RESUMO: A presente pesquisa apresenta uma análise geral do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis - ITBI, expondo o seu conceito, natureza, fundamento legal e constitucional, fato gerador e aspecto material, bem como diversas decisões sobre o tema. Tem como objetivo, de maneira mais específica, demonstrar as possíveis consequências da anulação do negócio jurídico de transmissão imobiliária em relação ao ITBI. Toda a abordagem é feita com base na legislação brasileira, doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: Imposto. ITBI. Fato Gerador. Anulação do Negócio Jurídico. Consequências.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata sobre o Imposto de Transmissão de bens “inter vivos” - ITBI e seu aspecto material. Mais especificamente, trata das possíveis consequências da anulação do negócio jurídico de transmissão imobiliária em relação ao ITBI.
O objetivo geral é investigar se o recolhimento do ITBI decorrente de transmissão de propriedade, posteriormente anulada, é válido, com base na lei, doutrina e jurisprudência. Este tema é de suma importância, pois trata de casos práticos que ocorrem com frequência no âmbito dos municípios brasileiros.
Para responder à pergunta, será analisado também a previsão constitucional do mencionado imposto, o ente competente para instituí-lo, seu fato gerador, seu aspecto material e a aplicação do princípio do non olet no âmbito do direito tributário.
Por fim, trata-se especificamente sobre a anulação do negócio jurídico de transmissão imobiliária e seu reflexo na manutenção da cobrança ou restituição do valor recolhido a título de ITBI.
2 DEFINIÇÃO DE ALGUNS CONCEITOS TRIBUTÁRIOS
Para iniciar este trabalho é importante conhecer o conceito de “tributo”. Para isso, utiliza-se o conceito doutrinário elaborado pelo autor Leandro Paulsen, que entende que tributo é:
Prestação em dinheiro exigida compulsoriamente, pelos entes políticos ou por outras pessoas jurídicas de direito público, de pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem promessa de devolução, forte na ocorrência de situação estabelecida por lei que revele sua capacidade contributiva ou que consubstancie atividade estatal a elas diretamente relacionada, com vista à obtenção de recursos para o financiamento geral do Estado, para o financiamento de fins específicos realizados e promovidos pelo próprio Estado ou por terceiros em prol do interesse público.[1]
O Código Tributário Nacional também apresenta um conceito legal:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Os dois conceitos expostos acima utilizam elementos comuns, como a natureza pecuniária da prestação, a necessidade de previsão legal, a legalidade da atividade que gera a tributação, a compulsoriedade e a legitimidade ativa do Estado para a cobrança mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Além de conceituar tributo, é importante também fazer um breve resumo sobre a definição de “impostos”, que é uma das espécies de tributo.
Nos termos do art.16 do Código Tributário Nacional, o imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Trata-se, portanto, de tributo não vinculado. Assim, para criar um imposto o ente federado não precisa oferecer uma contrapartida direta ao sujeito passivo.
É importante diferenciar que, além de serem não vinculados, os impostos são também tributos de arrecadação não vinculada. Isto é, em regra, o valor arrecadado pelo imposto não tem uma destinação legal específica, vinculada, podendo os administradores livremente destiná-los para os seus programas de governo previstos nas leis orçamentárias.
Dessa forma, pode-se concluir que a arrecadação dos impostos serve para os interesses gerais do Estado. Justamente por isso que os impostos são chamados de tributos não contraprestacionais, pois não exigem contraprestação estatal.
Por último, é válido mencionar que fato gerador de um imposto é o evento ou ação que gera a obrigação de pagamento desse imposto. É a situação que a lei utiliza como base para determinar que um determinado imposto deve ser pago. Para cada tipo de imposto, há um fato gerador específico estabelecido na legislação fiscal.
Em relação ao ITBI, o seu fato gerador é a transmissão onerosa de bens imóveis, a transmissão de direitos reais sobre imóveis e a cessão de direitos à sua aquisição.
2 PREVISÃO CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal é responsável por atribuir competência para a instituição de impostos a todos os entes da Federação. A Carta Magna apenas reparte as competências, ou seja, determina qual ente é responsável por criar cada imposto. Dessa forma, fica claro que a CF não cria o imposto, mas apenas prevê o ente competente para sua criação. A instituição dos impostos, como os demais tributos, se dá por meio de lei oriunda do ente previsto na CF/88.
Antes da Constituição Federal de 1988, pertencia aos Estados a competência para tributar as transmissões de bens imóveis, fossem elas gratuitas ou onerosas.
O ITBI – imposto sobre transmissão de bens imóveis é previsto no art. 156, II, da CF/88:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
No atual ordenamento constitucional, pertence aos municípios a competência para tributar as transmissões onerosas de bens imóveis.
Doutrinariamente, classifica-se o ITBI como tributo não vinculado (à atividade estatal), de arrecadação não vinculada, real (incide sobre a propriedade de bem imóvel) e de finalidade predominantemente fiscal.
