1.Introdução
No presente trabalho, será abordado tema referente ao conflito de competência entre os entes federados municipais, particularmente no que diz respeito à cobrança do Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN ou ISS) e à forma de sua cobrança, com duplicidade de recolhimento do imposto, particularmente naqueles casos em que o imposto sobre uma mesma prestação de serviço é exigido tanto no município do prestador como o do tomador do serviço.
Particularmente, será abordado o caso analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Leading Case constante do Recurso Extraordinário n.° 1.167.509, julgado pelo Excelso Tribunal em tempo recente, ao passo que questionou a retenção por parte do tomador em caso de descumprimento de mera obrigação tributária acessória, o que não justificaria a cobrança em duplicidade.
Afora isso, deveremos abordar a questão da recuperação de valores pagos indevidamente em relação ao passado, com suas particulares dificuldades práticas, incluindo o tema da repercussão econômica do tributo indireto, atinente à realidade desse tributo municipal atrelada a uma compatível interpretação que deve ser atribuída ao art. 166 do Código Tributário Nacional (CTN).
Diferentemente do Município de São Paulo, que trouxe previsão normativa (Lei Municipal nº 17.719/2021) se adequando à nova realidade desenhada a partir da decisão do Supremo, faz-se mister ressaltar que há vários municípios do País que ainda não adaptaram sua legislação ao dito precedente, de forma que merecem uma especial atenção.
Antes de adentrar no cerne do tema e em suas repercussões, importante perquirir acerca de como se dá – e sob qual fundamento – a exigência dessa retenção pelo tomador de serviços, gerando duplicidade de recolhimento do imposto, o que se passa a fazer desde então.
2.Exigência legal do cadastro do prestador de serviços e dever de retenção do ISSQN
Em sua tratativa legislativa em âmbito nacional, atendendo à preceito normativo constante do art. 146 da Constituição Federal, o denominado dever de retenção do ISS por terceiro, que não se confunde com aquele que pratica o fato gerador do tributo, está previsto no art. 6º da Lei Complementar 116/2003, que assim disciplina a matéria:
Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
§ 1º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, são responsáveis: (Vide Lei Complementar nº 123, de 2006).
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País;
II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.
III - a pessoa jurídica tomadora ou intermediária de serviços, ainda que imune ou isenta, na hipótese prevista no § 4º do art. 3º desta Lei Complementar.
(grifos nossos)
A nível local, com o objetivo de disciplinar aquilo que está previsto no art. 6º da Lei Complementar nº 116/2003, o dispositivo normativo presente no art. 111-A da Lei municipal nº 15.563/1991 (com alterações trazidas pelo Decreto nº 27.589/2013) assim prescreve:
Art. 111-A O prestador de serviços que emitir nota fiscal ou outro documento fiscal equivalente autorizado por outro Município ou pelo Distrito Federal, para tomador estabelecido no Município de Recife, referente aos serviços descritos nos itens 1, 2, 3 (exceto o subitem 3.04), 4 a 6, 8 a 10, 13 a 15, 17 (exceto os subitens 17.05 e 17.09), 18, 19 e 21 a 40, bem como nos subitens 7.01, 7.03, 7.06, 7.07, 7.08, 7.13, 7.18, 7.19, 7.20, 11.03 e 12.13, todos constantes da lista do "caput" do art. 102 desta Lei, fica obrigado a proceder previamente à sua inscrição em cadastro da Secretaria de Finanças, conforme dispuser o regulamento. (Regulamentado pelo Decreto nº 27.589/2013)
§ 1º Excetuam-se do disposto no "caput" deste artigo os serviços provenientes do exterior do País ou cuja prestação tenha se iniciado no exterior do País.
§ 2º As pessoas jurídicas estabelecidas no Município de Recife, ainda que imunes ou isentas, são responsáveis pelo pagamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN, devendo reter na fonte o seu valor, quando tomarem ou intermediarem os serviços a que se refere o "caput" deste artigo executados por prestadores de serviços não inscritos em cadastro da Secretaria de Finanças e que emitirem nota fiscal autorizada por outro Município.
§ 3º Aplica-se, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 111 aos responsáveis referidos no § 2º deste artigo.
