MATEUS LUCATTO DE CAMPOS
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo abordará o direito do consumidor no comércio eletrônico, dissertando sobre as disposições vigentes que regulamentam as relações de consumo na internet. Para isso, será realizado um levantamento e análise dos direitos básicos e fundamentais do consumidor nas compras online, bem como dos mecanismos legais disponíveis para sua proteção. O objetivo final deste trabalho é verificar a eficácia do Decreto Federal nº 7.962/2013 na proteção do consumidor no comércio eletrônico e enfatizar a importância da aplicação rigorosa desta norma para garantir os direitos destes nas relações de consumo.
Palavras-chave: Direito do Consumidor. Comércio Eletrônico. Compras. Proteção.
ABSTRACT: This article will address consumer rights in electronic commerce, discussing the current provisions that regulate consumer relations on the internet. For this, a survey and analysis of the basic and fundamental rights of consumers in online shopping will be carried out, as well as the legal mechanisms available for their protection. The final objective of this work is to verify the effectiveness of Federal Decree nº 7.962/2013 in consumer protection in electronic commerce and to emphasize the importance of strict application of this norm to guarantee their rights in consumer relations.
Keywords: Consumer Law. E-commerce. Shopping. Protection.
O direito do consumidor está previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso XXXII, como um direito e garantia fundamental. Este artigo estabelece que o Estado tem a responsabilidade de promover a defesa do consumidor por meio da legislação. A palavra "promover" nesse contexto significa buscar restabelecer o equilíbrio e a igualdade nas relações de consumo, visto que mesmo que ante a criação do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor configura a parte vulnerável nas várias transações comerciais.
Com o avanço contínuo das tecnologias de informação e comunicação, os negócios comerciais realizados por meio da internet aumentaram significativamente. Portanto, é crucial que os direitos dos consumidores sejam assegurados sobretudo nesse âmbito, vez que as o comércio eletrônico hoje compreende uma gama de consumidores.
Este artigo irá se concentrar principalmente no estudo do direito do consumidor e nas legislações que abordam o tema, incluindo o Decreto Federal nº 7.962/2013. O objetivo é examinar a proteção do consumidor no comércio eletrônico, enfatizando a importância da aplicação rigorosa das normas como uma medida essencial para proteger os direitos do consumidor nas relações de consumo.
2 COMÉRCIO ELETRÔNICO E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Para compreender melhor o que é o comércio eletrônico, é importante entender o significado dessa expressão. De acordo com Tarcísio Teixeira o comércio eletrônico pode ser entendido como um conjunto de trocas comerciais que ocorrem por meio de comunicação eletrônica, utilizando-se de dispositivos e tecnologias digitais para a realização de compras e vendas de bens e serviços. Portanto, é a comunicação gerada por impulsos elétricos que caracteriza o comércio eletrônico[1].
Comércio eletrônico ou e-commerce, ou venda não-presencial, ou ainda comércio virtual, pode ser definido como a realização de transações comerciais eletronicamente, especialmente por meio da internet. Em outras palavras, o comércio eletrônico é uma relação de consumo em que não há contato direto entre o consumidor e o fornecedor do bem ou serviço, sendo um negócio jurídico celebrado à distância, e que pode ser realizado usando diferentes ferramentas digitais. Dessa forma, o comércio eletrônico engloba todas as transações comerciais realizadas entre consumidores e fornecedores no ambiente virtual[2].
Qualquer pessoa capaz civilmente pode participar desse tipo de comércio, desde que tenha acesso a um aparelho com conexão à internet. Além disso, esses procedimentos são realizados em uma infraestrutura predominantemente pública de fácil e livre acesso e baixo custo[3]. No entanto, é preciso atentar para garantir a proteção do consumidor, parte mais vulnerável e hipossuficiente na relação. Essa proteção, inclusive, é garantida na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXII, como um direito fundamental.
