RESUMO: A desregulação e a consequente precarização das relações de trabalho diante dos avanços tecnológicos trazidos pela chamada “quarta onda” ou indústria 4.0 são alguns dos maiores desafios do Direito do Trabalho na atualidade. Os impactos das transformações decorrentes das tecnologias digitais sobre o futuro do emprego e do trabalho são evidentes, ao passo que as novas formas de trabalho têm distanciado os trabalhadores cada vez mais dos seus direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas de luta por parte da classe operária, colaborando para um processo de desconstrução do “trabalho decente”, conceito concebido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999 e para um desmonte do pacto constitucional. As tutelas até então asseguradas na legislação celetista foram atacadas pela Reforma Trabalhista, Lei nº 1346/2017, que abriu as portas para a flexibilização de direitos imperativos trabalhistas, regulamentando o trabalho precarizado.
Palavras-chave: gig economy, precarização do trabalho, trabvalho informal, precariado, uberização.
GIG ECONOMY: TECHNOLOGICAL RENEWAL, INFORMALIZATION AND DEREGULATION OF LABOR RELATIONS.
ABSTRACT: The deregulation or liberalisation of labor relations and the consequent implantation of precarious employment with the technological advances brought by the “fourth wave” or industry 4.0, are some of the biggest challenges of Labor Law today. The impacts of the transformations resulting from digital technologies on the future of employment and work are evident, while new forms of work have increasingly distanced workers from their labor rights conquered over decades of fights by the Labor Movement, collaborating for a process of deconstruction of “decent work”, a concept conceived by the ILO – International Labor Organization in 1999 and for a dismantling of the constitutional pact. The warranties assured by the legislation (Consolidation of Labor Laws) were attacked by the Labor Reform, which opened the doors to the flexibilization process of labor relations and imperative labor rights, by regulating precarious work.
Keywords: gig economy, precarious work, informal work, the precariat, uberization.
A sociedade atual nos traz uma convicção: a de que vivemos um período de constantes e céleres mudanças. A nível global, somos 100 milhões de pessoas ativamente trabalhadoras. Mas desde o surgimento do Direito do Trabalho com a Revolução Industrial na Inglaterra no Século XVIII e a ideia de igualdade jurídica solidificada pelos burgueses da Revolução Francesa, foram inúmeras as mudanças, mas a igualdade jurídica nunca refletiu na prática. Hoje, mais do que nunca, nesta era Pós-Reforma Trabalhista, há um desequilíbrio demasiado nas relações de poder entre o empregador e empregado. Pode-se dizer que o desafio do mundo contemporâneo no âmbito justrabalhista é coordenar os interesses entre capital e trabalho.
Com base na teoria marxista, o capitalismo é mais do que um sistema de produção para o mercado, sendo, sobretudo, um sistema sob o qual a própria capacidade de trabalho se tornara uma mercadoria comprada e vendida no mercado como qualquer outro objeto de troca. E é justamente esta característica que vem definindo cada vez mais o indivíduo trabalhador: a sua objetificação.
Em seu livro "A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista", Ruy Braga define "precariado" como "proletariado precarizado". É uma definição que enfatiza a precariedade como dimensão intrínseca do processo de mercantilização do trabalho[1]. A obra foi escrita entre 2011 e 2012, ao final da gestão de Lula, e início da gestão de Dilma Rousseff, ou seja, exatamente quando surge a Quarta Revolução Industrial, ou a chamada "Economia 4.0". Os serviços explodiram, sofreram uma transformação capitalista devido à privatização do setor e à informatização.
Segundo Schwab, esta "quarta onda" parte de uma ruptura das tecnologias digitais da revolução predecessora que estão se tornando mais sofisticadas e integradas e, por consequência, transformando a sociedade e a economia global. Ela é impulsionada por uma série de tecnologias disruptivas, ou seja, inovadoras e capazes de causar uma transformação brusca nos padrões dos modelos estabelecidos pelo mercado[2].