§ 4º A Secretaria de Finanças poderá dispensar da inscrição no Cadastro os prestadores de serviços a que se refere o "caput":
I - por atividade;
II - por atividade, quando preposto ou representante de pessoa jurídica estabelecida no Município de Recife tomar, em trânsito, serviço relacionado a tal atividade.
§ 5º A Secretaria de Finanças poderá permitir que os tomadores de serviços sejam responsáveis pela inscrição, em Cadastro Simplificado, dos prestadores de serviços tratados no § 4º. (Redação acrecida pela Lei nº 17.904/2013)
(grifos nossos)
Os serviços descritos no item 1 e correspondentes subitens, do art. 102 da mesma lei, referem-se a atividades sujeitas à necessidade de inscrição em cadastro da Secretaria Municipal da Fazenda, conforme dispõe o caput do art. 111-A da Lei municipal nº 15.563/1991.
Tendo em vista que há empresas que prestam serviços que se classificam como “Serviços de Informática e congêneres”, como consta Lista de Serviços do art. 102 da Lei Municipal 15.563/1991, pode-se inferir que, a depender do município que venha a prestar o referido serviço, pode-se ter a exigência de retenção do imposto municipal, conforme disciplina o art. 6º da Lei Complementar 116/2003.
Nesses casos, o município entende que se trataria de caso de substituição tributária, que assim se define em tais situações, como bem pontua Marcelo Caron Batista:
A relação jurídica não tributária cuja prestação-fim perfaz a hipótese de incidência do ISS comtempla, basicamente, duas pessoas apenas, o prestador e o tomador de serviço. Sendo essa, de regra, a configuração da relação de prestação de serviço, o tomador é, por excelência, a pessoa que pode ser colocada, pela lei, no lugar do destinatário constitucional tributário do ISS, ou seja, o prestador de serviço.[1]
Em que pese a referida previsão legal, importante salientar que a imputação de responsabilidade tributária por substituição não é um “cheque em branco” instituído pelo legislador complementar, não podendo extrapolar a sua finalidade fiscal para, no lugar disso, servir de sanção ou penalidade ao sujeito terceiro e que se busca responsabilizar.
Como será visto em maiores detalhes, essa foi a linha de raciocínio seguida pelo STF quando da apreciação do tema em específico, em recente Leading Case julgado pelo Egrégio Tribunal, justamente ao identificar o caráter sancionatório que buscou o legislador paulista com a instituição da retenção do ISSQN em tais casos, o que se estenderia à legislação de diversos outros municípios que vêm seguindo o mesmo parâmetro, inclusive no que diz respeito à sua aplicação por parte das autoridades fiscais.
Nesse sentido, em que pese haver a autorização para que o legislador ordinário venha a disciplinar a questão atrelada à substituição tributária relativa ao ISSQN, vinculando o tomador de serviço ao dever de recolhimento do tributo em nome do prestador, tal hipótese sofre limitações, no sentido de que tal instrumento deve servir à praticidade ou praticabilidade da tributação em âmbito municipal, e não como forma de sancionar aquele indivíduo que deixa de cumprir uma mera obrigação acessória.
Além do mais, tal obrigação é exigida por um outro município que não aquele em que é domiciliado o prestador de serviços, o que reforça a desproporcionalidade de tal penalidade imposta ao tomador de serviços que contrata com prestador localizado em diversa municipalidade.
Frente a tais aspectos, passa-se a analisar a legislação pertinente ao tema em referência à luz da recente jurisprudência do STF, que se firmou acerca do tema em apreço, o que deve incluir a análise conjunta de seus fundamentos e, consequentemente, da ratio decidendi que prevaleceu para fins de precedente vinculante a juízes e tribunais que venham a apreciar o tema, nos estritos termos do art. 927 do Código de Processo Civil (CPC).
