ANDRÉ DE PAULA VIANA[1]
(orientador)
RESUMO: Visando a otimização da qualidade de vida e autoestima, a população brasileira é uma das que mais realizam procedimentos estéticos no mundo. Para a ocorrência de tais procedimentos, firma-se uma relação contratual entre o cirurgião e o paciente, da qual sempre é esperada uma dedicação e cuidado intensivo do profissional, bem como a utilização de técnicas seguras e inovadoras. Contudo, é inegável que, em algumas ocasiões, os pacientes são surpreendidos por resultados indesejados e consequências cirúrgicas adversas. Tudo isso promove, muitas vezes, a busca pela responsabilização judicial do médico. Nesse sentido, o presente trabalho buscou elencar a real responsabilidade civil do médico cirurgião-plástico diante da legislação vigente, esclarecendo a posição atual da jurisprudência e o entendimento doutrinário majoritário em relação às situações de intervenção estética. Para tanto, foi adotada uma metodologia qualitativa, amparada pela análise de artigos científicos, textos de lei, livros e reportagens referentes ao tema. Por fim, foi possível delimitar a caracterização do contexto como uma obrigação de resultado, detendo a responsabilidade do médico como subjetiva com culpa presumida. Ademais, sua presunção é considerada relativa, e não absoluta, o que possibilita a busca pela extinção da responsabilidade do cirurgião, através da inversão do ônus da prova. O trabalho ainda elencou a importância da busca pela indenização autônoma de cada uma das modalidades de prejuízos extrapatrimoniais.
Palavras-chave: Cirurgia estética. Consequências cirúrgicas. Responsabilidade médica.
ABSTRACT: Aiming at optimizing quality of life and self-esteem, the Brazilian population is one of the most performing aesthetic procedures in the world. For the occurrence of such procedures a contractual relationship is signed between the surgeon and the patient from which dedication and intensive care by the professional is always expected as well as the use of safe and innovative techniques. However, it is undeniable that on some occasions patients are surprised by unwanted results and adverse surgical consequences. All these things often promote the search for judicial accountability of the physician. In this sense, the present work sought to list the real civil liability of the plastic surgeon before the current legislation clarifying the current position of jurisprudence and the majority doctrinal understanding in relation to situations of aesthetic intervention. For that, a qualitative methodology was adopted supported by the analysis of scientific articles, legal texts, books and reports related to the theme. Finally, it was possible to delimit the characterization of the context as an obligation of result, holding the physician's responsibility as subjective with presumed guilt. Moreover, its presumption is considered relative, not absolute, which makes it possible to seek to extinguish the surgeon's responsibility, through the reversal of the burden of proof. The work also listed the importance of seeking autonomous compensation for each type of off-balance sheet damage.
Keywords: Cosmetic surgery. Medical responsibility. Surgical consequences.
1 INTRODUÇÃO
Cirurgias estéticas incluem todo procedimento realizado com a finalidade de dar nova forma a estruturas normais do corpo, sendo um ramo da Cirurgia Plástica que não visa a otimização de funções ou tratamento de doenças. Tais intervenções tem sido cada vez mais procuradas por indivíduos que desejam melhorar sua aparência e a autoestima, com a promessa de resultados satisfatórios da imagem a curto prazo.
Para a ocorrência dos procedimentos em questão, estabelece-se uma relação contratual entre o cirurgião e o paciente, na qual cada vez mais se espera um trabalho de perfeccionismo, entrelaçado a uma dedicação integral e extremo zelo médico. Essas exigências por excelência demandam, portanto, um aperfeiçoamento constante por parte do profissional, para que este esteja alinhado com o avanço das técnicas, recursos e fármacos.
No entanto, em frequentes ocasiões desse gabarito, pacientes são surpreendidos não só com resultados indesejados, mas também consequências cirúrgicas adversas. A partir de então, muitos buscam a responsabilização judicial do médico, o que acaba o tornando alvo de inúmeras demandas em tal esfera.
Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo elencar a real responsabilidade civil do médico cirurgião-plástico diante da legislação vigente, esclarecendo a posição atual da jurisprudência e o entendimento doutrinário majoritário em relação às situações de intervenção estética cada vez mais cobiçadas pela sociedade. Para tanto, foi adotada a metodologia qualitativa, tida por Richardson (1989, p. 6) como uma possibilidade de “descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais.” Já em relação aos procedimentos metodológicos, evidenciou-se a análise de artigos científicos, textos de lei, livros e reportagens referentes ao tema.
2 CIRURGIA PLÁSTICA REPARADORA X ESTÉTICA
A cirurgia reparadora é classificada por, como o próprio nome sugere, reparar algum tipo de prejuízo já provocado, seja por dolo ou culpa de um agente específico. Nesses casos, portanto, há um dano preexistente e a contratação do profissional inclui a tentativa de se amenizar o sofrimento. Tal ocorrência pode ser derivada de uma lesão causada por uma cirurgia estética mal sucedida, de uma deformidade congênita ou até mesmo de um acidente (OLIVEIRA; ARGÔLLO; VILA NOVA, 2022).
A médica Michele Brandão, do Hospital da Rede D’Or São Luís, detalha a cirurgia plástica reparadora da seguinte forma:
A cirurgia plástica reparadora é um procedimento cujo objetivo é auxiliar o paciente na reconstituição do corpo por diversas razões estéticas, doenças, aprimorar ou recuperar funções, o que ajuda a melhorar a autoestima e a qualidade de vida. No Brasil, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, pelo menos 40% das cirurgias plásticas realizadas no país são reparadoras (BRANDÃO, 2022, s/p).
Em consonância, o médico Cláudio Eulálio (Cirurgião Plástico) aborda o tema de modo até mais enfático, ao apontar que a cirurgia reparadora:
Tem como objetivo corrigir alterações anatômicas decorrentes de síndromes congênitas, feridas causadas por acidentes traumáticos, queimaduras e reparação de defeitos oriundos, por exemplo, da retirada de tumores malignos. (EULÁLIO, 2022, s/p)
A modalidade aqui discutida, portanto, não ampara o seu principal objetivo no âmbito estético, mas sim na solução de problemas de natureza médica, tais como a correção de defeitos congênitos e outros traumas decorrentes de acidentes de qualquer natureza. Contudo, é importante salientar que a cirurgia reparadora também é considerada essencial para o bem-estar individual, uma vez que a correção das alterações anatômicas acaba por adequar o paciente aos seus padrões de beleza desejados (MONTARROYOS, 2020).
No geral, há muitas discussões na doutrina nacional em relação à natureza jurídica da obrigação médica, que permeiam a obrigação de meio e obrigação de resultado. Em consonância, não há consenso sobre o exercício da medicina prometer cura ou exigir apenas o exercício de um trabalho com perícia, diligência e ética, juntamente do comprometimento em favor da melhora de um paciente. Tal fato é notório visto que a profissão do médico está sujeita às imprevisões do corpo humano, que pode ter diferentes comportamentos de acordo com determinadas situações. Além de as reações do organismo poderem se distanciar dos prognósticos prováveis, a resposta de cada ser humano é única, ainda que sejam esperados determinados padrões (CALDAS-NETO, 2015).
Contudo, existe um entendimento majoritário: os procedimentos de reparação são caracterizados por obrigação de meio, que se refere a casos nos quais o devedor se dispõe a empregar seus conhecimentos e meios técnicos para a obtenção de determinada resultante, sem, no entanto, responsabilizar-se por ela (GONÇALVES, 2013). Em outras palavras, é esperado que o devedor se utilize de prudência e todo cuidado possível para que o resultado esperado contratado seja alcançado. Contudo, caso o fato não ocorra, o agente em questão apenas responderá se houver agido de forma colaborativa ao insucesso do resultado, ou seja, tenha agido de forma dolosa (PLAUTZ, 2022).
Uma obrigação de meio pode ser exemplificada utilizando a situação em que um cidadão contrata os serviços de um advogado para uma representação judicial. É esperado que o advogado, neste caso devedor, realize os procedimentos necessários para que seja alcançado o resultado (a vitória no julgamento da ação). Caso o objetivo não seja atingido, o profissional responderá apenas se tiver agido de forma que tenha colaborado de alguma de forma para o insucesso do resultado, ou seja, tenha agido de forma dolosa (RIBEIRO, 2014).