Ocorre que, embora o Código de Defesa do Consumidor possa proteger os cidadãos nas relações comerciais de maneira geral, por si só não é suficiente. A relação consumista se torna uma preocupação social, exigindo que o direito do consumidor se adapte às novas demandas do mercado. Apesar da existência do Código, é necessária a criação de instrumentos específicos para proteger os consumidores em suas relações com o comércio eletrônico. Para abordar essa lacuna, o Decreto Federal nº 7.962/2013 apresenta inovações relevantes para as vendas online no país.
2.1 DISPOSITIVOS LEGAIS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, regula todas as relações de consumo, estabelecendo os direitos e deveres tanto dos consumidores como dos fornecedores.
O direito do consumidor surgiu com o objetivo de eliminar as desigualdades decorrentes das relações de consumo, especialmente após a Revolução Industrial. Com a produção em massa, novos mecanismos de distribuição e produção surgiram, o que levou à criação de contratos coletivos, contratos de massa e contratos por adesão, todos baseados em um direito material tradicional, com princípios como "pacta sunt servanda" e responsabilidade fundada na culpa[4].
Além disso, a Constituição Federal de 1988 inclui a proteção ao consumidor como um direito fundamental e garante a defesa do consumidor como um direito e uma garantia fundamentais. Isso deixou claro que o Estado deve buscar e implementar uma política nacional de relações de consumo efetiva e justa.
O artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal estabelece que o Estado tem o dever de promover a defesa do consumidor, e é responsável por restabelecer equilíbrio e igualdade nas relações de consumo de acordo com a lei. Com o aumento das vendas online, foi necessário criar normas específicas para regular esse tipo de comércio, já que o Código de Defesa do Consumidor não possui disposições expressas sobre o comércio eletrônico, mas ainda é utilizado para regulá-lo.
Surge, por fim, recentemente, a primeira legislação destinada a regulamentar o comércio eletrônico (e-commerce). Publicado no Diário Oficial em 15 de março de 2013, o Decreto Federal nº 7.962/2013 entrou em vigor em 60 dias a partir da sua publicação. Até então, mesmo o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, não possuía disposições que regulamentassem a comercialização por meio eletrônico.
A relação de consumo estabelecida pela internet deve ser tão confiável, segura e informativa quanto a estabelecida em um estabelecimento comercial físico, já que o negócio jurídico realizado por meios eletrônicos não difere do realizado de maneira tradicional e, portanto, é passível de proteção jurídica[5]. No entanto, é comum que o consumidor não se preocupe em conhecer as condições do fornecedor ou saber a procedência dos produtos e serviços ofertados nesse âmbito.
A confiança, segundo Antônio Menezes Cordeiro[6], deve ser entendida como uma situação em que um indivíduo adere, em termos de atividade ou de credibilidade, a certas representações passadas, presentes ou futuras, que tenha por efetivas. No comércio eletrônico, o consumidor experimenta uma maior vulnerabilidade e hipossuficiência, já que há uma desmaterialização e despersonalização dos fornecedores.
O aumento da vulnerabilidade do consumidor diante dessa nova realidade deve ser considerado como uma hipervulnerabilidade, como já foi objeto reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça. O consumidor não pode ser responsabilizado integralmente pelos riscos da atividade econômica ocorrida no âmbito virtual, especialmente pela falta de informações claras e precisas sobre como utilizar a ferramenta.
Na contratação eletrônica via internet, a confiança dos contratantes, que integra parte do conteúdo substancial da boa-fé, deve ser protegida em face da especificidade do meio, garantindo uma expectativa legítima da parte sob o ponto de vista da segurança e informação.
Conforme apontado por Ralph Kogge[7], essa nova modalidade de comercialização tem uma grande relevância social e traz potenciais danos e riscos ao consumidor, como a impossibilidade de ver e experimentar o produto, riscos de erros e manipulações no momento de concluir ou de se arrepender do negócio, fornecedores não sérios ou falsários, a perda do valor pago, a demora extrema no fornecimento do produto ou serviço, riscos com os dados sensíveis enviados, perturbação da privacidade, uso indevido dos dados sensíveis, das senhas e dos dados financeiros. Por isso, faz-se necessária a criação de novas normas específicas para o comércio eletrônico – para fornecer mais clareza, informação e proteção ao consumidor.
