RESUMO: O presente estudo, cuja metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, tem como tema central a questão da segurança jurídica e a fundamentação das decisões judiciais perante os conceitos jurídicos indeterminados, expressão utilizada em seu sentido abrangente, incluindo todos aqueles termos que possuem uma delimitação de significância mais fluída, plástica, conferida pela textura aberta da linguagem e do direito. A norma jurídica não nos aparece pronta e acabada no texto normativo, a atividade legislativa é complementada pela judiciária. A interpretação do texto normativo como parte de um percurso gerativo do sentido é entendida como a finalização de um processo de realização do Direito, iniciado quando da elaboração do enunciado normativo e terminado no momento da aplicação da norma ao caso. Sendo o significado definido em parte pelo contexto de significação, os precedentes judiciais assumem importante papel nesse cenário, delimitando parcialmente as zonas de certeza positiva e de certeza negativa, contudo sem excluir a existência de uma zona de penumbra, de indeterminação significativa.
Palavras-chave: Fundamentação. Hermenêutica. Realização do Direito. Segurança Jurídica. Textura Aberta da Linguagem. Textura Aberta do Direito. Precedentes judiciais.
RESUMEN: El presente estudio, cuya metodología utilizada fue la investigación bibliográfica, tiene como tema central la cuestión de la seguridad jurídica y la fundamentación de las decisiones judiciales ante los conceptos jurídicos indeterminados, expresión utilizada en su sentido amplio, incluyendo todos aquellos términos que poseen una delimitación de significancia más fluida, plástica, conferida por la textura abierta del lenguaje y del derecho. La norma jurídica no nos aparece lista y acabada en el texto normativo, la actividad legislativa es complementada por la judicial. La interpretación del texto normativo como parte de un recorrido generativo del sentido se entiende como la finalización de un proceso de realización del Derecho, iniciado cuando se elaboró el enunciado normativo y se terminó en el momento de la aplicación de la norma al caso. Siendo el significado definido en parte por el contexto de significación, los precedentes judiciales asumen un papel importante en este escenario, delimitando parcialmente las zonas de certeza positiva y de certeza negativa, sin embargo, sin excluir la existencia de una zona de penumbra, de indeterminación significativa.
Palabras clave: Motivación. Hermenéutica. Realización del Derecho. Seguridad jurídica. Textura Abierta del Lenguaje. Textura Abierta del Derecho. Precedentes judiciales.
A constatação na prática jurídica de que muitos atores que lidam com o direito, seja requerendo ou decidindo algo, fazem uso de conceitos jurídicos indeterminados de forma indiscriminada e sem respaldo argumentativo, despertou o interesse pelo estudo da temática relativa à Segurança Jurídica, Fundamentação das Decisões Judiciais e a Textura Aberta do Direito. Com o advento do neoconstitucionalismo, ganhou força em muitos ordenamentos a técnica de elaboração de textos normativos mediante a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, concedendo aos hermeneutas vasto poder de criação da norma a ser aplicada ao caso concreto, donde se sobressaem os princípios jurídicos.
O problema aparece quando tais textos normativos são utilizados de forma indiscriminada pela comunidade jurídica, citando termos do texto como se eles pudessem abarcar toda uma infinidade de normas, criadas ao alvitre de quem os invoca. Exemplo de fácil percepção é a noção de “dignidade da pessoa humana”, que atualmente serve para justificar um sem número de direitos subjetivos sem que seja dada uma digna justificação acerca de sua pertinência ao caso.
Mais evidente se torna a questão quando exsurge numa decisão judicial, vinculando as partes do processo àquilo que nela está consignado, assim como as demais pessoas que porventura vejam o entendimento ali adotado ser aplicado em seus casos.
Esse modo de agir prejudica as partes na proporção que não podem obter o real conhecimento do processo decisório da pessoa que encarta o papel de julgadora. Não sabendo o que a levou a tomar essa e não aquela decisão, pois ocultos os porquês, não há como exercer plenamente o direito de defesa. Se não se sabe a construção de pensamentos que levou a determinada conclusão, como será possível demonstrar que seria mais acertado percorrer um caminho que não aquele? Como saber quais opções foram descartadas, se foram, e quais poderiam ainda ser levantadas? Não há como atacar algo que se desconhece. No caso, a fundamentação.
De igual forma, prejudica os sujeitos extraprocessuais, aqueles que não integram a lide, uma vez que vem ganhando força no direito brasileiro o instituto do precedente judicial, numa tentativa de incorporá-lo ao nosso sistema jurídico, de forma a aplicar ao caso entendimentos anteriores utilizados em situações semelhantes, adotando as razões de decidir que lhe serviram de base. E aqui surgem as mesmas questões levantadas no parágrafo acima.
Mais que uma questão atinente à filosofia jurídica, a compreensão da Textura Aberta do Direito dá aos juristas – expressão utilizada de forma ampla, a abarcar todos aqueles que estudam ou trabalham com o Direito – importante material de apoio para a defesa da ordem jurídica e dos diversos interesses postulados em juízo ou fora dele. Um bom profissional deve conhecer bem seu objeto de trabalho, de forma a desempenhá-lo com segurança e maestria. No campo das ciências jurídicas não é diferente. Para bem trabalhar a dogmática jurídica deve-se conhecer ao menos a base teórica sob a qual o pensamento jurídico está apoiado, sob pena de se tornar mero repetidor de textos legais e decisões de Tribunais Superiores. Conhecimentos que muitos entendem inúteis para os fins que almejam profissionalmente, mostram-se de extrema valia quando necessários ao pleno exercício de seu ofício, ainda que possam passar de forma desapercebida por quem os utilizam.
Para alcançar o escopo deste trabalho, cuja metodologia empregada foi a análise bibliográfica de fontes primárias e secundárias, tais como livros e artigos jurídicos, em um primeiro momento será percorrido um trajeto desde a linguística saussuriana até a textura aberta da linguagem (e) do direito. A temática envolverá a compreensão do que se entende por signo linguístico, como seu significado de base é arbitrariamente construído pela sociedade e como o contexto em que é usado influencia no processo de significação.
No segundo capítulo trataremos dos conceitos jurídicos indeterminados e como o uso da linguagem ordinária na construção dos enunciados normativos exerce influência na plasticidade do Direito.
Por fim, o último capítulo volta-se ao estudo da forma como se encara a atividade criativa desenvolvida diariamente por juízes, o papel da hermenêutica clássica e filosófica, quais as implicações referentes à segurança jurídica e quais as formas de garantir um mínimo de segurança perante a textura aberta do direito através da adequada fundamentação das decisões judiciais, passando ao final pela importância do precedente judicial neste cenário de indeterminação significativa.
1.DA LINGUÍSTICA SAUSSURIANA À TEXTURA ABERTA DA LINGUAGEM (E) DO DIREITO
1.1 A Linguística e seu Objeto
Saussure define o objeto da linguística através da dicotomia língua e fala, ambas formando a linguagem. A linguagem pode ser entendida sob um caráter individual ou social. A língua é a expressão do caráter social da linguagem, sendo a fala a expressão do individual.
A fala, segundo Saussure (s. d., p. 22), é “um ato individual de vontade e inteligência” pelo qual o sujeito falante, utilizando-se da língua e de um “mecanismo psicofísico”, exprime seus pensamentos. É o próprio ato de falar. O mecanismo psicofísico é formado pelo cérebro (consciência), onde se formam os conceitos e as imagens acústicas, e os aparelhos de fonação e audição, pelos quais pode o sujeito exteriorizar, através do signo, aquilo que está em sua mente ou apreender o signo exteriorizado por outrem.
A língua, por sua vez, é “um sistema de signos distintos correspondentes a idéias distintas” (SAUSSURE, s. d., p. 18). Ao contrário da fala, que é individual, esse sistema de signos é estabelecido socialmente, dependendo da existência de uma “massa falante” (SAUSSURE, s. d., p. 92-93), a qual podemos dar a denominação de comunidade linguística.
Pela necessidade de se comunicar e, assim fazendo, poder compreender e serem compreendidos, os membros de uma comunidade linguística estabelecem “um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (SAUSSURE, s. d., p. 17). A esse conjunto de convenções damos o nome de língua. Podemos, assim, falar na língua portuguesa, inglesa, espanhola etc.
Katya Kozicki (2014, p. 44) ressalta que “a língua é, antes de mais nada, um fato social”, posto que:
Considerada a linguagem como uma faculdade, a língua se constitui no conjunto das convenções necessárias ao exercício desta faculdade pelos indivíduos. Nesta ótica, a língua é um código que não pode ser alterado individualmente (as alterações só serão verificáveis quando aceitas pelo conjunto da massa falante de uma comunidade). (KOZICKI, 2014, p. 44).
Enquanto a fala depende basicamente de o emissor fazer ser entendido pelo receptor, “a língua existe em virtude de uma convenção coletiva, não sendo possível alterá-la ou inová-la sem um consenso social” (CAMPELLO, 2014, p. 12). Não podemos dar aos signos os significados que individualmente nos convém, eles são dados pela comunidade linguística.
Essas convenções sociais formam os signos, que, por sua vez, agrupados em um conjunto maior, formam a língua. A língua é um conjunto de signos. Sendo a língua um conjunto de signos estabelecidos socialmente, faz-se necessário saber o que se entende por signo.
Para Saussure (s. d., p. 80), o signo “é uma entidade psíquica de duas faces”, representado pela união de um conceito a uma imagem acústica. Usualmente substitui-se a palavra “conceito” por “significado” e “imagem acústica” por “significante”. É através da relação do significado com o significante, em um processo de significação, que formamos os signos.
Sobre a relação de significância, ensina-nos Saussure que:
O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica dêsse som, a representação que dêle nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é sòmente neste sentido, e por oposição ao outro têrmo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. (SAUSSURE, s. d., p. 80)
Significado e significante são noções abstratas, não se ligam a coisas ou objetos, mas a ideias. Nas lições de Borba (1998, p. 19), “o signo lingüístico transmite (ou veicula) uma informação servindo-se de uma parte material e perceptível associada a uma parte imaterial e inteligível. A parte sensível é o significante e a parte não sensível é o significado”.
De acordo com Carvalho (1997, p. 33), o significado é a “representação mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos”. Assim, podemos extrair do signo “cadeira” a ideia de um objeto de madeira, com quatro pernas e um encosto, com ou sem braços, feita para que possamos nos sentar. Essa seria apenas uma das diversas representações mentais de cadeira que podemos ter na mente, pois representação é, ainda nas palavras de Carvalho, “condicionada, plasmada pela formação socio-cultural que nos cerca desde o berço”.
A imagem ou conceito que o signo “cadeira” produz em nossa mente não é necessariamente a descrita acima. Pode ser que a cadeira seja de metal, tenha três e não quatro pernas, não possua encosto, mas há sempre uma noção básica e adaptável de “cadeira” a que temos acesso quando vemos, ouvimos ou imaginamos o significante ligado a essa ideia.
O significante ou a “imagem acústica” é uma representação psíquica de um som. Não é propriamente o som que se produz pela ação vocal, pois até mesmo calados podemos mentalmente formar essa imagem. Por este motivo, Saussure rejeita designar o significante como a representação fonética. Não somente uma palavra escrita ou falada nos remete a uma ideia, podemos pensar em um pássaro sem falar ou escrever a palavra “pássaro”, e mesmo assim acessarmos o significado associado à imagem acústica.
Neste sentido, Carvalho fala de um vínculo de associação que se forma em nosso cérebro entre o significante e o significado:
Podemos designar, portanto, o significante como a parte perceptível do signo e o significado como sua contraparte inteligível. É importante advertir a esta altura que o signo une sempre um significante a um conceito, a uma idéia, a uma evocação psíquica, e não a uma coisa, pois o “significado não é uma coisa, mas uma representação psíquica da coisa” (v. pp. 32-33). O próprio Saussure teve o cuidado de chamar a atenção para o perigo de se supor que o signo une um objeto a um nome, a um rótulo. O lingüista deve ter sempre em mente que “os termos implicados no signo lingüistico são ambos psíquicos e estão unidos, em nosso cerébro, por um vínculo de associação”. (CARVALHO, 1997 p. 34)
Para facilitar essa compreensão, podemos representar o signo em sua forma escrita. Desta forma, retomando o exemplo anterior da “cadeira”, temos como significante a própria palavra “cadeira”, e como significado a ideia que nossa mente desperta ao lermos essa palavra. O conjunto formado pelo significante e pelo significado forma o signo, aparentemente confundido em sua representação escrita com o próprio significante.
O exemplo referido por Carvalho demonstra bem essa associação:
Exemplificando, diríamos que quando um falante de português recebe a impressão psíquica que lhe é transmitida pela imagem acústica ou significante /kaza/, graças à qual se manifesta foneticamente o signo casa, essa imagem acústica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a ideia de abrigo, de lugar para viver, estudar, fazer suas refeições, descansar, etc. Figurativamente diríamos que o falante associa o significante /kaza/ ao significado domus (tomando-se o termo latino como ponto de referência oara o conceito). (CARVALHO, 1997, p. 33)
Explica-nos Borba (1998, p. 16), ainda na mesma linha da associação mental, que “praticamente não existe linguagem sem pensamento, nem pensamento sem linguagem, mesmo sem realização material”. Basta pensarmos em uma bicicleta. Ainda que não falemos a palavra “bicicleta”, ou que nosso objetivo seja pensar nessa palavra, mas sim no conceito que ela traz consigo, no significado que ela nos remete, a palavra “bicicleta” é verbalizada em nossa mente, como se a “falássemos mentalmente”. O teste pode ser repetido com diversos exemplos, mas o resultado será o mesmo. Não é possível pensar sem utilizar a linguagem, ou ao menos é algo bastante difícil. Pensamos através da linguagem usando todo um repertório de palavras (signos) que acumulamos ao longo da vida.
1.2 O Signo Linguístico e suas Qualidades Essenciais
Conforme explica Warat (1995, p. 27-29), para Saussure o signo possui quatro qualidades essenciais. Ele é arbitrário, linear, imutável e mutável. A linearidade é própria do significante, enquanto que a arbitrariedade, a mutabilidade e a imutabilidade são analisadas ao nível da relação de significação.
A arbitrariedade refere-se à ligação entre o significante e o significado. Por arbitrariedade do signo diz-se que a relação entre significado e significante se dá de forma não natural, de modo que não podemos encontrar na natureza um significado próprio para cada significante (GRAU, 2006, p. 222-223). A relação estabelecida entre um e outro é social, se dá de forma artificial por meio de convenções sociais.
De acordo com o ensinamento de Francisco da Silva Borba:
(…) a linguagem categoriza a realidade, isto é, classifica-a em categorias na medida em que representa essa realidade. Como toda comunicação se faz com base nesse processo de simbolização, resulta que ele é totalmente arbitrário com relação ao que comunica: não há nenhuma relação direta e necessária entre a cadeia fônica e seu conteúdo significativo. Isso confere à linguagem uma grande maleabilidade como código na medida em que abre muitas possibilidades de ação e interação, bem ao contrário de outros códigos – como o de trânsito, por exemplo – cujas unidades têm conteúdo e relações fechadas e bem delimitadas. (BORBA, 1998, p. 10)
Todavia, essa artificialidade da ligação não é definida pelo sujeito falante. A relação não é estabelecida no momento em que o signo é utilizado, ela advém de uma convenção existente na comunidade linguística. Ela não é estabelecida pela fala, mas pela língua. Carvalho nos diz que “é muito importante lembrar que, para Saussure, a arbitrariedade do signo, e nisso insistimos, repousa no fato de que o falante não pode mudar aquilo que o seu grupo lingüístico já consagrou”. (CARVALHO, 1997, p. 38).
A arbitrariedade é um fator determinante para utilizarmos o termo signo em vez de símbolo. De acordo com Saussure (s. d., p. 82), o símbolo é arbitrário somente de forma parcial, uma vez que a própria imagem do símbolo nos remete ao seu significado de forma mais completa que qualquer outra. O símbolo da balança como representativo da justiça é bastante para exemplificar que dificilmente poderíamos usar outro em seu lugar e obter a mesma carga simbólica. É o que nos explica Saussure:
Utilizou-se a palavra símbolo para designar o signo lingüístico ou, mais exatamente, o que chamamos de significante. Há inconvenientes em admiti-lo, justamente por causa do nosso primeiro princípio (o da arbitrariedade do signo). O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto qualquer, um carro, por exemplo (SAUSSURE, s. d., p. 82)
Algo que ressalta a arbitrariedade do signo é a possibilidade de um mesmo conceito ser representado por diferentes significantes em locais diversos, pois a ligação será definida por cada comunidade linguística.
