MURILO SILVEIRA E PIMENTEL[1]
(orientador)
Resumo: A reparação civil nos casos de abandono afetivo causado pelos pais, ou por um dos pais, é um tema de grande relevância no direito de família. Em premissa o abandono afetivo é considerado em nosso ordenamento jurídico como ato reprovável juridicamente, portanto, o presente projeto tem por finalidade apresentar o posicionamento dos tribunais de justiça sobre o dano moral causado pelo abandono afetivo dos pais para com seus filhos e com o objetivo de analisar o abandono afetivo e sua caracterização bem como explanar seu embasamento diante das decisões do superior tribunal de justiça. A metodologia utilizada é de caráter bibliográfica com a função explorativa, proporcionando assim uma melhor qualidade na abordagem. Conclui-se que o afeto é, sem dúvida, essencial nas relações familiares, sendo o pilar que sustenta a qualidade e a saúde dos vínculos familiares, influenciando diretamente na forma como os membros de uma família se relacionam e se desenvolvem emocionalmente.
Palavras-chaves: abandono afetivo; dano moral; superior tribunal de justiça.
Abstract: Civil compensation in cases of emotional abandonment caused by parents, or by one of the parents, is a topic of great relevance in family law. On the premise, emotional abandonment is considered in our legal system as a legally reprehensible act, therefore, the purpose of this project is to present the position of the courts of justice on the moral damage caused by the emotional abandonment of parents towards their children and with the aim of analyze affective abandonment and its characterization as well as explain its basis in light of the decisions of the superior federal court. The methodology used is bibliographic in nature with an exploratory function, thus providing a better quality approach. It is concluded that affection is, without a doubt, essential in family relationships, being the pillar that supports the quality and health of family bonds, directly influencing the way in which family members relate and develop emotionally.
Keywords: emotional abandonment; moral damage; superior Justice Tribunal.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabelece a proteção do ser humano como valor central do ordenamento jurídico brasileiro e traz princípios norteadores do direito de família, como a dignidade da pessoa humana princípio mencionado no art. 1º, inciso III e o princípio solidariedade familiar e a igualdade entre os filhos mencionado no art. 229, ambos da CF/88, independentemente de sua origem. Estes princípios têm grande impacto na discussão sobre reparação civil nos casos de abandono afetivo.
A reparação civil nos casos de abandono afetivo causado pelos pais, ou por um dos pais, é um tema de grande relevância no direito de família. Ele envolve questões complexas e sensíveis relacionadas ao vínculo afetivo entre pais e filhos, bem como aos direitos e deveres familiares assegurados pela Constituição Federal de 1988, o estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil de 2002, pois o abandono afetivo não possui uma legislação própria.
Considerando que em nosso ordenamento jurídico existem inúmeras prerrogativas em favor do cuidado com a criança e com o adolescente pois não há uma lei específica ou regulamento sobre essa temática. Sabe-se que o abandono afetivo é configurado quando há violação nas obrigações que atendam a proteção, o desenvolvimento e bem-estar do menor, os deveres dos pais para com os filhos não se resumem ao auxílio material, devendo abranger, também, o auxílio emocional e afetivo, sob o risco de danos psicológicos inimagináveis e irreparáveis.
Em premissa o abandono afetivo é considerado em nosso ordenamento jurídico como ato reprovável juridicamente, portanto, o presente projeto tem por finalidade apresentar o posicionamento dos tribunais de justiça sobre o dano moral causado pelo abandono afetivo dos pais para com seus filhos e com o objetivo de analisar o abandono afetivo e sua caracterização bem como explanar seu embasamento diante das decisões do superior tribunal de justiça.
Apesar de não haver uma legislação específica que trate exclusivamente do abandono afetivo, os tribunais brasileiros têm reconhecido a importância de considerar essa questão nos casos que chegam a eles. Muitas decisões judiciais têm levado em conta a responsabilidade dos pais não apenas em prover o sustento material, mas também em fornecer apoio emocional e afetivo.
No presente projeto desenvolveu-se através da leitura de artigos científico, doutrina e com a ampla legislação referente ao tema, proporcionando assim uma melhor compreensão do estudo. A metodologia utilizada é de caráter bibliográfica com a função explorativa, proporcionando assim uma melhor qualidade na abordagem, dessa forma, ressalta-se que a pesquisa bibliográfica, procura explicar e discutir um tema com base em referências teóricas publicadas.