3 APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO
Apesar da falta de uma lei específica para o comércio eletrônico até recentemente, os direitos do consumidor estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor podem e devem ser aplicados, uma vez que existe uma relação de consumo em vigor. Isso também porque mesmo no comércio virtual o consumidor é considerado vulnerável e hipossuficiente na relação de consumo, e assim como nas transações físicas, as normas do Código de Defesa do Consumidor também devem ser aplicadas aos contratos eletrônicos que envolvem relação de consumo.
De acordo com o artigo 1° do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, as normas de proteção e defesa do consumidor nele estabelecidas têm natureza social e interesse público. Portanto, essas normas são de caráter imperativo, ou seja, sua aplicação não pode ser banida, independentemente da vontade das partes envolvidas[8].
É o mesmo entendimento do professor Fábio Ulhôa Coelho, o comércio eletrônico não é abordado especificamente pelo direito positivo brasileiro, mas os empresários brasileiros que se dedicam ao comércio eletrônico possuem as mesmas obrigações que os fornecedores em geral em relação aos consumidores. A venda realizada em um estabelecimento físico ou virtual não afeta os direitos dos consumidores e os deveres dos empresários. O contrato eletrônico de consumo entre brasileiros está sujeito aos mesmos princípios e regras aplicáveis a outros contratos (orais ou escritos) regidos pelo Código de Defesa do Consumidor[9].
De acordo com Fábio Ulhôa Coelho, independente se a venda ocorreu em um estabelecimento físico ou virtual, os direitos dos consumidores e os deveres dos empresários permanecem inalterados. Por isso, certos princípios contratuais se aplicam igualmente aos contratos eletrônicos e a transparência é crucial para assegurar uma boa relação de consumo.
O consumidor tem o direito de receber informações precisas e completas sobre o produto ou serviço adquirido, independentemente de ser uma transação eletrônica ou física. O princípio da transparência, como adverte Guilherme Magalhães Martins, estabelecido no direito positivo brasileiro pelo artigo 4º, significa principalmente clareza, lealdade e respeito. É responsabilidade do fornecedor informar o consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, mas também sobre o conteúdo do contrato, incluindo manifestações pré-contratuais, especialmente publicidade[10].
O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor é fundamental para proteger o consumidor na relação com o fornecedor. Seu primeiro inciso busca proteger a vida, saúde e segurança do consumidor contra produtos que possam causar danos. Combina-se este com o inciso III, que garante que todas as informações relevantes sobre o produto ou serviço sejam fornecidas, especialmente os riscos associados. O inciso IV protege o consumidor contra práticas comerciais enganosas ou abusivas e o inciso VI garante o direito à prevenção e reparação de danos. Além disso, o inciso VIII permite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, levando em conta sua posição de hipossuficiente.
Jean Carlos Dias afirma que é importante ressaltar que os conceitos de vulnerabilidade e hipossuficiência, que são amplamente estudados atualmente, são distintos. Enquanto o primeiro se refere à situação natural de risco inerente à relação de consumo, o segundo é um agravamento dessa condição, em que o consumidor, devido a suas circunstâncias pessoais (culturais, sociais, econômicas, etc.), necessita de ainda mais proteção. Em contratos de consumo realizados em meios virtuais, os consumidores não só são vulneráveis, mas também são hipossuficientes devido ao elemento tecnológico que apresenta um fator de adversidade evidente. Portanto, é fundamental destacar que, nas relações de consumo em meios virtuais, a proteção ao consumidor é ainda mais crucial, exigindo que as empresas que desejam operar nesse mercado tenham cuidados redobrados para atender às condições exigidas por lei[11].
No comércio eletrônico, assim como em qualquer outro tipo de comércio, é permitido fazer tudo o que for legalmente aceitável para atrair clientes. No entanto, muitos empresários recorrem a publicidades falsas ou omitem informações relevantes sobre a natureza, qualidade, características, origem e preço dos produtos e serviços oferecidos, levando os consumidores a cometer erros na hora de fazer a escolha. Esse tipo de prática ocorre em lojas físicas, onde o consumidor tem a oportunidade de ver e tocar os produtos, tanto quanto em maior escala nas lojas virtuais, onde o consumidor tem acesso somente a informações escritas na tela e, no máximo, fotos dos produtos[12].