O ITBI incide sobre: 1) a transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física; 2) a transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia; e 3) a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.
Assim, a incidência do ITBI abarca toda transmissão, a título oneroso, de propriedade imóvel, domínio útil, bem como direitos reais sobre estes. Independente do tipo de negócio, se compra e venda, ou permuta, se for a título oneroso, haverá incidência do ITBI.
2.1 IMUNIDADE E ITBI
Dispõe o art. 156, §2º, I da CF/1988:
Art. 156, § 2º O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
O legislador constituinte originário optou por imunizar as operações listadas no citado inciso. É uma hipótese de imunidade tributária objetiva, cujo objetivo é estimular a capitalização e o crescimento de empresas, evitando que a cobrança do imposto se transformasse num impecílio à transação dos referidos negócios.
Dessa forma, há imunidade na transmissão de bens ou direitos: a) incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; b) decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Porém, no mesmo inciso, a Constituição Federal prevê também exceção para tais casos: quando a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Portanto, quando a atividade preponderante do adquirente dos bens ou direitos transmitidos for justamente a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil, haverá incidência do ITBI nessas operações.
O art. 37 do Código Tributário Nacional estabelece o que seria caracterizada como atividade preponderante:
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.
Desse modo, nos termos do CTN, será considerada preponderante a atividade quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica dos dois anos anteriores e dos dois anos seguintes decorrer de venda ou locação de propriedade imobiliária ou da cessão de direitos relativos à sua aquisição.
Contudo, havia certa discussão sobre a aplicação da imunidade no caso da integralização do capital social: se a imunidade abrangeria todo o valor do bem (independente do valor que exceder o limite do capital social a ser integralizado) ou se abrangeria somente o valor o capital social a ser integralizado, não abarcando o valor excedente.
Uma corrente defendia que o art. 156, §2º, I da CF/1988 não limitou a aplicação da imunidade. Assim, não caberia ao intérprete restringir algo que não foi feito pelo constituinte. Defendia-se, assim, que não poderia ser tributado o valor excedente dos bens imóveis incorporados ao capital social.
Outra corrente defendia que a imunidade só abarcava o valor do imóvel suficiente à integralização do capital social. Em outras palavras, a imunidade só seria aplicada até o valor dos imóveis que realizasse a integralização do capital social, incidindo ITBI sobre os valores que excedesse o capital a ser integralizado.
Diante dessa discussão, o STF reconheceu a existência de repercussão geral e fixou a tese no Tema 796 – RE 796.376:
“A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”[2]
O autor Helton Kramer teceu comentários sobre a citada tese:
“Isso representa uma importante vitória para os Municípios, permitido, neste caso, a tributação do valor de bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado. Nesta medida, deve-se ficar atento, no momento desta integralização, além do exato valor de mercado do imóvel ou direito real sobre ele existente, também do valor correspondente ao capital social da pessoa jurídica destinatária. Certamente, a fiscalização municipal terá um incremento em seu trabalho na fiscalização do ITBI, agora com segurança jurídica reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal.”[3]
A Constituição também excepciona a incidência do ITBI ao instituir imunidade sobre as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. Esta previsão não é exclusividade do ITBI, aplicando-se igualmente aos demais impostos federais, estaduais e municipais, conforme dispõe o art. 184, §5º, da CF:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.
§ 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.
Em que pese a Constituição utilizar o termo “isenta”, trata-se, em verdade, de hipótese de imunidade, uma vez que é prevista diretamente pela Constituição Federal. Ressalta-se que a isenção é prevista apenas em lei e não na Carta Magna.
Pela análise do dispositivo acima, conclui-se que não haverá cobrança de ITBI quando a transferência do imóvel for fruto de uma desapropriação para fins de reforma agrária.
O objetivo do legislador constituinte é de desonerar o processo de desapropriação e realizar a reforma agrária. Inclusive o STF, no julgamento do RE 169.628/DF, além de reafirmar que o dispositivo constitucional em comento é hipótese de imunidade, deixou assente que o benefício alcança tão-somente o expropriado. O terceiro adquirente, em negócio estranho a reforma agrária, não é destinatário da imunidade.
3. FATO GERADOR DO ITBI
Com base no art.35 do CTN à lus do art. 256, II, da CF/1988, o fato gerador do ITBI é: i) a transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física; ii) a transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia; e iii) a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.
Entende-se por transmissão inter vivos aquela decorrente da realização de negócio jurídico. E o bem a ser transmitido precisa ser imóvel, o qual, segundo o Código Civil, é o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Por força da lei, estende-se o conceito legal de imóvel aos direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram, bem como ao direito à sucessão aberta.
Dispõe os arts. 79 e 80 do Código Civil:
Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II - o direito à sucessão aberta.