1. O poder familiar
O conceito de família vem se adaptando de acordo com os novos tempos, contudo, a responsabilidade civil dos pais sempre será a mesma, normatizada em lei para jamais ser esquecida e deve ser sempre ser respeitada e principalmente cumprida. Ressalta-se que a família é a mais importante das instituições e que o afeto constitui o principal elemento identificador da entidade familiar é uma perspectiva comum em muitas sociedades.
O afeto desempenha um papel fundamental nas relações familiares, pois contribui para o desenvolvimento emocional e psicológico das crianças e adolescentes. Nessa esteira, a família é muitas vezes vista como um ambiente seguro e acolhedor onde o amor, o cuidado e o apoio emocional devem ser proporcionados. Esses aspectos são essenciais para o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes, ajudando-os a construir relacionamentos interpessoais saudáveis, autoestima e resiliência emocional.
No poder de família, cujo termo apenas refere-se aos direitos e responsabilidades que os pais ou responsáveis legais têm em relação aos seus filhos menores de idade. Também é conhecido como "pátrio poder" ou "autoridade parental" em algumas jurisdições. Esse conceito é fundamental no direito de família e abrange uma série de obrigações e prerrogativas dos pais em relação à criação, educação e cuidado de seus filhos.
Segundo os pensamentos de Venosa (2004, p.723), o poder familiar é indisponível, pois é decorrente da paternidade natural ou legal, não pode ser transferido por iniciativa dos titulares, para terceiros, é indispensável no próprio cumprimento das atribuições dos pais, sendo de sustento, educação e educação dos filhos, e por isso não podem ser cerceados em determinados atos, como a necessidade de estudos, estabelecimento de ambientes propícios para o bom desenvolvimento, e ainda adquirir capacidade para administrar seus próprios bens e por fim, é indivisível, somente as incumbências quando os pais são separados e também imprescritíveis, não se extingue, mesmo que jamais possa ser exercido por alguma circunstância, a não ser dentro das hipóteses legais.
Aos pais são incumbidos deveres e responsabilidades, no Estatuto da Criança e do Adolescente estão estabelecidos aos pais deveres e obrigações para o desenvolvimento da criança ou adolescente, consoante artigo 22:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.
Por fim, ressalta-se que o artigo 226, § 5º da Constituição Federal: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Estabelecendo a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres no contexto da sociedade conjugal. Esse princípio é fundamental para promover a igualdade de gênero e reconhecer a importância da equidade nas relações familiares. O Artigo 226 da Constituição Federal trata do direito à família e estabelece diversos princípios e diretrizes relacionados às relações familiares no Brasil, assim no parágrafo 5º apenas ressalta que, tanto homens quanto mulheres têm os mesmos direitos e deveres no que diz respeito à sociedade conjugal, ou seja, no casamento e nas relações familiares.
Nesse mesmo sentido, nas palavras de Gagliano (2013):
Em respeito à própria função social desempenhada pela família, todos os integrantes do núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e dos adolescentes viventes em seu meio. Educação, saúde, lazer, alimentação, vestuário, enfim, todas as diretrizes constantes na Política Nacional da Infância e Juventude devem ser observadas rigorosamente (GAGLIANO; 2013)
O princípio da prioridade absoluta é um conceito legal que atribui precedência a certos direitos, interesses ou ações em relação a outros. Isso significa que, em determinadas circunstâncias, um direito ou interesse específico deve ser protegido ou satisfeito antes de outros, independentemente de qualquer outra consideração. O princípio da prioridade absoluta, está regulado no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Isso significa que ambos os cônjuges têm direitos iguais no casamento e devem compartilhar igualmente as responsabilidades e deveres que surgem desse relacionamento. Essa disposição constitucional é importante porque reconhece a necessidade de eliminar discriminações de gênero nas relações familiares e promover uma sociedade mais justa e igualitária. Ela contribui para a proteção dos direitos das mulheres e para a desconstrução de estereótipos de gênero que possam prejudicar a igualdade nas relações conjugais para beneficiar a criança e ao adolescente.