Nesse sentido, os artigos 30 e 31 do Código de Defesa do Consumidor são plenamente aplicáveis, visto que o primeiro estabelece a obrigação do fornecedor que divulgou a oferta e a publicidade, tornando-as parte integrante do contrato a ser celebrado, enquanto o segundo reforça a obrigação de que a oferta e apresentação dos produtos ou serviços contenham informações corretas, claras, precisas e ostensivas em língua portuguesa. Além disso, é importante considerar a publicidade nas relações de consumo, visto que é proibida de ser enganosa ou abusiva, conforme a norma geral estabelecida no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, o que também é justificável no contexto virtual.
Se um fornecedor se recusa a cumprir uma oferta, apresentação ou publicidade, é justo impor ao fornecedor as alternativas previstas no artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, que o consumidor pode escolher entre: obrigar o cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto ou serviço equivalente, ou rescindir o contrato e receber a quantia paga com os devidos reajustes e perdas e danos[13]. O consumidor também tem o direito de se arrepender, como previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, que permite a desistência do contrato no prazo de 7 dias após sua assinatura ou o recebimento do produto ou serviço.
Portanto, é inquestionável que o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado nas relações de consumo virtual, com interpretação adaptada aos casos específicos. O Decreto Federal nº 7.962/2013, que traz dispositivos específicos para o comércio eletrônico, objetiva, em conjunto, oferecer ao consumidor maior conforto e segurança ao realizar compras pela internet.
4 O DECRETO FEDERAL Nº 7.962/2013 E SEU REFLEXO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO
No dia 15 de março de 2013, a então presidente Dilma Rousseff sancionou o Decreto Federal nº 7.962, que estabelece normas específicas para as contratações realizadas por meio do comércio eletrônico. Esse Decreto foi criado para atualizar a Lei nº 8.078/90, que é o Código de Defesa do Consumidor, e atender às novas demandas geradas pelo comércio online.
O Decreto trouxe inovações importantes, como a exigência de que os fornecedores informem em seus sites a razão social, CNPJ, endereços eletrônico e físico, bem como todas as informações essenciais sobre os produtos ou serviços oferecidos, incluindo eventuais encargos e restrições aplicáveis à oferta, conforme determina o artigo 2º e seus incisos.
Dessa forma, o Decreto Federal nº 7.962/2013 representa um avanço significativo na proteção dos direitos do consumidor no ambiente virtual. Entre as suas inovações, destaca-se a obrigatoriedade dos fornecedores em manter um serviço de atendimento adequado e eficaz em meio eletrônico, capaz de solucionar demandas relacionadas a informações, dúvidas, reclamações, suspensão ou cancelamento do contrato, com resposta encaminhada em até 5 (cinco) dias ao consumidor. Tal previsão está prevista no artigo 4º, inciso V, parágrafo único do mencionado Decreto.
O artigo 5º estabelece que, além, o fornecedor é obrigado a informar de maneira clara e ostensiva os meios adequados e eficazes para que o consumidor exerça o direito de arrependimento, que deve ser garantido por meio da mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.
Além disso, o fornecedor tem a obrigação de comunicar imediatamente à instituição financeira ou administradora de cartão de crédito o exercício do direito de arrependimento, para que a transação não seja lançada na fatura do consumidor e, se já tiver sido lançada, efetivar o estorno do valor.
O direito de arrependimento é previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor e permite que o consumidor desista das compras realizadas fora de estabelecimento comercial dentro de até sete dias, contados a partir da contratação ou do recebimento do produto ou serviço. Por fim, o fornecedor também deve enviar ao consumidor uma confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
O Decreto Federal nº 7.962/2013, regulamentando o Código de Defesa do Consumidor, estabelece regras específicas aplicáveis às contratações realizadas por meio de comércio eletrônico, garantindo os direitos do consumidor no âmbito virtual. O fornecedor deve informar de forma clara e ostensiva os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor, e comunicar imediatamente o exercício do direito de arrependimento à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito para o estorno do valor. A inobservância dessas condutas ensejará a aplicação das sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor. A expectativa é que esse diploma legal aperfeiçoe e torne mais rígido e efetivo o cumprimento das normas de proteção e defesa do consumidor no comércio eletrônico, garantindo maior conforto e segurança ao consumidor.