3.Posicionamento do STF acerca da exigência de cadastro municipal e do dever de retenção
Recentemente o STF, analisando situação que fora questionada frente à aplicação da legislação de São Paulo, conforme antes mencionada, entendeu pela impossibilidade de aplicação da obrigatoriedade da inscrição cadastral em São Paulo, declarando inconstitucional também a exigência da retenção do ISSQN por parte do tomador do serviço localizado no município do São Paulo, como se depreende da Ementa da decisão constante do Recurso Extraordinário n.° 1.167.509, de relatoria do Min. Marco Aurélio:
ISS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – SUJEITO ATIVO – OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS – CADASTRAMENTO – RETENÇÃO – TOMADOR DOS SERVIÇOS DE MUNICÍPIO DIVERSO – INCONSTITUCIONALIDADE.
É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestadores de serviços não estabelecidos no território do Município, impondo-se ao tomador o recolhimento do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação.
Além disso, o art. 152 da Constituição Federal veda qualquer tratamento desigual a serviço com fundamento em sua procedência, no sentido de que “É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”. Esse foi justamente um dos pontos de argumentação do Exmo. Min. Relator Marco Aurélio em seu voto:
Mostra-se configurada a arguida afronta ao artigo 152 da Carta da República. A medida impugnada dá ensejo a tratamento diferenciado em razão da procedência do serviço, ante o regime peculiar inaugurado visando estabelecimentos situados fora do Município.
Ao imputar ao tomador do serviço a retenção do ISS uma vez descumprida, pelo prestador, a obrigação acessória, a Lei local nº 14.042/2005, a par de usurpar competência tributária alheia, discrepa, a mais não poder, das balizas formais delineadas na Constituição de 1988.
No intuito de uniformizar o tratamento tributário e evitar disputas entre os entes da Federação quanto à alocação de investimentos privados mediante a concessão de benefícios e renúncia fiscal, situação mais conhecida como “guerra fiscal”, o constituinte atribuiu ao legislador complementar federal a previsão de normas gerais em matéria de tributação, nos termos do artigo 146¹ da Lei das leis, prevendo, entre os temas a serem disciplinados, os conflitos de competência e a definição dos contribuintes no tocante aos impostos.
Daí se comprova que não só a exigência de inscrição seria inconstitucional em tais casos; mas, igualmente, a imposição da retenção do tributo municipal por parte daquele que figura como tomador do serviço em referência. Tal questão fica ainda mais clara em outro trecho do voto proferido pelo Min. Relator, que se passa a transcrever in verbis:
A norma, ao estipular a “penalidade” de retenção do ISS pelo tomador dos serviços, nos casos em que o prestador, situado em outro Município, não observar a obrigação acessória de cadastramento na Secretaria Municipal, opera verdadeira modificação do critério espacial e da sujeição passiva do tributo, revelando duas impropriedades formais: a usurpação da competência legislativa da União, a quem cabe editar a norma geral nacional sobre a matéria, e a inadequação do móvel legislativo, considerada a exigência constitucional de veiculação por lei complementar.
Vale ressaltar ainda que a referida decisão não foi alvo de qualquer modulação de seus efeitos, sendo inquestionavelmente aplicada não só para casos futuros, como também podendo retroagir a situações pretéritas, em que tais exigências foram potencialmente impostas pelo Fisco municipal.
4.Extensão territorial da ratio decidendi referente ao precedente firmado pelo STF
A extensão territorial atrelada à ratio decidendi vinculada ao referido precedente, nos termos do art. 927 do CPC, não se restringe à municipalidade de São Paulo, de onde proveio o Leading Case, se aplicando integralmente a qualquer outra legislação de outros municípios da Federação que tenham a mesma espécie de tratamento conforme mencionado no tópico anterior ao presente
Isso quer dizer que qualquer município que venha a exigir, assim como o município de São Paulo, a inscrição cadastral perante a Administração Fiscal e, em sua ausência, venha obrigar o tomador a reter o valor de ISS, está sujeito às limitações constitucionais traçadas a partir do precedente do STF, de forma que se deve considerar como indevida qualquer retenção que venha a ser exigida nesse sentido.
Definindo-se a ratio decidendi como os fundamentos centrais de certa decisão judicial, pode-se dizer que não há – nem deve haver – qualquer limitação para a ampliação do referido entendimento às demais municipalidades, ensejando, inclusive, o direito de as empresas ingressarem com ações judiciais nas situações em que atender aos dois seguintes requisitos: (i) ser prestadora de serviços em relação a um tomador localizado em outra municipalidade e que tenha sido obrigado a proceder à retenção pela falta de cadastro nesse município; e (ii) venha a comprovar que assumiu o encargo ou ônus financeiro do tributo.