Como Ricardo Antunes destaca em sua obra "O Privilégio da Servidão", onde trata sobre o proletariado na era digital, esta nova revolução irá permitir que toda a logística empresarial da cadeia de valor seja controlada de forma digital[3]. No Brasil, chamamos ausência de políticas públicas para dar mais segurança para trabalhadores de “GIG Economy” (economia do bico), que, mais especificamente, consiste num macroambiente de negócios caracterizado pelo predomínio de contratos de curta duração dirigidos a trabalhadores independentes, o que nos conecta diretamente ao fenômeno da uberização do trabalho e à precarização. A Gig Economy possui duas principais formas de trabalho: o crowdwork e o work on-demand, que tem como maior exemplo, o caso da Uber. A implementação de ferramentas tecnológicas, o uso de computadores, máquinas e internet nas últimas décadas do século XX, a mencionada “Economia ou Indústria 4.0”, o uso de inteligência artificial e a automação total das linhas de produção, foram responsáveis pelo surgimento de novos negócios, novos tipos de empresas, e, por conseguinte, novas categorias profissionais, os “trabalhadores informacionais”, “digitais”, “informatas”, “profissionais de TI”, “infoproletários”, em vários ramos, os crowdwork, termo que se refere às atividades ligadas a tarefas por meio de plataformas on-line, as quais conectam empresas e indivíduos com outras empresas e indivíduos via Internet, possibilitando a aproximação entre consumidores e trabalhadores por todo o mundo.
Além do trabalho on-demand, oferecido pelos aplicativos para execução de tarefas tidas como tradicionais e usualmente terceirizadas, como o transporte e limpeza. O exemplo mais conhecido é a gigante Uber, que surgiu em 2010, usa como argumento em defesa da legitimidade dos serviços prestados e positividade de valores, que o aplicativo promove a facilidade de conectar o motorista “prestador de serviços” ao usuário, exercendo apenas o papel de unir pólos. No entanto, a empresa não desempenha meramente este papel, uma vez que controla os valores dos serviços prestados através de algoritmos, dos quais os prestadores de serviços são reféns, pois não têm a liberdade de estabelecer o preço das corridas, ou seja, o motorista “autônomo”, não tem autonomia.
Além disso, há uma preocupação constante em bater metas diárias, isto em meio aos perigos do trânsito das grandes metrópoles. Trata-se de uma relação que, evidentemente, traz mais benefícios ao usuário e à plataforma do que o trabalhador de aplicativo.
Hoje, com a popularização do acesso a estas novas tecnologias, principalmente o smartphone, que é um item comum tanto às classes de média e baixa renda quanto à classe alta, o uso de aplicativos para celulares aumentou consideravelmente, razão pela qual diversos serviços começaram a ser prestados desta forma. A gestão empresarial se preocupa com a produtividade, em diminuir os custos com a substituição do trabalho humano por máquinas, lançando mão da robótica, culminando em demissões em massa. O Direito do Trabalho, uma das maiores conquistas da democracia, símbolo de lutas históricas da classe operária pela erradicação da desigualdade e pela regulamentação de normas protetivas, vem sendo relegado em face da mercantilização do trabalho, em razão da desvinculação entre economia e ética nos dias atuais.
Segundo Ricardo Antunes, a flexibilização do trabalho é apenas uma das pernas de um tripé de destruição das relações trabalhistas, sendo os outros dois apoios a terceirização (quando uma instituição contrata outra empresa para prestar um serviço, permitindo uma exploração da mão de obra com ausência de responsabilização ou obrigação por parte do contratante) e a informalidade (que é a inexistência de um regime formal de contratação).[4] Esse trípode se tornou parte essencial da filosofia de trabalho da empresa capitalista e se expandiu para o que chamamos de uberização do trabalho, que se trata de uma relação informal, flexível e por demanda, onde a obrigação de fornecer os meios de produção recai sobre o trabalhador.