4.1 CASOS PRÁTICOS QUE ELUCIDAM A APLICABILIDADE DO DECRETO FEDERAL Nº 7.962/2013
Acerca da aplicabilidade do Decreto Federal nº 7.962/2013, a ementa a seguir colacionada se refere a uma decisão de apelação cível sobre uma empresa autuada pelo PROCON devido a práticas adotadas na venda online de ingressos para um espetáculo musical. A cláusula que previa um prazo de até 10 dias úteis para o estorno foi considerada abusiva, além de também a cobrança de taxas de conveniência e de retirada. A sentença foi parcialmente reformada, com o provimento do recurso do PROCON.
APELAÇÃO CÍVEL – MULTA PROCON – Empresa autuada em razão de práticas adotadas em venda online de ingressos para espetáculo musical – PRELIMINAR DE BIS IN IDEM – Inocorrência – Processos judiciais e administrativos que têm por objeto autos de infrações distintos, relacionados a eventos passados, ainda que apurem as mesmas infringências – Legalidade da instauração autuação todas as vezes que houver reiteração das infrações - Prazo para exercício do direito de arrependimento ou reflexão – CDC que prevê o prazo de 7 (sete) dias contados da data de recebimento dos ingressos, e não da data da compra – Termo inicial que deve ser a data do recebimento dos ingressos na residência do consumidor – Infringência ao artigo 49, caput, do CDC – PRAZO PARA ESTORNO, NO CASO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA – Política de venda de ingressos que prevê o prazo de até 10 (dez) dias úteis – Cláusula abusiva – Administradoras de cartões de crédito e instituições financeiras que possuem interesse econômico e jurídico nas vendas e devem colaborar para o reembolso imediato – Ausência de razoabilidade no prazo estipulado, que coloca o consumidor em manifesta desvantagem e desestimula o exercício do direito de arrependimento - Art. 49, parágrafo único, do CDC e art. 5º do Decreto nº 7.962/13 – COBRANÇA DE TAXA DE CONVENIÊNCIA E DE TAXA DE RETIRADA ('WILL CALL') – Cláusulas abusivas, nos termos do art. 39, inciso V, do CDC – Custos inerentes à opção de venda por meio eletrônico, que não pode ser repassado ao consumidor – Colocação de ingressos a venda pela internet que representa uma vantagem principalmente ao fornecedor, por possuir maior alcance entre os consumidores - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – Fixação com base nas alíquotas mínimas previstas no art. 85, §3º, incisos I a V, do CPC - Sentença parcialmente reformada – Recurso da parte autora improvido - Recurso do PROCON provido.[14]
Em caso de temática assemelhada, em que se trata de uma apelação cível referente a uma ação anulatória de uma multa imposta pelo PROCON, a decisão confirmou que não houve violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório e que as decisões do PROCON foram fundamentadas e respeitaram o direito de recurso da decisão administrativa. Foi reconhecida a infração ao Decreto 7.962/2013 que regulamenta os direitos do consumidor nos contratos de comércio eletrônico, e negado o argumento do recorrente que tentou demonstrar que as exigências do decreto haviam sido respeitadas.