Em relação a este último tópico, relativo a quem deve assumir o encargo financeiro da incidência do ISSQN, isso deverá ser objeto do tópico seguinte, em que se deverá explorar mais em detalhes a questão da repercussão econômica, conforme disciplina o art. 166 do CTN, assim como quem deve ser tido como legitimado para ingressar com eventual ação judicial de repetição do indébito tributário.
5.Aspectos processuais/formais para a recuperação de valores pagos indevidamente em períodos passados
Para fins de repetição do indébito, relativamente aos últimos 5 (cinco anos) de prazo prescricional do art. 168 do CTN, importante ter em mente que o ISS, como imposto indireto[2], está sujeito à prova da repercussão econômica ou do ônus financeiro, no formato prescrito pelo art. 166 do CTN.
Vale mencionar ainda que, acerca da natureza jurídica de tributo indireto que é hoje atribuída do ISSQN, é expressa a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), como se constata do AgInt no REsp 1682575-SP, de relatoria do Exmo. Min. Napoleão Nunes Maia, no seguinte sentido:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ISS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. REPERCUSSÃO DO ÔNUS TRIBUTÁRIO. ART. 166 DO CTN: FUNDADO NO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS, O TRIBUNAL A QUO CONCLUIU NÃO RESTAR PROVADA NOS AUTOS A ASSUNÇÃO, PELA RECORRENTE, DO ÔNUS TRIBUTÁRIO. INVIABILIDADE DE ALTERAÇÃO DO JULGADO. AGRAVO INTERNO DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS-ECT A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1- A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp. 1.131.476/RS, da relatoria do eminente Ministro Luiz Fux, mediante o rito dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento de que o ISS é espécie tributária que admite a sua dicotomização como tributo direto ou indireto e, na hipótese em que o tributo assume natureza indireta, reclama da parte autora a prova da não repercussão, ou, na hipótese de ter esta transferido o encargo a terceiro, de estar autorizada por este a recebê-los.
2- Especificamente em relação à pretensão repetitória de valores indevidamente recolhidos a título de ISS incidente sobre serviços prestados pela EBCT, a Primeira Turma desta Corte Superior reafirmou sua jurisprudência ao consignar que o tributo assume natureza indireta, exigindo da prestadora a prova de que absorveu o ônus financeiro pelo pagamento indevido da exação, deixando de repassá-lo ao tomador do serviço. Precedentes: AgInt no REsp. 1.788.940-SP, Rel. Min. Gurgel De Faria, DJE 03/04/2020; AgInt no REsp. 1.702.453-SP, Rel. Min. Gurgel De Faria, DJE 31/03/2020.
3- Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem afirmou que o caso concreto necessita de comprovação de que a exação não foi repassada para o valor cobrado pelos serviços prestados, e a revisão dessa orientação exige o reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de Recurso Especial.
4- Agravo Interno da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS-ECT a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1682575-SP, STJ, 1ª T, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 31/08/2020, DJE 03/09/2020)
Nesse sentido, em relação à devida interpretação do art. 166, e considerando a natureza de imposto indireto imputada ao ISS, já lecionava Bernardo Ribeiro de Moraes:
De acordo com a norma acima, a repetição o imposto direto é sempre válida. Quanto ao imposto indireto, sua repetição está sujeita ao fato do contribuinte ou interessado fazer prova de que:
a) assumiu o encargo financeiro relativo ao imposto, não tendo transferido seu valor (prova negativa da transferência do imposto); ou
b) embora não tenha assumido o encargo financeiro relativo ao imposto, por ter transferido seu valor, demonstra estar devidamente autorizado pela pessoa que enfrentou o encargo a receber a restituição do tributo.[3]
Isso quer significar que as empresas teriam direito de reaver os valores indevidamente pagos/retidos em relação ao passado, desde que (i) comprovasse ter suportado, no caso concreto, o ônus do tributo (ISSQN) ou (ii) caso esteja expressamente autorizada, de alguma forma, por parte de seus fornecedores (prestadores de serviço) a assim proceder. Esse é exatamente o entendimento que hoje transparece à jurisprudência mais recente do STJ (REsp. nº 783/SP; REsp. nº 1989/0010106-4, Ministro César Asfor Rocha).