O rol de direitos reais sobre imóveis é descrito no art. 1225 do Código Civil:
Art. 1.225. São direitos reais:
I - a propriedade;
II - a superfície;
III - as servidões;
IV - o usufruto;
V - o uso;
VI - a habitação;
VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII - o penhor;
IX - a hipoteca;
X - a anticrese.
XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
XII - a concessão de direito real de uso; (Redação dada pela Lei nº 14.620, de 2023)
XIII - a laje; (Redação dada pela Lei nº 14.620, de 2023)
XIV - os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas e a respectiva cessão e promessa de cessão. (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)
Dessa forma, incidirá ITBI sobre a transmissão do solo e tudo que a ele for incorporado de forma natural ou artificial; sobre a transmissão dos direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram, a exemplo da transferência da servidão e do usufruto.
Ressalta-se que o art.156, II, da CF, excepciona da incidência do ITBI os direitos reais de garantia, quais sejam o penhor, a hipoteca e a anticrese.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu, em sede de repercussão geral - (ARE) 1294969 – Tema 1124 - Incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na cessão de direitos de compra e venda, ausente a transferência de propriedade pelo registro imobiliário - que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária:
“O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.[4]
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no AREsp 1.760.009-SP, de relatoria do Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgou em 19/04/2022:
“O fato gerador de ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do imóvel, mesmo no caso de cisão de empresa.”[5]
Márcio André Lopes Cavalcante resumiu o inteiro teor:
Mesmo em caso de cisão o fato gerador do ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do bem imóvel, em conformidade com a lei civil.
Logo, não há como se considerar como fato gerador da referida exação a data de constituição das empresas pelo registro de Contrato Social na Junta Comercial, ocorrido em data anterior.
Dessa forma o fato gerador do ITBI ocorre no seu aspecto material e temporal, com a efetiva transmissão, a qualquer título da propriedade imobiliária o que se perfectibiliza com a consumação do negócio jurídico hábil a transmitir a titularidade do bem, mediante o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis. Ainda sobre o tema: O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis(ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro (STF. Plenário ARE 1294969 RG, Rel. Min. Presidente, julgado em 11/02/2021. Repercussão Geral – Tema 1124).
STJ. 2ª Turma. AREsp 1760009-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/04/2022 (Info 734).[6]
Considerando, assim, que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel, a jurisprudência entende que não incide ITBI sobre o registro da promessa de compra e venda imobiliária. Esta promessa trata-se de modalidade de contrato preliminar que gera ao promitente comprador a expectativa de ser proprietário do imóvel, atribuindo o direto de obter a transferência imobiliária no momento do pagamento total.
A respeito disso, segue abaixo entendimentos jurisprudenciais:
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. INCONFORMAÇÃO COM A TESE ADOTADA. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. DECRETO 16.419/06. LEI LOCAL. SÚMULA 280/STF. 1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o fato gerador de ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do imóvel, sendo inexigível no contrato de promessa de compra e venda. Incide, portanto, a Súmula 83/STJ. 3. Para se aferir a procedência das alegações recursais, seria necessário proceder à interpretação de norma local, a saber, o art. 2º do Decreto 16.419/2006. O exame de normas de caráter local é inviável na via do recurso especial, em virtude da vedação prevista na Súmula 280 do STF, segundo a qual, "por ofensa a direito local, não cabe recurso extraordinário". Agravo regimental improvido.[7]
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA OFENSA AO ARTIGOS 458 E 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Inexiste violação aos artigos 458 e 535 do CPC quando o Tribunal de origem soluciona a controvérsia de maneira clara e fundamentada, promovendo a integral solução da controvérsia, ainda que de forma contrária aos interesses da parte. 2. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o fato gerador do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis - ITBI é a transmissão do domínio do bem imóvel, nos termos do art.35, II, do CTN. Dessa forma, não incide o ITBI em promessa de compra e venda, na medida que trata-se de contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobrança do aludido tributo. Precedentes. Incidência do óbice da Súmula 83/STJ. 3. Vale destacar que o óbice da Súmula 83/STJ não se restringe aos recursos especiais interpostos com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional, sendo também aplicável nos recursos fundados na alínea "a". 4. Agravo regimental não provido.[8]
Resta claro, então, que não incide ITBI sobre o registro da promessa de compra e venda, na medida que trata-se de contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobrança do aludido tributo
Contudo, ocorre situação diversa quando há cessão dos direitos de promessa de compra e venda. Neste caso, trata-se de um direito real do promitente comprador, conforme previsto no art. 1225, VII do Código Civil, sendo, assim, passível de cobrança de ITBI, pois o art. 35 do CTN prevê que há incidência do imposto municipal na transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia.
Dito isso, configurada a transmissão de propriedade sob imóveis, de forma onerosa, estará configurado o fato gerador do ITBI, não importando se o negócio jurídico praticado é compra e venda, permuta, dação em pagamento, remição, arrematação, cessão de posse, cessão de direitos hereditários.