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA. MULTA IMPOSTA PELO PROCON. REDUÇÃO DO VALOR DA SANÇÃO. 1) Inexistência de violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, tendo sido inclusive respeitado o direito de recurso da decisão administrativa. Decisões do Procon que foram devidamente fundamentadas. 2) Infração ao Decreto 7.962/2013, o qual regulamenta os direitos do consumidor nos contratos de comércio eletrônicos corretamente reconhecida, sendo certo que o recorrente não logrou êxito em demonstrar que as exigências referidas pelo aludido diploma haviam sido respeitadas. 3) Análise do conteúdo do site que deveria ter sido realizada nos idos de 2013, ocasião na qual foram constatadas as aludidas irregularidades, não valendo para o fim de comprovar ou não o cumprimento dos termos do decreto imagens atuais ou produzidas muito tempo depois da verificação, pelo poder público, das aludidas infrações. 4) Multa administrativa estabelecida em consonância com as disposições do art. 57 do CPC, bem como com os ditames dos artigos 3º e 4º da Lei Estadual 3.906/02 e artigos 24 a 26 e 28 do Decreto nº 2.181/97. 5) Recurso ao qual se nega provimento.[15]
Não obstante, é perceptível que, mesmo nos assuntos abordados pelo Decreto, podem ser identificadas eventuais lacunas que, por sua vez, deixam a legislação vulnerável a interpretações enviesadas, permitindo a continuidade de situações que prejudicam o consumidor. No entanto, ainda diante de todas as limitações e lacunas pontuadas, é inegável que o Decreto traz uma maior confiabilidade aos consumidores que se utilizam dessa modalidade de comércio, além de proporcionar uma segurança jurídica mais específica que possibilita ao consumidor uma proteção legal mais eficaz e eficiente para suas compras.
Atualmente há um notável avanço nas tecnologias de informação e comunicação, que revolucionaram as formas de organização e relacionamento da sociedade, tornando-as mais ágeis e acessíveis. A internet, em particular, tem sido a ferramenta mais importante nesse processo, ampliando as possibilidades de comunicação, compartilhamento de informações e negociações. Devido a essa escala de evolução, o Direito também se viu na necessidade de avançar na mesma velocidade, criando legislações específicas para regulamentar os negócios formalizados por meio da internet, também conhecidos como comércio eletrônico.
Com o avanço dessas tecnologias, foi criado o Decreto Federal nº 7.962/2013, que trouxe grandes inovações para as vendas online no Brasil. Esse Decreto veio para regulamentar o Código de Defesa do Consumidor, visto que este não possuía dispositivos específicos para essa nova modalidade de transação comercial.
Neste artigo, que não teve a intenção de esgotar o tema, mas sim de analisar alguns pontos específicos do comércio eletrônico e a relevância do Decreto Federal nº 7.962/2013 para as relações de consumo existentes no meio virtual, foi possível constatar que o comércio eletrônico não é um novo tipo de comércio, mas sim um novo meio de formalizá-lo.
Assim sendo, no contrato eletrônico são aplicáveis as normas e princípios gerais do direito contratual tradicional, devendo ser adaptados a cada situação e às particularidades do meio virtual, com a finalidade de legitimar os negócios jurídicos celebrados por meio eletrônico. Além disso, restou comprovado que é viável a utilização do Código de Defesa do Consumidor nas relações de consumo eletrônicas, especialmente no tocante ao direito de arrependimento previsto no artigo 49.
Apesar de o Decreto Federal nº 7.962/2013 ainda não ter produzido mudanças significativas na legislação em vigor, acredita-se que possa aprimorar e intensificar o cumprimento das normas de proteção do consumidor.
O legislador demonstrou grande preocupação com a relação consumerista atual no comércio eletrônico, tendo criado o novo diploma legal que certamente trará mais conforto, segurança, transparência, confiabilidade e proteção ao consumidor nas transações eletrônicas, especialmente por se tratar de um ambiente tecnológico ainda não totalmente dominado pela maioria dos usuários que o utilizam para negócios jurídicos.
Contata-se que, apesar de o Código de Defesa do Consumidor já visar à proteção do consumidor, o Decreto Federal nº 7.962/2013 trouxe inovações relevantes para a comercialização eletrônica, uma vez que, até então, não havia dispositivos específicos para esse tipo de transação comercial. Isso muitas vezes deixava o consumidor desprotegido ao realizar um negócio jurídico por meio virtual. Portanto, a expectativa é que o Decreto Federal traga mais efetividade às normas que regulamentam a comercialização eletrônica, garantindo maior rigidez, transparência, segurança e proteção ao consumidor no momento da realização do negócio.