Quando há a responsabilização do cirurgião plástico nesse tipo de cirurgia, sua responsabilidade é subjetiva, bem como dispõe o § 4°, artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Tal conceito se caracteriza pela infração de uma regra de conduta estabelecida no ordenamento jurídico. Caso o agente pratique um ato ilícito, fica este obrigado a reparar o dano, desde que sua culpa fique devidamente demonstrada (EMÍLIO; MATUIKISK; GARCIA, 2012).
Paralelamente, a cirurgia plástica com finalidade estética inclui resultantes mais rápidas e evidentes dentre as alternativas de alcance do padrão de beleza considerado socialmente ideal, sendo a vertente mais procurada. É assim que o procedimento de cirurgia plástica estética, além de melhorar a aparência física do indivíduo, interfere em suas questões emocionais ligadas à autoimagem corporal, associando-a ao padrão mencionado (ASSIS; SOUZA; BATINGA, 2022).
O procedimento supracitado, desse modo, não é motivado por uma questão de saúde ou uma necessidade do paciente, mas pelo desejo de transformar uma área do corpo que não está do seu agrado. Nessas condições, o prejuízo não é de ordem funcional, mas de natureza psicológica e motivações emocionais, podendo proporcionar ao indivíduo sensações de bem-estar, aceitação e inclusão social (LEEM, 2016).
De acordo com os apontamentos de Goldenberg (2005), a busca pelo corpo ideal leva o indivíduo ao encontro dessas cirurgias plásticas ou outras práticas de embelezamento, justamente por conta da crescente exigência estética imposta pela sociedade. É nesse sentido que a autora relaciona o uso do corpo como expressão de identidades, ou seja, como uma estratégia de distinção social e redefinição de identidade (GOLDENBERG, 2005).
Nesses casos de cirurgia estética, a relação entre o médico e o paciente é direta e estabelecida para um determinado fim. Assim, para a maioria doutrinária e jurisprudencial, tem-se a firmação de um acordo obrigacional de resultado, no qual o profissional deve atingir o fim prometido. Em tal contexto, a obrigação só é considerada cumprida se o fim for efetivamente alcançado (OLIVEIRA; ARGÔLLO; VILA NOVA, 2022). Em outras palavras, a expectativa dos pacientes em tais casos é a de que o cirurgião plástico corrija o que lhe incomoda, caso contrário, frente aos inegáveis riscos, não haveria a procura (EMÍLIO; MATUIKISK; GARCIA, 2012).
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil emerge no direito para atender a um anseio de justiça das pessoas, incentivado pelo pensamento de que toda ação que gere consequências a terceiros deve ser responsabilizada, seja na esfera civil ou penal (OLIVEIRA; ARGÔLLO; VILA NOVA, 2022). Nesse sentido, fica claro que o conceito existe desde os primórdios da humanidade, quando o homem viu a necessidade de conviver em comunidade para garantir a sua sobrevivência (GONÇALVES, 2020).
De acordo com a doutrina, o instituto possui três pressupostos básicos: o dano, a culpa do autor e o nexo de responsabilidade. Contudo, a priori, a responsabilidade civil compreendia apenas o dano e o nexo de causalidade (GONÇALVES, 2020). O elemento culpa não era analisado e, se um dano fosse causado a alguém, essa vítima faria uso de vingança física com a finalidade de reparar o prejuízo sofrido (GONÇALVES, 2018).
O documento histórico precursor da discussão acerca da responsabilização foi o Código de Hamurabi, um conjunto de leis formulado pelo sexto rei da Suméria no século XVIII a.C. que apontava, inclusive, consequências para o médico em virtude do erro (MACEDO, 2019). Os seus artigos estabeleciam vários deveres, dentre eles o de que os médicos deveriam atuar com máxima atenção no exercício da profissão, sob pena de sofrerem severas sanções, como a amputação da mão (BORGES, 2022).
Como já dito, em tal período, a chamada vingança privada era muito recorrente, representando uma forma natural, porém primitiva, de reação contra um dano sofrido. Em casos de cometimento de um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e do seu grupo social (tribo), com ações até mesmo desproporcionais à ofensa. Com o tempo, tal comportamento passou a ser normatizado, dando origem a duas expressivas regulamentações: o talião e a composição (DUARTE, 2015).
