função, uma vez relacionadas com as normas atributivas de poder, cuja abrangências elas reduzem”[7].
Para Regina Helena Costa a “imunidade tributária, então, pode ser definida como a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva de atribuição de competência tributária”[8]
Pelo exposto, é evidente que as normas imunizantes elencadas pelo constituinte originário são cláusulas pétreas – e como tais - somente podem ser revogadas ou alteradas através de ato do próprio poder constituinte originário, pois este é o único que possui poder ilimitado necessário à modificação de cláusulas pétreas.
3. IMUNIDADE E A INTEGRALIZAÇÃO NO CAPITAL DE PESSOA JURÍRICA
A CF/88 definiu as regras matrizes de incidência dos tributos bem como criou regras específicas de exoneração. Ao tratar sobre o tema em análise, o constituinte originário escolheu a não incidência do ITBI na “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, bem como sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arredamento mercantil”, nos exatos termos do art. 156, § 2º, I da CF/88.
Discorrendo sobre o tema, Roque Antonio Carrazza dispõe que “Por outro lado, sendo a imunidade ampla e indivisível, uma vez presente, ela é insusceptível de meios-termos. Assim, a imunidade em análise vai da incorporação (fenômeno máximo) à extinção (fenômeno mínimo) de pessoa jurídica, passando pela sua desincorporação (fenômeno intermediário entre a incorporação e a extinção).”
Sacha Calmon Navarro Coêlho[9] assevera que "O objetivo da regra (isto é, do art. 156, § 2º, 1, da CF) colima facilitar a mobilização dos bens de raiz e a sua posterior desmobilização, de modo a facilitar a formação, a transformação, a fusão, a cisão e a extinção de sociedades civis e comerciais, não embaraçando com o ITBI a movimentação dos imóveis, quando comprometidos com tais situações"
Letícia Borges das Neves[10] tece comentários precisos: "destinar parte do valor do imóvel à conta de reserva de capital ou destiná-lo integralmente ao capital não afeta a exceção de incidência do imposto, não havendo, portanto, razões para dar tratamento distinto à realização do capital subscrito com a transferência de imóveis ainda que com ágio".
Cumpre destacar que a norma imunizante faz referência aos “bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital”, sendo certo que o próprio constituinte originário não estabeleceu qualquer restrição à destinação dos bens ou direitos incorporados ao capital social.
Assim, todo e qualquer recurso que objetive financiar a sociedade está abarcado pela imunidade, ainda que referido aporte de capital seja ou não inteiramente destinado para a subscrição do capital social.
A finalidade da imunidade em estudo é justamente viabilizar a mobilização de bens imóveis para o desenvolvimento da atividade empresarial. Assim, toda e qualquer transferência da propriedade de bens imóveis para pessoas jurídicas enquadra-se na hipótese do dispositivo constitucional supramencionado, uma vez que tanto as contas de capital social quanto a reserva de capital são registradas no patrimônio líquido, uma vez que a expressão “realização de capital” deve ser interpretada como a integralização de recursos, e não apenas como a subscrição do capital social.
Em última análise, o que o constituinte originário buscou proteger foi a capitalização da empresa de modo a fomentar a atividade empresária e, consequentemente, o desenvolvimento econômico.
Deste modo, a imunidade deve ser reconhecida na transação que ocorra transferência de bem imóvel para integrar o capital social da empresa, uma vez que não há ocorrência do fato gerador uma vez que a CF/88 não elenca nenhuma exceção a sua aplicação, exceto pela preponderância da atividade econômica da pessoa jurídica adquirente, a qual, como será demonstrado, não pode ser imobiliária.
4. ATIVIDADE PREPONDERANTE IMOBILIÁRIA
Como já mencionado anteriormente, a CF/88 determina que na transmissão de imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica na realização de capital não haverá incidência de ITBI. A exceção a esta regra é a hipótese de a atividade desenvolvida pela pessoa jurídica que recebeu o bem imóvel for, preponderantemente, imobiliária. In verbis:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...)
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;(grifos nossos)
Os critérios que definem o que seria o exercício de atividade preponderantemente imobiliária estão previstos no art. 37 do CTN, a seguir, cabendo a autoridade municipal a fiscalização e identificar a atividade preponderante com base na receita operacional da empresa:
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.
Assim, a atividade é considerada preponderantemente imobiliária sempre que a receita operacional nos dois anos - anteriores e posteriores - à aquisição decorrer de operações imobiliárias.