2. Abandono afetivo e o dano moral
O abandono afetivo é um conceito que se refere à falta de cuidado e atenção emocional por parte dos pais ou responsáveis em relação às crianças ou adolescentes. Ele implica em uma negligência emocional, omissão ou ausência de suporte emocional que é fundamental para o desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças e adolescentes. Esse tipo de abandono pode causar sérios danos psicológicos e emocionais, afetando a formação da personalidade e o bem-estar.
O abandono afetivo causa clara violação aos direitos da personalidade dos filhos que dependem não só do aspecto material, mas, principalmente, do aspecto afetivo em relação aos pais (MATOS, 2017).
Lôbo (2011), acaba definindo abandono afetivo como um dos deveres importantes à paternidade:
[...] o abandono afetivo nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas (LÔBO, 2011, p. 312)
Nessa esteira, o abandono afetivo se refere também à atitude omissiva atribuída ao pai, quando este tem deveres de ordem moral em razão do poder familiar que exerce sobre o filho, “dentre os quais se destacam os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação à prole” (MACHADO, 2012).
É importante ressaltar que o abandono afetivo é uma questão complexa e sensível, e que a intervenção adequada deve priorizar o bem-estar da criança ou do adolescente envolvido.
No que tange o dano, este se apresenta como um elemento necessário para configurar a responsabilidade civil. Assim, não há que se falar em responsabilidade, sem que se aponte para a existência de um dano que deve ser reparado (DIAS, 1995, p. 713). O dano é uma lesão causada a qualquer bem jurídico, inclusive na esfera moral. Por outro lado, cumpre apontar que se refere à lesão ao patrimônio, seja ele fundado em qualquer tipo de relação jurídica (GONÇALVES, 2011, p. 70).
Neste sentido, Dias (2015) defende que:
A lei responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, violam a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral. E quem causa dano é obrigado a indenizar. A indenização deve ser em valor suficiente para cobrir as despesas necessárias para que o filho possa amenizar as sequelas psicológicas (DIAS, p. 542).
A lesão causada pela ausência de afeto proporcionada pelos pais é motivo ensejador para que haja reparação por danos morais. Sobre o dano moral, o Código Civil de 2002, menciona no artigo 186 que “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (Grifo nosso)
Na concepção de Cavalieri Filho (2002), o dano, é sem dúvida, o grande vilão no julgamento da reparação cível. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem danos. Costa (2005) defende qual seria a melhor forma de recompensar o filho que foi criado sem a presença afetiva:
Se o dano é emocional, e não resta dúvida de que o seja, o que se precisa reparar é o sofrimento do filho por não ter recebido o carinho do pai ou da mãe; se atingiu a psique da vítima, causando danos na formação de sua personalidade, a recompensa eficaz seria o tratamento psicológico ou psiquiátrico, com o objetivo de lhes restituir a saúde emocional ou recompor o dano emocional sofrido. Assim, os responsáveis pelo dano deveriam ser constrangidos a pagar por quanto tempo fosse necessário o tratamento terapêutico recomendado por profissional especializado à vítima até a sua total recuperação (COSTA, 2005, p.37).
Nessa esteira, é nessa omissão seja na falta de amor, de carinho e de afeto que se configura o abalo emocional da criança e do adolescente, ressalta-se que a doutrina alega que “O afeto, destarte, é situação relevante para o Direito da Família, mas desprovido de exigibilidade jurídica nas relações em que se apresente voluntariamente. Nessa senda, é por isso que se entende que o abandono afetivo é um ilícito que merece a justa reparação.
Isso por conta de seu inescondível caráter de sentimento humano espontâneo” (FARIAS, 2013. p. 73). Silva (2004, p. 142) acrescenta que: “Não se trata de dar preço ao amor, tampouco de estimular a indústria dos danos morais, mas sim lembrar a esse pais que a responsabilidade paterna não se esgota na contribuição material”.
O princípio do melhor interesse da criança requer que sejam tomadas medidas para prevenir a carência afetiva e para ajudar as crianças que já estão passando por isso. Isso envolve a promoção de ambientes familiares e sociais seguros, saudáveis e amorosos, bem como a conscientização e intervenção em situações em que a criança está em risco de sofrer com a falta de afeto e cuidado.
