FÁBIO GUIMARÃES
NATALIA MARRA
(orientadores)
RESUMO: O principal objetivo do presente trabalho consiste em realizar uma análise aprofundada do direito à desconexão, compreendendo sua origem, seus impactos e as reflexões pertinentes à vida dos trabalhadores, bem como examinar como essa regulação tem sido aplicada nos dias atuais. Nesse sentido, busca-se examinar o surgimento do direito à desconexão e suas bases jurídicas, investigando as principais legislações e normativas que abordam esse tema. Além disso, serão abordados os impactos da falta de desconexão na saúde mental e física dos trabalhadores, destacando-se os desafios enfrentados no ambiente de trabalho contemporâneo, marcado pela hiperconexão e pela constante disponibilidade. Serão levantadas reflexões acerca das demandas e pressões enfrentadas pelos trabalhadores no contexto atual, ressaltando a importância de estabelecer limites entre o trabalho e a vida pessoal, bem como garantir momentos adequados de descanso e desconexão. Será analisado também como essa regulação tem sido aplicada e acolhida nos dias atuais, considerando as decisões judiciais, e a conscientização da sociedade em relação ao direito à desconexão.
Palavras-chave: Direito de Desconexão.Direito ao Descanso. Hiperconexão. Trabalho.
ABSTRACT: The main objective of this work is to carry out an in-depth analysis of the right to disconnection, understanding its origin, its impacts and reflections relevant to the lives of workers, as well as examining how this regulation has been applied today. In this sense, we seek to examine the emergence of the right to disconnection and its legal bases, investigating the main laws and regulations that address this issue. In addition, the impacts of the lack of disconnection on the mental and physical health of workers will be addressed, highlighting the challenges faced in the contemporary work environment, marked by hyperconnection and constant availability. Reflections will be raised on the demands and pressures faced by workers in the current context, emphasizing the importance of establishing boundaries between work and personal life, as well as ensuring adequate moments of rest and disconnection. It will also be analyzed how this regulation has been applied and accepted nowadays, considering court decisions, and society's awareness of the right to disconnection.
Keywords: Right to Disconnect. Right to Rest. Hyperconnection. Work.
A regulação do direito ao descanso é um tema de extrema relevância no contexto contemporâneo, especialmente diante dos impactos da falta de desconexão na saúde mental e física dos indivíduos. Com o avanço da tecnologia e a adoção massiva do trabalho remoto durante o período da pandemia de COVID-19, a fronteira entre o trabalho e a vida pessoal tem se tornado cada vez mais tênue.
A ausência de momentos de desconexão adequados tem acarretado uma série de consequências negativas para os trabalhadores. A constante disponibilidade, a pressão para estar sempre conectado e a sobrecarga de informações têm levado a altos níveis de estresse, exaustão e esgotamento, impactando tanto a saúde mental quanto a física dos indivíduos.
Nesse sentido, é imprescindível compreender os desafios e demandas enfrentados pelos trabalhadores no período pós-pandemia, quando a hiperconexão e a necessidade de estar constantemente disponível se tornaram ainda mais presentes. A busca por uma regulação efetiva do direito ao descanso se mostra fundamental para proteger a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, garantindo-lhes momentos de desconexão necessários para a recuperação física e mental.
Assim, torna-se necessário refletir sobre os aspectos jurídicos e sociais que envolvem a regulação do direito ao descanso, considerando os impactos da falta de desconexão na saúde e a importância de estabelecer mecanismos legais que assegurem o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, visando promover um ambiente de trabalho saudável e sustentável.
Concluindo, o presente trabalho visa contribuir para a compreensão do direito à desconexão por meio de uma abordagem fundamentada e crítica. Seus desdobramentos e sua aplicação prática nos dias atuais, fomentando o debate em torno desse importante tema e visando à proteção da saúde e do bem-estar dos trabalhadores em um contexto cada vez mais conectado e exigente.
2. ESTUDO DA REGULAÇÃO DO DIREITO AO DESCANSO
As tecnologias contemporâneas têm alterado significativamente a natureza do trabalho, transcendendo as restrições tradicionais de jornada e afetando os períodos de descanso dos trabalhadores. Em vez de oferecerem intervalos regulares e oportunidades de repouso, essas tecnologias estendem os dias de trabalho, eliminam as interrupções e impõem uma carga de trabalho mais intensa do que nunca antes experimentada. Esse fenômeno tem um impacto contundente nos períodos destinados à recuperação dos trabalhadores, prejudicando sua capacidade de se restabelecerem de jornadas laborais exaustivas. Além disso, a pandemia da Covid-19 tem acelerado essas transformações, impulsionando mudanças profundas na forma como o trabalho é realizado.