Caso não se concretize nenhuma das duas situações, ficariam as empresas interessadas impossibilitadas em reaver valores indevidamente pagos no que diz respeito ao passado, ao menos quando atuasse como mera fonte retentora de tributo, figurando como tomadora dos serviços a ela prestados.
Já naqueles outros casos em que suportasse o ônus do tributo (ISSQN) retido por outrem, atuando a empresa tomadora como prestadora de serviços, não tomadora, teria direito a repetir os valores indevidamente suportados, desde que também comprovada essa repercussão financeira que teria recaído sobre o seu patrimônio.
Uma dificuldade adicional que se interpõe, além da prova da repercussão econômica, diz respeito à legitimidade de uma empresa domiciliada em outro município para fins de ingressar com ação judicial em município diverso de seu domicílio para pleitear a repetição de um tributo indevidamente pago por terceiro, mas por ele arcado financeiramente ao final do dia.
Em relação a este último aspecto, não há jurisprudência ou entendimentos firmados acerca da questão em específico encontrados, o que demanda eventual necessidade de uma estratégia processual específica a ser adotada por cada sujeito interessado, a depender dos municípios em que prestar serviços fora da municipalidade paulista.
Como ressaltado, tais questões se restringem especificamente àquele montante de tributo que se busca recuperar/repetir em relação a períodos passados, considerando o praza prescricional de 5 (cinco) anos para fazê-lo, conforme disciplina o dispositivo normativo constante dos artigos 167 e 168 do CTN, que tratam do prazo para o contribuinte se valer da repetição daquilo que pagou a mais para a Fazenda Pública.
Em relação às futuras retenções que podem via a ser exigidas do tomador de serviços, não há que se falar em repercussão econômica do ônus financeiro relacionado tributo pago/retido, quando nem sequer esse tributo (ISSQN) chega a ser pago por aquele que a legislação municipal classifica como responsável tributário pelo seu recolhimento.
Isso quer dizer que há bons argumentos jurídicos, com fundamento no precedente recentemente firmado pelo STF, para que a que qualquer empresa tomadora de serviços venha a deixar de reter o ISSQN naquelas situações em que a legislação municipal, a exemplo daquela vigente para o município de São Paulo, exigia que esse recolhimento deveria ser feito pelo tomador dos serviços, notadamente nas situações em que o prestador não possuísse e nem tivesse procedido à inscrição no cadastro municipal perante a Administração Fiscal do município do tomador.
Em que pese isso, com o advento da Lei Municipal nº 17.719, publicada em 26 de novembro de 2021, vigorando a partir da data de sua publicação, definiu-se que os prestadores de serviço estabelecidos fora do Município de São Paulo e que venham a emitir notas fiscais de serviço a tomadores estabelecidos no Município de São Paulo deixaram de ficar obrigados à sua inscrição perante a Secretaria Municipal da Fazenda (CPOM), o que passou a valer a partir de 27 de novembro de 2021, tornando o referido cadastro facultativo a partir de então. Para tanto, não faz sentido hoje que seja retido qualquer valor a título de ISS por parte dos tomadores desses serviços localizados nesse município, mesmo nas situações em que o prestador não possuir o referido cadastro.
Advogado. Mestrando em Direito Tributário pela PUC-SP. Especialista em Direito Empresarial pela FGV-SP. MBA em Gestão Tributária pela USP. Membro da comissão organizadora do Tax Moot Brazil. Professor da Pós-graduação em Direito Tributário da Faculdade CEDIN.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRUNO NOGUEIRA REBOUçAS, . O conflito de competência tributária entre municípios e a indevida retenção do ISS pelo tomador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jul 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62245/o-conflito-de-competncia-tributria-entre-municpios-e-a-indevida-reteno-do-iss-pelo-tomador. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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