É responsabilidade de pais, cuidadores, sociedade e autoridades garantir que as necessidades emocionais das crianças sejam atendidas para promover seu desenvolvimento saudável e seu bem-estar. Isso pode envolver a mediação familiar, a terapia, o aconselhamento ou outras formas de apoio emocional para ajudar a mitigar os impactos do abandono afetivo e promover o desenvolvimento saudável da criança ou do adolescente
3. Posicionamento dos Tribunais Superiores
Em algumas jurisdições, o abandono afetivo tem sido objeto de discussão no contexto legal, levando a casos em que os filhos buscam indenização por danos morais ou compensação por essa negligência afetiva por parte dos pais. As decisões judiciais nesses casos podem variar de acordo com a jurisdição e as circunstâncias específicas do caso.
Por se tratar de um tema complexo e bastante discutido nos Tribunais Superiores, o abandono afetivo é analisado conforme cada caso concreto apresentando. Nessa senda o STJ acatou a tese da responsabilidade civil por abandono afetivo em 2012, vejamos:
Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, REsp 1.159.242/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.04.2012, DJe 10.05.2012). (BRASIL, 2012, s/p).
O referido acórdão, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, cujo voto condutor, aduz ser plenamente admissível aplicar o conceito de dano moral nas relações de família, pois, o abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia, presente, implicitamente, no artigo 227 da Constituição Federal, omissão que caracteriza ato ilícito, passível de compensação pecuniária, aplicando-se a ideia de cuidado como valor jurídico (TARTUCE, 2021).
Neste outro julgado, REsp 1887697 RJ em sua fundamentação, declarou que “É juridicamente possível a reparação de danos pleiteada pelo filho em face dos pais que tenha como fundamento o abandono afetivo, tendo em vista que não há restrição legal para que se apliquem as regras da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares e que os arts. 186 e 927, ambos do CC/2002” (STJ, 2022).
Em algumas decisões, os tribunais superiores têm reconhecido a possibilidade de buscar reparação por danos morais devido ao abandono afetivo, estabelecendo que os pais têm o dever de proporcionar afeto e cuidado aos filhos, além das obrigações materiais. Vejamos outras declarações mencionadas da mesma jurisprudência consideradas relevantes sobre a temática:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES FAMILIARES. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS E PERDA DO PODER FAMILIAR. DEVER DE ASSISTÊNCIA MATERIAL E PROTEÇÃO À INTEGRIDADE DA CRIANÇA QUE NÃO EXCLUEM A POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PAIS. PRESSUPOSTOS. AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTE QUE REPRESENTE VIOLAÇÃO AO DEVER DE CUIDADO. EXISTÊNCIA DO DANO MATERIAL OU MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS NA HIPÓTESE. CONDENAÇÃO A REPARAR DANOS MORAIS. CUSTEIO DE SESSÕES DE PSICOTERAPIA. DANO MATERIAL OBJETO DE TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE ALIMENTOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO NESTA AÇÃO.
...
4- A possibilidade de os pais serem condenados a reparar os danos morais causados pelo abandono afetivo do filho, ainda que em caráter excepcional, decorre do fato de essa espécie de condenação não ser afastada pela obrigação de prestar alimentos e nem tampouco pela perda do poder familiar, na medida em que essa reparação possui fundamento jurídico próprio, bem como causa específica e autônoma, que é o descumprimento, pelos pais, do dever jurídico de exercer a parentalidade de maneira responsável. 5- O dever jurídico de exercer a parentalidade de modo responsável compreende a obrigação de conferir ao filho uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, sempre com vistas a não apenas observar, mas efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana, de modo que, se de sua inobservância, resultarem traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis na criança ou adolescente, não haverá óbice para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentados pelo filho.
(STJ - REsp: 1887697 RJ 2019/0290679-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/09/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/09/2021)
Destarte que há em nosso ordenamento jurídico inúmeros instrumentos normativos que garantem a aplicação e proteção das crianças e dos adolescentes acerca da violação dos seus direitos, a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente mencionam diretamente a atribuição de responsabilidade civil ao genitor que atuar de forma negligente em relação à demonstração de afetividade em benefício do filho, na REsp 1159242 SP, também julgado pela Ministra Nancy Andrighi alegou que “ O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88” (STJ, 2009).