Hobsbawm, ao se referir sobre a velocidade com a qual as mudanças na produção ocorrem no mundo pós-moderno, afirma que "esta velocidade mutacional implica uma espécie de ruptura do passado ocasionadora da perda de referenciais, gizando a época da transitoriedade e da fugacidade.[5] Cria-se, portanto, uma sociedade demarcada pela descartabilidade e imediatismo, rápida substituição e reformulação das coisas, práticas e experiências".[6]
Godinho Delgado categoriza as fases históricas do Direito do Trabalho em quatro. A primeira fase seria a de Manifestações Incipientes[7]. Neste momento vale destacar o Peel’s Act, de 1802, diploma legal inglês que visava diminuir a exploração contra mulheres e menores. Ainda não se pode falar em um ramo jurídico especializado, visto que as leis trabalhistas encontravam-se esparsas e as manifestações operárias estavam permeadas por ideais utópicos, incapazes de transformar a política da época.
A segunda fase caracteriza-se pela Sistematização e Consolidação, estendendo-se de 1848 até 1919, possuindo como marcos o Manifesto Comunista, o movimento cartista e a revolução na França, ambos de 1848, quando os operários, agindo coletivamente, conseguem transformar em preceito jurídico suas reivindicações práticas, do dia-a-dia de trabalho. Nesta última revolução, vale mencionar, fora instaurada a liberdade de associação. É neste ano também que se publica o Manifesto Comunista de Marx e Engels, imbuído de um pensamento socialista, ainda que utópico, mas que tornou possível e efetivo a audiência pelo empresariado dos anseios da classe trabalhadora e de seus interesses coletivos. Em 1919 foi criada a OIT. Nos anos posteriores, até a 1ª Guerra Mundial, houve avanços e retrocessos advindos das ações dos movimentos sociais e sindicais e do Estado, burilando um ramo jurídico pautado por disposições tanto de uma parte quanto da outra.
A terceira fase é de Institucionalização do Direito do Trabalho, indo de 1919 a 1979, e seus marcos principais estão no ano de 1919, com o advento do Constitucionalismo social, após o fim da 1ª Guerra Mundial, e, consequentemente, com as Constituições de Weimar (1919) e Mexicana (1917), bem como, através do Tratado de Versalhes, pela criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Sendo que o grande marco do século XX foi, nas palavras de Godinho Delgado, o fato de as Constituições passarem a incorporar normas trabalhistas, constitucionalizando o Direito Trabalhista, em meio à hegemonia do Estado de Bem Estar Social. As constituições pós-1945 incorporariam também “diretrizes gerais de valorização do trabalho e do ser que labora empregaticiamente para outrem”, além de princípios nitidamente laborativos.21 Cite-se como marco também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, do ano de 1948.
Por fim, a quarta fase seria a Crise e Transição do Direito do Trabalho, iniciada no final do século XX. Período neoliberal, baseado na liberdade de contratação regulada pelo mercado, embora seja sabido que o empregado necessite de proteção. Era uma conjuntura de grande crise econômica, a crise do petróleo, não encontrando resposta eficaz por parte das forças políticas, o que gerou concorrência e desemprego. Ademais, surge um processo de renovação tecnológica, capitaneado pela microinformática e pela robótica, fazendo desaparecer mais postos de trabalho, bem como criar a ilusão de uma sociedade sem trabalho. A Globalização se apresenta com força total estreitando distâncias e relativizando as barreiras de tempo e espaço, extremando as competições capitalistas a nível global, desconstituindo o pensamento de estado de bem estar social de outrora. Neste momento, surgem, em resposta a tais mudanças, formas de prestação laborativa estranhas ao tradicional sistema empregatício, como o teletrabalho e o home-office, além da acentuação da terceirização. Consequentemente, há a necessidade de se pensar uma reestruturação dos moldes e modelos tradicionais de gestão empresarial bem como das normas justrabalhistas que deles se originaram, passando por um estágio de flexibilização.