Cronologicamente, a França foi pioneira ao aprovar, em 2016, a Lei da Desconexão, que concedeu aos funcionários o direito de não responder a mensagens eletrônicas, e-mails ou outros tipos de comunicação veiculados por meios telemáticos. Através da LoiTravail, lei que reformou a legislação trabalhista francesa, o parágrafo 7º do artigo L.2242-17 do Código do Trabalho foi introduzido, estabelecendo, pela primeira vez, o direito à desconexão de forma abrangente. Essa lei delimita os limites da conectividade ao trabalho, exigindo que as empresas possuam "sistemas para regular o uso de ferramentas digitais, com o objetivo de garantir o respeito ao descanso, à vida pessoal e familiar do empregado" (BEGA 2020, p.71).
Na França o direito à desconexão foi oficializado mediante a Lei nº 2016-1088, artigo 55 de 8 de agosto de 2016, ele versa sobre questões laborais, modernização do diálogo social e resguardo do percurso profissional, também conhecida como Loi El Khomri ou Loi travail. Esta normativa entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2017. Atualmente, a prerrogativa à desconexão encontra-se estabelecida no artigo L. 2242-17, 7º do Código do Trabalho, o qual estipula que as negociações anuais relativas à igualdade profissional entre mulheres e homens, assim como à qualidade de vida no trabalho, abordarão as modalidades para a plena efetivação, por parte do empregado, de seu direito à desconexão, bem como a implementação, por parte da empresa, de dispositivos reguladores da utilização de ferramentas digitais. Tais medidas visam assegurar o cumprimento dos períodos de repouso e férias, bem como promover o equilíbrio entre vida pessoal e familiar.
É inegável que o trabalho desempenha um papel fundamental na vida das pessoas, sendo uma fonte de subsistência e realização pessoal. No entanto, a excessiva carga de trabalho e a falta de tempo para o descanso podem ter consequências negativas para a saúde física, mental e emocional dos indivíduos. Por esse motivo, é essencial que haja uma regulação adequada para garantir o direito ao descanso.
A determinação da jornada de trabalho é um componente essencial na normatização do direito ao repouso. Esta define o limite máximo de horas qu um trabalhador pode dedicar à atividade laboral, com o propósito de prevenir a exaustão física e mental. Em muitos países ao redor do mundo, a jornada de trabalho é frequentemente sujeita a regulamentação por meio de legislação. Estas leis têm como objetivo estabelecer diretrizes para o número máximo de horas que um empregado pode ser convocado a trabalhar durante um período específico, geralmente ao longo de uma semana. Ademais, tais normativas frequentemente contemplam questões como horas extras, períodos de descanso e folgas.
As leis trabalhistas podem variar consideravelmente de um país para outro e, em alguns casos, até mesmo dentro de diferentes jurisdições dentro do mesmo país. Essas leis são geralmente criadas para proteger os direitos dos trabalhadores, garantindo condições de trabalho justas, promovendo a saúde e segurança no trabalho e equilibrando a relação entre empregadores e empregados.
2.1 Normatização do direito ao descanso no Brasil.
No Brasil o Decreto Lei nº 5.452 de 01 de Maio de 1943 (CLT) dispõem em seu artigo 58 ª seguinte redação sobre a jornada de trabalho.
Art 58- A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
A Constituição Federal complementa a afirmação anterior e estabelecer que
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
[...]
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
[...]
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
No ordenamento jurídico brasileiro, é possível constatar a existência de leis que estabelecem o direito dos trabalhadores ao descanso, bem como ao intervalo interjornada, quando se excede a carga horária de 6 horas. Porém , é necessário observar que essas leis não são detalhadas de forma específica no que diz respeito ao direito à desconexão.
De fato, diferentemente do Brasil, alguns países, como a França e a União Europeia, já têm legislações específicas que abordam o direito à desconexão. Essas legislações refletem uma preocupação crescente em relação aos impactos negativos da constante conectividade no trabalho sobre a saúde e o bem-estar dos trabalhadores.