Na pena de Talião, a previsão estabelecida permeava o critério “olho por olho, dente por dente” (GONÇALVES, 2020), sendo adotada no código de Hamurabi nas seguintes delimitações:
“Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto”.
“Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele” (BOUZON, 2000).
Posteriormente, observada a necessidade de se firmar um acordo entre o causador do dano e a vítima, surge a composição, através da qual o ofensor comprava sua liberdade com dinheiro, gado, armas, entre outros. Tal instituto foi adotado tanto pelo Código de Hamurabi (Babilônia), como pelo pentateuco (Hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), sendo também largamente aceito pelo Direito Germânico, cuja origem permeou indenizações cíveis e multas penais (GONÇALVES, 2020).
O dano, portanto, era ressarcido mediante o pagamento de certa quantia em dinheiro, a ser definida a critério da autoridade pública, se o delito fosse público, ou do lesado, caso se tratasse de delito privado, efetivado contra interesse de particulares (DINIZ, 2015).
Já no Brasil, a construção da responsabilidade civil teve início com o atendimento das determinações da Constituição do Império, as quais transformaram o Código Criminal de 1830 em código civil e criminal. Este previa reparação natural ou indenização, além de juros reparatórios, solidariedade, e a transmissibilidade do dever de reparar. Inicialmente, a reparação estava condicionada a condenação criminal, mas posteriormente foi introduzida a independência desses critérios (GONÇALVES, 2020).
Assim, o Código Civil de 1916 adotou a teoria subjetiva, que inclui a necessidade da prova de culpa ou dolo para que a reparação seja obrigatória, estabelecendo a culpa presumida em raros casos. Com o passar dos anos, emergiram novas teorias, como a objetiva, que não exige a prova de culpa para gerar a obrigação de indenizar (GONÇAVES, 2020). Contudo, o novo Código Civil de 2002 continuou a se amparar sobre a teoria subjetiva, como é possível perceber no art. 186 do referido documento a partir da definição do ato ilícito: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2002).
4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Com base no disposto, tem-se que a responsabilidade civil pode ser definida como a obrigatoriedade acerca do reparo de um dano causado a outro, como resultante da prática de um ato ilícito. Tal dano pode ser material, moral ou estético. A abordagem é prevista no Código Civil em seu art. 927:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002).
No viés profissional, a responsabilidade civil inclui o dever de reparar um dano causado a outro paciente no exercício da profissão, desde que este seja causado por um ato ilícito ou falta de observação das normas que regem a vida em sociedade. Contudo, o conceito pode ter caráter objetivo ou subjetivo, sendo estes diferenciados pelo seu fundamento (PLAUTZ, 2022).
Na responsabilidade civil subjetiva os fundamentos são a culpa, caracterizada quando existe imprudência, imperícia e/ou negligência do profissional. Já na responsabilidade objetiva, os fundamentos são as leis e o risco da atividade. Tanto o Código Civil (artigos 927 e 951) como o Código de Defesa do Consumidor (§4º do art. 14) requerem a análise e comprovação da culpa do agente. Dessa forma, em casos de intercorrências em cirurgias estéticas somente haverá a condenação do médico, se comprovada a culpa (SEGATO, 2019).
Assim sendo, o contexto referente à realização de cirurgias plásticas estéticas, além de possuir uma caracterização pela obrigação de resultado, detém a responsabilidade do médico como subjetiva com culpa presumida. Ademais, tal vertente deve obedecer às regras do Código de Defesa do Consumidor porque a relação estabelecida entre médico e paciente é tida como contratual, e o contrato caracteriza uma prestação de serviços (EMÍLIO; MATUIKISK; GARCIA, 2012).