Importante ressaltar que a transmissão inter vivos é aquela decorrente da realização de negócio jurídico, o que exclui as formas de aquisição originária da propriedade, como é o caso da desapropriação e da usucapião.[9]
A desapropriação, segundo a doutrina, é forma de aquisição originária pois independe de título ou da vontade do dono anterior. É, em verdade, uma forma de intervenção do Estado na propriedade privada. Consiste em um procedimento em que o ente estatal ordena a retirada de um bem privado do domínio do particular, para que este bem passe a integrar o patrimônio público, mediante o pagamento de indenização prévia e justa ao proprietário.
O autor Renério de Castro Júnior ensina sobre o tema desapropriação:
Trata-se de forma originária de aquisição da propriedade, razão pela qual o bem ingressa no acervo patrimonial do ente expropriante livre de qualque ônus de natureza real. A aquisição originária, vale lembrar, ocorre quando a mudança de titularidade do bem independe de negócio jurídico anterior. Como consequência, qualquer direito real anteriormente existente sobre o bem fica sub-rogado no valor da indenização, como forma de resguardar os direitos dos credores do ex-proprietário. Ao passo que a desapropriação constitui uma nova relação jurídica entre a coisa e o seu titular, é possível dizer que há o surgimento de um novo direito de propriedade, e não em uma “transferência de domínio”. Há a extinção do direito real do expropriante e não a translação dessa relação a um novo titular mediante um negócio jurídico antecedente.[10]
Há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que não há na desapropriação transferência de propriedade por negócio jurídico; portanto, não há incidência de ITBI sobre a transcrição de imóveis desapropriados.
Esse entendimento vale também para os casos de usucapião de bens imóveis, visto que não há, em verdade, uma transferência de propriedade, e sim uma transmissão judicial.
Dessa forma, em regra, em casos de aquisições originárias, como em desapropriação e usucapião, não haverá cobrança de ITBI, visto que a transferência de propriedade não é voluntária.
Entretanto, o STJ, excepcionando a regra geral, decidiu que o ITBI incide sobre a aquisição de imóvel em hasta pública (outra hipótese de aquisição originária), visto que nesse caso há onerosidade na transação:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI. BEM ADQUIRIDO POR MEIO DE ADJUDICAÇÃO. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA ONEROSA. INCIDÊNCIA DO ITBI. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. São fatos geradores do ITBI: (i) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física; e de direitos reais sobre bens imóveis, exceto de garantias e servidões; e (ii) a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a adjudicação, em hasta pública, é forma de aquisição originária da propriedade. Assim, o bem adquirido passa ao arrematante livre e desembaraçado de qualquer responsabilidade anterior. Precedente: REsp 1.659.668/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 5/5/2017. 3. No caso concreto, contudo, não há que se falar em afastamento da incidência do ITBI, pois, como visto, o aspecto relevante para a incidência do imposto é a onerosidade da aquisição da propriedade. Sendo assim, a adjudicação deve ser considerada no campo de incidência do ITBI, visto que se revela operação nitidamente onerosa. Em idêntica direção: REsp 1.188.655/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 8/6/2010. 4. Recurso especial a que se nega provimento.[11]
Mais um caso analisado pela jurisprudência pátria, no que tange ao aspecto material do tributo, é o da dissolução de condomínio. Segundo os autores Evandro Ortega e Leonardo Vieira, o STJ apresenta duas soluções distintas para dois casos diferentes de dissolução:
a) Dissolução de condomínio de bem divisível – não se configura a transmissão onerosa de bem imóvel e, portanto, não incide ITBI;
b) Dissolução de condomínio de bem indivisível, como é o caso de condomínio edilício ou prédio urbano não fracionado em unidades autônomas – configura transmissão onerosa de bem imóvel, sendo tributável pelo ITBI.[12]
No caso de dissolução de condomínio de bem indivisível, o STJ entendeu que a impossibilidade de se dividir o condomínio acarreta a respectiva transmissão imobiliária do bem:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. ITBI. IMÓVEIS URBANOS EDIFICADOS. DISSOLUÇÃO DE CONDOMÍNIO. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. BASE DE CÁLCULO. PARCELA ADQUIRIDA AOS OUTROS CO-PROPRIETÁRIOS. 1. Hipótese em que os quatro impetrantes (ora recorridos) eram co-proprietários de seis imóveis urbanos edificados. Os condôminos resolveram extinguir parcialmente a co-propriedade. Para isso, cada impetrante passou a ser único titular de um dos seis imóveis. Quanto aos dois bens restantes, manteve-se o condomínio. Discute-se a tributação municipal sobre essa operação. 2. O Tribunal de origem entendeu ter ocorrido simples dissolução de condomínio relativo a uma universalidade de bens, conforme o art. 631 do CC/1916. Assim, não teria havido transmissão de propriedade com relação à maior parte da operação. Se o indivíduo passou a ser proprietário de imóvel em valor idêntico à sua cota ideal no condomínio, não incidiria o ITBI. 3. Inexiste omissão no acórdão recorrido, que julgou a lide e fundamentou adequadamente seu acórdão. 