No entanto, é importante ressaltar que a jurisprudência brasileira tem se posicionado favoravelmente ao reconhecimento desse direito, com decisões judiciais que reconhecem a necessidade de respeitar os períodos de descanso e intimidade dos trabalhadores, mesmo fora do horário de trabalho regular. Conforme evidenciado na jurisprudência a seguir,
DIREITO À DESCONEXÃO DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. JORNADA ILEGAL. ABUSO DO PODER DIRETIVO. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO PELO DANO IMATERIAL. O direito à desconexão do trabalho é de natureza fundamental, patrocinado, ao lado das normas constitucionais e infraconstitucionais de controle de jornada, pelas internacionais de garantia dos direitos humanos, eis que a constante disponibilização para o labor implica malferimento dos direitos ao lazer, ao convíVio social e familiar e à educação. Comprovada nos autos a extrapolação habitual dos limites constitucionais e legais da duração do trabalho (artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal e artigo 59, caput, da CLT), bem como o desrespeito ao descanso semanal do empregado (artigo 1º, Lei 605/1949), com comprometimento da sua integridade física e emocional, conclui-se que a ré agiu de forma abusiva, extrapolando os limites do pode diretivo, devendo responder, assim, pela reparação de ordem moral. Indenização devida. Recurso a que se dá provimento no particular. (TRT-2 XXXXX20145020614 SP, Relator: MARCOS NEVES FAVA, 14ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 05/02/2015) BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. XXXXX20145020614 SP, Relator Marcos Neves Fava, 14ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação 05/02/2015.
Conforme mencionado anteriormente, embora não exista uma legislação específica que aborde o assunto, os tribunais têm demonstrado uma tendência favorável em suas decisões. A jurisprudência apresentada anteriormente ilustra que o tribunal foi favorável à trabalhadora, reconhecendo o seu direito à indenização devido à violação do direito à desconexão.
Diante disso, após a análise do conceito de direito à desconexão por meio da regulação do direito ao descanso, constatamos sua origem e observamos como esse direito tem sido aplicado no Brasil, mesmo na ausência de uma legislação específica. É pertinente observar o impacto negativo que a falta de desconexão dos trabalhadores pode acarretar.
3. IMPACTOS DA FALTA DE DESCONEXÃO DO TRABALHO.
A constante conectividade com o trabalho, principalmente por meio de dispositivos eletrônicos, como smartphones e computadores tem levado a uma invasão do tempo pessoal dos trabalhadores. A ausência de períodos adequados de desconexão pode resultar em consequências adversas para a saúde física e mental dos indivíduos, bem como para o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.
Os trabalhadores tem enfrentado dificuldades para dedicar tempo à família, aos hobbies, ao lazer e ao autocuidado, impactando negativamente os relacionamentos pessoais, a satisfação geral e a qualidade de vida dessas pessoas.
Cardoso expõe com precisão o cenário em que os trabalhadores se encontram atualmente ao ao dizer que
Não é difícil entender por que os trabalhadores dizem que continuam a trabalhar no tempo livre, que continuam preocupados com o trabalho, que se sentem cansados e sem tempo para a família. Sem contar o fato de perderem, cada vez mais, a possibilidade de programar seus tempos de não trabalho. (CARDOSO 2016, p. 70).
A sobrecarga laboral e a persistente conexão digital suscitam uma gama de emoções e sentimentos adversos nos indivíduos, que experimentam uma sensação de sobrecarregamento, temor diante da possibilidade de não atender a todas as demandas, frustração diante de eventuais falhas, ansiedade frente às numerosas exigências e cobranças. Tal excesso de carga laboral induz uma percepção de impotência perante um ritmo acelerado e uma crescente carga de trabalho.
A falta de desconexão contribui para a deterioração das relações interpessoais e da cultura organizacional. Quando os trabalhadores estão constantemente conectados, sem tempo para se desconectar e recarregar ocorre uma diminuição da motivação, do engajamento e da coesão dentro da equipe de trabalho. A falta de limites claros entre o trabalho e a vida pessoal levam a sentimentos de sobrecarga e insatisfação, resultando em um ambiente de trabalho desgastante e desfavorável. Francis Jaurèguiberry aborda a questão do uso excessivo dos meios de trabalho, destacando que “Desconectar significa não estar sempre acessível, não ser controlado à distância durante o tempo de descanso e recuperação (JAURÉGUIBERRY, 2007)”.
É notório, que com o uso excessivo dos meios de trabalho as interrupções constantes no tempo de lazer e momentos familiares, geram uma sensação de invasão no espaço pessoal, tornando difícil separar o tempo dedicado ao trabalho do tempo dedicado à família.
Esses impactos podem resultar em sentimentos de frustração, ressentimento e alienação por parte dos membros da família, podendo afetar a harmonia e o bem-estar familiar como um todo.