O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família (DIAS, 2016, p. 84). Embora o amor em si seja subjetivo e não possa ser regulamentado, os tribunais podem intervir quando o afeto é negligenciado de forma a prejudicar a criança. Portanto, o poder judiciário, em casos de abandono afetivo, está muitas vezes focado em garantir que as necessidades emocionais das crianças sejam atendidas, em vez de impor ou regular o amor em si.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. DANO IN RE IPSA. 1. "A omissão é o pecado que com mais facilidade se comete, e com mais dificuldade se conhece, e o que facilmente se comete e dificultosamente se conhece, raramente se emenda. A omissão é um pecado que se faz não fazendo." (Padre Antônio Vieira. Sermão da Primeira Dominga do Advento.Lisboa, Capela Real, 1650). 2. A omissão não significa a mera conduta negativa, a inatividade, a inércia, o simples não-fazer, mas, sim, o não fazer o que a lei determina. 3. "Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família." (Precedente do STJ: REsp. 1159242/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi). 4. "A indenização do dano moral por abandono afetivo não é o preço do amor, não se trata de novação, mas de uma transformação em que a condenação para pagar quantia certa em dinheiro confirma a obrigação natural (moral) e a transforma em obrigação civil, mitigando a falta do que poderia ter sido melhor: faute de pouvoir faire mieux, fundamento da doutrina francesa sobre o dano moral. Não tendo tido o filho o melhor, que o dinheiro lhe sirva, como puder, para alguma melhoria." (Kelle Lobato Moreira. Indenização moral por abandono afetivo dos pais para com os filhos: estudo de Direito Comparado. Dissertação de Mestrado. Consórcio Erasmus Mundus: Universidade Católica Portuguesa/Université de Rouen, França/Leibniz Universität Hannover. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Trigo. Co-orientador: Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva. Lisboa, 2010). 5. "Dinheiro, advirta-se, seria ensejado à vítima, em casos que tais, não como simples mercê, mas, e sobretudo, como algo que correspondesse a uma satisfação com vistas ao que foi lesado moralmente. Em verdade, os valores econômicos que se ensejassem à vítima, em tais situações, teriam, antes, um caráter satisfatório que, mesmo, ressarcitório." (Wilson Melo da Silva. O dano moral e sua reparação, Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 122). 6. Não se pode exigir, judicialmente, desde os primeiros sinais do abandono, o cumprimento da "obrigação natural" do amor. Por tratar-se de uma obrigação natural, um Juiz não pode obrigar um pai a amar uma filha. Mas não é só de amor que se trata quando o tema é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o abandono e o amor, o dever de cuidado. Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil. 7. "A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça." (Código Civil português - Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966, em vigor desde o dia 1 de junho de 1967, artigo 402º). 8. A obrigação dos progenitores cuidarem (lato senso) dos filhos é dever de mera conduta, independente de prova ou do resultado causal da ação ou da omissão. 9. "O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88."(Precedente do STJ: REsp. 1159242/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi). 10. Até 28 de março de 2019, data da conclusão deste julgamento, foram 21 anos, 2 meses e 20 dias de abandono, que correspondem a 1.107 semanas, com o mesmo número de sábados e domingos, e a 21 aniversários sem a companhia do pai. 11. A mesma lógica jurídica dos pais mortos pela morte deve ser adotada para os órfãos de pais vivos, abandonados, voluntariamente, por eles, os pais. Esses filhos não têm pai para ser visto. No simbolismo psicanalítico, há um ambicídio. Esse pai suicida-se moralmente como via para sepultar as obrigações da paternidade, ferindo de morte o filho e a determinação constitucional da paternidade responsável. 12. "O dano moral, com efeito, tem seu pressuposto maior na angústia, no sofrimento, na dor, assim como os demais fatores de ordem física ou psíquica que se concretizam em algo que traduza, de maneira efetiva, um sentimento de desilusão ou de desesperança." (Wilson Melo da Silva. Idem,p. 116). 13.O dano moral (patema d'animo) por abandono afetivo é in re ipsa 14. O valor indenizatório, no caso de abandono afetivo, não pode ter por referência percentual adotado para fixação de pensão alimentícia, nem valor do salário mínimo ou índices econômicos. A indenização por dano moral não tem um parâmetro econômico absoluto, uma tabela ou um baremo, mas representa uma estimativa feita pelo Juiz sobre o que seria razoável, levando-se em conta, inclusive, a condição econômica das partes, sem enriquecer, ilicitamente, o credor, e sem arruinar o devedor. 15. "É certo que não se pode estabelecer uma equação matemática entre a extensão desse dano [moral] e uma soma em dinheiro. A fixação de indenização por dano [moral] decorre do prudente critério do Juiz, que, ao apreciar caso a caso e as circunstâncias de cada um, fixa o dano nesta ou naquela medida." (Maggiorino Capello. Diffamazione e Ingiuria. Studio Teorico-Pratico di Diritto e Procedura.2 ed., Torino: Fratelli Bocca Editori, 1910, p. 159).16. A indenização fixada na sentença não é absurda, nem desarrazoada, nem desproporcional. Tampouco é indevida, ilícita ou injusta. R$ 50.000,00 equivalem, no caso, a R$ 3,23 por dia e a R$ 3,23 por noite. Foram cerca de 7.749 dias e noites. Sim, quando o abandono é afetivo, a solidão dos dias não compreende a nostalgia das noites. Mesmo que nelas se possa sonhar, as noites podem ser piores do que os dias. Nelas, também há pesadelos. (Acórdão 1162196, 20160610153899APC, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, , Relator Designado:DIAULAS COSTA RIBEIRO 8ª TURMA CÍVEL, TJDFT, 2019).