4. No entanto, o art. 631 não incide na hipótese, pois se refere ao caso clássico de condomínio de bem divisível. Seria aplicável se os quatro impetrantes fossem co-proprietários de terreno rural ou de terreno urbano não-edificado. Nesse exemplo, no caso de desfazimento do condomínio, o imóvel poderia ser fracionado junto ao cartório de imóveis, observados os limites mínimos, requisitos e formalidades legais, resultando em quatro partes iguais. Cada um dos antigos co-proprietários seria o único titular de seu terreno (correspondente a 25% do original). Inexistiria transmissão onerosa de propriedade nessa situação fictícia e, portanto, incidência do tributo municipal. 5. Diferentemente, quando há condomínio de apartamento edilício, ou de um prédio urbano não-fracionado em unidades autônomas, é impossível a divisão do bem. É este o caso dos autos. 6. O registro imobiliário é individualizado, como o é a propriedade de apartamentos, nos termos da Lei de Registros Públicos (art. 176, § 1º, I, da Lei 6.015/1973). 7. Na situação inicial, antes do pacto de extinção parcial do condomínio, os quatro impetrantes eram co-proprietários de cada um dos imóveis, que devem ser considerados individualmente. 8. Com o acordo, cada um dos impetrantes passou a ser único proprietário de um dos seis imóveis. Ou seja, adquiriu dos outros co-proprietários 75% desse bem, pois já possuia 25%. 9. O ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou permuta (cessão de parcela de outros imóveis). 10. Esse raciocínio se aplica aos quatro imóveis que passaram a ser titulados por um único proprietário. Quanto aos outros dois bens, com relação aos quais o condomínio subsistiu, não há alienação onerosa nem, portanto, incidência do ITBI. 11. Os impetrantes adjudicaram cada um dos quatro imóveis a uma única pessoa, indenizando os demais (por pagamento ou permuta), nos termos do art. 632 do CC/1916. 12. É pacífico que os impostos reais (IPTU e ITBI, em especial) referem-se aos bens autonomamente considerados. Também por essa razão seria incabível tratar diversos imóveis como universalidade para fins de tributação. 13. Esse entendimento foi consolidado pelo egrégio STF na Súmula 589: "É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do imposto predial e territorial urbano em função do número de imóveis do contribuinte". 14. A Suprema Corte impediu que os Municípios considerassem todos os imóveis de cada contribuinte como uma universalidade para fins de progressividade das alíquotas . Isso decorre do reconhecimento de que cada imóvel a ser tributado deve ser autonomamente considerado. 15. Se o Município não pode considerar o conjunto de imóveis uma universalidade, para cálculo do IPTU, seria inadmissível que o contribuinte possa fazê-lo com o intuito de pagar menos ITBI. 16. Recurso Especial provido.[13]
Sobre o tema, preleciona o autor Helton Kramer Lustoza:
O entendimento jurisprudencial segue no sentido de que o desfazimento do condomínio de bem divisível, respeitado os limites de cada condômino, configura inexistência de transmissão onerosa de propriedade e, portanto, ausência de incidência deste tributo municipal. Por outro lado, no caso de condomínio de apartamento edilício, ou de um prédio urbano não-fracionado em unidades autônomas, é impossível a divisão do bem, sendo que sua dissolução irá implicar em transmissão imobiliária.[14]
Resta claro, assim, que se a dissolução de condomínio for de bem divisível, não há incidência de ITBI; se a dissolução for de bem indivisível, há incidência de ITBI.
Outro caso analisado na jurisprudência sobre se incide ou não ITBI é o da partilha excessivamente onerosa na separação consensual. Em regra, caso os bens sejam divididos na metade em favor de cada cônjuge, não haverá cobrança de ITBI, uma vez que não houve a transmissão da propriedade, mas apenas partilha de bens que já pertenciam aos cônjuges.
Excepcionalmente, se na partilha houver acordo, de forma onerosa, em que um dos cônjuges fique com algum patrimônio imobiliário que corresponda a parte maior que à metade do quinhão, haverá incidência de ITBI. Ou seja, haverá incidência de ITBI sobre o valor que exceder ao respectivo quinhão da partilha de bens imóveis entre cônjuges, em razão de separação judicial, desde que este excesso se dê a título oneroso.[15]
Esse também é o entendimento jurisprudencial majoritário:
TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE TRANSMISSÃO POR DOAÇÃO -SEPARAÇÃO JUDICIAL - MEAÇÃO. 1. Na separação judicial, a legalização dos bens da meação não está sujeita a tributação. 2. Em havendo a entrega a um dos cônjuges de bens de valores superiores à meação, sem indícios de compensação pecuniária, entende-se que ocorreu doação, passando a incidir, sobre o que ultrapassar a meação, o Imposto de Transmissão por Doação, de competência dos Estados (art. 155, I, da CF). 3. Recurso especial conhecido e provido.[16]
Outro caso de aplicação do aspecto material do ITBI na jurisprudência é o da renúncia à herança. O Código Civil adotou o princípio de saisine, por meio do qual, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Somente com o aceite da herança que há a transferência de patrimônio. Há também a possibilidade do herdeiro renunciar à herança, declarar que não a aceita, desde que expressamente. Neste caso, o herdeiro renunciante é considerado como se nunca tivesse herdado.