O termo receita operacional ora empregado deve ser compreendido como os valores obtidos através da atividade principal da empresa.[11] Sobre o tema, Roque Antonio Carrazza ensina que:
Se a Constituição protege a situação máxima (a incorporação, com o consequente fortalecimento da empresa) e a situação mínima (a extinção, com o automático desaparecimento da empresa), também protege a situação intermédia (a desincorporação, com o inevitável enfraquecimento da empresa). Tal entendimento só seria improsperável se houvesse disposição constitucional expressa em sentido contrário, o que, absolutamente, não é o caso.[12]
Pelo exposto, nota-se que a CF/88 não faz nenhuma distinção em relação à proporção entre o valor do imóvel transferido e o capital social da empresa adquirente sendo certo que o requisito principal, para o não reconhecimento da imunidade, é a preponderância de atividade imobiliária, desde que devidamente confirmada na receita operacional da pessoa jurídica, nos termos do que determina o art. 37 do CTN.
5. DESINCORPORAÇÃO DE CAPITAL
Conforme mencionado nos capítulos anteriores, na incorporação ao capital social de pessoa jurídica de bem imóvel em realização de capital social não há incidência de ITBI sendo que nesta hipótese o sócio que incorpora o imóvel ao capital da empresa deixa de ser proprietário do bem imóvel e passa a ser detentor das quotas sociais da pessoa jurídica. Referida operação também está coberta pela imunidade nas hipóteses de fusão, incorporação, cisão e extinção da pessoa jurídica.
Nos ensinamentos de Roque Antonio Carrazza[13], “também está abrangida pela imunidade a redução do capital (desincorporação) de uma empresa, isto é, a restituição aos sócios (pessoas físicas ou jurídicas) de parte do valor de suas ações” uma vez que referida redução opera-se como parcial extinção da empresa uma vez que ao reduzir o capital da sociedade, a parte reduzida é extinta da sociedade.
Neste sentido, se a incorporação de bem imóvel está fora do campo de incidência do ITBI, a retirada deste bem imóvel do patrimônio da pessoa jurídica também é operação imune ao ITBI. Em defesa das finalidades que preceituou o constituinte originário ao tratar das imunidades, Roque Antonio Carrazza[14] faz importante observação:
De fato, é incontroverso que a incorporação - que, em última análise, fortalece a sociedade - não sofre a incidência do ITBI. Esta é a própria dicção constitucional. Ora, a desincorporação - que a enfraquece - por muito maior razão (argumento a fortiori) também deve ser alvo do benefício constitucional em tela.
A jurisprudência tem o entendimento de que na desincorporação de bem imóvel do patrimônio da pessoa jurídica há redução do capital social:
DIREITO TRIBUTÁRIO. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. RETIRADA DE SÓCIO COM A DESINCORPORAÇÃO DO PATRIMÔNIO SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ITBI. IMUNIDADE DISCIPLINADA NO ART. 156, § 2º, I, DA CF, E NO ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. SENTENÇA MANTIDA. “Nos termos do art. 156, § 2º, I, da Carta Magna, é assegurada a imunidade tributária nas operações de transmissão de bens imóveis de sócios para a formação do capital social da empresa, bem como nas hipóteses de transmissão de bens em decorrência da fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, desde que a atividade preponderante do seu destinatário não seja a compra e venda, a locação ou o arrendamento mercantil de bens imóveis. Caso em que tal regra de imunidade é assegurada quando da redução do capital social, com a desincorporação de bem imóvel de sua propriedade, mediante a sua transmissão aos sócios da empresa. […]” (Apelação Cível nº 70026536433, 17ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 27/11/2008)
Aqui cumpre destacar que a CF/88 não recepcionou expressamente o parágrafo único do art. 36 do CTN, in verbis:
Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos. (grifos nossos)
De todo modo, no caso da desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica, a imunidade somente teria o seu não reconhecimento confirmado caso a própria CF/88 tivesse estabelecido expressamente essa ressalva (assim como o fez para a atividade preponderante imobiliária) o que não o fez, devendo, portanto, ser reconhecida a norma imunizante nos casos de desincorporação.
6. JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
Em agosto de 2020, por ocasião do julgamento, em sessão virtual, do RE 796.376 (Tema 796 - Alcance da imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor total desses bens excederem o limite do capital social a ser integralizado), julgado em sede de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos (7 x 4), que incide ITBI na integralização de bens imóveis ao patrimônio de pessoas jurídicas nos casos em que o valor do bem imóvel for superior ao valor do respectivo capital social integralizado, fixando a seguinte tese:
“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
O referido acórdão tem a seguinte ementa:
EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (art. 156, § 2º,). 2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI. 3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado". (RE 796376 RG, Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 05/08/2020)
Na origem, o cerne da discussão era sobre a incidência ou não do ITBI sobre a diferença entre o valor do bem transmitido e o valor do capital a ser integralizado – no caso em tela, a diferença era de R$ 778.000,00 (setecentos e setenta e oito mil), valor este que foi contabilizado pela empresa como reserva de capital (que compõe o patrimônio líquido da empresa).
No voto, restou consignado o entendimento considerando que como o montante relativo à diferença de valor entre o bem transmitido e o capital a ser integralizado não foi utilizado para realização de capital na sociedade, há incidência do ITBI. Nesse sentido, dispôs o Ministro Relator Alexandre de Moraes:
“Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo – como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital.”
