GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
(orientador)
RESUMO: A violência obstétrica é definida como um conjunto de ações e omissões que podem ser praticadas por profissionais da saúde, incluindo médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros obstetras e demais profissionais do ramo da saúde. Porém, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência obstétrica é um conjunto de práticas que dificultam ou impedem o acesso aos cuidados médicos. Segundo a OMS, a violência obstétrica é considerada um grave problema de saúde pública, pois além de representar um ataque à dignidade e direitos fundamentais da mulher, pois o que deve ser preservado é a segurança e a tranquilidade da parturiente. Desde abusos verbais, restringir a presença de acompanhante, procedimentos médicos não consentidos, violação de privacidade, recusa em administrar analgésicos, violência física, entre outros.
Palavras-chave: Violência Obstétrica. Parturiente. Dignidade.
ABSTRACT: Obstetric violence is defined as a set of actions and omissions that can be practiced by health professionals, including doctors, nurses, dentists, psychologists, social workers, obstetric nurses and other professionals in the health field. However, according to the World Health Organization (WHO), obstetric violence is a set of practices that hinder or prevent access to medical care. According to the WHO, obstetric violence is considered a serious public health problem, because in addition to representing an attack on the dignity and fundamental rights of women, what must be preserved is the safety and tranquility of the parturient woman. From verbal abuse, restricting the presence of a companion, non-consensual medical procedures, violation of privacy, refusal to administer painkillers, physical violence, among others.
Keywords: Obstetric Violence. Parturient. Dignity.
O parto é um processo fisiológico pelo qual o ser humano é expelido do ventre materno. A história do parto é tão antiga quanto a própria história da humanidade, tendo sido descrita em diversas obras literárias, religiosas e históricas ao longo dos séculos, portanto, a partir dessas descrições, é possível inferir que sempre foi um evento marcado pelo sofrimento, pela dor e pela violência, sendo a mulher a principal vítima.
Na antiguidade, a figura feminina era associada às forças obscuras e ao mundo inferior, sendo considerada um ser impuro e sujeito às influências do demônio. Essa crença era tão forte que, durante o século V a.C., o judaísmo criou a chamada “ceia das mulheres”, ao qual as mulheres grávidas e as parturientes eram purificadas mediante a ingestão de determinados alimentos e a realização de rituais, persistindo o evento até o século II a.C, ao qual os critstões vieram a adotar o mesmo ritual, diferenciando que o banquete era oferecido pelo marido à esposa e para outras mulheres que acompanham no momento do parto.
Já no século XVI, a Igreja Católica veio a criar o “ritual das sete horas”, no qual as mulheres grávidas e as parturientes eram purificadas pela confissão, pela absolvição dos seus pecados, e pela ingestão de água benta, sendo abolido em meados do século XX. Com isso, nota-se que a mulher sempre foi considerada como um ser frágil, como um objeto a ser manipulado e controlado pelo homem, ideal bastante reforçado no período da antiguidade, salientando que não possuíam condições de suportar a dor do parto, lidando com a própria dor e perigos do parto ao qual se sujeitavam na época, uma vez que o parto era realizado pelas próprias.
No século XVIII, a ciência passou a se interessar pelo parto, vindo a surgir a figura do obstetra, e logo então vem a deixar de ser uma experiência natural sendo considerado como um evento médico, que deveria ser realizado por profissionais da saúde. A medida que a ciência vem se aperfeiçoando, o ato de conceber passa a ser cada vez mais intervencionista e, as mulheres submetidas às escolhas dos profissionais, muitas vezes sem o consentimento delas, se tornando cada vez mais doloroso e traumático por meio de procedimentos invasivos e às vezes desnecessários.
Diante do exposto, busca-se realizar uma análise jurídica e social sob a ótica de que é ou não necessário a tutela pela frente a violência obstétrica, entendendo quais são os problemas enfrentados pela mulher nesse período importante e delicado de sua vida.