Tendo em vista a polêmica que permeia os diferentes tipos de cirurgia plástica e as inúmeras demandas sobre a mesma questão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou sobre o tema e entendeu que, caso o profissional não revele a impossibilidade de se obter determinado resultado, o insucesso da cirurgia promove indenização baseada na culpa presumida, tal como trata o Recurso Especial nº 236.708 – MG9, julgado em 10 de fevereiro de 2009, sobre o tema:
DANO MORAL. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO. RESULTADO. Em ação indenizatória por fracasso de procedimento plástico-cirúrgico (abdominoplastia e mamoplastia com resultado de cicatrizes, necrose e deformação), o Tribunal a quo reformou a sentença, condenando o médico a pagar todas as despesas despendidas com sucessivos tratamentos médicos e verbas honorárias, devendo o quantum ser apurado em sede de liquidação, além do pagamento de indenização por dano moral, em razão da obrigação de resultado. Entendeu aquele Tribunal que o cirurgião plástico responde pelo insucesso da cirurgia diante da ausência de informação de que seria impossível a obtenção do resultado desejado. Isto posto, o Min. Relator destaca que, no REsp, a controvérsia restringe-se exclusivamente em saber se é presumida a culpa do cirurgião pelos resultados inversos aos esperados. Explica que a obrigação assumida pelos médicos normalmente é obrigação de meio, no entanto, em caso da cirurgia plástica meramente estética, é obrigação de resultado, o que encontra respaldo na doutrina, embora alguns doutrinadores defendam que seria obrigação de meio. Mas a jurisprudência deste Superior Tribunal posiciona-se no sentido de que a natureza jurídica da relação estabelecida entre médico e paciente nas cirurgias plásticas meramente estéticas é de obrigação de resultado, e não de meio. Observa que, nas obrigações de meio, incumbe à vítima demonstrar o dano e provar que ocorreu por culpa do médico e, nas obrigações de resultado, basta que a vítima demonstre, como fez a autora nos autos, o dano, ou seja, demonstrou que o médico não obteve o resultado prometido e contratado para que a culpa presuma-se, daí a inversão da prova. A obrigação de resultado não priva ao médico a possibilidade de demonstrar, por meio de provas admissíveis, que o efeito danoso ocorreu, como, por exemplo: força maior, caso fortuito, ou mesmo culpa exclusiva da vítima. Concluiu que, no caso dos autos, o dano está configurado e o recorrente não conseguiu desvencilhar-se da culpa presumida. Diante do exposto, a Turma negou provimento ao recurso do cirurgião.
Nesse caso, bem como relembra Caldas Neto (2015) a presunção é considerada relativa, e não absoluta, de modo que o profissional cirurgião tem a possibilidade de produzir prova da inexistência de sua culpa, através da inversão do ônus da prova, conforme ressalta o art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (BRASIL, 1990).
É dado, portanto, o direito ao cirurgião de apresentar provas se eximindo da sua responsabilidade. Nesse sentido, pode haver alegações que sugiram uma não procedência de cuidados necessários do pós-operatório por parte do paciente, que contribuam para o resultado negativo ou até mesmo para o fracasso da cirurgia (CALDAS-NETO, 2015).
Já em relação às provas a serem apresentadas no caso de alegação de erro médico é necessário atentar-se a alguns pontos, bem como ressaltam Figueiredo e Lana (2009):
Para a comprovação de erro no atendimento realizado do cirurgião plástico, usam-se todos os meios probatórios em direito aceitos. Em particular, também, no caso da atividade de cirurgia plástica estética, os prontuários e fichas de anotações clínicas com dados do paciente, ressaltando- se a importância, pela complexidade e controvérsias do agir nos tratamentos realizados, da prova parcial que pode tornar-se indispensável (FIGUEIREDO; LANA, 2009, p. 388).
Em suma, o profissional poderá, desse modo, expor defesas que ressaltem excludentes de responsabilidade, expondo a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, tal como aborda o Código de Direito do Consumidor. Portanto, ao contrário do que ocorre com o médico comum, o cirurgião plástico que realiza procedimento com finalidade estética, pelo entendimento majoritário, adquire uma obrigação de resultado, uma vez que o seu comprometimento é com o êxito satisfatório da intervenção (CALDAS-NETO, 2015).
5 DO DANO ESTÉTICO NA RESPONSABILIDADE CIVIL
No que concerne o contexto indenizatório, existe, por parte de alguns autores, a admissão da “tricotomia dano moral/material/estético” que acabou por substituir a “dualidade dano moral/material”, bem como retrata Gagliano (2022, p. 122). Nesse sentido, embora a doutrina brasileira atribua diversas definições ao instituto em questão, é possível elencar pontos congruentes entre as delimitações dos autores (FIGUEIREDO, 2022).