3.1 Impactos da tecnologia na saúde mental e física dos trabalhadores
A tecnologia desempenha um papel fundamental no ambiente de trabalho moderno, proporcionando maior conectividade, eficiência e flexibilidade. No entanto, o uso excessivo e inadequado da tecnologia pode ter impactos significativos na saúde mental e física dos trabalhadores.
Em um momento global de aumento dos índices de casos relativos aos transtornos mentais manifestados entre os trabalhadores, pensar na saúde mental no contexto da relação de trabalho é imprescindível, principalmente porque, inobstante suas causas possam também estar associadas a fatores extralaborais, inafastável a premissa ordinária segundo a qual parte importante do tempo diário da pessoa humana se faz envolvida com o labor (PEREIRA, 2019, p. 100).
Em termos de saúde mental, o constante acesso às tecnologias de comunicação podem levar a uma sensação de estar sempre "conectado" ao trabalho, resultando em um aumento do estresse e da pressão para estar disponível a qualquer momento. A sobrecarga de informações, a necessidade de responder imediatamente a mensagens e e-mails e a dificuldade em desconectar- se do trabalho resultam em um esgotamento mental, ansiedade e falta de concentração.
[...] o trabalho em excesso prejudica a saúde mental, gerando, dentre outras doenças, a síndrome de fadiga crônica, relacionada ao estresse, depressão e outros distúrbios psiquiátricos. Além disso, tal excesso impede o descanso necessário ao corpo, que deve valer-se dos intervalos intrajornada e interjornada para uma recuperação adequada, que são suprimidos ou reduzidos ilegalmente diante do trabalho em demasia. Tal preocupação é crescente, já que os trabalhadores brasileiros estão trabalhando e adoecendo cada vez mais. (KLIPPEL, 2016, p.55).
Adicionalmente, a prolongada exposição às telas de computador, smartphones e outros dispositivos eletrônicos pode desencadear uma série de complicações físicas. A manutenção de posturas inadequadas durante o uso dessas tecnologias está associada a desconfortos musculares, fadiga ocular acentuada, dores de cabeça recorrentes e distúrbios do sono. Este último aspecto é particularmente atribuído à emissão de luz azul por esses dispositivos, a qual tem o potencial de interferir nos ritmos circadianos naturais, prejudicando a qualidade do sono e afetando a regulação dos ciclos de vigília e repouso. Assim, o cuidado com a postura e a gestão adequada do tempo de exposição a esses dispositivos são essenciais para mitigar os impactos adversos à saúde física e ao bem-estar geral.
Ao considerarmos e enfrentarmos os efeitos da tecnologia na saúde mental e física dos trabalhadores, é imperativo analisarmos uma consequência potencialmente mais grave decorrente do crescente fenômeno da hiperconexão, caracterizada pelo constante e excessivo uso de dispositivos digitais e plataformas de comunicação, tem se tornado uma ocorrência cada vez mais comum no ambiente profissional.
A Síndrome de Burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, é um estado de exaustão física, emocional e mental que ocorre devido à exposição prolongada a situações de estresse relacionadas ao trabalho.
A síndrome de burnout é um distúrbio psíquico caracterizado pelo estado de tensão emocional e estresse provocados por condições de trabalho desgastantes. (VARELA, 2011, p. 01).
A Síndrome de Burnout, infelizmente, tornou-se uma presença significativa no atual cenário profissional, demandando abordagens colaborativas para o seu enfrentamento. Suas raízes são variadas, abrangendo desde a sobrecarga laboral e pressões incessantes até a hiperconexão digital, ambientes de trabalho desfavoráveis, conflitos interpessoais e desequilíbrio prejudicial entre a esfera profissional e a vida pessoal. Diante desse panorama complexo, é imperativo adotar medidas integradas que considerem a interação desses diversos elementos, promovendo ambientes laborais mais saudáveis e sustentáveis.
[...] A síndrome se manifesta especialmente em pessoas cuja profissão exige envolvimento interpessoal direto e intenso. Sua principal característica é o estado de tensão emocional e estresse crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes e prolongadas. (VARELA, 2011, p. 01).
Nesse contexto, o direito à desconexão surge como uma medida de prevenção e combate à Síndrome de Burnout. Trata-se do direito do trabalhador de se desligar do trabalho durante períodos de descanso e fora do horário de expediente, sem sofrer pressões ou demandas laborais. O objetivo é garantir que os profissionais tenham tempo adequado para descansar, recuperar-se mental e emocionalmente, e dedicar-se às atividades pessoais e familiares.