2. MÉTODOS DE AGRESSÕES OBSTÉTRICAS
A violência obstétrica é um conceito relativamente novo, que surgiu no ano de 1960, com o movimento feminista. Esse conceito é utilizado para descrever a violência sofrida pelas mulheres durante o período gestacional, no parto e no pós-parto, que pode se manifestar de forma verbal, física, moral, emocional e psicológica, sendo cometida sem o consentimento da mulher, desrespeitando sua autonomia, integridade física e mental, sentimental, e principalmente sua dignidade. Tal violência pode se manifestar de diversas formas, como por exemplo:
● Restrição à liberdade de escolha dos métodos contraceptivos;
● Restrição às escolhas sobre o parto;
● Falta de informação sobre o parto;
● Realização de procedimentos médicos sem o consentimento da mulher;
● Uso de métodos coercitivos para a realização de procedimentos médicos;
● Uso de métodos dolorosos e invasivos para a realização de procedimentos médicos;
● Falta de respeito pelos sentimentos e pelas emoções da mulher;
● Falta de cuidado e de atenção durante o parto;
● Tratamento desumanizado durante o parto.
A violência obstétrica é um problema grave, que afeta não só a mulher, como também a criança que está sendo gerada. Essa violência pode levar à morte da mulher ou da criança, ou ainda causar problemas psicológicos e físicos para a mãe e para o bebê.
2.1. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DAS GESTANTES E PARTURIENTES
A mulher é um sujeito de direito, possuindo direitos e deveres constitucionais. A Constituição Federal de 1988 assegura a todos os cidadãos o direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e dignidade. Esses direitos são garantidos a todos, independentemente de raça, cor, etnia, origem, religião, opinião, orientação sexual, identidade de gênero, estado civil, situação familiar, situação financeira, entre outros. A mulher, com isso, tem os mesmos preceitos para ser tratada com respeito e consideração pelos profissionais da saúde. No entanto, a realidade é outra, e a sendo ainda vítima de violência, desigualdade e discriminação.
A violência obstétrica é um exemplo claro de violação dos direitos constitucionais, violando toda a integridade física, mental, sentimental, desrespeitando sua autonomia e principalmente ferindo sua dignidade. Mediante o caso, devido ao momento frágil e delicado de seu estado, deveria ser tratada com respeito e consideração pelos técnicos da saúde, não devendo ser submetida às escolhas que muitas vezes são invasivas.
A dignidade da pessoa humana descrita no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais, em seus incisos LIII a LVI, que garantem o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e ao devido processo legal. Destarte, o princípio da dignidade da pessoa humana é um direito fundamental, preceituado no artigo 1º, III da CF, que constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Mediante o exposto, a Constituição, em seu artigo 5º, III, deixa bem claro o seguinte aspecto:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
Portanto, a igualdade prevista na norma constitucional, especificamente no artigo 5º, caput, e em seu art. 3º, é um direito e garantia fundamental, por meio disso, se trata de um princípio que tem como objetivo, assegurar a todos os indivíduos, sem qualquer discriminação, o gozo dos mesmos direitos, sejam eles civis, políticos, sociais ou econômicos. Dessa forma, a igualdade é um princípio norteador, que visa assegurar a todos os seus cidadãos o gozo dos mesmos direitos.
2.2. DIREITOS A ACOMPANHANTE DURANTE O PARTO
Durante o trabalho de parto toda mulher tem direito a um acompanhante de sua escolha, mulher ou homem, não precisando ser o pai do nascituro, durante todo o período de trabalho de parto e pós-parto, como se prevê na Lei nº 8.090, de 19 de setembro de 1990, alterada pelas Leis nº 11.108 de 07 de abril de 2005 e nº 12.895, de 18 de dezembro de 2013. A legislação ainda prevê que os hospitais mantenham fixado em local visível de suas dependências, os informes sobre o direito ao acompanhante como previsto no texto legal.
A dignidade da pessoa humana também tem a ver com a garantia de ser tratado como um sujeito, e não como um objeto. Ninguém deve ser tratado de forma discriminatória, desrespeitosa ou degradante. Todos os seres humanos devem ser tratados com respeito e consideração, sempre com o objetivo de promover a sua autonomia e bem-estar.
3. CLASSIFICAÇÕES DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Violência Obstétrica de Tipo I acontece antes do nascimento, sendo caracterizada por “condições que compreendem o diagnóstico, o tratamento e a monitorização do risco obstétrico, o uso ou não de meios invasivos, a prática de indução à parto e de cesárea”. Nesse tipo de violência, a mulher é tratada como “objeto” ou “coisa”, sem a possibilidade de opção e sem direito à decisão sobre seu próprio corpo.