É possível observar que os tribunais superiores detêm de uma extensa linha de jurisprudência do respectivo tema e fundamento em diversas decisões doutrinarias, ressalta-se que o abandono afetivo também é aplicado nos casos de adoção, importante salientar que não há mais sólido que utilizar-se de suas decisões a respeito da indenização por dano moral provocado pelo abandono afetivo de pais genéticos ou não.
O afeto, o apoio emocional e o desenvolvimento saudável da relação entre pais adotivos e filhos são fundamentais, assim como em qualquer relação parental. Muitos casos envolvendo pais genéticos ou adotivos que tenham causado danos emocionais significativos aos filhos têm sido apreciados pelos tribunais.
É importante observar que as decisões judiciais nesses casos variam, uma vez que cada situação é única. Os tribunais geralmente levam em consideração uma série de fatores, como a gravidade dos danos causados, o grau de negligência ou abandono, e as circunstâncias específicas da relação entre pais e filhos. O objetivo principal é proteger os interesses e o bem-estar das crianças e dos adolescentes, conforme estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal de 1988.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o afeto é, sem dúvida, essencial nas relações familiares, sendo o pilar que sustenta a qualidade e a saúde dos vínculos familiares, influenciando diretamente na forma como os membros de uma família se relacionam e se desenvolvem emocionalmente. Quando esse afeto é negligenciado, seja por pais genéticos, adotivos ou outros responsáveis legais, as consequências podem ser profundas e impactar negativamente a vida das crianças e dos adolescentes.
A jurisprudência tem reconhecido essa importância do afeto nas relações familiares e, em muitos casos, concedido indenizações por dano moral em situações de abandono afetivo. Essas decisões refletem a necessidade de responsabilizar os pais ou responsáveis legais que negligenciam seu papel afetivo e emocional, causando prejuízos aos filhos.
Nessa esteira, a responsabilização por abandono afetivo, sob a ótica do Direito Civil, envolve o uso do Instituto da Responsabilidade Civil para avaliar a ocorrência do dano e determinar a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais. O Instituto da Responsabilidade Civil é uma área do Direito Civil que lida com a reparação de danos causados a terceiros devido a condutas ilícitas ou negligentes.
Por fim, salienta-se que no caso do abandono afetivo, o Direito Civil pode ser aplicado de modo a avaliar se houve uma violação dos deveres dos pais em relação à proteção, ao desenvolvimento e ao bem-estar da criança ou adolescente. Essa avaliação inclui a verificação da ocorrência de danos psicológicos e emocionais às crianças devido à negligência afetiva dos pais. Uma vez que, os deveres dos pais não se limitam apenas ao sustento financeiro dos filhos, mas também incluem o apoio emocional e afetivo.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código Civil. Lei 10.406. De 10 de janeiro de 2002. Disponível em: L10406compilada (planalto.gov.br). Acessado em 28 de maio de 2023.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Disponível em: L8069 (planalto.gov.br). Acessado em 28 de setembro de 2023.
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[1] Mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Alves Faria – UNIALFA; e-mail: [email protected]
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba – UniCerrado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ACACIO, Priscila Garcia. O abandono afetivo percebido a partir das decisões do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2023, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63969/o-abandono-afetivo-percebido-a-partir-das-decises-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 24 dez 2024.
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