O trabalho intermitente, por exemplo, sofreu uma explosão mundial. O trabalho precarizado foi regulado justamente através da figura do trabalhador intermitente. Como é sabido, fazendo uma análise crítica da natureza jurídica desta modalidade contratual, o Contrato Intermitente fere o princípio da dignidade humana, visto que submete o trabalhador numa condição de mero objeto, o qual fica à disposição da atividade econômica empresarial, para ser convocado quando e onde o empregador bem entender.
Souto Maior entende que o trabalho intermitente “cria um estágio tal de submissão que legitima toda forma de exploração do trabalho, desprovido de tutela, afrontando cabalmente a condição humana dos trabalhadores".[8] Enquanto Teixeira e Gonçalves afirma que o trabalho intermitente se tornou uma grande “feira livre”, onde o trabalhador se submete a um ritmo de alta rotatividade e precarização. Nesse viés, o trabalhador serve unicamente para desempenhar uma determinada função, que é a de garantir a produção de lucro para o empregador[9].
Em maio de 2018, foi recebida pelo STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5950, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), suscitando a inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente.
Neste sentido, segundo Martinez, a inconstitucionalidade do contrato intermitente reside no fato de a remuneração contratual ser prejudicial, pois não existe qualquer garantia de subsistência ao trabalhador com o pagamento do mínimo mensal resguardado pela Constituição Federal.
A ADI nº 5950 aduz que o contrato de trabalho intermitente suprime do trabalhador a noção de percepção das horas laborais e dilui o pagamento do 13º salário, limitando-o aos dias trabalhados, fragmentando o pagamento das férias, com a consequente impossibilidade de seu gozo e, ainda, a noção de ausência e término contratual. Além disso, favorece a atividade empresarial, alocando o risco da atividade econômica nas costas do trabalhador, que é parte hipossuficiente, conforme dispõe o art. 7, caput da CF/88.
No que diz respeito à flexibilização dos direitos trabalhistas, o assalariamento se iniciou no final do século XIX com a abolição da escravatura. Mas a nossa sociedade é tão escravocrata, que começou a explorar também a massa trabalhadora branca. Em São Paulo, por exemplo, houve a exploração de italianos. Houve uma explosão do setor industrial no início do século XX (30-54, Era Vargas) e, especialmente, durante a Ditadura, ocasião em que houve grande expansão industrial (Milagre Econômico, com a Ford e GM).
A mão de obra da classe trabalhadora, historicamente, desde a implantação do capitalismo, sempre sofreu uma forte exploração, que se caracterizava com o aumento da mais valia absoluta e relativa. Diz-se uma “classe trabalhadora super-explorada”. Rui Mauro usou o termo “super-exploração” ao se referir ao custo de exploração pago abaixo do nível necessário para a sobrevivência[10].
Na Economia 4.0, os serviços explodiram, sofreram uma transformação capitalista em ritmo acelerado. O proletariado de serviços, devido à privatização do setor e informatização, atingiu variados tipos de profissões, inclusive médicos, advogados, enfermeiros, além daqueles tradicionalmente mencionados quando pensamos em proletariado digital (motoristas e entregadores de aplicativos).
O Zero Hour Contract (Inglaterra e Irlanda do Norte), expandiu-se pelo mundo permitindo a contratação de profissionais como médicos, advogados, enfermeiros, motoristas, que ficam à disposição, e, se chamados, recebem estritamente pelo tempo que trabalharam. O salário médio semanal dos contratos deste tipo é de apenas 188 libras, ao passo que o salário médio regular é de 479 libras semanais, ou seja, 2.5x menos. Esta prática reduz os custos do empregador, que paga menos por hora trabalhada para o mesmo tipo de função. Ocorre uma evasão do cumprimento de obrigações trabalhistas, segundo o Trades Union Congress.
Na Itália, uma nova forma de trabalho, de forma ocasional, pago a voucher, se desenvolveu. A modalidade recebeu esta nomenclatura, porque os trabalhadores recebiam vouchers, contabilizando as horas trabalhadas, cada um valendo 1 hora, a serem trocados por um salário mínimo italiano. Em Portugal, esta modalidade era chamada de “recibos verdes”.