Assim, a idéia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente por outra sequência, não importa qual; como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes; o significado da palavra francesa boeuf (“boi”) tem por significante b-ö-f de um lado da fronteira franco-germânica, e o-k-s (Ochs) do outro. (Saussure, s. d., p. 81-82)
Juliana Campello (2014, p. 13) exemplifica utilizando a palavra “direito”. Na língua portuguesa ela possui diversos significados, enquanto que na língua inglesa esses significados distintos que a palavra assume na língua portuguesa encontram-se distribuídos juntos a outros significantes:
A palavra “direito” é um exemplo de que a língua não se opera da mesma forma universalmente. Na língua portuguesa essa palavra é bastante polissêmica. A um só tempo, é utilizada para denominar o conjunto de normas que integram o ordenamento jurídico; o direito subjetivo do cidadão (a faculdade de praticar atos, ser e dispor de coisas); a ciência jurídica e suas ramificações, o curso universitário, a noção daquilo que é justo e correto, dentre outros significados. De modo que só é possível compreender a palavra “direito” no contexto discursivo.
Numa comparação com a língua inglesa, essa polissemia é reduzida, já que tais significados encontram-se diluídos em, ao menos, duas palavras rigth e law. Já outras palavras sequer encontram correspondência nos diversos idiomas, a exemplo da palavra “saudade” que não existe no inglês ou no alemão. (CAMPELLO, 2014, p. 13)
Por ser a relação estabelecida de forma arbitrária, qualquer significante seria capaz de representar determinado significado, desde que a comunidade linguística aceite relacioná-los, e essa aceitação muitas vezes ocorre de forma implícita pelo costume de relacionar determinado significante a dado significado (Warat, 1995, p. 27).
A arbitrariedade, contudo, é relativa. Sendo a língua um sistema sígnico, deve-se observar a existência e correspondência entre os signos já consolidados no sistema linguístico. Determinados conceitos que detenham certa aproximação serão alocados juntos a significantes parecidos, como porta e porteira, vidro e vidraça. Neste sentido, pontifica Luis Alberto Warat (1995, p. 26-27) que “devemos recordar que a idéia de arbitrariedade é relativa, pois os signos, no interior da língua, constituem um sistema. A relação entre os signos de uma língua constitui um certo grau de limitação para a arbitrariedade do signo”.
A linearidade, conforme dito anteriormente, é uma característica própria do significante e refere-se à forma como ele é posto no mundo, seja foneticamente ou textualmente. Significa, sob o ponto de vista fonético, que ao falarmos uma palavra seguimos uma linha temporal em que as unidades menores, as letras ou sílabas, são encadeadas numa mesma dimensão até formar o todo do significante. O significante acústico é formado por uma cadeia de fonemas. “Êsse caráter aparece imediatamente quando os representamos pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos” (SAUSSURE, s. d., p. 84).
1.2.3 Mutabilidade e Imutabilidade
O signo linguístico não existe por si mesmo, ele existe na sociedade e nos sujeitos que compõe a massa falante. Ele é uma expressão cultural. Assim como a cultura, o signo linguístico é variante no tempo e no espaço. Cada comunidade linguística tem seu conjunto próprio de signos linguísticos, a sua língua.
A língua, por sua vez, não é estática, é dinâmica. Mas esse dinamismo da língua é lento, gradual, como o é o dinamismo cultural. Conforme a sociedade se modifica, muda também sua cultura geral e sua cultura linguística.
Essa analogia da mutabilidade do signo linguístico e, por consequência, da língua que é composta por tais signos, com a mutabilidade cultural de uma sociedade ajuda-nos a entender que a relação estabelecida entre significado e significante só pode ser criada e alterada socialmente, em um contexto de múltiplos atores sociais e institucionais, mas não no âmbito individual.
Desta forma, podemos afirmar que a mutabilidade se opera e é observada no nível social, ao passo que a imutabilidade do signo linguístico se refere ao fato de que o sujeito não pode modificá-lo individualmente.
Entretanto, devemos alertar que essa imutabilidade se dá ao nível da significação de base, posto que o significar não é um processo encerrado no signo linguístico, no estabelecimento de uma conexão entre um conceito e uma imagem acústica. A significação se dá em pelo menos dois níveis, o da significação de base e o da significação contextual.
1.3 O Contexto de Significação
O estabelecimento da relação entre significante e significado por meio de convenções sociais é uma forma de padronização dos signos linguísticos. Os membros de uma comunidade linguística, por um processo de significação, convencionam relações significativas que facilitem a compreensão dos signos por toda a comunidade. A realização dessa relação a nível social aperfeiçoa o processo comunicacional intersubjetivo ao evitar barreiras que porventura existiriam caso a arbitrariedade do signo tivesse ocorrência no campo individual.
Todavia, o processo de significação não pode ser compreendido apenas tendo em vista a constituição da língua como sistema de signos convencionalmente estabelecidos. Devemos ir além da noção de que o signo linguístico é fruto de uma convenção social que o estabelece mediante o estreitamento da relação significante/significado.
A relação posta pela sociedade é apenas o primeiro passo do processo de significação. Se o quisermos entendê-lo a nível comunicacional, precisamos ainda compreender o contexto de utilização do signo, o uso que lhe é dado pela prática. Nesta etapa é mais recomendável substituir a palavra “signo” por “termo”, uma vez que este pode ser constituído por uma ou mais palavras (CONCEIÇÃO, 1999, p. 39).
Luis Alberto Warat (1995, p. 65) diz ser “impossível analisar o significado de um termo sem considerar o contexto no qual se insere, ou seja, seu significado contextual”. Isto é assim porque o signo linguístico nos é dado pela língua de forma incompleta, apenas com um significado de base.
A atribuição de significados pode ser analisada em dois níveis de significação, a significação de base e a significação contextual (WARAT, 1995, p. 65). Podemos falar do significado de um signo linguístico levando em conta seu significado de base, dado pela língua, ou seu significado contextual, construído pelo uso. Um significado estático (de base) e um dinâmico (contextual). E por estático deve-se entender apenas que a possibilidade de modificação do significado é menos constante ou mais difícil em relação ao significado de base que em relação ao significado contextual, como foi visto acima ao tratarmos das características imutável e mutável do signo linguístico, relacionadas à significação de base.
Além de outros possíveis aspectos que podemos tomar como ponto de partida para o estudo da linguagem, encontramos a análise feita a partir de elementos da sintaxe, da semântica ou da pragmática. Temos abaixo a forma como Katya Kozicki (2013, p.31), de forma breve, delimita o campo de atuação a partir de cada aspecto:
A sintaxe estuda as regras de formação e derivação de uma linguagem, ou seja, estuda as relações dos signos entre si (expressões faladas ou escritas). À semântica cabe o estudo do significado das expressões; o seu designatum (aquilo a que elas se referem). Já a pragmática se preocupa com aqueles que usam a língua; é o estudo dos seus usos e funções. (KOZICKI, 2014 p. 31)
A pragmática, conforme explica Warat (1995, p. 45-46), “é a parte da semiótica que estuda a relação dos signos com os usuários”, sendo assim:
Sua problemática central gira em torno da análise dos modos de significar, usos ou funções da linguagem. Parte-se, assim, da ideia de que fatores intencionais dos usuários provocam alterações na relação designativa-denotativa dos significados das palavras ou expressões. (WARAT, 1995, p. 45-46)
A questão que aqui nos interessa inscreve-se no campo da pragmática, dos usos que se faz na prática de conceitos indeterminados que estão presentes nos textos normativos. Barbara Weedwood (2002, p. 144) coloca que “a pragmática estuda os fatores que regem nossas escolhas linguísticas na interação social e os efeitos de nossas escolhas sobre as outras pessoas”, de modo que a autora aduz:
É comum dizer que a linguística sofreu, na segunda metade do século XX, uma “guinada pragmática”: em vez de se preocupar com a estrutura abstrata da língua, com seu sistema subjacente (com a langue de Saussure e a competência de Chomsky), muitos linguistas se debruçaram sobre os fenômenos mais diretamente ligados ao uso que os falantes fazem da língua. Para retomar a metáfora saussuriana, em vez de se preocupar em conhecer a partitura seguida por diferentes músicos na execução de uma mesma peça musical, o linguista quer conhecer precisamente em quê e por quê houve diferenças na execução, de que forma elas se manifestarem e que efeito tiveram sobre o público ouvinte. (WEEDWOOD, 2002, p. 143-144, grifos no original)
Essa questão acerca da análise linguística ser possível sob diferentes eixos remete-nos a uma questão crucial para hermenêutica jurídica: a crença de que há apenas um sentido “correto” ou possível de ser atribuído aos textos normativos.
A crença na univocidade dos sentidos veiculados pelos textos normativos decorre da inalterabilidade da instância sintática desses textos, dando a impressão de que os termos ali contidos e o próprio enunciado normativo possuem apenas uma significação possível. Somente um sentido poderia ser associado ao texto normativo. Por este motivo, diz Warat (1995, p. 68), “produz-se no direito uma febre legislativa, decorrente da falsa crença de que produzindo-se uma alteração nas palavras da lei, transformam-se mecanicamente as práticas sociais e os sentidos normativos”.
Para que fosse possível sustentar a univocidade de sentido dos textos normativos, seria necessário partir da premissa de que todos que interpretam o texto normativo compartilham de uma mesma ideologia, como pontifica Warat:
A univocidade significativa pressupõe sempre uma prévia coincidência ideológica. A crença na univocidade normativa não é fruto da ignorância ou da ingenuidade. A inalterabilidade dos significantes é o que permite sustentar o ideal de uma norma jurídica racional, como uma das principais condições asseguradoras dos efeitos sociais da lei na sociedade. (WARAT, 1995, p. 68)
De acordo com Borba (1998, p. 228-229), as palavras possuem a potencialidade de veicular um ou mais significados e, embora possuam um significado básico, “o uso propicia várias associações que se incorporam ao signo, passando a fazer parte de suas possibilidades significativas”:
Todo significado ocupa um lugar definido no sistema de que faz parte, sendo, também, delimitado por aqueles que fazem parte do mesmo conjunto. Para vários setores do vocabulário o significado se relaciona com o referente: quando as palavras estão em conexão com coisas, eventos, atributos do mundo exterior, dizemos que elas se referem a essas coisas, eventos e atributos que são, então, seus referentes. A referência pressupõe uma realidade derivada da nossa experiência com o mundo. Como o significado não é o referente, mas uma representação dele, então se justifica uma teoria da referência para ajudar a investigação semântica. Tomemos agora, de forma mais restrita, os temos significação ou sentido como o valor semântico resultante da combinatória de unidades na seqüência. Logo, o sentido não é simplesmente uma soma de significados porque engloba todos os elementos significativos necessários à comunicação, aí incluindo-se o contexto, a situação e até mesmo as atitudes e disposições do falante/ouvinte. Em termos apenas lingüísticos pode-se dizer que a significação resulta da compatibilidade semântica dos elementos constitutivos do enunciado. (BORBA, 1998, p. 228-229)
Em virtude da incompletude de significação inerente às expressões, da potencialidade que os termos possuem de se ligarem a mais de um conceito, Katya Kozicki (2014, p. 33) acentua que “expressões exatamente iguais podem apresentar sentidos diferentes, dependendo do seu contexto de utilização. Esta alteração do modo de significar é característica do processo de comunicação (...)”.
Tal possibilidade foi bem explorada por Juliana Endriss Carneiro Campello (2014, p. 94-99) ao analisar o uso do termo “pagamento regular” inserido no texto normativo da Lei nº 9.964/2000, que trata sobre o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS.
Conforme preceitua o art. 3º, inciso VI, da Lei nº 9.964/2000, a pessoa jurídica que desejar aderir ao REFIS deverá pagar regularmente as parcelas objeto do programa, posto que o não pagamento regular implicaria sua exclusão do mesmo. Mas o que seria “pagamento regular”? Qual o significado deste termo em relação ao contexto do Programa de Recuperação Fiscal?
Em dois votos oriundo do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o termo “pagamento regular” foi interpretado de maneiras diversas. Para um, ele significaria que a existência de uma mínima diferença entre o devido e o pago, mesmo que por determinado lapso temporal, já implicaria a imposição da pena de exclusão, ainda que o pagamento a menor estivesse sendo realizado mensalmente. Para a segunda decisão, pagamento regular é o mesmo que ser realizado com regularidade, no prazo estabelecido, ainda que em valor menor (CAMPELLO, 2014, p. 94-99)
Citando Mattoso Câmara, Claudio Cezar Henriques diz que ele compara as palavras a um pano furta-cor: a depender de como as vemos, do contexto em que elas são inseridas, podem assumir diferentes significações. “É uma significação fluida e cambiante, que assume vários modos de ser” (MATTOSO CÂMARA, 1974, p. 139, apud HENRIQUES, 2011, p. 123).
Eis o que nos diz Henriques sobre as relações de significação:
Voltemos às relações de sentido e aos processos envolvidos na atividade de referenciação. Há relações de sentido entre o significado um item lexical e o de outros itens lexicais, mas não só: os itens sintáticos, os itens pragmáticos e discursivos também ajudam a construir os elos entre a linguagem e o mundo. Em condições normais, artigos acadêmicos, textos jornalísticos e técnicos não avançam ao sabor do vento. A intencionalidade é uma das categorias principais da linguagem e, na produção de textos escritos, essa condição se realiza de modo muito mais proveitoso (ou perigoso, dependendo do ponto de vista) do que na expressão oral. (HENRIQUES, 2011, p. 124)
Desta forma, podemos perceber que há um “núcleo de significação” próprio da palavra ou do termo e que é alheio ao contexto, mas, quando a palavra ou o termo é inserido neste, no contexto, ele “provoca forçosamente um deslocamento significativo dessa compreensão para-contextual” (WARAT, 1995, p. 46).
Esse deslocamento pode ser entendido como parte de um “percurso gerativo” que é seguido na construção dos sentidos, sendo o discurso o patamar mais completo e semanticamente enriquecido, conforme enfatiza Diana Luz Pessoa de Barros:
As estruturas narrativas convertem-se em estruturas discursivas quando assumidas pelo sujeito da enunciação. O sujeito da enunciação faz uma série de “escolhas”, de pessoa, de tempo, de espaço, de figuras, e “conta” ou passa a narrativa, transformando-a em discurso. O discurso nada mais é, portanto, que a narrativa “enriquecida” por todas essas opções do sujeito da enunciação, que marcam os diferentes modos pelos quais a enunciação se relaciona com o discurso que enuncia. (BARROS, 2000, p. 53)
O percurso gerativo sofre influência direta dos interesses dos emissores, podendo-se falar ou calar sobre algo para que os receptores captem a mensagem e enxerguem a realidade de um modo ideologicamente direcionado (WARAT, 1995, p. 65-66). Os sentidos são veiculados a partir de “quatro instâncias ou usos básicos do discurso: informativo, emotivo, diretivo e performativo”.
Luis Alberto Warat assim explica a que se refere cada uma dessas instâncias:
Desta forma: a) a instância informativa veiculiza um sentido articulável com os objetos do mundo; b) a instância emotiva indica as conexões valorativas e as emoções que os termos podem transmitir; c) a instância diretiva refere-se às palavras que cumprem a função de provocar conexões de sentido, destinadas a atuar sobre o comportamento futuro do receptor; d) a instância performativa refere-se às palavras cuja característica principal é a de serem empregadas para fazer algo e não para dizer algo sobre algo. Constituem situações fáticas. Pressupõem a existência de um órgão dotado de autoridade para significar e de um corpo normativo que habilita o emprego desses termos com a função de constituir situações fáticas. As normas jurídicas, por exemplo, contêm sempre uma instância performativa. Foi apelando a esta instância performativa que Kelsen formulou a sua definição de norma jurídica. (WARAT, 1995, p. 66)
Existe ainda um outro uso, a fabulação, “que consiste na apresentação de termos ou enunciados com o único objetivo de fazer crer em determinadas situações inexistentes” (WARAT, 1995, p. 68), como a pretensa univocidade de sentidos do texto normativo:
Em suma, mediante os atos fabuladores, é obtida a coisificação dos sujeitos sociais e a consolidação do poder do Estado, sob a ficção de que seus atos e discursos são realizados em nome de uma vontade geral – em nome de todos os homens. (WARAT, 1995, p. 69)
O recurso ao emprego da terceira pessoa nos discursos é uma das formas de querer passar uma sensação de objetividade e aceitabilidade do que é dito, ao fazer crer que o emissor não está tomando partido em relação a algo que possua mais de um ponto de vista defensável, mas sim que está agindo de acordo com a certeza subsidiada por outros (BARROS, 2000, p. 56). Sobre isso, confira-se a seguinte anotação de Diana Luz Pessoa de Barros acerca de quatro notícias jornalísticas que usaram essa técnica:
Os parágrafos iniciais de quatro notícias de jornal mostram o recurso à terceira pessoa para a criação da ilusão de objetividade. Finge-se distanciamento da enunciação, que, dessa forma, é “neutralizada” e nada mais faz que comunicar os “fatos” e o modo de ver dos outros. Além de produzir efeito de verdade objetiva, o jornal, com a aparência de afastamento, evita arcar com a responsabilidade do que é dito, já que transmite sempre a opinião do outro, o saber das fontes. (BARROS, 2000, p. 56)
Em sentido análogo, Warat (1995, p. 75) fala sobre o uso persuasivo da linguagem e as falácias não formais, um modo de apelar ao senso comum para “obter-se a aceitação de alguns pontos de vista não comprovados logicamente”:
Assim, em um sentido mais amplo, poder-se-ia também dizer que as falácias não formais constituem um repertório de lugares persuasivos, com o qual se pretende indicar as diferentes maneiras como podem ser trabalhadas as opiniões generalizadas, para obter-se a aceitação de alguns pontos de vista não comprovados logicamente. A eficácia dos raciocínios falaciosos é obtida através da referência às formas ideológicas de nosso senso comum, o que proporciona o efeito de uma demonstração lógica para certas afirmações.