A renúncia da herança pode ocorrer em duas formas: em favor de alguma pessoa específica (translativa); ou em favor do monte, sem especificar determinado beneficiário (abdicativa). A renúncia translativa pode se dar de forma gratuita ou onerosa.
Na renúncia abdicativa, não há incidência de ITBI ou ITCMD, visto que não há transmissão de direitos a um ou mais indivíduos, devolvendo-se automaticamente o quinhão renunciado ao monte.
Por outro lado, na renúncia translativa gratuita, em que um herdeiro transfere seu direito hereditário a outro, incide ITCMD, uma vez que é considerada doação. Já na renúncia translativa onerosa, ocorre a incidência de ITCMD e ITBI. Em outras palavras: o ITCMD incide na primeira operação, em decorrência da transmissão causa mortis. Na segunda transmissão, inter vivos e onerosa, incide ITBI, visto que ocorre, neste caso, uma cessão de direitos sobre bens imóveis.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RENUNCIA À HERANÇA - INEXISTÊNCIA DE DOAÇÃO OU ALIENAÇÃO - ITBI - FATO GERADOR - AUSÊNCIA DE IMPLEMENTO. A renuncia de todos os herdeiros da mesma classe, em favor do monte, não impede seus filhos de sucederem por direito próprio ou por cabeça. Homologada a renuncia, a herança não passa à viúva, e sim aos herdeiros remanescentes. Esta renúncia não configura doação ou alienação à viúva, não caracterizando o fato gerador do ITBI, que é a transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis. Recurso provido.[17]
4. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSMISSÃO IMOBILIÁRIA E O ITBI
Por tudo o que já foi explanado, observa-se que quando há transmissão imobiliária, decorrente de negócio jurídico oneroso, haverá a incidência de ITBI. Pergunta-se, então, se o recolhimento de ITBI decorrente de transmissão de propriedade, que posteriormente foi anulada, é válido. Em outras palavras, determinada pessoa realiza negócio jurídico sobre imóvel e é tributada pelo ITBI; no entanto, após o pagamento do ITBI, este negócio jurídico é anulado por decisão judicial. Neste caso, o contribuinte terá direito a restituição do indébito?
Este questionamento foi objeto de muita controvérsia no judiciário brasileiro. Para analisar esta questão, primeiramente tem-se de analisar o art. 118, I do CTN:
Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
Esse artigo retrata o princípio do pecunia non olet (“dinheiro não tem cheiro”), que é a regra geral no Direito Tributário. É determinado que a obrigação tributária não é condicionada à validade dos negócios jurídicos, permitindo-se a tributação de atividades ilícitas. Ou melhor, é irrelevante, para a cobrança do tributo, a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, se a atividade é lícita ou ilícita. Basta que o ato esteja previsto na lei como fato gerador do respectivo tributo.
Assim, há entendimento histórico no sentido da impossibilidade de repetição do ITBI já quitado, fundamentando-se justamente no princípio do pecúnia non olet. Defende-se, que aquele que pagou o ITBI deve ajuizar ação indenizatória em face de quem deu causa à anulação do negócio jurídico, e não ação de restituição de indébito contra o Município. Esse era o entendimento do STJ anteriormente.