A Reforma Trabalhista quebrou a espinha dorsal da CLT, potencializando a informalidade e a precarização dos direitos trabalhistas. Ao contrário do que se pensava que ocorreria com sua implementação (o maior argumento da Reforma segundo o Governo Temer era modernizar e flexibilizar para criar emprego), não houve um aumento da empregabilidade mediante a supressão de direitos, mas pelo contrário, e apartado do período de pandemia, verifica-se foram elevados os índices de desemprego e potencializada a precarização e a informalidade do trabalho. A terceirização também devastou o setor público. Hoje, o trabalho precário é a regra, não mais exceção.
Uma das promessas feitas pelo presidente eleito Lula durante a campanha presidencial foi a de criar uma nova legislação trabalhista “de extensa proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho", com especial atenção a autônomos, trabalhadores por conta própria, domésticas e trabalhadores de aplicativos.
Segundo o professor Ricardo Antunes, da Unicamp, o avanço tecnológico deveria libertar o homem do trabalho, mas acabou o aprisionando. De acordo com Antunes, o trabalho nasceu na sociedade como uma necessidade vital, sendo executado através da arte e da cultura, e vai se complexificando, principalmente devido à implementação do capitalismo, que desassociou o trabalho da ideia de valor para se tornar um instrumento de valorização da riqueza dos proprietários industriais, adquirindo, assim, uma dimensão negativa, mais próxima da servidão. A tecnologia não desemprega. são relações sociais capitalistas que criam uma tecnologia para aumentar a produtividade e destruir a potência do trabalho. O trabalho, que é um valor, é convertido num desvalor, para criar um mais valor (mais-valia).
As relações de trabalho têm se afastado cada vez mais do conceito de “trabalho decente”, que nada mais é do que “o trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Isto porque no contexto atual, toda e qualquer opção de trabalho que surge é considerada um “privilégio” para milhões de trabalhadores (foram contabilizados, em outubro de 2022, 9,5 milhões de pessoas desempregadas). Diante da escassez de oportunidades, quando é oferecido ao indivíduo um trabalho sem registro na carteira, com carga horária exaustiva, num meio ambiente nocivo, baixa remuneração, dentre outras características típicas da precarização do trabalho, não resta outra alternativa senão o contentamento e sujeição a esta situação.
A precarização do trabalho consiste no enfraquecimento dos componentes do trabalho: remuneração (contenção ou redução dos salários), jornada (intensificação do trabalho baseada na flexibilidade de horários ou no desconhecimento de tempo extra de trabalho), ruptura de relações coletivas, negação da previdência social e contratação (direta ou indireta) por pouco tempo com alta flutuação nos postos do trabalho. É uma manifestação contemporânea da produção e reprodução social baseada na instabilidade, transformação frequente e uso descartável do trabalho vivo.
A sujeição do trabalhador aos novos tipos de contrato de trabalho inseridas na precarização contribui para o aumento da pobreza e desigualdade social. Segundo Castel, a precarização vem se tornando uma forma de reprodução da exclusão social, do aumento da vulnerabilidade e da relevância outorgada à necessidade da proteção social, dentro do que o autor denomina como processos de desfiliação social.
O número de pessoas que vêm elegendo esta modalidade de trabalho precarizada, por diferentes motivos, é avassalador e não há nenhum indício de que irá se estabilizar ou retroceder. Desta forma, o que resta aos governantes é desenvolver novas políticas públicas e soluções que propiciem segurança aos trabalhadores expostos a este tipo de exploração, que tanto contribuem para a economia inserida no capitalismo flexível.
Na China, por exemplo, tem se estudado um fundo de pensão experimental dedicado aos trabalhadores da GIG Economy, que será conduzido por 1 ano por uma empresa. Nos Estados Unidos, há o Workers Strenght Fund, um fundo de doação emergencial para trabalhadores de aplicativos, e o Workers Benefit Fund, que oferece benefícios junto às plataformas, sindicatos e líderes políticos para pensar em soluções e melhorias para a classe.