Assim, considerando a decisão proferido em sede de repercussão geral, os Munícipios podem tributar o valor de bens que exceder o limite do capital social integralizado.
Anteriormente à esta está decisão, concluía-se, a partir da leitura da CF/88 e do CTN, que na transmissão de bens imóveis ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoas jurídicas em realização de capital e na transmissão de bens imóveis ou direitos decorrentes de operações societárias de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, caso reste demonstrado que a atividade preponderante da empresa consiste na compra e venda de imóveis ou de seus direitos, bem como locação ou arrendamento mercantil destes, era de observância obrigatória o trecho final da redação do inciso I, § 2º, do art. 156 da CRFB, de modo que a imunidade relativa ao ITBI não seria aplicável, uma vez que não tributar o valor destinado para a reserva de capital seria interpretar o artigo 156 da CF/88 de forma extensiva.
Entretanto, a tese secundária extraída do julgado entendeu que às empresas com atividade preponderante imobiliária estariam imunes ao ITBI na transmissão de bens imóveis e direitos quando da integralização do capital social.
5. CONCLUSÃO
As imunidades são comandos constitucionais que delimitam a competência dos entes políticos, tratando-se de cláusulas pétreas que somente podem ser alteradas ou suprimidas pelo constituinte originário;
As normas imunizantes devem ser interpretadas de forma ampla, com a finalidade de não amesquinhar a proteção concedida pela CF/88;
De modo a viabilizar a atividade empresária e fomentar o desenvolvimento econômico nacional, o constituinte originário imunizou o ato de integralizar capital social por meio de bem imóvel, não sendo devido nesta hipótese o pagamento relativo a ITBI, ainda que o valor do imóvel supere o valor de subscrição;
Nos casos de preponderância imobiliária - pessoas jurídicas que possuem mais de 50% das suas receitas operacionais originadas de atividades de compra e venda, locação e arrendamento mercantil de imóveis, tal como determina a CF/88 e o CTN e desde que devidamente verificados os documentos contábeis da empresa, haverá incidência de ITBI.
Como restou demonstrado, o ITBI não é devido sobre a transmissão de bens imóveis, aos mesmos alienantes, em decorrência da desincorporação dos referidos bens do patrimônio da pessoa jurídica adquirente.
Entretanto, ressalta-se que o STF, em sede de repercussão geral, decidiu que incide ITBI sobre o valor dos bens que exceder o montante do capital social a ser integralizado (RE 796376), embora, com a devida vênia, a CF/88 tenha assegurado a imunidade do ITBI sem ressalva, além da já existente no texto constitucional. Por fim, é vedada a aplicação desta decisão com efeito retroativo, o que caracteriza inconteste ilegalidade.
REFERÊNCIAS
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª edição, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
SUNDFELD, Carlos Ari, Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 29ª edição, São Paulo: Malheiros, 2013.
DE CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues; LUSTOZA, Helton Kramer; Dias Jr, Antonio Augusto. Tributos em Espécie, 9. ed. São Paulo: Editora JusPODIVM, 2022.
DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 32ª edição, São Paulo: Malheiros, 2014.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias – teoria e análise da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001.
JESUS, Isabela Bonfá de. Manual de Direito Tributário. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
[1] JESUS, Isabela Bonfá de. Manual de Direito Tributário. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 67.
[2] DE CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues; LUSTOZA, Helton Kramer; Dias Jr, Antonio Augusto. Tributos em Espécie, 9. ed. São Paulo: Editora JusPODVM, 2022. p. 1073
[3] DE MELLO, Celso Antonio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 32ª edição, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 54.
[4] SUNDFELD, Carlos Ari, Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 18.
[5] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª edição, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 225.
[6] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 29ª edição, São Paulo: Malheiros, 2013. p. 1154.
[7] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª edição, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 226.
[8] COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias – teoria e análise da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001.
[9] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
[10] NEVES, Letícia Borges das. Incorporação de Bens Imóveis para Integralização de Capital e a Decisão do STF no RE 796.376/SC. Revista Direito Tributário Atual, n.48. p. 289-310. São Paulo: IBDT, 2º semestre 2021. Quadrimestral. p. 296.
[11] NPC 14 Pronunciamento Instituto dos Auditores
[12] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 29ª edição, São Paulo: Malheiros, 2013. p. 965
[13] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 29ª edição, São Paulo: Malheiros, 2013. p. 964.
[14] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 29ª edição, São Paulo: Malheiros, 2013. p. 965
Mestranda em Direito, com ênfase em Direito Tributário (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BITENCOURT, Yasmin Da Silva. ITBI na integralização de imóveis ao patrimônio de pessoas jurídicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 mar 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61234/itbi-na-integralizao-de-imveis-ao-patrimnio-de-pessoas-jurdicas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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