(...)
O mecanismo geral para o funcionamento das falácias não formais encontra-se fundamentado na produção de uma linha de argumentação que permite introduzir afirmações não demonstradas, sob a aparência de pertencerem ao universo das opiniões aceitas ou a um domínio conotativo comunitário. (WARAT, 1995, p.75-76)
Tudo isso faz parte de um processo de enriquecimento semântico, no qual entram em ação diversos fatores que influenciam no uso que é dado às palavras e que chamaremos de forma ampla como fatores ideológicos. Por ideologia tomaremos de empréstimo a definição dada por Umberto Eco (1991, p. 84) como “o universo do saber do destinatário [e do emissor] e do grupo a que pertence, os seus sistemas de expectativas psicológicas, suas atitudes mentais, a experiência por ele adquirida, os seus princípios morais”.
Conquanto exerçam influência no processo discursivo, esses fatores ideológicos nem sempre são postos de forma explícita pelo emissor. É necessário que eles se manifestem no discurso para que possamos exercer um mínimo de controle sobre eles. Ainda de acordo com Umberto Eco:
O que um indivíduo pensa e quer, escapa à análise semiológica: só podemos identifica-lo quando o indivíduo o comunica. Mas ele só pode comunicá-lo quando o reduz a sistema de convenções comunicativas, isto é, quando o que pensa e quer é socializado, passível de ser compartilhado pelos seus semelhantes.
Para consegui-lo, porém, é mister que o sistema de saber se torne sistema de signos: a ideologia é reconhecível quando, socializada, se torna código. Nasce, assim, uma estreita relação entre o mundo dos códigos e o mundo do saber preexistente. Esse saber torna-se visível, controlável, comerciável, quando se faz código, convenção comunicativa. (ECO, 1991, p. 84)
A manifestação desses fatores no discurso se dá através da argumentação. A argumentação é um jogo de sedução e manipulação. Através dos argumentos contidos no discurso, o emissor ou enunciador busca conquistar a aderência do auditório (CAPPI et al, 2004, p. 27). Tratando do uso persuasivo da linguagem, Barros (2000, p. 62) divide os papéis assumidos pelos “sujeitos da enunciação”. Assim, existe o enunciador e o enunciatário, sendo o primeiro responsável pela criação do discurso e o segundo pela sua aceitação ou não, é aquele a quem o discurso é dirigido. Em suas palavras, Barros afirma que:
O enunciador define-se como o destinador-manipulador responsável pelos valores do discurso e capaz de levar o enunciatário a crer e a fazer. A manipulação do enunciador exerce-se como um fazer persuasivo, enquanto ao enunciatário cabe o fazer interpretativo e a ação subseqüente. Tanto a persuasão do enunciador quanto a interpretação do enunciatário se realizam no e pelo discurso. (BARROS, 2000, p. 62)
Para que o discurso seja interpretado conforme deseja o enunciador, ainda de acordo com Barros (2000, p. 63) este “constrói no discurso todo um dispositivo veridictório, espalha marcas que devem ser encontradas e interpretadas pelo enunciatário”:
(...) o enunciador determina como o enunciatário deve interpretar o discurso, deve ler “a verdade”. O enunciador constrói no discurso todo um dispositivo veridictório, espalha marcas que devem ser encontradas e interpretadas pelo enunciatário. Para escolher as pistas a serem oferecidas, o enunciador considera a relatividade cultural e social da “verdade”, sua variação em função do tipo de discurso, além das crenças do enunciatário que vai interpretá-las. O enunciatário, por sua vez, para entender o texto, precisa descobrir as pistas, compará-las com seus conhecimentos e convicções e, finalmente, crer ou não no discurso. (BARROS, 2000, p. 63)
A presença de conceitos jurídicos indeterminados permeando os textos normativos, possibilitando ao intérprete percorrer o percurso gerativo do sentido na construção da decisão a ser aplicada a determinado caso, abre espaço para uma margem mais acentuada de arbitrariedade judicial, permitindo a incidência de fatores ideológicos no discurso jurídico a influenciar na tomada de decisão. O texto normativo não veicula uma norma jurídica pronta e acabada, mas diretrizes a serem seguidas pelo destinatário para a concretização da norma, limitando esse espaço de concretização dentro de uma moldura fornecida pela linguagem empregada no texto normativo.
1.4 A Textura Aberta da Linguagem (e) do Direito
Segundo os ensinamentos de Charles Nunes Bahia, a noção da textura aberta da linguagem está intimamente ligada à teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein (1889-1951), em decorrência da “infinidade de combinações possíveis por meio do uso da linguagem” (BAHIA, 2016, p. 234).
De início, Wittgenstein acredita que a linguagem se tratava de uma “figuração do mundo”. Conforme assinala Katya Kozicki (2014, p. 26), “apoiava-se nesta perspectiva de uma função essencialmente descritiva da linguagem. Neste momento, a premissa ainda era a de que a estrutura interna da realidade determinava a estrutura da linguagem”.
Contudo, em um segundo momento Wittgenstein muda radicalmente sua compreensão acerca da linguagem (KOZICKI, 2014, p. 34; BAHIA, 2016, p. 229). Antes uma forma de capturar a essência do mundo, um instrumento para a transmissão dos significados inerentes às coisas, passa agora a ser vista a partir do uso que fazemos dela:
Posteriormente, quando da publicação de seu Philosophische Untersuchugen – Investigações Filosóficas (1953) – Wittgenstein abandona a sua teoria da linguagem como “afiguração dos fatos”, em prol da concepção de uma concepção pragmática da linguagem (isto é, a relação dela com seus usuários). Como veremos, passa-se agora à verificação do contexto em que se situa o movimento comunicacional. Este livro marca o nascimento de uma preocupação com os usos e funções ordinários da linguagem, movimento que viria a ser conhecido como Filosofia da Linguagem Ordinária.
(...)
As palavras são instrumentos dos quais se servem os indivíduos (e a própria ciência) para exprimir os seus pensamentos ou ideias. Neste sentido, os indivíduos operam com palavras e expressões, eles instrumentalizam a própria linguagem. O significar é, assim, sempre o reflexo de um ato de aprender. O sujeito falante aprende a utilizar-se da linguagem, a partir do entendimento que tenha do funcionamento desta. Sancionar o estatuto da significância e funcionalidade da linguagem comum, eis o seu objetivo. Wittgenstein “(...) reconhecia na estrutura e nas modalidades de emprego da linguagem vulgar a matriz original do significado das operações linguísticas, que, por isso, não exigiam serem reconduzidas a um paradigma ideal de significância definido por requisitos lógicos de certo tipo”. Neste entendimento, é o uso que atribui um significado à palavra (KOZICKI, 2014, p. 26-33).
Conforme depreendemos ao observar os jogos, percebemos que não existe uma regra comum a todos, embora eles compartilhem entre si determinadas semelhanças perceptíveis em maior ou menor nível. De igual forma ocorre com a linguagem. Não há um único modo de usá-la. O que existe são opções de combinações de signos linguísticos, que serão feitas de acordo com o uso que queremos fazer da linguagem e do objetivo pretendido:
O que Wittgenstein quer dizer resume-se ao seguinte raciocínio: existe um incontável número de proposições na linguagem que se combinam por meio de jogos. Da mesma maneira como ocorre em relação aos jogos, também em relação à linguagem não é possível encontrar uma característica unívoca capaz de ser identificada em todas as instâncias linguísticas; existem apenas semelhanças relevantes que agrupam essas expressões em determinados espaços da compreensão durante um lapso temporal (BAHIA, 2016, p. 230).
A expressão “textura aberta da linguagem” foi cunhada pelo filósofo alemão Friedrich Waismann (1896-1959). De início, Waismann era partidário da visão de que era possível, através de métodos de verificação, determinar a veracidade ou não de dado significado atribuído às palavras. Todavia, percebeu que algumas palavras podem “se combinar de uma forma tal que sejam geradas significações inéditas, sendo esse ineditismo comprometedor ao significado da expressão (BAHIA, 2016, p. 232).
Embora seja possível determinar algumas significações atreladas às palavras, Waismann admitia que para algumas palavras pode ser que sempre exista uma zona de indeterminação, devido à textura aberta da linguagem, da qual não é possível sair tão facilmente, conforme sublinha Struchiner:
Por textura aberta da linguagem, Waismann pretende dizer que os nossos conceitos empíricos não estão delimitados, de forma a priori, em todas as direções possíveis. Os conceitos empíricos não apresentam uma definição exaustiva, ou seja, nenhum conceito se encontra delimitado de forma que não surjam espaços para dúvida sobre seu significado (STRUCHNINER, 2001, p. 11, apud BAHIA, 2016, p. 233)
Há de se reconhecer, em relação a alguns termos da linguagem ordinária, a existência de uma zona de penumbra onde as significações mostram-se indeterminadas. Junto a essa zona de penumbra, existe ainda as zonas de certeza positiva e de certeza negativa. Em relação à primeira, situam-se os conceitos que sabemos e podemos relacionar a determinado significante. Quanto à segunda zona, encontram-se todos os demais conceitos que sabemos não ser possível liga-los ao significante. Conquanto seja possível definir algumas denotações, haverá sempre um grau de indeterminação do qual não podemos sair por completo (KOZICKI, 2014, p. 37).
O ser humano tem de ser entendido como um sujeito histórico, um sujeito inserido em dada tradição linguística, recebendo dela diversas pré-compreensões acerca das coisas do mundo. De acordo com Katya Kozicki (2014, p. 37), por ser a linguagem fator determinante das estruturas da compreensão da realidade, posto que é através dela que nos comunicamos e significamos, a indeterminação no mundo dos fatos acaba por irradiar nos termos linguísticos.
A ideia da textura aberta da linguagem exerceu influência direta na teoria jurídica de Herbert Hart e na concepção da Textura Aberta do Direito:
Para o positivismo jurídico analítico de Hart, a textura aberta do direito apresenta-se como resultado claro da imprecisão linguística na qual se funda a construção das normas jurídicas. A normatividade que garante um pouco de certeza à esfera jurídica é a mesma que se desintegra diante dos engodos da linguagem. Uma zona de penumbra normativa que se faz inerente; deve ser consequência de uma textura aberta da linguagem (BAHIA, 2014, p. 228)
Reconhecendo não ser possível prever todas as situações fáticas, Hart entendia que essa imprevisão redundaria numa possível vagueza normativa, contornada pela utilização de termos abertos que pudessem dar ao hermeneuta a possibilidade de concretização conceitual de acordo com contexto fático de aplicação.
2.CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS
O signo linguístico, conforme visto no capítulo anterior, é constituído pela união arbitrária entre significante e significado. Essa união arbitrária se dá a nível social e na significação de base. Embora significante e significado se formem no intelecto das pessoas, como imagem acústica e conceito, respectivamente, pode-se dizer que o significante é o suporte material através do qual nos referimos a um conceito relacionado a uma noção acerca de “objetos, circunstâncias, fatos ou acontecimentos” (GRAU, 2006, p. 222).
Ao falarmos dos conceitos jurídicos indeterminados, há algo de inconveniente nesta denominação. Referimo-nos na verdade não aos conceitos em si, isoladamente, mas aos termos que possuem a capacidade de se relacionar com conceitos vários, dada sua origem advinda da linguagem natural, e cuja delimitação dessa relação não é de um todo determinada.
Como bem adverte Eros Roberto Grau, citando John Hospers, podemos dar às coisas (objetos, circunstâncias, fatos ou acontecimentos) qualquer denominação. Há muito já foi desconstruída a ideia de que para cada coisa existiria uma palavra a se relacionar de forma natural. É o ser humano, e não a natureza, que estabelece a relação entre as palavras e as coisas:
As palavras - observou Hospers [apud Gordillo 1977:2] - são como rótulos que colocamos nas coisas, para que possamos falar sobre elas: "Qualquer rótulo é conveniente na medida em que nos ponhamos de acordo com ele e o usemos de maneira conseqüente. A garrafa conterá exatamente a mesma substância, ainda que coloquemos nela um rótulo distinto, assim como a coisa seria a mesma ainda que usássemos uma palavra diferente para designá-Ia" (GRAU, 2006, p. 222)
Analisando a questão referente aos direitos morais que os cidadãos teriam contra o poder exercido pelo Estado e pela maioria, direitos esses reconhecidos e protegidos tanto por disposições precisas como por disposições vagas, Ronald Dworkin (2014, p. 210) traça duas posições que podem ser adotadas pelos juristas neste último caso. Quando reconhecidos por disposições vagas, o autor afirma que podemos seguir uma posição estrita, cujo apego à letra da lei predomina, ou uma posição liberal, tendente a dar maior amplitude possível às palavras positivadas.
Os juristas que adotam a posição de que os termos vagos devem ser estritamente interpretados, além do tradicional apego às palavras do texto normativo, geralmente seguem aquilo que pregavam os defensores da jurisprudência dos interesses. Para eles, a interpretação ficaria limitada àquilo que o legislador tinha em mente proteger quando da elaboração do texto normativo ou, quando muito, às situações que teriam sido valoradas se pudessem ter sido previstas, embora não tenham sido. É o que afirma Ronald Dworkin na seguinte passagem:
Contudo, no caso das cláusulas “vagas”, como as do processo legal justo e as da igual proteção, os juristas fundiram as duas questões porque se basearam, em grande medida sem se dar conta, em uma teoria do significado que poderia se assim enunciada: se os autores da Constituição utilizaram uma linguagem vaga, como fizeram ao condenar as violações do “processo legal justo”, então o que “disseram” o “quiseram dizer” fica limitado às instâncias de ação estatal que eles concebiam como violações, ou, pelo menos, a aqueles exemplos que teriam eles considerado violações, caso esses exemplos lhes tivessem ocorrido. (DWORKIN, 2014, p. 210)
Todavia, diante de um texto normativo que tenha sido construído com o uso de termos vagos, antes de adotarmos uma posição estrita em relação a eles, é preciso refletir sobre os motivos que levaram os legisladores ao empregarem tais termos, quando poderiam utilizar-se de outros cuja área de significação é menos nebulosa. É imperioso advertir que neste ponto não estamos nos referindo a ir buscar o sentido do texto ou a norma jurídica na “vontade do legislador”, mas de questionar os motivos que levariam alguém a formular proposições jurídicas assentadas em palavras conceitualmente indeterminadas.
Caso quisessem delimitar o âmbito de incidência do texto normativo às situações por eles pensadas quando de sua elaboração, teria sido mais eficaz deixar essa intenção expressamente registrada no próprio texto normativo. O uso de termos vagos, cujos conceitos válidos para o sistema jurídico são indeterminados, é resultado de uma escolha feita “deliberadamente pelos homens que os redigiram e adotaram, em lugar das regras mais específicas e limitadas que poderiam ter sido promulgadas” (DWORKIN, 2014, p. 209), de forma que os legisladores tinham plena consciência que, ao usarem a linguagem desta forma, quando do surgimento de um caso que necessite da aplicação de uma norma jurídica, o sentido dos termos que compõem o texto normativo ficaria por ser definido a depender da situação fática e do contexto que a envolve.
É salutar deixar claro que a referência que fazemos não é a conceitos jurídicos indetermináveis, mas indeterminados. A distinção tem grande relevo, posto que conquanto aquilo que é indeterminável não pode ser determinado, pois a impossibilidade de determinação é seu predicado chave, o indeterminado é passível de determinação (FERRAZ JUNIOR, 2008, p. 261), uma vez que a indeterminação é apenas um estágio no qual se encontra e do qual pode sair a partir de “um processo de refinamento progressivo de seu sentido”:
Diz-se, assim, que o conceito indeterminado sempre admite uma determinação, isto é, conceitos indeterminados são, presumidamente, determináveis, o que acontece por um processo de refinamento progressivo de seu sentido. No campo jurídico, conceitos indeterminados admitem uma generalização pela constituição de standards. A indeterminação está na extensão imprecisa de seu campo de referência objetiva, ou seja, quais os objetos abarcados (denotados) pelo conceito. O conceito é indeterminado se não é possível, de antemão, precisar tais objetos. A determinação é o processo pelo qual esse campo é delimitado. São conceitos indeterminados, nesse sentido, repouso noturno, perigo iminente etc (FERRAZ JUNIOR, 2008, p. 261) (grifos no original).