Contudo, no julgamento do Recurso Especial 1493162 / DF, a segunda Turma do STJ julgou que diante da anulação do negócio jurídico que embasou recolhimento do ITBI, haverá a configuração do pagamento indevido, autorizando a repetição do indébito:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 535, II, DO CPC. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO DO FATO GERADOR. DEVOLUÇÃO. VALORES. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO. ITBI. 1. Não se configurou a ofensa ao art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 2. O art. 118, I, do CTN não pode ser interpretado de forma insulada, porquanto pode trazer sérias contradições aos demais dispositivos legais. O princípio do non olet, expresso no artigo citado, foi criado por Albert Hensel e Otmar Bühler e tem como escopo permitir a tributação das atividades ilícitas. Irrelevante, portanto, para a determinação do fato gerador, a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes. 3. No caso sub judice, houve a declaração de nulidade do negócio jurídico de compra e venda de imóvel entabulado pelas partes, sem que houvesse dolo do recorrido, tendo-se desfeito o fato gerador do ITBI. Desse modo, nada mais justo que o restabelecimento do statu quo ante, para que não haja enriquecimento ilícito do Estado. Na hipótese dos autos trata da declaração de nulidade do próprio fato que gerou a exação, o que não originou benefício econômico para a parte. 4. Recurso Especial não provido.[18]
Em outubro de 2020, a Primeira Seção do STJ, por unanimidade, referendou a citada decisão e consolidou o entendimento de que a nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel viabiliza a restituição do valor recolhido pelo contribuinte a título de ITBI:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ITBI. DECLARAÇÃO JUDICIAL DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO DE COMPRA E VENDA DO IMÓVEL. INSUBSISTÊNCIA O FATO GERADOR DO TRIBUTO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECOLHIDOS A TÍTULO DE IMPOSTO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA DO DISTRITO FEDERAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. De acordo com os arts. 156, II da CF, e 35, I, II, e III do CTN, o fato gerador do ITBI ocorre, no seu aspecto material e temporal, com a efetiva transmissão, a qualquer título, da propriedade imobiliária, o que se perfectibiliza com a consumação do negócio jurídico hábil a transmitir a titularidade do bem, mediante o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis. 2. Na hipótese dos autos, o negócio jurídico que ensejou a transferência de propriedade do imóvel e, por conseguinte, a tributação pelo ITBI, não se concretizou em caráter definitivo devido à superveniente declaração de nulidade por força de sentença judicial transita em julgado. 3. Logo, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que nulo o negócio jurídico de compra e venda de imóvel entabulado pelas partes, ausente fato gerador do imposto em apreço, nos termos dos referidos arts.156, II da CF, e 35, I, II, e III do CTN, sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo Contribuinte a tal título. 4. Nesse contexto, correto o acórdão embargado ao condenar o Ente Público na restituição dos valores pagos a título de ITBI, pois a anulação judicial do negócio jurídico de compra e venda teve por efeito jurídico tornar insubsistente o fato gerador do tributo. 5. Embargos de Divergência do DISTRITO FEDERAL não providos.[19]
Dessa forma, pode-se afirmar que o entendimento do STJ encontra-se consolidado no sentido de que a anulação do negócio jurídico que justificou a cobrança do ITBI terá o condão de fazer desaparecer o fato gerador do tributo e, consequentemente, gerar direito à repetição do indébito. Nesta decisão ficou registrado que no caso de se manter os efeitos da incidência tributária, com base no art. 118, I do CTN, poderia trazer sérias contradições aos demais dispositivos legais do ordenamento jurídico.[20]
Em resumo do inteiro teor do julgado e de forma bem esclarecedora, Mário André Lopes Cavalcante ensina:
ITBI significa imposto sobre transmissão inter vivos, sendo tributo de competência dos Municípios.
Segundo o art. 156, II da CF/88, o ITBI será cobrado quando houver “transmissão inter vivos a qualquer título, por ato oneroso de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.
Exemplo: João vendeu uma casa a Pedro. Sobre essa transmissão, há incidência do ITBI, que foi pago pelo comprador. Suponha, no entanto, que, posteriormente, esse negócio jurídico (compra e venda) tenha sido anulada por sentença judicial transitada em julgado.
Neste caso, conclui-se que não houve a transmissão da propriedade, estando ausente o fato gerador do imposto. Logo, é devida a restituição do ITBI que foi pago.
STJ. 1ª Seção. EREsp 1493162-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/10/2020 (Info 682).[21]
Conclui-se, assim, que o atual posicionamento do STJ é a permissão da repetição do indébito, levando em consideração a boa-fé daquele individuo que praticou o negócio jurídico e recolheu o ITBI sem ter ciência da nulidade do negócio referido.
5. CONCLUSÃO
A pesquisa realizada teve por objetivo analisar o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI no direito tributário brasileiro, à luz da Constituição Federal do 1988 e, principalmente, analisar se o recolhimento de ITBI decorrente de transmissão de propriedade, que posteriormente foi anulada, é válido.
Como foi demonstrada, o ITBI incide sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
Analisou-se diversas decisões judiciais no que tange ao aspecto material do tributo, assim como os ensinamentos de renomados doutrinadores.
Concluiu-se, então, que depois de diversas divergências jurisprudenciais e doutrinárias, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp 1.493.162/DF, em 14/10/2020, parece ter consolidado o entendimento de que o valor do ITBI deve ser restituído ao sujeito passivo no caso em que a compra e venda do imóvel é posteriormente declarada nula, pois entende-se que não houve a efetiva transmissão apta a ensejar a incidência do respectivo imposto municipal.
6. REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11. Ed. rev., atual. e ampl. Salvador: ed. Juspodivm, 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 813620/BA. Relator: Ministro Humberto Martins. Julgado em: 17 de dezembro de 2015. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/861481428/inteiro-teor-861481447. Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 659008 / RJ. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em: 07 de abril de 2015. Disponível em: < https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;aresp:2015-04-07;659008-1425824 >. Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1294969. Relator: ministro Luiz Fux. Julgado em: 11/02/2021. Disponível em: < https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true&origem=AP&classeNumeroIncidente=ARE%201294969 > Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 1.760.009-SP. Relator: Min. Herman Benjamin, Segunda Turma. Julgado em: 19/04/2022. Disponível em: < https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisarumaedicao&livre=0734.cod. > Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1446249 / SP. Relator: Ministro OG Fernandes, T2 – Segunda Turma. Julgado em: 21/09/2017. Disponível em: < https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2017-09-21;1446249-1657479 >. Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 796376. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgado em: 04 de Agosto de 2020. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4529914&numeroProcesso=796376&classeProcesso=RE&numeroTema=796#:~:text=Tema%20796%20-%20Alcance%20da%20imunidade%20tribut%C3%A1ria%20do,o%20limite%20do%20capital%20social%20a%20ser%20integralizado> Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 722752 / RJ. Relator: Ministro Herman Benjamim, Segunda Turma. Julgado em: 05/03/2009. Disponível em: < https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2009-03-05;722752-974700 >. Acesso em: 04 de outubro de 2023.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 36076 / MG. Relator: Min. Garcia Vieira. Primeira Truma. Julgado em: 0312/1998. Disponível em: < https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.1:acordao;resp:1998-12-03;36076-255184 >. Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1493162 / DF. Relator: Min. Herman Benjamin. Segunda Turma. Julgado em: 25/11/2014. Disponível em: < https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2014-11-25;1493162-1405619 >. Acesso em: 04 de outubro de 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1493162 / DF. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Primeira Seção. Julgado em: 14/10/2020. Disponível em: < https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;secao.1:acordao;eresp:2020-10-14;1493162-1994828 >. Acesso em: 04 de outubro de 2023.
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[1] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo – 8.ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. P. 189
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 796376. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgado em: 04 de Agosto de 2020
[3] CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues de; LUSTOZA, Helton Kramer; DIAS JR, Antonio Augusto. Tributos em Espécie. 9. Ed. São Paulo: Juspodivm, 2022. P. 1.074
[4]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1294969. Relator: ministro Luiz Fux. Julgado em: 11/02/2021.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 1.760.009-SP. Relator: Min. Herman Benjamin, Segunda Turma. Julgado em: 19/04/2022.
[6] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O fato gerador de ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do imóvel, mesmo no caso de cisão de empresaa. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/82e6f7a80579e43e8bab4e86e7e25620>. Acesso em: 04/10/2023
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 813620/BA. Relator: Ministro Humberto Martins. Julgado em: 17 de dezembro de 2015.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 659008 / RJ. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em: 07 de abril de 2015.
[9] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 189.
[10] CASTRO, Renério. Manual de Direito Administrativo. 3. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023. P. 1027
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1446249 / SP. Relator: Ministro OG Fernandes, T2 – Segunda Turma. Julgado em: 21/09/2017
[12] ORTEGA, Evandro; VIEIRA, Leonardo. Manual de Direito e Processo Tributário. 2 ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022. P. 747
[13] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 722752 / RJ. Relator: Ministro Herman Benjamim, Segunda Turma. Julgado em: 05/03/2009
[14] CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues de; LUSTOZA, Helton Kramer; DIAS JR, Antonio Augusto. Tributos em Espécie. 9. Ed. São Paulo: Juspodivm, 2022. P. 1.065
[15] CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues de; LUSTOZA, Helton Kramer; DIAS JR, Antonio Augusto. Tributos em Espécie. 9. Ed. São Paulo: Juspodivm, 2022. P. 1.067
[16] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 723587 / RJ. Relator: Min. Eliana Calmon. Segunda Turma. Julgado em: 05/05/2005
[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 36076 / MG. Relator: Min. Garcia Vieira. Primeira Turma. Julgado em: 03/12/1998.
[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1493162 / DF. Relator: Min. Herman Benjamin. Segunda Turma. Julgado em: 25/11/2014.
[19] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1493162 / DF. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Primeira Seção. Julgado em: 14/10/2020.
[20] CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues de; LUSTOZA, Helton Kramer; DIAS JR, Antonio Augusto. Tributos em Espécie. 9. Ed. São Paulo: Juspodivm, 2022. P. 1.070
[21] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel viabiliza a restituição do valor recolhido pelo contribuinte a título de ITBI. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8558cb408c1d76621371888657d2eb1d>. Acesso em: 24/09/2023
BACHAREL EM DIREITO (ICF); PÓS GRADUADA EM DIREITO CONSTITUCIONAL APLICADO (FACULDADE DÁMASIO) e PÓS GRADUADA EM DIREITO PÚBLICO (FACULDADE LEGALE)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIANA COSTA PáDUA, . A anulação do negócio jurídico de transmissão imobiliária e o ITBI Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2023, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63376/a-anulao-do-negcio-jurdico-de-transmisso-imobiliria-e-o-itbi. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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