Violência Obstétrica de Tipo II, vem a acontecer durante o parto. É caracterizada pela utilização de “condutas que compreendem a utilização de meios invasivos, fórceps, ventosas, cesárea e episiotomia, a indução do parto, a utilização de medicamentos, a prática de indução à parto e de cesárea”. Nesse tipo de violência, a mulher não é tratada como pessoa, seu corpo é manipulado, submetido a cirurgias, ao uso de medicamentos, submetida a um tratamento humilhante, ridicularizador, com comentários desrespeitosos, seguido de denominações como “nervosa”, “maníaca”, “louca” e outros adjetivos que a rebaixam.
Violência Obstétrica de Tipo III, é aquela que acontece após o parto. Caracteriza-se pela utilização de “condutas que compreendem o diagnóstico, o tratamento, o uso ou não de meios invasivos, a prática de indução à parto e de cesárea”. Nesse tipo de violência, a mulher é tratada de forma indiferente, sem preocupação com a sua saúde, sem acompanhamento, deixando de ser vista como pessoa.
Quando a mulher não tem acesso à saúde pública, a situação pode ser ainda pior.
No presente tópico, aplica-se como um exemplo, o caso da caipira Maria da Penha da Silva, que reside no município de Nova Venécia, no Espírito Santo. Em 1992, na gravidez de seu segundo filho, Maria recebeu a orientação de um médico particular para que fizesse uma cesárea, mas ao se recusar, o médico a ameaçou de realizar parto normal. Ela decidiu fazer o parto mesmo assim. Quando a gravidez chegou ao final, Maria da Penha foi à casa do médico, entretanto, como o médico não estava, um auxiliar de enfermagem fez o parto.
“A criança saiu com a amniorrexis. Na hora, ele fez a sutura do cordão umbilical. Ele não fez aqui nenhum tipo de corte, nenhum tipo de sutura. Eu fico aqui com a ferida aberta”, conta. O médico nunca mais voltou. Maria da Penha, com apenas três meses, acabou ficando cega. “O que eu quero é que ele pague pelo que fez comigo, porque eu sofro muito. Ele fez isso comigo porque eu sou pobre, porque eu sou caipira. Eu não mereço isso. Ele deveria ter feito o parto, o cordão umbilical, não poderia ter deixado a ferida aberta”, diz. Maria veio a buscar justiça, mas não obteve resposta. Na mesma época, o médico chegou a ser denunciado por fazer partos clandestinos. “Ele não está aqui para pagar pelo que fez comigo, mas eu estou aqui. Ele não está aqui para me dar a resposta que eu quero, mas eu estou aqui”, completa.
Há alguns anos Maria da Penha conseguiu uma aposentadoria por invalidez. Hoje, ela diz que sua maior esperança é a justiça. “Eu quero que esse médico pague pelo que fez comigo. Ele deveria ter feito o parto, o cordão umbilical, não poderia ter deixado a ferida aberta”, finaliza. Uma lei de 2012 prevê que qualquer profissional de saúde que seja flagrado fazendo partos clandestinos possa ser afastado da categoria, mas infelizmente, a justiça ainda não se pronunciou.
O presente artigo busca apresentar soluções possíveis para que os agentes de saúde responsáveis pela violência obstétrica, sejam penalizados, garantindo uma segurança às mulheres em estado gestacional, possibilitando um parto tranquilo e um tratamento humanizado, uma vez que os responsáveis, deveriam protegê-las, ampará-las, mas que, no entanto, negam e a desrespeitam, causando as mais diversas violações obstétricas.
Entende-se que a despeito da violência obstétrica, busca-se a compreensão do artigo 1º da Constituição, ao qual vem defendendo a dignidade da pessoa humana como o mais importante princípio do ordenamento jurídico brasileiro.
A legislação brasileira, no entanto, não prevê de forma expressa no Código Penal esse gênero de violência, contudo, é possível que seja enquadrado em outros crimes sem a intervenção penal para a tipificação da conduta, sendo enquadrada no art. 121 do presente código, como homicídio simples, nos casos em que a violação é ocasionada no momento do parto, vindo a evoluir para a morte da parturiente ou do recém nascido, podendo acarretar uma pena de reclusão de seis a vinte anos e por isso podem ser denunciados por tal dispositivo 29. Isso é recorrente devido ao grande número de cesarianas eletivas realizadas.