Na hipótese dos conceitos jurídicos indeterminados, a determinação de seu sentido é realizada quando de sua aplicação aos casos concretos. E aqui mais uma advertência deve ser feita. Apesar de ao longo da obra falarmos que a determinação se realiza diante de um caso concreto, não estamos excluindo a possibilidade de determinação perante casos hipotéticos, mormente quando realizada na construção do conhecimento doutrinário do direito. Apenas optamos por nos referir a caos concretos por uma questão de economia, evitando a repetição do termo “casos concretos ou hipotéticos” e reduzindo a referência apenas aos “casos concretos”.
Retornando ao cerne da questão, pensar de forma estrita os termos vagos, afirma Dworkin (2014, p. 211), é restringir os direitos aos “reconhecidos por um grupo limitado de pessoas em um momento determinando da história”. Embora a citação refira-se à interpretação restrita dos textos normativos que veiculam direitos e garantias constitucionais, o mesmo pensamento pode ser aplicado ao Direito em geral, pois, reformulando a frase anterior, interpretar de forma estrita os termos vagos, apegando-se ao “exato” delineamento das palavras postas no texto legal, é restringir o Direito e seu processo de criação a um grupo limitado de pessoas em um momento acurado da história, pondo em risco sua eficiência ao negar seu caráter dinâmico, tão imprescindível para que possa acompanhar as mudanças experimentadas pela sociedade.
Assim como a sociedade se modifica com o tempo, o Direito deve estar em constante adaptação para que possa seguir o mesmo fluxo e não se manter preso a uma realidade social de outrora que não lhe diz mais respeito.
O Direito não está petrificado nos enunciados normativos legais, mas vivo no seio social. De igual forma, a norma jurídica não deve ser entendida como mero resultado de um raciocínio silogístico de subsunção do fato ao texto normativo, ou do fato à norma, como dizem os defensores do método de subsunção. Conforme assinala Andrade, “o direito não existe para manter a ordem, mas para transformá-la, sendo assim a transformação do presente e a construção do futuro, isto é, a construção de um mundo mais humano” (ANDRADE, 1992, 101).
A norma jurídica é instrumento de controle social, transformação do presente e construção do futuro, como sublinha Andrade:
[Ela] é proposição, prescrição e comunicação. Assim, em razão do princípio da intersubjetividade, o direito se exterioriza através da linguagem. Daí a dimensão linguística do direito, de modo que o elemento lingüístico possa servir como instrumento de interpretação. (ANDRADE, 1992, p. 103)
O direito é comunicação que se realiza através da linguagem, expressa sob a forma de determinada língua. A língua é um conjunto de signos linguísticos, estes formados pela união indissociável entre significante e significado.
As convenções sociais que definem a relação entre significado e significante, na lição de Eros Grau (2006, p. 224), podem ser estabelecidas de forma “explícita e ‘ad hoc’ ou tácita e geral”. No primeiro caso, das convenções formadas de modo explícito, temos as linguagens técnicas, próprias de áreas do conhecimento que demandem elevado grau de certeza dos termos e conceitos utilizados. São tácitas e gerias as convenções que formam a linguagem ordinária, isto é, aquela que usamos comumente para nos comunicar, também chamadas de linguagens naturais.
Ao utilizarmos a linguagem ordinária na construção dos textos jurídicos, sobretudo os textos normativos legais, alguns aspectos daquela acabam por irradiar no ordenamento jurídico, como a vagueza e a ambiguidade de determinados termos.
Christiano José de Andrade (1992, p. 108) ressalta bem essa influência que o uso da linguagem ordinária exerce sobre os textos jurídicos, posto que as palavras que constituem aquela nem sempre possuem um perfil nítido de aplicação, podendo ser “atual ou potencialmente vagas (textura aberta), apresentando assim uma zona de transição ou de penumbra”.
As palavras da linguagem natural, de que faz parte a linguagem do direito, não têm critérios de aplicação rígidos ou de perfis nítidos, o que vale dizer que são atual ou potencialmente vagas (textura aberta), apresentando assim uma zona de transição ou de penumbra. (ANDRADE, 1992, p. 108)
Karl Larenz (1997, p. 283) diz que há casos em que o sentido das expressões apresentam-se claros de forma imediata e casos em que é necessária uma atividade interpretativa para que se possa escolher, dentre os possíveis sentidos, qual pode ser atribuído àquele termo dentro daquele contexto em que foi usado:
Os textos jurídicos são problematizáveis deste modo porque estão redigidos em linguagem corrente, ou então numa linguagem especializada a eles apropriada, cujas expressões – com ressalva de números, nomes próprios e determinados termos técnicos – apresentam uma margem de variabilidade de significação que torna possível inúmeros cambiantes de significação. (LARENZ, 1997, p. 283)
Para que o âmbito de incidência do texto normativo seja ampliado, de forma a manter sempre atual a norma jurídica, utilizam-se termos cujos conceitos jurídicos são indeterminados, posto que assim a norma mantém-se atual ainda que o suporte físico (significante) permaneça inalterado por considerável espaço de tempo. Mantém-se o significante e a relação sintática, e modifica-se o significado, permitindo que o Direito acompanhe as mudanças sociais sem que com isso seja preciso modificar constantemente as palavras dos textos normativos.
O “termo” a que nos referimos tem uma noção mais ampla que a de “signo” que tratamos no capítulo anterior. Enquanto que nos referimos ao signo como o resultado da união de um significante (palavra) a um significado (conceito), o termo pode ser formado por uma ou mais palavras, um ou mais signos linguísticos (CONCEIÇÃO, 1999, p. 39). De resto, o mesmo permanece. Podemos dizer que o termo constitui a parte material, o significante, e está ligado à parte imaterial, o conceito ou significado.
É preferível falar em termo jurídico no lugar de signo. Nos textos normativos muitos conceitos jurídicos são expressos em mais de uma palavra, como a “dignidade da pessoa humana”. O significante deixa de ser uma palavra e passa a ser uma ou mais palavras, um termo, também ligado a um ou mais significados. Os conceitos jurídicos, por sua vez, podem corresponder ou não àqueles que os termos carregam na linguagem ordinária.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2008) fala em uso onomasiológico e uso semasiológico das palavras. Ocorre o primeiro quando a significação da palavra encontra correspondência com a usualmente atribuída no cotidiano, e o segundo quando ela assume uma significação própria dentro do sistema jurídico, uma significação normativa. Para Ferraz Jr.:
Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isso ocorre. (FERRAZ JR., 2008, p. 220)
A linguagem jurídica é expressa às vezes em termos cujos significados são tecnicamente pré-estabelecidos e em termos que tem sua significação correspondente ao da linguagem natural, como bem observa Claudia Maria Barbosa:
A linguagem pela qual o direito é expresso é uma linguagem de características especiais. Em parte constitui uma linguagem técnica, especializada, e neste sentido busca um determinado rigor; por outro lado, nela também estão presentes diversos símbolos próprios da linguagem natural, os quais, na linguagem jurídica podem adquirir sentidos diversos daqueles que lhe atribui a linguagem cotidiana. (BARBOSA, 2005, p. 35)
Os conceitos jurídicos indeterminados habitam a zona de penumbra no campo das significações jurídicas, localizam-se entre a área de certeza positiva e a de certeza negativa. Nesta ficam as situações que sabidamente não podem ser enquadradas como hipóteses de incidência da norma veiculada pelo conceito. Na área de certeza positiva encontram-se as situações que induvidosamente se enquadram na moldura do texto normativo (CONCEIÇÂO, 1999, p. 47).
Em um segundo momento deve-se frisar que, além do problema terminológico retromencionado, o termo indeterminado também tem sido objeto de certas substituições, como: impreciso, fluido, elástico, vago, poroso. A estas denominações, pensamos poder acrescentar o termo flexível por crermos na potencialidade de adaptação ou flexibilidade às situações às quais pode ser aplicado.
Desta forma, quaisquer destas expressões revelam, de modo cristalino, tratar-se de conceitos cuja área de significação não se apresenta definida ou limitada precisamente, no momento de sua aplicação ao caso concreto. Situam-se, portanto, na zona de penumbra, intermediária entre a região de certeza positiva – aquela na qual um conceito se inclui, sem que reste qualquer incerteza – e de certeza negativa – casos excludentes do uso do conceito. (CONCEIÇÃO, 1999, p. 47) (grifos no original)
Contudo, como bem alerta Conceição (1999, p. 47), devemos ficar atentos ao fato de que não existe uma rígida separação entre as referidas zonas ou áreas de certeza e indeterminação quando tratamos dos conceitos jurídicos em geral. Dizer que um conceito é determinado não é suficiente para excluí-lo totalmente da zona de penumbra, assim como dos conceitos jurídicos indeterminados também não se exclui a possibilidade de existência de zonas de certeza positiva ou negativa.
A diferença fulcral entre um conceito determinado e um indeterminado é que para o primeiro a área de significação é mais precisa, enquanto que para o segundo ela é mais plástica, maleável (CONCEIÇÃO, 1999, 47). A área de certeza e a de incerteza existirá para ambos, o que muda é sua graduação. Para os conceitos jurídicos indeterminados a área de incerteza é maior que as de certeza positiva e a de certeza negativa, aplicando-se o inverso aos conceitos determinados.
Infere-se, conseqüêntemente, que os conceitos jurídicos indeterminados diferem dos conceitos determinados cuja área de significação é mais precisa embora, cremos, não de forma absoluta, porquanto o Direito tem por finalidade regular as relações na sociedade, por si só instáveis, o que, forçosamente, impede a eliminação da incerteza de modo inequívoco, como ocorre nos conceitos relativos às Ciências Exatas. (CONCEIÇÃO, 1999, p. 47)
Podemos pegar essa alegoria da zona de penumbra e imaginarmos perante uma neblina com diferentes áreas de visibilidade, umas mais opacas e outras mais claras. As áreas opacas são as zonas obscurecidas em que a indeterminação é mais latente, as claras são aquelas que se encontram próximas às regiões de certeza positiva ou negativa. A determinação do sentido dos termos cujos conceitos são indeterminados em uma primeira visualização é realizada através de um processo de interpretação do texto normativo.
Qualquer texto normativo, seja relativo a uma regra ou a um princípio, pode veicular termos cujos conceitos jurídicos são de antemão indeterminados. Assim, podemos citar, com base no ordenamento jurídico brasileiro, os seguintes exemplos: o termo “boa-fé” presente em diversos artigos do Código Civil brasileiro de 2002; o “terror social ou generalizado”, a “paz pública” e a “incolumidade pública”, termos que fazem parte do tipo penal relativo à prática de ato de terrorismo previsto no art. 2º da Lei nº 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo); o “motivo relevante” e o “motivo imperioso” dos artigos 264 e 265 do Código de Processo Penal; a “dignidade da pessoa humana” prevista no art. 1º, III, da Constituição Federal, assim como em diversos outros textos normativos constitucionais e infraconstitucionais.
3.INTERPRETAÇÃO E REALIZAÇÃO DO DIREITO
3.1 A Hermenêutica Jurídica e a Interpretação como Atribuição de Sentido
Carlos Maximiliano faz uma síntese do estudo histórico dos termos hermenêutica e interpretação, expondo os conceitos que eles assumem em diversas línguas. Assim, defende que existe uma diferença entre as palavras hermenêutica e interpretação. A hermenêutica é uma ciência geral da interpretação, sendo que a hermenêutica jurídica reflete a “sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões em Direito” (MAXIMILIANO, 2003, p. 6). Ela dispõe acerca dos métodos de interpretação.
A interpretação, por sua vez, seria a atividade realizada a partir da aplicação desses processos de determinação do sentido e alcance das expressões jurídicas. Mas não é só a atividade, senão também o próprio produto desta atividade interpretativa (NOJIRI, 2005, p. 122; TROPER, 2008, p. 123).
A ótica de Carlos Maximiliano, contudo, reflete uma hermenêutica jurídica clássica que idealiza a interpretação do texto normativo como uma busca pelo “esclarecimento sobre o que está condito na norma”, uma hermenêutica que vai redundar no único e correto sentido do texto normativo (SCHMITZ, 2015, p. 89).
No mesmo sentido é a crítica de Lenio Luiz Streck (2004, p. 35-39), para quem a hermenêutica jurídica no Brasil ainda está arraigada no ensinamento de Emilio Betti (1890-1968) de que há um processo trifásico de interpretação e aplicação do Direito, onde primeiro busca-se compreender, depois interpretar e ao fim aplicar a norma ao caso:
Calha registrar, ademais, que o exame de vários textos – antigos e contemporâneos – que tratam da interpretação jurídica no Brasil aponta para o fato de que é ainda dominante a idéia de que interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma; fazer hermenêutica jurídica é procurar a significação dos conceitos jurídicos; enfim, interpretar é esclarecer; esclarecer, dar o verdadeiro (sic) significado ao vocábulo; extrair, da norma, tudo que nela se contém... Não é difícil perceber, aqui, a prevalência da (metafísica) dicotomia sujeito-objeto. Parte considerável dos autores que se enquadram nesse contexto sofreu influência da hermenêutica de cunho objetivista de Emilio Betti, baseada na forma metódica e disciplinada da compreensão, onde a própria interpretação é produto de um processo triplo que parte de uma abordagem objetivo-idealista. De um modo ou de outro, a interpretação, nesse contexto, embora não admitida, continua a ser um processo de reprodução do sentido, uma vez que a atribuição de sentido e a interpretação são tratadas separadamente. Em alguns casos, é possível perceber nitidamente o problema metafísico da separação fato-direito, norma-realidade, ser-ente, texto-norma, uma vez que a interpretação fica restrita à simples análise semântica determinativa da significação abstrato-ideal do “conceito” da norma, como se nesse “conceito” pudessem ser “aprisionadas” as “incidências fáticas”.
Ou seja, os pressupostos da hermenêutica clássica, subsuntiva e dedutivista, ainda não foram superados, continuando bem atuais as ideias de Carlos Maximiliano, que entendia que interpretar é a busca do esclarecimento, do significado verdadeiro de uma expressão; é extrair de uma frase, de uma sentença, tudo o que na mesma se contém. Tais teses fizeram escola no Brasil, forjando um imaginário reproduzido quotidianamente nas salas de aula dos cursos de direito, nos concursos públicos e no processo de avaliação institucional (...) (STRECK, 2004, p. 35-36) (grifos no original).
Leonardo Ziesemer Schmitz também preleciona que o ensino jurídico no Brasil ainda anda de mãos dadas com a hermenêutica jurídica clássica, sendo ensinado que existe um sentido real ínsito ao texto normativo, podendo esse sentido ser buscado pelo esclarecimento da “vontade da norma” ou da “vontade do legislador”:
É algo arraigado no imaginário jurídico brasileiro a ideia de que existam regras para identificar a “vontade do legislador”, a “vontade da norma”, o “real sentido” de um texto jurídico. Assim, a hermenêutica em seu estado mais primitivo estipulava procedimento para objetivar a busca por esse suposto sentido unívoco. Essa é a posição adotada, entre outros, por Carlos Maximiliano, autor da obra que provavelmente é a mais difundida no País sobre o tema da interpretação do direito. Para o autor, interpretar é buscar o esclarecimento sobre o que está contido na norma (SCHMITZ, 2015, p. 89).
Seguindo a linha de entendimento de Lenio Luiz Streck (2014, p. 280), devemos fazer uma distinção entre a “hermenêutica clássica, vista como pura técnica de interpretação (Auslegung), e a hermenêutica filosófica, de matriz gadameriana, que trabalha com um ‘atribuir sentido’ (Sinngebung)”. Uma hermenêutica cujo objeto são as “técnicas de interpretação”, num modelo objetivo-idealista, e uma hermenêutica filosófica que trabalha com a questão da interpretação como atribuição de sentido:
É nesse ponto que reside o maior contributo de Gadamer à hermenêutica jurídica. O mestre alemão é claro ao dizer que é impossível reproduzir sentidos (por isto não se pode mais falar em Auslegung – extrair sentido, e sim, em Sinngebung – atribuir sentido). O processo hermenêutico é sempre produtivo (afinal, nós nunca nos banhamos na mesma água do rio). Gadamer vai dizer, a partir disto, que é uma ficção insustentável a concepção de que é possível o intérprete equiparar-se ao leitor originário, fazendo, aqui, uma crítica tanto a Schleiermacher como a Savigny, que ignorou a tensão entre o sentido jurídico originário e o atual, erro que continua sendo repetido pela dogmática jurídica na atualidade, a partir da metafísica equiparação entre vigência e validade, texto e norma (STRECK, 2014, p. 305-306) (grifos no original).