Na ânsia de suprir suas necessidades de forma mais barata, a sociedade, especialmente, a classe média, vem assumindo um risco muito alto, a exploração da mão de obra dos trabalhadores em situação de vulnerabilidade, causando este fenômeno chamado “precarização”.
Para o pesquisador do MIT (Massachusetts Institute of Technology ), Max Tergmark, a destruição da vida pode ser acelerada com a tecnologia 4.0, que celebra tão efusivamente a supremacia dos algoritmos. Tergmark defende que será preciso desacelerar esta tecnologia descontrolada, pois cada vez que um algoritmo provoca desemprego, aquele valor do salário, que antes era pago ao empregado, passa a engordar as contas do dono do capital[11].
Como se pode notar, fora estabelecido, com os adventos tecnológicos, mais um sistema injusto que rompe com a ideia da economia colaborativa e dá espaço a um sentimento individualista. Os trabalhadores vêm se submetendo a condições de trabalho vedadas pela legislação trabalhista para se enquadrarem no novo sistema de trabalho que o capitalismo tecnológico instituiu. A tecnologia e a globalização sempre tiveram grande influência na exploração da mão de obra dos trabalhadores. Karl Marx, em sua conssagrada obra “O Capital”, afirma que “o capitalismo, além de modificar constantemente as relações produtivas, pretende, de modo contraditório, eliminar toda tranquilidade, solidez e segurança da vida do trabalhador, mantendo-o sob ameaça constante de perder os meios de subsistência”[12].
Em suma, o que se pode concluir das transformações avassaladoras e céleres que atingem o trabalho na sociedade capitalista atual é que, do ponto de vista técnico, é fácil regular o trabalho, mas do ponto de vista prático, é muito difícil. A maior ameaça do Direito do Trabalho não é a exploração, é a irrelevância.
REFERÊNCIAS
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[1]BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo a hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo; EDUSP, 2012
[2]SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016
[3]ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
[4]ANTUNES, Ricardo. Privilégio da servidão: O novo proletariado de serviços na era digital, 1ª edição. São Paulo, SP: Boitempo, 2018.
[5]HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras,1995 apud JUCÁ, Francisco Pedro. Renovação do Direito do Trabalho: abordagem alternativa à flexibilização. São Paulo: LTr, 2000, p. 26.
[6]HARVEY, David, Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1993 apud JUCÁ, Francisco Pedro. Op. cit. p.27.
[7]DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho, pp. 115-128.
[8]MAIOR, Jorge Luiz Souto. Trabalho intermitente e golpismo constante. Revista Síntese: trabalhista e previdenciária. São Paulo v. 28, n. 334, p. 211- 215, abr. 2017
[9]TEIXEIRA, Érica Fernandes; GONÇALVES, Nicolle Wagner da Silva. Afrontas ao pacto constitucional: 62 Revista Brasileira de Estudos Jurídicos v. 15, n. 1, jan./abr. 2020 o trabalho intermitente regulamentado e a flagrante afronta aos direitos trabalhistas no Brasil. Revista do Tribunal Regional. 10° Região. p. 37. v.21, nº2. Brasília, 2017.
[10]________________. Sobre a Dialética da Dependência. 1973. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (Org.). Ruy Mauro Marini. Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005.
[11]TEGMARK, Max. Vida 3.0: O ser humano na era da inteligência artificial. 1. ed. – São Paulo: Benvirá, 2020.
[12]MARX, Karl. O capital. Livro 1. São Paulo: Boitempo, 2013.
Advogada Trabalhista no Câmara Sociedade de Advogados, graduada pela Universidade Federal Fluminense - UFF, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, pesquisadora da Universidade de São Paulo - USP, nos grupos de Meio Ambiente do Trabalho e Migrações e Direito Internacional do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AFONSO, Drielli Serapiao. Gig Economy: renovação tecnológica, informalização e desregulação das relações de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 fev 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61574/gig-economy-renovao-tecnolgica-informalizao-e-desregulao-das-relaes-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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