A pesquisa realizada confirmou as hipóteses iniciais, visto que o Código de Defesa do Consumidor já resguardava, de forma geral, a proteção e segurança jurídica do consumidor antes do Decreto. Entretanto, a legislação específica trazida pelo Decreto proporciona maior segurança e proteção nas relações de consumo eletrônicas, esclarecendo lacunas que antes existiam na legislação vigente.
REFERÊNCIAS
ALBERTIN, Alberto Luiz. Comércio Eletrônico: modelo, aspectos e contribuições de sua aplicação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
BRASIL. Decreto Federal nº 7.962 de 2013. Regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Brasília: Presidência da República, 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm. Acesso em: 20/03/2023.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Presidência da República, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 20/03/2023.
BRASIL. Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 20/03/2023.
CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. Curitiba: Jaruá, 2007.
CASTRO, Luiz Fernando Martins. Comércio Eletrônico e a Defesa do Consumidor no Direito Brasileiro e no Mercosul. in Internet e Direito. Reflexões Doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
CAVALIERI Filho, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. 6 ed. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 3.
CORDEIRO, Antônio Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007.
DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no âmbito virtual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 3. 17 ed. São Paulo. Saraiva, 2002.
JUNQUEIRA, Miriam. Contratos eletrônicos. Rio de Janeiro. Mauad, 1997.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio Eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
TEIXEIRA, Tarcísio. Comércio Eletrônico - conforme o marco civil da internet e a regulamentação do e-commerce no Brasil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502622494/. Acesso em: 20/03/2023.
TJRJ. Apelação Cível 0218599-73.2015.8.19.0001; Des(a). Heleno Ribeiro Pereira Nunes; Órgão Julgados: 5ª Câmara Cível; Julgamento: 23/06/2020
TJSP. Apelação Cível 1048834-91.2019.8.26.0053; Relator (a): Maria Laura Tavares; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/07/2020; Data de Registro: 08/07/2020
[1] TEIXEIRA, Tarcísio. Comércio Eletrônico - conforme o marco civil da internet e a regulamentação do e-commerce no Brasil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502622494/. Acesso em: 20/03/2023.
[2] MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 41.
[3] ALBERTIN, Alberto Luiz. Comércio Eletrônico: modelo, aspectos e contribuições de sua aplicação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.15.
[4] CAVALIERI Filho, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 464.
[5] MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 39.
[6] CORDEIRO, Antônio Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007. p. 1234.
[7] KOGGE, Ralph APUD. Marques, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 52/53.
[8] CASTRO, Luiz Fernando Martins. Comércio Eletrônico e a Defesa do Consumidor no Direito Brasileiro e no Mercosul. In Internet e Direito. Reflexões Doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 37.
[9] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. 6 ed. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 3. p. 42.
[10] MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.132.
[11] DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no âmbito virtual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 111.
[12] CASTRO, Luiz Fernando Martins. Comércio Eletrônico e a Defesa do Consumidor no Direito Brasileiro e no Mercosul. in Internet e Direito. Reflexões Doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 37.
[13] CASTRO, Luiz Fernando Martins. Comércio Eletrônico e a Defesa do Consumidor no Direito Brasileiro e no Mercosul. in Internet e Direito. Reflexões Doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 37.
[14] TJSP. Apelação Cível 1048834-91.2019.8.26.0053; Relator (a): Maria Laura Tavares; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/07/2020; Data de Registro: 08/07/2020
[15] TJRJ. Apelação Cível 0218599-73.2015.8.19.0001; Des(a). Heleno Ribeiro Pereira Nunes; Órgão Julgados: 5ª Câmara Cível; Julgamento: 23/06/2020
Discente da Universidade Brasil. Curso de graduação em Direito. Campus Fernandópolis. (2023).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, João Pedro Coelho. Direito do consumidor e as compras pela internet. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61631/direito-do-consumidor-e-as-compras-pela-internet. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Erick Labanca Garcia
Por: Erick Labanca Garcia
Precisa estar logado para fazer comentários.