Essa atribuição de sentido, entretanto, não se dá de forma arbitrária, ao bel prazer do intérprete, conforme aduz Alexandre Pasqualini:
À diferença do que pensava Valéry de seus versos, a ordem jurídica não tem, pura e simplesmente, o sentido que se lhe queira atribuir ou impor. Em cada ato interpretativo, estão presentes, em distintos níveis de densidade, não só os apontados princípios, normas e valores jurídicos, mas, antes, junto à consciência dos operadores do Direito, a tradição histórica, doutrinária e jurisprudencial, com base em que a exegese faz o sistema falar. Trata-se, portanto, sem prejuízo da regra da poliinterpretabilidade, de tarefa intrinsecamente dialógica e crítica, em que a comunidade hermenêutica dos juristas culmina ou por sufragar as interpretações mais adequadas ou, então, por desenganar as mais aberrantes (PASQUALINI, 1999, p. 25-26)
A linguagem assume importância vital na obra de Gadamer, posto que “é através da linguagem que se interpreta, e através da interpretação é que se concretiza a compreensão” (PAZÓ, 2004, p. 109). De acordo com Lenio Luiz Streck (2014, p. 305), o filósofo reconhece que o ser humano utiliza-se da linguagem para que possa acessar as coisas do mundo, não porque ela lhe serve como “instrumento e veículo de conceitos”, mas sim por “ser a condição de possibilidade da manifestação do sentido”:
Por isso Gadamer vai dizer que a hermenêutica como teoria filosófica diz respeito à totalidade de nosso acesso ao mundo (Weltzugang). Pois é o modelo da linguagem e sua forma de realização – ou seja, o diálogo – que suporta não somente o entendimento entre os homens, senão também o entendimento sobre as coisas de que é feito nosso mundo. A teoria do conhecimento no sentido tradicional tem subvalorizado a articulação linguística (Sprachlichkeit). Nosso pensamento atual, entretanto, encontra-se orientado de modo decisivo ao fenômeno da linguagem. Isto se manifesta, acentua Gadamer, “em minha própria teoria, no que concerne ao papel que joga a linguagem e o linguístico para toda a compreensão e o conhecimento (Verstehen und Erkennen)” (STRECK, 2014, p. 280-281) (grifos no original).
Estando inserido em uma tradição linguística, o intérprete é entendido como um ser histórico, um ser que está no mundo, mundo esse que lhe confere uma gama de pré-compreensões a partir das quais partirá sua própria compreensão de mundo:
É enaltecido por Gadamer o descobrimento da acepção da linguagem como acepção do mundo produzida por Humboldt. Para Humboldt, o homem pertence a uma comunidade lingüistica que introduz o indivíduo, quando este nela cresce, uma determinada relação com o mundo e num determinado comportamento com relação a ele (PAZÓ, 2004, p. 129).
Lúcio Grassi de Gouveia (2000, p. 123-124) diz ser preferível utilizarmos a expressão “realização” no lugar de “interpretação” do direito, posto que o juiz é sujeito ativo no processo de criação da norma jurídica, não se encontrando ela pronta e acabada para ser aplicada. Assim, ele afirma:
A expressão aplicação do direito, tendo em vista o caráter constitutivo da atividade decisória do juiz, perdeu espaço para a noção de realização do direito. Caráter constitutivo e atividade criadora andam de mãos dadas, já que a atividade judicante não se limita a uma mera aplicação de uma norma pronta e acabada, mas construção de algo novo, podendo essa criatividade ser maior ou menor, dependendo das peculiaridades do caso concreto que se apresente. (GOUVEIA, 2000, p. 173)
Dizer que é preferível falar em realização a interpretação do direito não significa que o uso desse último termo esteja de toda forma incorreto. Embora acertada a asseveração de que a norma não se encontra pronta e acabada para que seja aplicada a um caso concreto, participando o juiz do processo criativo do direito, entendemos que o termo “interpretação” ainda encontra seu lugar na hermenêutica jurídica, posto que quando falamos de interpretação não estamos dizendo simplesmente que o direito é interpretado. Não interpretamos o direito em si, mas sim o texto normativo, tomando-o como ponto de partida do percurso gerativo do sentido e da norma jurídica a incidir no caso concreto.
O objeto da interpretação, segundo Michel Troper (2005, p.132-133) não é a norma jurídica. Interpretar é dar sentido, e se o texto normativo já apontasse para um sentido apropriado, não haveria o que interpretar, o sentido já estaria dado. Interpretamos o enunciado ou texto normativo para atribuir-lhe um significado. Dessa atribuição de significado resultará a realização do direito, a finalização do processo de construção da norma jurídica.
No processo de realização do direito, no percurso gerativo do sentido, o ponto de partida é o texto normativo e seu aspecto gramatical, sendo esse “somente um estágio da interpretação, nunca seu momento final. Por isso mesmo esse exame da semântica dos dispositivos legais carecerá sempre, pelo menos, do auxílio de outras formas de interpretação judicial” (SCHMITZ, 2005, p. 94). Analisamos as palavras, seus significados na linguagem corrente e o modo como elas se relacionam no enunciado, conforme sublinha Ferraz Junior:
A letra da norma, assim, é apenas o ponto de partida da atividade hermenêutica. Como interpretar juridicamente é construir uma paráfrase, a interpretação gramatical obriga o jurista a tomar consciência da letra da lei e estar atento às equivocidades proporcionadas pelo uso das línguas naturais e suas imperfeitas regras de conexão léxica (FERRAZ JUNIOR, 2008, p. 253).
O texto normativo legal deve ser encarado não como fonte exclusiva do direito, e sim como uma das matérias-primas de que dispõe o jurista, ao lado da doutrina, da jurisprudência e dos costumes, por exemplo, para que possa realizar o direito. Todavia, em um sistema jurídico positivo, em que se busca conferir às relações sociais maior segurança jurídica possível, os textos normativos legais, de caráter geral e abstrato, e fruto da atividade legislativa desenvolvida pelos “legítimos representantes do povo”, sobressaem como ponto de partida da interpretação jurídica.
Ao iniciar a interpretação do texto normativo para que possa afastar a indeterminação do conceito jurídico atrelado a determinado termo, o jurista já possui em sua mente uma pré-compreensão dos possíveis sentidos que podem ser relacionados ao termo e daqueles que podem ligar-se aos demais termos conectados ao seu no contexto linguístico do texto. “Esta pré-compreensão refere-se à coisa de que o texto trata e à linguagem em que se fala dela” (KARL LARENZ, 1989, p. 244, apud GOUVEIA, 2000, p. 140).
A pré-compreensão está atrelada ao reconhecimento do ser humano como um sujeito histórico, inserido em uma tradição linguística e cultural, e que traz consigo suas próprias experiências e vivências de mundo (BITAR, 2002, p. 184-185; MELLO, 2004, p. 97-99; PAZÓ, 2004, p. 127-133; STRECK, 2014, p. 308-309), projetando-as no objeto cognoscível e no ato de interpretar (GADAMER, 1997, p. 402). Ela importa reconhecer e valorar toda a formação jurídica e pessoal de quem interpreta o texto normativo, segundo acentua Gouveia:
Mas tal pré-compreensão é um processo que traz para o discurso jurídico, de forma clara e inequívoca, a importância de toda a formação do decisor, considerando todos os conhecimentos adquiridos desde a mais tenra idade, todo o processo de aprendizagem, experiências profissionais e não-profissionais, dores, alegrias, emoções sentimentos. É o direito admitindo de forma clara e insofismável a entrada de elementos que não são obtidos diretamente da leitura do ordenamento jurídico. (GOUVEIA, 2000, p. 141)
Conforme já referido anteriormente, Karl Larenz (1997, p. 282-283) afirma que a compreensão das expressões contidas nos textos normativos pode ocorrer de modo imediato e irreflexivo, quando o sentido é compreendido pelo intérprete como algo não problemático, tendo em vista a crença de que há somente um possível sentido para aquele termo quando presente no contexto em que foi utilizado. Ou pode ser que se pense haver mais de um sentido possível, tornando-se problemática a questão da significação, pelo que deve ser realizada uma ação interpretativa para poder solucionar o problema das múltiplas significações.
Sobre a compreensão do sentido, apenas uma observação há de ser feita: problemática ou não a questão do sentido, toda compreensão é em si já uma interpretação (PAZÓ, 2004, p. 114; STRECK, 2014, p. 304). Karl Larenz reconhece que seria “um erro aceitar-se que os textos jurídicos só carecem de interpretação quanto surgem particularmente ‘obscuros’, ‘pouco claros’ ou ‘contraditórios’; pelo contrário, em princípio todos os textos jurídicos são susceptíveis e carecem de interpretação” (LARENZ, 1997, p. 283-284).
A interpretação envolve todo um conjunto de expectativas que os intérpretes têm sobre o objeto interpretado. São expectativas de sentido, “frente a um texto, todos nos encontramos em uma determinada expectativa de sentido imediata” (STRECK, 2014, p. 207). Esperamos que possamos reconhecer o sentido de um texto e que esse sentido seja conforme aquele que projetamos (GADAMER, 1997, p. 403). Não sendo possível, seja porque o sentido não nos aparece explicitamente de fácil compreensão, ou porque vai de encontro ao que esperávamos, nos é mostrada toda a riqueza de significação que a linguagem nos fornece:
Em geral tem-se de dizer que é somente a experiência do choque com um texto – seja porque ele não oferece nenhum sentido, seja porque seu sentido não concorda com nossas expectativas – o que nos faz parar e perceber um possível ser-diverso do uso da linguagem. (GADAMER, 1997, p. 403).
Segundo Gadamer (1997, p. 402), essa projeção inicial do sentido expande-se por todo o texto. Ao tomarmos como certo um sentido no ponto inicial da interpretação, imaginamos que ele se manterá até o final do processo. Contudo, ao irmos desenvolvendo o processo interpretativo, nós revisamos e reelaboramos essa projeção constantemente. Ela é o ponto de partida, mas nem sempre coincidirá com o de chegada:
Quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete perlineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifeste porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido (GADAMER, 1997, p. 402)
Essa projeção do sentido pré-concebido, em termos de linguística, nos é fornecida em um primeiro momento pela significação de base do signo linguístico ou dos signos que formam o termo, mas não só. Tomado o sentido do termo em seu contexto de significação, chegamos a uma concretização do conceito. A indeterminação, naquela situação, se esvai. Em uma futura interpretação do mesmo termo, já teremos adicionado ao pré-conceito que ele nos remete o conceito anteriormente concretizado. “No Direito ninguém dá a última palavra (interpretação): o fim sempre constitui um novo e eterno começo” (PASQUALINI, 1999, p. 24).
Podemos dizer que há um refinamento sucessivo da compreensão, como assevera Cleyson de Moraes Mello:
Não resta dúvida que o intérprete traz consigo opiniões prévias de sentido sobre algo e a verdadeira compreensão da coisa somente é alcançada a partir de refinamentos sucessivos onde o intérprete vai corrigindo suas opiniões prévias visando uma unicidade de sentido do todo (MELLO, 2004, p. 98).
Conforme preleciona Eduardo Bitar (2002, p. 184), essa circularidade em que partimos de noções pré-concebidas, passamos por um percurso gerativo do sentido e adicionamos o resultado, o conceito concretizado, àquele conjunto de pré-conceitos que tínhamos anteriormente, constitui um círculo hermenêutico:
Está formado, a partir desta ideia, o círculo hermenêutico, pois, se conheço as coisas a partir de “pré-conceitos”, estes passam a se incorporar às coisas de modo que quando conheço essas coisas conheço também “pré-conceitos”; à ciência é dado o dever de desvendar estes “pré-conceitos” que se arraigam às coisas (BITAR, 2002, p. 184).
Como exemplo podemos citar a questão da “relevância” e da “urgência” necessárias para a edição de uma medida provisória pelo Presidente da República. Nas situações em que se considera a existência da relevância e da urgência para que uma medida provisória seja editada, o significado contextual de cada um desses termos será adicionado ao conjunto de pré-conceitos a ser considerado em situações futuras, dentro da zona de certeza positiva, assim como figurarão na zona de certeza negativa aquelas situações que foram consideradas irrelevantes ou não urgentes.
Eduardo Bitar (2002, p. 188), citando Gadamer, afirma que para este o ser humano se relaciona com o mundo através de evidências que assimila. A relação é parcial, não completa, tendo em vista a limitação do ser humano em decorrência da sua finitude, historicidade e circunstancialidade, o que implica diretamente na impossibilidade de conferir neutralidade ao ato de interpretar:
Esta postura de Gadamer, que coloca claramente o conhecimento como algo condicionado às ideias de “pré-conceito” e de experiência, atenta contra o postulado maior das ciências desde o positivismo científico e filosófico do século XIX: a neutralidade do método (BITAR, 2002, p. 185).
Pela noção de “pré-compreensão” é valorizada a perspectiva histórica do ser humano. Um ser que existe no mundo, é herdeiro de sua tradição linguística e que tem suas próprias experiências, as quais são fatores de influência na atividade interpretativa:
Pode-se desde logo dizer que a experiência de mundo, a vivências das coisas, a existência histórica não estão excluídas do sistema de produção do conhecimento. Portanto, toda vez que me aproximo de um objeto, não o conheço, simplesmente, mas já o interpreto. Quando o faço, em verdade, dele permito aproximar-se um conjunto de outras preocupações ligadas à minha experiência de mundo. É exatamente este importe fenomenológico que será o fundamento para a construção de um conceito de experiência hermenêutica (hermeneutisch erfahrung) (BITAR, 2002, p. 183).
O resultado da atividade interpretativa, a conclusão a que chegamos, não pode ser tida como decorrente de um processo lógico de descobrimento ou clareamento do sentido (LARENZ, 1997, p. 283), mas antes como uma escolha do intérprete dentre os sentidos que lhes se apresentaram possíveis, conforme sublinha Karl Larenz:
O intérprete tem presente os diferentes significados possíveis de um termo ou de uma sequência de palavras e pergunta-se sobre qual é aqui o significado ‘correcto’. Para tal, interroga o contexto textual e o seu próprio conhecimento do objeto de que no texto se trata, examina a situação que deu origem ao texto ou ao seu discurso, assim como outras circunstâncias ‘hermeneuticamente relevantes’, que possam ser consideradas como indícios relevantes ao significado procurado. A conclusão a que chega não é uma conclusão logicamente vinculante, mas uma opção, devidamente fundamentada, entre diferentes possibilidades de interpretação. ‘Interpretar’ um texto quer dizer, portanto, decidir-se por uma entre muitas possíveis interpretações, com base em considerações que fazem aparecer tal interpretação como a ‘correcta’. (LARENZ, 1997, p. 283).
No mesmo sentido, confira-se as palavras de Cristina Grobério Pazó acerca do entendimento esposado por Hans-Georg Gadamer em Verdade e Método:
Gadamer identifica que não existe uma interpretação correta em si, pois a vida histórica da tradição gera interpretações sempre diferentes, e afirma que toda interpretação está obrigada a entrar nos eixos da situação hermenêutica do intérprete (PAZÓ, 2004, p. 112).
Ao lado das noções de pré-compreensão e círculo hermenêutico, Gouveia destaca que a sinépica é um importante instrumento de realização do direito. O autor explica que a sinépica é a análise das implicações que determinada decisão poderá acarretar na sociedade, de modo que “uma determinada solução do caso concreto poderá assim ser afastada diante da constatação evidente de que contraria o sistema pelas conseqüências nefastas que poderá acarretar” (GOUVEIA, 2000, p. 142-143)
Gouveia (2000, p. 159-163) cita o caso em que os Tribunais brasileiros passaram a afastar a presunção de violência prevista no tipo penal do estupro, quando a vítima tem idade não superior a quatorze anos, em duas hipóteses: quando não é possível prever a idade da menor e/ou quando esta trabalha em casa de prostituição. Esse afastamento da presunção de violência leva em consideração a interpretação do termo “vulnerável” ou “vulnerabilidade”. O autor faz a seguinte indagação:
Como condenar por um crime hediondo, como o estupro, todo aquele indivíduo que freqüentou a casa de prostituição e manteve relações sexuais com aquela prostituta menor de 14 anos? Não poderiam os tribunais e seus componentes, em paz com suas consciências, fazê-lo. Mesmo considerando-se um absurdo a prostituição e ainda mais a de uma menor de 14 anos, o fato existe e não pode ser punido como os demais casos comuns. E alguns tribunais conseguiram, dentro do próprio sistema, utilizando-se da sinépica, ou de uma interpretação teleológica-axiológica notável, solucionar o problema e evitar uma insuperável injustiça. (GOUVEIA, 2000, p. 161-162).
Apesar de a hermenêutica jurídica clássica disponibilizar diversos “métodos de interpretação” (gramatical, histórico, teleológico, por exemplo) para serem usados no percurso gerativo do sentido, a interpretação jurídica não pode ser enclausurada em padrões objetivistas, posto que fatores diversos influem na compreensão e atribuição dos sentidos.
Para Hans Kelsen (apud GOUVEIA, 2002, p. 49-52), a atividade interpretativa é indispensável quando da aplicação do direito, “por mais inequívoco que seja o significado da norma”, não sendo possível falar em uma única interpretação correta do texto normativo, mas em interpretações que estariam à disposição do julgador para que, utilizando-se de alguma delas, crie a norma individual a incidir no caso a partir da moldura normativa que dispõe.
Os métodos da hermenêutica clássica, ainda que não reflitam o processo de compreensão e atribuição do sentido, ao menos servem-nos como forma de argumentar e fundamentar as decisões judiciais, conforme explanaremos logo mais.