A saber, Pereira (2012) já relacionava a definição de dano estético à aparência externa do indivíduo e a sua percepção social que muda de acordo com a alteração na apresentação física:
Adentrando-se a qualificação da figura jurídica em apreço, tem-se que o dano estético consiste na lesão dos aspectos exteriores de um indivíduo. A imagem e apresentação física da pessoa são alteradas, ocorrendo uma quebra nas características que compõem sua estrutura corporal. Esses prejuízos são identificados na percepção do próprio lesado, bem como no juízo dos terceiros que compõem um corpo social. Possuem, pois, um duplo viés marcado por subsídios distintos: elemento pessoal e elemento social (PEREIRA, 2012, p. 4).
Em consonância, Lopez (2021) trata o dano estético como uma transformação na aparência externa do paciente, de forma permanente ou duradoura, revelando uma piora na situação física anterior, bem como desgosto e humilhação para o ofendido. Ademais, a autora ainda dá ênfase ao fato de o defeito externo poder ser considerado em qualquer local do corpo humano, inclusive nas partes mais íntimas, vez que “nas praias e clubes muito pouco se esconde hoje em dia, para não dizer que na intimidade entre duas pessoas não há região do corpo que não possa ser conhecida” (LOPEZ, 2021, p. 63).
Torna-se claro, desse modo, que o dano estético se relaciona com o direito de imagem do paciente, que pode ter o sentimento de vergonha provocado a partir de um procedimento que não foi bem-sucedido (BURGIONI, 2016). Tal avaria inclui uma ação que pode ser promotora de mudanças da aparência física e causadora de interferências sobre a autoestima, saúde e integridade física do indivíduo. Assim, a responsabilização civil emerge aliada ao dever de indenizar, uma vez que o dano decorre do nexo de causalidade entre o procedimento e a sua sequela. Em resumo, a lesão estética é, portanto, indenizável por produzir no paciente alguma deformação em sua aparência (BRUGIONI, 2016).
Nesse sentido, embora haja um esforço doutrinário em reconhecer a autonomia do dano estético, alguns autores acabam por não o reconhecer de forma exclusiva. Almeida e Martins (2019) tratam, por exemplo, o dano estético como um instituto derivado ou uma espécie de dano moral, já que é originado da violação de um direito da personalidade ou provocação de sentimento de vergonha no indivíduo. De modo semelhante, Gonçalves (2022) não atribui um terceiro viés ao dano estético, mas o considera apenas um aspecto do dano moral. Em outras palavras, não defende em totalidade o seu caráter autônomo, mencionando inclusive a existência de bis in idem:
Há situações em que o dano estético acarreta dano patrimonial à vítima, incapacitando-a para o exercício de sua profissão (caso da atriz cinematográfica ou de TV, da modelo, da cantora que, em virtude de um acidente automobilístico, fica deformada), como ainda dano moral (tristeza e humilhação). Admite-se, nessa hipótese, a cumulação do dano patrimonial com o estético, este como aspecto do dano moral. Não se deve admitir a cumulação do dano estético com o moral quando caracterizar autêntico bis in idem (GONÇALVES, 2022, p. 500).
Pereira (2022) segue o mesmo direcionamento defendendo que o enfoque individual ao instituto em questão não encontra justificativa no Direito Civil nacional, apontando o fato de “qualquer lesão reconduzir-se-á, necessariamente, a uma das duas espécies de dano, seja patrimonial ou extrapatrimonial” (PEREIRA, 2022, p. 104).
Contudo, faz-se oportuno expor visões como a de Sanseverino (2010) que atribui uma finalidade própria ao dano estético, atrelada à compensação objetiva da deformidade sofrida pela vítima, que demanda também reparação individualizada. Em conjunto, Rosenvald e Braga Netto (2018) ressaltam com veemência o quanto os danos materiais, morais e estéticos podem, de fato, surgir da relação médico-paciente.