Tal fator é recorrente devido ao grande número de cesarianas eletivas realizadas. Ademais, na maioria das vezes, a violência obstétrica resulta em lesões corporais, como no caso citado da episiotomia, uma laceração provocada pelos médicos na vagina da mulher e que na maioria das vezes é realizada sem anestesia, podendo ser aplicado ao caso o disposto no artigo 129 do Código Penal, como crime de lesão corporal, podendo aumentar de dois até oito anos, se a lesão corporal resultar em incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização do membro, sentido ou função, deformidade permanente, aborto, disposto no parágrafo segundo do mesmo diploma legal. Ainda no artigo 129 do CP, é tipificado o crime de lesão corporal seguida de morte, quando a lesão corporal resulta em morte, mas as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, sendo possível incorrer a pena de reclusão de quatro a doze anos. Com isso, dependendo de como a violência obstétrica for realizada, é possível que o agente incorra nesse delito.
É possível citar ainda o crime de maus-tratos, tipificado no artigo 136 do Código Penal Brasileiro, onde estabelece que o agente que expor perigo à vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, abusando de meios de correção ou disciplina será apenado com detenção de dois meses a um ano, até com o acréscimo de multa. Ainda, podem ser agravados se do fato resultar em lesão corporal de natureza grave ou morte, podendo ser citado como exemplo, os exames de toque excessivos e sem necessidade de que causam extrema dor ou até mesmo quando os médicos/enfermeiros negam remédios, injeções, anestesias a mulher, sujeitando-as a tratamento indigno.
Quanto à violência contra a mulher, foi feita uma breve análise de sua história, para se chegar ao entendimento de que ela não é algo recente, mas sim um fenômeno antigo, que só hoje vem ganhando visibilidade em função de uma longa luta de movimentos sociais e feministas, sendo um problema de saúde pública de grandes proporções, que atinge mulheres de todas as classes sociais, não apenas com relação a violência doméstica, mas também com relação à Violência Obstétrica.
Foi feita uma análise específica dessa violência de gênero, ou seja, uma violência de caráter específico que atinge mulheres, ao qual comumente não é detectada, silenciosa, porém, não deixa de ser um tipo de violência, uma vez que é praticada dentro de um espaço físico predeterminado com um caráter abusivo, humilhante e danoso. A violência contra a mulher também é um problema de âmbito público, uma vez que afeta diretamente as atividades dos serviços públicos, por ocorrer dentro de ambientes que deveriam estar em conformidade com a lei, como é o caso dos hospitais.
A violência obstétrica se define como um conjunto de atos de conduta que são praticados contra a mulher durante a gestação, o parto e o puerpério, que podem ser de caráter físico, psicológico, sexual ou moral, desde o momento em que ela procura um médico para acompanhamento até o momento em que ela deixa o hospital, não havendo um limite para a sua identificação. É considerada um conjunto de situações de maus-tratos e/ou abusos cometidos contra mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal, que podem comprometer a saúde física e psicológica dessas mulheres.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera violência obstétrica como “qualquer ato de abuso físico, sexual ou psicológico, incluindo a ameaça e a coerção cometidos contra mulheres durante a gravidez e o puerpério, com o propósito de controle, coerção, punição, infligir dor ou sofrimento físico ou mental ou de causar a morte.” A violência obstétrica não é um fenômeno recente, ao contrário, é uma antiga prática comum em todo mundo, que se manifesta de maneira diferente conforme a sociedade. No Brasil, é tido como um problema de saúde pública, vez que a taxa de mortalidade materna é alta. Em 2015, a taxa de mortalidade materna no Brasil foi de 58,1 mortes para cada 100 mil nascidos vivos, o que representa uma diminuição em relação aos anos anteriores, quando a taxa era de 74,8 mortes para cada 100 mil nascidos vivos, em 2012. A taxa de mortalidade materna ainda é alta, considerando que o objetivo do Milênio é reduzir a taxa para 15 mortes para cada 100 mil nascidos vivos.
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graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Victória Bárbara Santos. A violência obstétrica no período gestacional, durante e após o parto, e a violação dos direitos humanos. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 ago 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62496/a-violncia-obsttrica-no-perodo-gestacional-durante-e-aps-o-parto-e-a-violao-dos-direitos-humanos. Acesso em: 23 dez 2024.
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