Relembrando o que foi dito no capítulo anterior, há nos discursos, incluindo aqui o discurso jurídico determinante do sentido atrelado a termos cujos conceitos são indeterminados, uma forte presença de fatores ideológicos a influir em sua construção (WARAT, 1995, p. 46; BARROS, 2000, p. 53). A linguagem é usada persuasivamente para que possa conquistar a aderência daqueles a quem o discurso é dirigido.
Ainda que seja recorrente a tentativa de determinar uma hierarquia entre os métodos interpretativos, conforme veremos, aqueles que tentaram fixa-la têm falhado até hoje, sendo reconhecido que os métodos interpretativos são “ferramentas do decisor que determinariam a área de soluções justificáveis, evitando-se soluções estranhas ao sistema jurídico”, apesar da impossibilidade de construção de uma fórmula universal de interpretação que sirva a todo e qualquer caso (GOUVEIA, 2000, p. 131-136).
A questão da indeterminação dos conceitos jurídicos, atrelada à atividade criativa dos juízes e à impossibilidade de fixação de uma hierarquia e um critério universal de aplicação dos métodos interpretativos leva-nos ao problema da insegurança jurídica e da fundamentação das decisões judiciais.
3.2 Realização do Direito e Segurança Jurídica
Há situações da vida e relações sociais que reclamam maior segurança jurídica para que se desenvolvam plenamente. A fixação dos significados de antemão, a utilização de termos mais precisos, às vezes com os significados delineados no próprio texto normativo, se torna imperiosa. Diversos subsistemas jurídicos, como o do Direito de Empresa, o Financeiro, o Tributário e o Marítimo, por exemplo, são campos mais propensos para a inserção de termos dotados de maior certeza e precisão conceitual. São áreas do Direito mais ligadas ao aspecto financeiro da vida e que interferem diretamente nos investimentos que podem ser realizados na economia de um Estado, reclamando segurança jurídica redobrada.
Quando tratamos das normas penais incriminadoras não é diferente, uma vez que refletem em um dos direitos subjetivos mais valiosos do ser humano, sua liberdade, disciplinando o agir social ao definir quais condutas devem ser penalmente reprimidas para propiciar um sadio convívio em sociedade. O sentido do texto normativo deve ser o mais preciso possível.
Contudo, ainda no campo do direito penal, encontraremos casos em que o direito-dever do Estado de punir quem praticou a conduta tida como delituosa vai de encontro à proteção dada a direitos outros, sejam eles de quem cometeu o fato ou de outrem, a exemplo da legítima defesa e da legítima defesa de terceiro. Podemos falar assim nas excludentes de ilicitude, como as anteriormente citadas, e nas excludentes de culpabilidade. Em casos tais, diversamente dos textos normativos que veiculam normas penais incriminadoras, o uso de termos conceitualmente abertos possibilita uma análise maior das hipóteses de aplicação das excludentes, permitindo sua extensão a casos que o legislador poderia não prever se usasse regras rígidas, baseadas em uma linguagem artificial.
Não só perante as excludentes ocorre a criação do direito pelos juízes no âmbito do direito criminal. Lúcio Grassi de Gouveia cita que acerca do termo “motivo fútil” existe ampla margem de trabalho para que os magistrados determinem o alcance da norma penal incriminadora, ainda que a legalidade estrita seja marca deste tipo normativo (GOUVEIA, 2000, p. 151-152).
Conforme assevera Paulo Nader (2012, p. 119), o conceito de segurança jurídica é por muitos concebido como equivalente à certeza do direito consubstanciada no respeito à literalidade do texto normativo legal, herança herdada das primeiras escolas positivistas com o apego à codificação.
Em geral, à ideia de segurança jurídica vem atrelada uma concepção rígida de separação dos poderes, segundo a qual apenas ao Legislativo caberia a atividade criativa do direito, ficando resguardado ao Judiciário a mera aplicação das normas editadas pelos “legítimos representantes do povo”, não sendo lícito inovar na ordem jurídica (CARVALHO, s. d., p. 101)
Embora se possa afirmar que a doutrina da separação dos poderes remete à Antiguidade Clássica (século VIII a.C – século V d.C.), a atual e mais difundida versão da teoria é atribuída a Montesquieu (NOJIRI, 2005, p. 125-127). Foi o referido pensador o responsável por difundir a noção de que ao juiz caberia apenas ser “a boca que pronuncia a lei”, um mero autômato responsável por aplicar o direito posto pelo legislador.
A par disso, é preciso reconhecer que o contexto histórico em que forjada a teoria estava inserido no período de uma França pré-revolucionária, donde a classe dos juízes estava intimamente ligada à Monarquia do Antigo Regime, quase que inexistindo limites e controle sobre a atividade exercida pelos magistrados:
A ruptura institucional da revolução gerou uma desconfiança profunda do Poder Legislativo – agora e pela primeira vez detentor de força sobre as decisões do Estado – em relação ao Judiciário. A magistratura da época era vista como “nobreza de toga”, além de ser reconhecida por vender decisões e funções públicas em troca de favorecimentos reais. Como consequência disso, houve um choque entre a forte ideologia liberal da revolução e uma magistratura umbilicalmente ligada ao Ancien Régime; enquanto os juízes tendiam sempre a apoiar a aristocracia, os burgueses tomavam o poder de forma rápida e crescente (SCHMITZ, 2015, p. 54).
Teresa Arruda Alvim Wambier (apud NOJIRI, 2005, p. 135-136), vê na doutrina da separação dos poderes difundida na França Revolucionária e sustentada ainda nos dias atuais uma nítida presença ideológica de dominação:
Como se afirmou, todavia, a vinculação do juiz à lei se tem dado, em diversos momentos históricos, de modo diferente. As decisões já não mais podem ser consideradas como resultado imediato e automático da aplicação do texto legal. A idéia de que a sentença judicial surge claramente e sem vacilação da norma codificada se pode dizer que hoje estaria absolutamente superada. Assim, a idéia de que a sentença decorreria automaticamente da lei foi substituída por outra idéia, a de que o juiz exerce função, até certo ponto e em certa medida, criativa em relação à lei. Esta substituição de idéias, na verdade, consistiu no abandono de uma visão simplista do fenômeno decisório judicial para uma visão realista, e a relação entre sentença e o texto da lei, não sendo tão óbvia quanto antigamente, tem gerado polêmicas e profundas discordâncias em todo o mundo ocidental. Em realidade, quando nos referimos a visão simplista, não queremos significar ingênua, porque a adscrição do juiz à letra da lei correspondia a propósitos lucidamente imaginados e realizados, pela revolução burguesa, com vistas a alcançar o objetivo de dominar os parlamentares, e, a partir daí – mercê do instrumento lei – dominar a todos da sociedade. Os juízes, neste contexto, não eram senão a boca da lei. Restavam rigidamente submetidos à lei, e, esta, a seu turno, representavam a vontade da burguesia. (WAMBIER apud NOJIRI, 2005, p. 135-136).
É da tradição herdada dos opositores ao Antigo Regime, com medo do arbítrio que poderia ser exercido pelos juízes caso lhes fossem concedidos “poderes indesejados” (NOJIRI, p. 135) que se sustenta a ideia de um magistrado cuja tarefa primordial é a mecânica aplicação da letra da lei, negando-lhe participação no processo criativo do direito.
Soma-se a tudo isso, como bem acentua Sergio Nojiri (2005, p. 130-132), o pensamento de que a lei, resultante da atividade legislativa levada a cabo pelos “legítimos representantes do povo”, seria a expressão da “vontade geral”.
Ao comentar sobre a crescente atuação do Judiciário em matéria de políticas públicas, Carvalho (s. d., p. 44-46) avalia que se atribui legitimidade às decisões tomadas pelo Legislativo, e também às tomadas pelo Executivo, em decorrência de um suposto controle da atuação de seus membros através do voto popular. Contudo, ainda segundo Carvalho, esse argumento cai por terra a partir do momento no qual se verifica que, a despeito da escancarada mistura efetivada entre a esfera pública e a privada, e do constante envolvimento de seus membros em escândalos que chegam ao conhecimento do povo através dos meios de comunicação em massa, ainda são os mesmos sujeitos de uma seleta casta a ocupar grande parte do espaço político nacional, sobrevivendo ano após ano ao alarmado “controle popular através do voto”.
Todavia, ainda que pela clássica teoria da separação das funções fosse defendida a mínima atuação do judiciário, foi a partir dela que se desenvolveu a ideia de que as funções estatais deveriam servir como parte de um sistema de freios e contrapesos, de forma a “estabelecer um mecanismo de equilíbrio e recíproco controle entre os poderes” (NOJIRI, 2005, p. 127-128).
Como já afirmado anteriormente, ao perquirir quais os motivos levaram o legislador a editar enunciados normativos com emprego de termos que encerram conceitos jurídico indeterminados, a resposta obtida foi a de que essa foi uma opção deliberada dos legisladores, que desejaram conferir ao ato de aplicação do direito maior carga criativa deste, possibilitando que peculiaridades do caso concreto sejam mais fortemente levadas em consideração para que se atribua significado ao texto normativo, isto é, para que o direito seja realizado.
Assim, o uso de termos cujos conceitos são indeterminados permite dar ao sistema jurídico a maleabilidade necessária para que possa acompanhar de perto as modificações sociais, sem que com isso seja necessária uma constante modificação do texto das leis, uma vez que quando da tomada de decisão em um caso concreto, o direito aplicado ou realizado será o direito conforme a sociedade atual, não um direito imutável que remonte à sociedade em que fora editado o enunciado normativo.
Em conclusão, a ideia de que apenas o Legislativo teria legitimidade para atuar no processo de criação do direito por ser composto por membros eleitos através do voto popular, suposto meio de controle da atividade realizada nas Casas Legislativas, não pode mais ser sustentada na atualidade. A questão da segurança jurídica e da legitimidade das decisões tomadas no âmbito do Judiciário deve ser entendida sob o enfoque da fundamentação das decisões e do respeito aos precedentes judiciais.
3.3 Fundamentação das Decisões Judiciais
Chaïm Perelman (1998, p. 96-98) cita uma situação bastante curiosa que ocorria no Tribunal de Primeira Instância de Château-Thierry entre os anos de 1889 e 1904. Baseado nos escritos de François Gény, constantes da segunda edição de Méthode d’interprétation et sources en droit privé positif: essai critique, que denunciou as atitudes do presidente daquele Tribunal de Primeira Instância, Perelman narra a história do juiz Magnaud. Em suas palavras, este magistrado acreditava ser a encarnação do Direito, uma vez que seus julgamentos eram fundamentados em normas erigidas de seus juízos de valores mais íntimos, sendo o Direito somente aquilo que o juiz achava que era.
A passagem a seguir transcrita da obra de Perelman traduz muito bem a problemática de se conferir amplos poderes de criação do direito a pessoas que inescrupulosamente abusam deles:
O presidente Magnaud queria ser “o bom juiz, clemente para com os miseráveis, severo para com os privilegiados”. Não se preocupava com a lei nem com a doutrina, nem sequer com a jurisprudência, comportava-se como se fosse a encarnação do direito: “É a apreciação subjetiva”, escreve Gény, “que domina e anima, ao mesmo tempo, todo o processo de julgamento do presidente Magnaud. Ele pretende ver, por si mesmo e à primeira vista, o motivo da decisão. E, se recorre à lei, é para apreciar-lhe o valor segundo seu juízo pessoal. Assim, critica do alto e sem medir palavras a jurisprudência estabelecida que não corresponderia a suas opiniões pessoais. Entretanto, mais grave ainda, essa apreciação subjetiva consiste apenas em considerações vagas, mais aptas a tocar o sentimento do que a firmar a razão, e que é, de qualquer modo, impossível de condensar, quer em princípios firmes, quer em meios práticos, constitutivos, em seu conjunto, de um sistema bem articulado” (PERELMAN, 1998, p. 97-98).
Como bem afirma Carlos Maximiliano (2003, p. 68-69), após dedicar algumas palavras ao que ele chamou fenômeno Magnaud, “quando o magistrado se deixa guiar pelo sentimento, a lide degenera em loteria, ninguém sabe como cumprir a lei a coberto de condenações forenses”.
É grande a problemática envolvida no modo de agir do citado magistrado, pois a incerteza do direito imposta às pessoas em geral a partir de seus julgados acaba por limitar o desenvolvimento de diversas relações jurídicas. Os sujeitos ficam cada vez mais acuados em suas ações, sem saber se elas, na concepção de quem poderia futuramente julgar um litígio que as envolvam, seriam juridicamente aceitas ou não.
Todos os dias os seres humanos sujeitam-se a diversas relações jurídicas. Participar de relações jurídicas é algo imanente à vida em sociedade, mas a partir do momento em que damos aos juízes amplos poderes de criação do direito sem que com isso haja o devido controle sobre as decisões, viver nessa sociedade se torna algo perigoso, comparado a um jogo de “roleta russa”, ou loteria da morte, na qual o sujeito realiza suas ações sem saber exatamente o que lhe espera.
Porém, é necessário reconhecer que discricionariedade não significa arbítrio. A textura aberta do direito, que confere discricionariedade ao reconhecer que o enunciado normativo é construído a partir da linguagem natural e que a impossibilidade de o legislador prever todas as situações da vida leva-o a adotar termos que nos remetem a conceitos indeterminados, não pode ser vista como algo a ser combatido. A textura aberta da linguagem (e) do Direito deve ser compreendida para que possa ser bem trabalhada.
Discricionariedade, nos termos aqui trabalhados, significa escolha, mas é uma escolha juridicamente guiada. Uma escolha entre diversas possibilidades significativas, uma escolha sobre qual caminho seguir no percurso gerativo do sentido. Não se trata de uma escolha realizada arbitrariamente pelo intérprete. O poder criativo do juiz não é ilimitado, consoante afirma Antonio Cappi e Carlo Crispim Baiocchi Cappi:
As excentricidades dos Juízes se equilibram. Um juiz considera os problemas do ponto de vista da história, outro da filosofia, outro da utilidade social; um é formalista, outro demasiado liberal; um tem medo de mudança, outro está descontente com o presente; apesar do atrito dos diversos espíritos, atinge-se um grau de constância e de uniformidade (...) o juiz, mesmo quando livre, não o é totalmente. Ele não pode inovar a seu bel-prazer. Não é um cavaleiro-errante, vagando à vontade em busca de seu próprio ideal de beleza ou de bondade (...) não deve ceder ao sentimento espasmódico, à benevolência indefinida e desgovernada (CARDOZO, 1978, p. 128-157, apud CAPPI et al, 2004, p. 548-549).
É o próprio sistema jurídico que limita o poder criativo dos juízes. Entendido o sistema jurídico como um sistema autopoiético (GUERA FILHO, 1997, p. 66), as decisões judiciais hão de se adequar às regras do sistema para que sejam válidas, para que tenham normatividade. O sistema jurídico, segundo a teoria dos sistemas autopoiéticos, é um sistema operativamente fechado, o que significa que ele trabalha a partir de suas próprias regras:
O sistema jurídico, enquanto autopoiético, é fechado, logo, demarca seu próprio limite, auto-referencialmente, na complexidade própria do meio ambiente, mostrando o que dele faz parte, seus elementos, que ele e só ele, enquanto autônomo, produz, ao conferir-lhes qualidade normativa (=validade), e significado jurídico às comunicações que nele, pela relação entre esses elementos, acontecem (GUERRA FILHO, 1997, p. 66).
Entretanto, isso não significa que o sistema jurídico exista em isolamento quanto ao ambiente circundante (sistema social em sentido amplo) e aos demais subsistemas parciais da sociedade, como o político e o econômico. O fechamento operacional importa reconhecer que somente o sistema jurídico e nenhum outro sistema poderá determinar o que entra e o que fica de fora dele, o que faz separando o relevante do irrelevante para o mundo jurídico, através do código binário lícito e ilícito:
Desempenhando a função de reduzir complexidade em um mondo que atesta as limitações dos instrumentos jurídicos utilizados pelo Estado social, o direito realiza a estabilização das possibilidades por ele próprio admitidas de acordo com a atuação de seu código binário (lícito/ilícito). (GUERRA FILHO, 1997, p. 120).
Um importante instrumento de combate ao arbítrio de alguns magistrados é o dever de fundamentação das decisões judiciais, previsto em nossa Constituição Federal no art. 93, inciso IX.
Em nosso país, o dever de fundamentação das decisões judiciais não é algo que surgiu a partir da Constituinte de 1988. As preocupações com o porquê das decisões tomadas no âmbito do Judiciário remontam, na história recente do Brasil, à Decisão nº 78 de março de 1824, in verbis:
N. 78. – JUSTIÇA. – EM 31 DE MARÇO DE 1824
Determina que os Juizes fundamentem as sentenças que proferirem.