Ademais, tal como evidencia o trabalho de Figueiredo (2022), existe uma real necessidade de não se confundir o dano moral com o estético, já que o primeiro se refere à mudança da aparência externa da vítima, enquanto o segundo está mais relacionado com ofensa à esfera interior/íntima de determinado indivíduo. Desse modo, para o ofendido defender a sua ocorrência, deve haver uso de aspectos mais objetivos ligados ao conceito e características específicas. Tudo isso como forma de priorizar uma discussão jurídica menos subjetiva, e se evitar suposições ou considerações do senso comum (FIGUEIREDO, 2022).
Assim, fica claro o quanto a busca pela indenização autônoma de cada uma das modalidades de prejuízos extrapatrimoniais é ideal para a efetivação do princípio da reparação integral do dano. Isso porque, deste modo, a vítima adquire a possibilidade de um ressarcimento mais completo para com o dano sofrido, o qual pode ser estabelecido com maior precisão e com uma avaliação concreta de cada prejuízo (SANSEVERINO, 2010).
Bem como ainda relembra Sanseverino (2010), existe a possibilidade de um evento danoso gerar a ocorrência de mais de um prejuízo extrapatrimonial, pois o reconhecimento de uma tipificação não exclui a existência de outra. É justamente esta a abordagem revelada pela súmula nº 387 do STJ, que aponta ser “lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral” (BRASIL, 2013).
Embora a súmula supracitada tenha minimizado os debates no âmbito dos tribunais, ainda persistem discussões doutrinárias a respeito da possibilidade de cumulação do dano estético juntamente do dano moral (FIGUEIREDO, 2022). Contudo, Sanseverino relembra:
O importante é que essa posição jurisprudencial do STJ constitui um passo significativo para o reconhecimento da reparabilidade de forma autônoma de outros prejuízos extrapatrimoniais, consoante a abertura feita pela parte final do art. 949 do CC/2002, onde se inclui o próprio dano estético (SANSEVERINO, 2010, p. 301).
6 CONCLUSÃO
As cirurgias estéticas incluem procedimentos que buscam dar nova forma a estruturas do corpo, procurando otimizá-las de modo a contribuir para a elevação da autoestima individual. Contudo, ainda que tais intervenções incluam cada vez mais técnicas modernizadas, e os profissionais cada vez mais se aperfeiçoem, é natural que alguns resultados não saiam conforme o esperado pelos pacientes.
Nesse sentido, é importante delimitar a real responsabilidade civil do médico em meio a intercorrências como a supracitada. Nesse viés profissional, o dever de reparar um dano causado se dá quando este é resultado de um ato ilícito ou da falta de observação de alguma norma. Sendo assim, sua caracterização é dada pela obrigação de resultado, detendo uma responsabilidade subjetiva com culpa presumida.
Ademais, todo esse contexto deve obedecer às regras do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a relação estabelecida entre médico e paciente é tida como contratual, e o contrato caracteriza uma prestação de serviços. Assim, a presunção é considerada relativa, e não absoluta. O cirurgião tem, portanto, a possibilidade de produzir a prova da inexistência de sua culpa, ou seja, buscar a extinção da sua responsabilidade, através da inversão do ônus da prova.
Por fim, em relação ao contexto indenizatório, o presente trabalho revela a importância da busca pela indenização autônoma de cada uma das modalidades de prejuízos extrapatrimoniais (moral, material e estético). Isso é notório vez que possibilita uma realidade ideal para a efetivação do princípio da reparação integral do dano.
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[1] Graduado em Direito. Advogado com atuação profissional em Direito Penal, Direito Ambiental, Direito Civil e Direito Médico. Pós Graduado em "O Processo e o Direito Civil". Mestre em "Ciências Ambientais". Docente no curso de Direito, Supervisor e Docente do Módulo de Responsabilidade Profissional no Curso de Medicina, Membro de Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), pela Universidade Brasil - Fernandópolis-SP. Pós Graduado em "Direito Médico" pela UNIARA.
graduando em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SGARBI, FELIPE BRASILEIRO DE MATOS. A responsabilidade civil do cirurgião plástico frente a intercorrências indesejadas em procedimentos estéticos no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62573/a-responsabilidade-civil-do-cirurgio-plstico-frente-a-intercorrncias-indesejadas-em-procedimentos-estticos-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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