Desejando S. M. o Imperador que os subditos deste Imperio comecem desde já a gozar de todas as vantagens promettidas na sabia Constituição, ha pouco jurada, e sendo uma das principaes a extirpação dos abusos inveterados no fòro, cuja marcha deve ser precisa, clara, e palpavel a todos os litigantes: Manda o mesmo A. S., pela Secretaria de Estado dos Negocios da Justiça, que os Juizes de mór alçada, de qualquer qualidade, natureza, e graduação, declarem nas sentenças, que proferirem, circumstanciada e especificadamente, es razões, e fundamentos das mesmas, e ainda nos aggravos chamados de petição, não só por ser isto expressamente determinado no § 7° da Ord. do Li v. 3°, Tit. 66, como por ser conforme ao liberal systema ora abraçado ; afim de conhecerem as partes as razões, em que fundaram os julgadores as suas decisões ; alcançando por este modo ou o seu socego, ou novas bases para ulteriores recursos, a que se acreditarem com direito. E assim o Manda, pela referida Secretaria de Estado, participar no Conde Regedor da Casa da Supplicação, ou quem seu cargo servir, para que expeça a este respeito as convenientes ordens.
Palacio do Rio de Janeiro em 31 de Março de 1824.- Clemente Ferreira França. (BRASIL, 1886, pág. 57).
A Decisão Nº 78 da Secretaria de Estado dos Negocios da Justiça do Império Brasileiro parece captar bem a finalidade almejada ao estabelecer o dever de fundamentação das decisões judiciais: a) coibir abusos decisórios, como o que ocorria no caso do juiz Magnaud na França; e b) garantir às partes a possibilidade de conhecerem os motivos que levaram à decisão tomada pelo magistrado, podendo escolher conformar-se com eles ou utilizá-los como base para a interposição de recursos, mostrando o que entende equivocado e como deveria ter sido decidido.
No Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), há dispositivo específico tratando da fundamentação quando utilizado algum termo cujo conceito jurídico é indeterminado. Diz o inciso II do parágrafo único do art. 489 que não se considera fundamentada a decisão judicial que “empregar conceito jurídico indeterminado, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso”
Leonard Ziesemer Schmitz sublinha que o dever de fundamentação das decisões judiciais é uma forma de o Judiciário prestar contas à sociedade acerca de sua atividade. Esse prestar contas é direcionado a toda a sociedade, a todos aqueles que desejem tomar conhecimento das motivações que levam os juízes a decidir os casos concretos como decidem, e não apenas às partes envolvidas no litígio submetido à apreciação do Estado-juiz:
É a isso que comumente se refere a doutrina como um possível controle externo da motivação das decisões judiciais. Fala-se da possibilidade de verificação do conteúdo da decisão não apenas pelas partes vencedora e sucumbente, mas por quem quer que seja (SCHMITZ, 2015, p. 212).
Se a legitimidade das decisões tomadas no âmbito do Legislativo pode ser justificada pelo controle popular exercido mediante o voto, é a fundamentação que conferirá legitimidade às decisões judiciais:
Neste ponto, é preciso superar definitivamente a ideia de que uma decisão legítima seria aquela proferida por um intérprete autêntico – assim compreendido aquele investido de jurisdição. A legitimidade dá-se pela fundamentação, e não pela imposição de vontade (SCHMITZ, 2015, p. 213).
Ainda que a prestação de contas, o dever de fundamentar, seja direcionada a todos, isso não significa que qualquer pessoa poderia intervir no processo para recorrer das decisões que reputar incorretas. Neste sentido, a lição de Schmitz:
O prestar de contas não significa necessariamente que alguém, alheio a uma lide individual, vá exercer alguma espécie de correção da decisão; a ideia de controle externo é uma construção decorrente das exigências constitucionais feitas ao Judiciário. Em outras palavras, o controle da fundamentação pela sociedade, embora seja uma ficção, é uma ficção da qual depende a legitimidade das decisões jurisdicionais (SCHMITZ, 2015, p. 214).
Conquanto não exista uma forma correta de fundamentar, entendemos que os “métodos de interpretação” que a doutrina nos fornece são ferramentas úteis à disposição intérprete para que possa, de forma argumentativa, defender a conclusão a que chegou.
3.4 Argumentando através dos “Métodos de Interpretação”
Entendemos, assim como Michel Troper (2005, p. 130), que os “métodos de interpretação” que a hermenêutica jurídica clássica nos fornece não podem ser tidos como fórmulas ou meios pelos quais podemos chegar à única resposta certa em termos interpretativos.
Os métodos ou cânones de interpretação, conforme a hermenêutica jurídica clássica ensina, são diretrizes interpretativas (SCHMITZ, 2015, p. 90). Ferraz Junior (2008, p. 252) diz que “os chamados métodos de interpretação são, na verdade, regras técnicas que visam à obtenção de um resultado. Com elas procuram-se orientações para os problemas da decidibilidade dos conflitos”.
Trataremos os consagrados “métodos de interpretação” como métodos argumentativos, modificando a nomenclatura clássica a eles conferida. Mas qual diferença isso resultará? A diferença mais sensível, à primeira vista, é que podemos deixar de fazer uma crítica que não aponta soluções e apenas condena o que já está posto, isto é, a utilização dos métodos como uma forma de argumentação, e passamos a reconhecer essa possibilidade para melhor trabalharmos com ela.
A utilização dos métodos é antes de mais nada um justificar. Justificar o que nos levou a determinada conclusão acerca de qual é a norma a incidir no caso concreto. É o justificar do raciocínio que o intérprete desenvolveu em sua atividade, qual o caminho percorrido para a atribuição de sentido ao texto normativo e aos termos que encerram conceitos jurídicos indeterminados.
Podemos argumentar a favor de uma significação atribuída ao texto normativo indo buscar em documentos históricos quais as discussões travadas na casa legislativa acerca de determinado projeto de lei que resultou na promulgação daquela lei interpretada; ou analisar a forma como os elementos textuais, os signos linguísticos, são dispostos no enunciado normativo, a conexão que os signos e os enunciados estabelecem entre si, tomando o ordenamento jurídico como um todo sistemático onde as normas devem ser harmonicamente relacionadas.
Lenio Luiz Streck (2004, p. 37-38) ensina que não é possível falar na existência de um momento em que se decide e outro no qual busca-se a fundamentação. A fundamentação já existe e passou a existir em momento concomitante com a tomada de decisão, o fundamentar é explicar, explicitar a decisão e defende-la:
Com efeito, a partir de um olhar hermenêutico, é possível afirmar, entre outras coisas, que o julgador não decide para depois buscar a fundamentação; ao contrário, ele só decide porque já encontrou o “fundamento”. Na verdade, àquilo que chamam de “fundamento” nada mais é do que a explicitação de um standart (vetor) de racionalidade de segundo nível, de caráter argumentativo. Ora, pretender alçar a retórica e/ou a argumentação a um status de “condição de possibilidade” do “processo interpretativo” nada mais é do que uma derivação da (velha) dualidade metafísica que sustenta a busca da verdade a partir da revolução moderna do método, no momento em que o método passa a representar o modo de resolução do problema de conhecimento, problemática que ex-surge com a passagem da filosofia como problema do conhecimento para uma metafísica do conhecimento (STRECK, 2004, p. 37-38) (grifos no original).
Interpretar, como visto nas páginas anteriores, não é conhecer o sentido posto do texto normativo. Não conhecemos simplesmente um objeto, atribuímos-lhe um significado. O sentido do texto normativo não é apreendido, mas atribuído pelo intérprete, e interpretar é significar, seguir no percurso gerativo do sentido e realizar o direito (BITAR, 2002, p. 183). Houvesse um sentido fixo inerente ao texto, seria desnecessário interpretá-lo.
Se tomarmos a intepretação como atribuição de sentido, os “métodos interpretativos” nada mais são que uma forma de argumentar acerca do percurso gerativo do sentido que seguimos, e ainda que todos os pormenores não sejam explicitados na fundamentação da decisão, ainda que diversos fatores subjetivos possam ser encobertos sob a capa da objetividade conferida pela argumentação jurídica, é essa argumentação e fundamentação que nos dará um mínimo de segurança. Uma segurança no sentido de que não devemos concordar ou discordar de aspectos subjetivos não explicitados, mas do que foi posto na sentença como fundamento. Analisamos a fundamentação para que com ela concordemos ou dela discordemos, e eventual recurso contra a decisão será pautado não nos fatores subjetivos não explicitados do decisor, mas sim no que podemos depreender da análise da fundamentação da decisão.
Ao expor qual método argumentativo pode ser utilizado para justificar o sentido atribuído ao texto normativo não estamos demonstrando como se pode chegar ao “correto” sentido do texto, mas argumentando como chegamos àquele sentido e não a outro. Estamos justificando a interpretação que adotamos. Não há uma interpretação verdadeira ou uma melhor interpretação, mas possibilidades interpretativas que possam parecer-nos mais ou menos adequadas (TROPER, 2005, p.130).
Michel Troper (2005, p. 130) fala da existência de quatro “métodos interpretativos”, que, como já sublinhado, serão denominados métodos argumentativos, são eles: semiótico, sistemático, funcional e genético.
O método semiótico de argumentação relaciona-se à linguagem empregada na construção dos textos normativos e à significação que as palavras presentes nestes assumem tanto na linguagem ordinária quanto em outra linguagem técnica porventura tomada de empréstimo pelo legislador (TROPER, 2005, p. 130).
O que Michel Troper denomina método semiótico, Ferraz Junior chama de método gramatical, e assinala:
Ao valer-se da língua natural, o legislador está sujeito a equivocidades que, por não existirem nessas línguas regras de rigor (como na ciência), produzem perplexidades. Se a norma prescreve: “a investigação de um delito que ocorreu num país estrangeiro não deve levar-se em consideração pelo juiz brasileiro”, o pronome que não deixa claro se se reporta a investigação ou a delito. Outro exemplo: “o exame da mercadoria, quando indispensável para a confecção do produto, deverá ocorrer à vista do fornecedor”; como o adjetivo indispensável não flexiona, pode-se ficar na dúvida sobre se a condição de indispensabilidade refere-se a exame ou a mercadoria (FERRAZ JR. 2008, p. 253) (grifos no original).
Leonardo Ziesemer Schmitz faz a seguinte crítica à utilização do método gramatical:
Na realidade, crer que o exame das palavras (signos linguísticos) de um texto revelará de pronto o sentido aplicável do direito é uma consequência direta da ideia do Código Napoleônico de 1804, que no imaginário jurídico era perfeito e completo, quase sagrado. É uma nítida concepção de norma em abstrato, e em verdade não se trata sequer de interpretação, senão de mero exercício de semântica.
(...)
Interpretar “literalmente” um dispositivo é uma proposição tão vaga (já que nem mesmo a sintaxe e a gramática são unívocos campos do conhecimento) que desemboca na possibilidade de o método gramatical ser invocado quando o seu resultado for favorável àquilo que deseja o intérprete. É imprescindível concluir que a extração dos sentidos a nível sintático-semântico é uma atividade que merece ser superada (SCHMITZ, 2015, p. 91-92)
Todavia, reconhece Schmitz (2015, p. 92-93) a importância do método gramatical como ponto de partida para a realização do direito e sua utilidade como ferramenta para a delimitação do que está fora do âmbito normativo daquele enunciado ao fixar “os contornos externos do sentido de uma determinada proposição textual”. Através do método gramatical podemos, em parte, definir quais conceitos ficam dentro da zona de certeza negativa, isto é, que não podem se relacionar ao termo:
O que ocorre é que a “interpretação gramatical” serve, minimamente, para fixar os limites, os contornos externos do sentido de uma determinada proposição textual. Essa é a chamada função negativa das regras gramaticais, pois servem para excluir hipóteses, remetendo à moldura semântica do positivismo. Quer dizer, analisar qualquer regra de direito a partir da perspectiva gramatical auxilia, ao menos, na delimitação daquilo que não é possível concluir a partir da interpretação. Em outras palavras, a gramática não se contrapõe ao direito. Não existe uma “opção: gramática ou direito. A gramática é um veículo expressivo, geral do direito. O método gramatical, por consequência, existe sempre” (SCHMITZ, 2015, p. 92-93).
Tomando o ordenamento jurídico como um sistema harmônico, donde os textos normativos devem ser tidos como parte de um todo e não como individualidades, chegamos à argumentação sistêmica ou sistemática, que “tem como objetivo esclarecer um fragmento do texto por outro ou mesmo por outro texto” (TROPER, 2005, p. 130). “A pressuposição hermenêutica é a da unidade do sistema jurídico do ordenamento” (FERRAZ JUNIOR, 2008, p. 256). O sistema jurídico não é tido como um conjunto de enunciados soltos, mas como uma organização sistemática e harmônica de normas, ou de enunciados dotados de normatividade, se considerarmos que a norma está ainda por fazer quando da interpretação e aplicação a um caso, quando da realização do direito (GOUVEIA, 2000, p. 173).
A respeito da argumentação sistemática, destacamos a importante lição de Tercio Sampaio Ferraz Junior:
A primeira e mais importante recomendação, nesse caso, é de que, em tese, qualquer preceito isolado deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo. Portanto, nunca devemos isolar o preceito nem em seu contexto (a lei em tela, o código: penal, civil etc.) e muito menos em sua concatenação imediata (nunca leia só um artigo, leia também os parágrafos e os demais artigos). De modo geral, por exemplo, a questão de saber se uma lei pode, sem limitações, criar restrições à atividade comercial e industrial de empresas estrangeiras, leva o intérprete a buscar, no todo (sistemático) do ordenamento, uma noção padrão de empresa nacional e seu fundamento nas normas constitucionais. Assim, diante de uma lei que de fato estabelecesse tais restrições, é preciso saber se a Constituição, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e discriminar, ela própria, alguns casos em que o princípio se vê excepcionado (por exemplo, a propriedade e administração de empresas de TV, rádio e jornalísticas é vedada a estrangeiros), cria algum princípio geral sobre as exceções autorizadas. Portanto, se se puder dizer que, quando a constituição excepciona a regra geral da igualdade, elege como qualidades da empresa a nacionalidade de proprietários e dirigentes, a nacionalidade do capital, a nacionalidade dos trabalhadores, a nacionalidade da orientação intelectual e tecnológica, a intepretação sistemática dirá que nenhuma lei (por pressuposto, subordinada à constituição) poderá criar uma nova qualidade (por exemplo, a nacionalidade da matéria-prima utilizada na produção) para restringir a atividade de empresas estrangeiras (FERRAZ JR., 2008, p. 257).
Seguindo pelo caminho da investigação da finalidade do texto normativo, o método empregado é o funcional ou teleológico. Segundo Troper (2005, p. 130), deve-se buscar qual a função que o legislador desejou alcançar com a edição daquele texto. O método teleológico, segundo Leonardo Ziesemer Schmitz (2015, p. 99), difere-se do exegético, posto que este se relaciona à “vontade do legislador” e aquele à “vontade da lei”. Entende-se que, após os trabalhos legislativos, o texto normativo assume uma identidade própria:
De certa maneira, essa ideia dá um passo à frente em relação à exegese: admite que a lei, consubstanciada em um texto, desvincula-se de quem a criou, e perde qualquer sentido dado originalmente com pretensão universalizante. No entanto, a teleologia recai em outro equívoco, igualmente ou ainda mais grave, pois acredita que o intérprete para chegar ao sentido da norma deveria transformar o texto normativo em um ente próprio, dotado de um único e pré-concebido sentido. A obra do legislador é substituída pela lei em si, ela mesma portadora de uma finalidade própria (SCHMITZ, 2015, p. 99).
A argumentação genética, por fim, nos dizeres de Michel Troper (2005, p. 130), “se funda num conhecimento da vontade real do autor do texto, tal como podemos reconstituí-la, como, por exemplo, por meio de trabalhos preparatórios”. Por interpretação genética devemos entender aquela que busca a gênese do texto. Se for um texto de lei, o intérprete analisará em documentos históricos quais foram as discussões travadas quando da apreciação do projeto de lei. A gênese do texto normativo legal é o projeto de lei e a “vontade real do autor do texto” é a externada quando da discussão deste projeto na casa legislativa.
A crítica, mais uma vez, parte de Leonardo Ziesemer Schmitz (2015, p. 94-96). Para o autor, a ficção da “vontade do legislador” é utilizada para encobrir a própria vontade de quem decide. Sob o manto da legitimidade democrática, uma vez que o legislador é visto como “tradutor cristalino da vontade democrática” do povo, recorre-se à ficção de que se está decidindo conforme quis o legislador:
No entanto, o procedimento lógico de busca por essa vontade é apenas uma tentativa de expor em termos racionais uma compreensão que, na consciência do intérprete, já ocorreu: a decisão já foi tomada, e a justificativa se escora na legitimidade democrática de que goza o Poder Legislativo. Em outras palavras, o argumento do método exegético é que não foi meramente o julgador que assim entendeu; foram os parlamentares, esses sim detentores dos verdadeiros sentidos das normas jurídicas. Há aqui a ficção de se equiparar o legislador a um oráculo de sentidos (SCHMITZ, 2015, p. 94).
Questão recorrente, citada por Ferraz Junior (2008, p. 263), é que por vezes o intérprete percebe que não há como se dar por satisfeito após o uso de um dos “métodos de interpretação”, o que o leva a conjugar dois ou mais métodos para que possa realizar o direito como reputar adequado.
Sendo a interpretação uma atividade complexa que não se dá de forma objetiva, mas sim leva em consideração a condição histórica do hermeneuta, sua finitude, circunstancialidade, o fato de estar inserido em uma cultura linguística carregada de pré-compreensões, de expectativas de sentido etc., a busca por um “método interpretativo”, que na verdade é apenas argumentativo, posto que a interpretação já foi realizada, restando apenas explaná-la, redunda na utilização de diversos métodos para que se chegue ao resultado esperado.
Isso é possível porque nem sempre as respostas obtidas se mostram conclusivas, podendo gerar ainda mais dúvidas, além do que a escolha pelo uso de determinado método não importa taxar os demais como formas erradas de proceder à “autêntica interpretação” do texto normativo.
Inexiste interpretação certa ou errada, mas sim interpretação mais ou menos adequada sob a perspectiva de quem realiza a atividade interpretativa. Insistimos nisso: interpretar é atribuir sentido, atribuição que é feita através de escolhas entre diversas alternativas significativas que se apresentam.
Diversos são os métodos que podem ser empregados pelos juristas para tentar explicar de forma mais ou menos objetiva o processo de atribuição de sentido aos textos normativos. Contudo, já sublinhamos que não há ou ao menos ainda não foi possível elaborar uma fórmula universal de interpretação que possa ser usada para decidir todo e qualquer caso, assim como inexiste hierarquia entre os métodos de interpretação.
Eles são ferramentas a serviço do decisor para que possa explanar em sua decisão qual o caminho percorrido na geração do sentido (GOUVEIA, 2000, p. 131-136). Essa explanação, fazendo parte da fundamentação da decisão, poderá ser tomada como base para que aqueles a quem a decisão é dirigira, ou para os que são afetados por ela, possam manifestar seu conformismo ou inconformismo em relação aos argumentos utilizados e à conclusão que se chegou.
3.4 A Delimitação das Zonas de Certeza pelos Precedentes Judicias
O Direito, enquanto sistema comunicativo parcial da sociedade, é elaborado sob a base da linguagem natural. Uso da linguagem natural traz uma abertura no horizonte do significar. Um mesmo significante pode ligar-se a diversos significados, e essa relação plurissignificativa, plástica, repercute no Direito através de termos que se ligam de forma indeterminada a vários conceitos jurídicos. A indeterminação reside no conhecimento completo da relação entre dado significante e os diversos significados a que com ele podem se conectar.
Havendo um extenso campo de significação decorrente da textura aberta da linguagem, donde existem zonas de certeza negativa, de certeza positiva e de penumbra, como garantir que casos semelhantes sejam resolvidos de forma igualitária? A problemática dos conceitos jurídicos indeterminados põe em relevo a questão da segurança jurídica e da isonomia, também trabalhadas no âmbito dos estudos relacionados aos precedentes judiciais (MACEDO et alli, 2013, p. 126).
Para as finalidades aqui almejadas não nos cabe fazer um estudo e uma explanação detalhada acerca do precedente judicial, mas apenas ressaltar alguns de seus caracteres e sua importância dentro da temática relativa aos conceitos indeterminados, a segurança jurídica e a realização do direito perante sua textura aberta.
A sistemática dos precedentes judiciais propicia a previsibilidade do Direito, conferindo segurança jurídica à aplicação das normas aos casos que possam ser abarcados por textos normativos que contenham termos cujos conceitos são indeterminados de antemão. Possibilita que seja dado tratamento isonômico às lides ao estabilizar de forma parcial a fluidez conceitual. A estabilização conceitual é parcial porque o precedente delimitará apenas uma parcela do campo de significação, definindo parte da zona de certeza positiva ou negativa, o que não exclui por completo a zona de penumbra.
Podemos compreender o precedente em sua acepção ampla ou na mais restrita. De acordo com o sentido amplo do termo “precedente”, temos que ele “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos” (DIDIER JR. et alli, 2015, p. 441). No seu sentido restrito, o precedente é a razão de decidir (ratio decidendi), “os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão” (DIDIER JR. et alli, 2015, p. 442).
Em um sistema jurídico onde os precedentes são cada vez mais valorizados, deve-se redobrar a atenção quanto ao dever de fundamentação das decisões judiciais, posto que a decisão, conforme assinala Didier Jr., Braga e Oliveira (2015, p. 442), cria não só a norma individual a incidir e resolver o caso concreto, mas também uma norma geral que servirá de base para decisões de casos semelhantes.
A fundamentação traz à luz a importância da cooperação entre partes e juiz na elaboração da decisão judicial, de modo que a cooperação é apontada por Lucas Buris de Macedo, Mateus Costa Pereira e Ravi de Medeiros Peixoto (2013, p. 138) como fundamental para o sucesso da implantação do sistema de precedentes no Direito brasileiro. Afirmam os autores que somente com uma decisão dialeticamente construída será possível chegar a uma solução que os sujeitos processuais e extraprocessuais possam qualificar como justa, posto que elaborada levando em consideração todos os argumentos que as partes foram capazes de apresentar, deixando o juiz de inovar com teses que não foram submetidas ao contraditório.
Desta forma, continuam os autores, evita-se que a tese consagrada na decisão seja rapidamente superada (overruling) por outra ou que ocorram sucessivas distinções (distinguishing) em casos diversos, levando-se em conta argumentos não apresentados naquele caso ou argumentos que foram subvalorizados na fundamentação da decisão:
O controle pelas partes possibilita o trabalho do precedente pelo tribunal, tanto fático quanto jurídico, e, na medida em que o fundamento determinante da decisão (ratio decidendi) se estabilizará e deverá ser aplicado nos casos posteriores pelos demais julgadores, é imprescindível seja a decisão objeto de debate e aprimoramento. Tal conduta evitará futura surpresa dos magistrados quanto a novas argumentações jurídicas, evitando seja o precedente desconsiderado com brevidade ou distinguido demasiadamente ou, ainda, de forma inconsistente, situações que ensejam grande insegurança jurídica (MACEDO et alli, 2013, p. 135).
Assim como, segundo o Código de Processo Civil em vigor, não se considera fundamentada uma decisão que se limita a empregar termo cujo conceito jurídico é de antemão indeterminado, o mesmo se dá no caso de invocar um precedente ou uma súmula sem que seja feita a devida justificativa relativa à adequação entre a hipótese fática e a situação em análise, dando-se o mesmo quando uma súmula ou um precedente é afastado ou superado sem que se explique os motivos determinantes para tal (art. 489, IV e V, do CPC/2015).
Na doutrina (DIDIER JR. et alli, 2015, p. 444-450) preleciona-se que na fundamentação das decisões judiciais podemos encontrar aqueles fundamentos identificados como a razão de decidir (ratio decidendi) e outros que não se enquadram como decisivos para a solução da causa (obiter dictum).
Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira ensinam que há uma “evolução” perceptível dos precedentes até redundarem em enunciados sumulados. Assim, “um precedente, quando reiteradamente aplicado, se transforma em jurisprudência, que, se predominar em tribunal, pode dar ensejo à edição de um enunciado na súmula de jurisprudência deste tribunal” (DIDIER JR. et alli, 2012, p. 401).
Sendo uma norma geral construída a partir da solução de casos concretos, o enunciado sumular deve ser edificado o mais possível em termos precisos (DIDIER JR. et alli, 2012, p. 401). A precisão é requerida porque é justamente a vacuidade dos termos, a indeterminação significativa, que tornou necessário o estabelecimento da súmula jurisprudencial. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como intérpretes últimos da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional federal, respectivamente, assumem papel de grande importância nesse quadro.
Vimos ao longo da obra que a relação de significação pode se dar em ao menos dois níveis, o nível da significação de base e o da significação contextual, que depende do contexto fático em que o signo linguístico é empregado. Sendo os textos normativos construídos sob a base da linguagem natural, terra fértil para a indeterminação conceitual, ao contrário do que sucede no campo da linguagem técnica, é a partir das decisões judiciais, resolvendo em definitivo as lides (situações fáticas), que os conceitos jurídicos indeterminados serão concretizados, que o percurso gerativo do sentido será finalizado. Finalização essa que não encerra a indeterminação, mas delimita em parte o âmbito de certeza positiva e de certeza negativa.
Ainda que não seja possível eliminar a indeterminação conceitual, e isto não é nem desejável, posto que ela garante a adequação ao momento social de realização do direito, o respeito aos precedentes judiciais fornece uma delimitação parcial do âmbito de certeza positiva e de certeza negativa, sem excluir a zona de penumbra, garantindo aplicação isonômica das normas e segurança jurídica.
O Direito é um conjunto de normas dispostas em termos advindos da linguagem ordinária. Os signos linguísticos, elementos que compõem determinada língua, são formados pela união arbitrária entre significante e significado, imagem acústica e conceito, união essa que se forma na mente do sujeito e é posta pela sociedade, pela comunidade linguística.
Da união entre significante e significado resulta uma significação léxica básica. A partir da imutabilidade do signo linguístico pudemos compreender que a relação inicial, de base, só pode ser modificada a nível social, através de convenção social implícita (linguagem natural) ou explícita (linguagem técnica). Todavia, é necessário considerar ainda a significação contextual dada pelo contexto de aplicação do signo, pelos modos e usos da linguagem.
Embora existam diversos casos em que é possível precisar de antemão a relação entre o significante e dado significado, há termos da linguagem natural que possuem uma plasticidade conceitual, dada a Textura Aberta da Linguagem.
No campo do jurídico, a Textura Aberta da Linguagem redunda na Textura Aberta do Direito. Sabendo ser impossível prever todos as situações fáticas que necessitem de regulação por norma jurídica, além dos pormenores dos casos concretos, os legisladores, utilizando-se da linguagem natural, constroem enunciados normativos dotados de maleabilidade para serem trabalhados a partir do contexto de aplicação, a partir do caso que será posto à análise.
Devemos ter em vista que não é possível tornar real um ordenamento jurídico cujas normas positivadas pelo processo legislativo encerrem em si uma completude tal que não deixe margem para valorações durante o processo decisório. Isso já foi há muito percebido. O legislador é incapaz de prever todas as hipóteses fáticas que possam ocorrer no seio da sociedade e que reclamem a incidência de uma norma jurídica disciplinando-as, fato que fez os cultores da jurisprudência dos interesses recorrerem a uma alegada “vontade do legislador” para solucionar casos em que a aplicação literal de um dispositivo normativo se mostrasse injusta, tendo em vista as mudanças sociais ocorridas entre a data da edição do texto e a de aplicação do direito.
Em um ordenamento jurídico que pretenda acompanhar a dinamicidade da vida social, sem que para isso necessite de uma constante atualização legislativa, a utilização de termos cujos conceitos jurídicos são de antemão indeterminados torna-se imperiosa. Garante-se assim o estabelecimento de uma constante comunicação entre o sistema jurídico e o meio social, onde a contemporaneidade do Direito é mantida através do processo hermenêutico.
Vimos que é possível adotar ao menos duas posições referentes à interpretação de um texto normativo. A primeira, mais restrita, apega-se à literal disposição das palavras no texto positivado, fazendo-se crer na univocidade dos sentidos veiculados. A segunda, liberal ou extensiva, tende a dar maior amplitude possível aos temos do texto, mormente quando utilizados termos cujos conceitos jurídicos são indeterminados, posto que a utilização destes termos, quando possível substituí-los por outros ou mesmo quando possível a construção de um enunciado normativo mais fechado, é uma opção deliberada dos legisladores, que possuíam plena consciência de que eles possuem uma zona de indeterminação mais acentuada.
Na linguagem natural, de uma forma geral, os termos habitam três zonas de determinação conceitual: a zona de certeza positiva, que alberga os conceitos que sabemos se relacionar com aquele termo, a de certeza negativa, relativa aos conceitos que não se relacionam com o termo, e a de indeterminação ou de penumbra, onde se encontram os casos duvidosos, que não sabemos ainda se devem ir para a zona de certeza positiva ou negativa.
Os termos cujos conceitos jurídicos são indeterminados, embora habitem em parte as zonas de certeza positiva e de certeza negativa, possuem uma zona de penumbra mais acentuada que outros termos mais precisos. Todos os termos tem a possibilidade de habitar em parte a zona de penumbra, a diferença se dá em relação à graduação dessa indeterminação.
A utilização de termos vagos, constituindo conceitos jurídicos indeterminados ou padrões vagos, é feita justamente para que seu âmbito de incidência, a extensão que podem vir a tomar, seja ampliado de modo a manter a norma jurídica sempre atual, ainda que seu suporte físico (significante) se mantenha inalterado por considerável lapso temporal. Para que o Direito acompanhe as mudanças sociais não se torna necessária a mudança constante das palavras dos textos normativos. O significante e a relação sintática permanecem, o significado, porém, se modifica.
Num sistema jurídico repleto de termos cujos conceitos jurídicos são de antemão indeterminados, a problemática relativa à segurança jurídica e à garantia da isonomia na realização do Direito é resolvida no âmbito da fundamentação das decisões judiciais, perpassando pela interpretação jurídica como ato criativo do direito, entendida como a realização deste.
A intepretação dos textos normativos não pode ser entendida como resultado de uma atividade desenvolvida objetivamente. O uso dos métodos de intepretação para fundamentar uma decisão judicial nada mais é que um simples argumentar acerca da interpretação que fizemos, mas não é em si interpretar.
De igual modo, a interpretação não se confunde com um descobrimento ou desvelamento do sentido inerente ao texto normativo. Inexiste um sentido próprio às coisas, que podemos dizer ser de sua essência. A atividade hermenêutica consiste não em descobrir os sentidos, ela é sempre um atribuir sentido. Nós compreendemos as coisas para interpretá-las, não as interpretamos para compreendê-las.
Nesse cenário, a linguagem assume importante função, e ela não deve ser entendida como veículo de conceitos das coisas do mundo, mas como aquilo que torna possível a manifestação dos sentidos.
O ser humano deve ser visto como um sujeito histórico pertencente a dada comunidade linguística, que lhe fornece pré-compreensões acerca dos sentidos dos termos de sua linguagem. É um sujeito inserido em determinada cultura linguística. Essas pré-compreensões ou pré-conceitos são projetadas no ato de interpretar, constituindo uma expectativa de sentido sobre o resultado final desse processo. Todavia, toda interpretação deve ser compreendida como um refinamento do sentido pré-concebido, que é revisado e reelaborado constantemente, de modo que aquela expectativa inicial de sentido nem sempre se conforma com o resultado final.
A hermenêutica jurídica, em sua clássica concepção, entendia que os textos veiculavam sentidos fixos a serem descobertos pelo intérprete. Contudo, a hermenêutica filosófica vê no ato de interpretar um movimento de atribuição de sentido. O Direito não é apenas interpretado, a interpretação é do texto normativo. Há na verdade uma realização do direito, um processo de criação da norma jurídica que se inicia com a edição do texto normativo e é finalizado com a aplicação da norma ao caso, o que no âmbito do Judiciário se dá através da decisão judicial.
Os métodos de interpretação que nos legou a hermenêutica clássica, antes de serem postos de lado, uma vez que não é possível objetivar o processo interpretativo, devem ser vistos como métodos argumentativos, como formas de fundamentar uma decisão judicial, explanando os motivos que nos levaram a tomar essa e não aquela decisão, a atribuir um sentido no lugar de outro possível.
Constata-se a importância de compreendermos a textura aberta da linguagem e do direito, aceitarmos sua existência e buscarmos uma forma de controle da discricionariedade gerada pela presença de conceitos jurídicos indeterminados permeando os textos normativos.
A utilização dos métodos argumentativos serve para que possamos exercer um mínimo de controle sobre o processo de criação judicial do direito, dispondo de forma clara na decisão judicial os argumentos a favor do sentido atribuído, permitindo aos sujeitos processuais conformarem-se ou não com o resultado obtido.
Nesse contexto, é vital a importância do precedente judicial como garantia de um mínimo de segurança jurídica, entendida esta como a previsibilidade do direito e a isonomia na aplicação deste.
Tomando proporções cada vez maiores no sistema jurídico brasileiro, a sistemática do precedente judicial demanda maior rigor no controle da fundamentação das decisões judiciais, posto que a tese jurídica firmada, a razão de decidir, poderá ser largamente utilizada para fundamentar casos semelhantes, e só com uma adequada fundamentação que leve em consideração todas as possibilidades visíveis quanto à atribuição do sentido poderá garantir a aderência dos sujeitos processuais e extraprocessuais ao conteúdo da decisão, evitando constantes distinções e superações da tese em casos outros.
Embora a fixação da relação conceitual através dos precedentes não abarque toda a gama significativa, ela proporciona a ampliação do conhecimento das zonas de certeza positiva e de certeza negativa, diminuindo a indeterminação conceitual, permitindo a aplicação igualitária das normas em casos semelhantes e garantindo segurança jurídica perante a textura aberta da linguagem (e) do direito.
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Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Advogado;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Eduardo Machado Aragão. Indeterminação, segurança jurídica e realização do direito perante sua textura aberta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2023, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62976/indeterminao-segurana-jurdica-e-realizao-do-direito-perante-sua-textura-aberta. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
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Por: LETICIA REGINA ANÉZIO
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