Os efeitos do stress excessivo refletem-se também, de modo geral, na sociedade. Uma sociedade saudável e desenvolvida requer a somatória das habilidades dos seus cidadãos. Se o stress está muito alto no país, ou na comunidade, os adultos podem se tornar frágeis, sem resistência aos embates e dificuldades da vida. (LIPP E MALAGRIS 2001 p. 475-489).
Em resumo, o direito à desconexão desempenha um papel relevante na prevenção da Síndrome de Burnout. É fundamental que os trabalhadores tenham a oportunidade de se desconectar do trabalho, recuperar-se e dedicar tempo às suas vidas pessoais. A conscientização sobre esse direito, aliada a políticas organizacionais e a uma eventual regulamentação legal específica, contribui para a promoção de ambientes de trabalho saudáveis e para o bem-estar dos profissionais.
O Ministerio da Saúde lista os principais sintomais que podem indicar a Síndrome de Burnout são eles, cansaço excessivo, físico e mental, dor de cabeça frequente, alterações no apetite, insônia, dificuldades de concentração, sentimentos de fracasso e insegurança, negatividade constante, sentimentos de derrota, desesperança e incompetência, alterações repentinas de humor, isolamento, fadiga, pressão alta, dores musculares, problemas gastrointestinais e alteração nos batimentos cardíacos. Os sintomas geralmente começam de maneira sutil, mas têm uma tendência a se agravar com o tempo. É comum as pessoas pensarem que são apenas problemas temporários. No entanto, para prevenir complicações mais sérias associadas à Síndrome de Burnout, é crucial buscar apoio profissional ao primeiro sinal de qualquer desconforto. O que parece ser algo passageiro pode ser o ponto inicial dessa síndrome, e agir precocemente faz toda a diferença.
O ciclo vicioso de trabalho excessivo foi agravado com a era digital trazida pela pandemia do COVID-19. É pertinente analisar como a falta de desconexão afetou os trabalhadores diante desse cenário de crise sanitária.
A era digital e a hiperconexão têm transformado significativamente a forma como vivemos e trabalhamos. Com o avanço das tecnologias e a ampla disponibilidade de dispositivos eletrônicos e conexões de internet, estamos cada vez mais conectados e interligados em um mundo digital.
A hiperconexão, caracterizada pela constante disponibilidade e acesso instantâneo a informações, comunicação e ferramentas de trabalho, trouxe inúmeras facilidades e benefícios para a sociedade. No entanto, também trouxe desafios e impactos em diversos aspectos de nossas vidas, incluindo o ambiente de trabalho.
No contexto profissional, a hiperconexão tem levado a uma crescente expectativa de disponibilidade e resposta imediata, independentemente do horário ou local. Os profissionais muitas vezes se veem pressionados a estar sempre online, a responder e-mails e mensagens fora do horário de trabalho, a participar de videoconferências e a acompanhar as demandas de forma constante, impossibilitando o empregado de gozar do seu direito a desconexão.
No âmbito da legislação brasileira referente à pandemia de COVID-19, há uma série de normas que estabelecem medidas e diretrizes para lidar com a emergência de saúde pública decorrente do vírus. Um exemplo importante é a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que aborda especificamente as ações a serem adotadas nesse contexto.
Neste contexto legal, as autoridades competentes estão facultadas a implementar, dentro dos limites de suas atribuições, diversas medidas, incluindo aquelas relacionadas ao isolamento e quarentena. Este cenário implica em modificações na dinâmica laboral, demandando que tanto o colaborador quanto o empregador se adequem e adotem as medidas pertinentes.
No que se refere ao teletrabalho também conhecido como home officie durante a pandemia COVID-19, a Medida Provisória nº 1.046, de 27 de abril de 2021, estabelece diretrizes e regulamentações específicas para viabilizar o trabalho remoto durante a pandemia, com o objetivo de assegurar a continuidade das atividades laborais em um formato adaptado às restrições impostas pela situação de emergência.
Art. 2º Para o enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) e a preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, entre outras, as seguintes medidas:
I - o teletrabalho;
[...]
Art. 3º O empregador poderá, a seu critério, durante o prazo previsto no art. 1º, alterar o regime de trabalho presencial para teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância, além de determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
§ 1º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, hipótese em que se aplica o disposto no inciso III caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio 1943.
No entanto, mesmo diante dessas medidas regulatórias, alguns desafios se apresentam no que diz respeito à desconexão adequada. O trabalho remoto, em particular, pode dificultar a regulação apropriada do descanso. A constante disponibilidade de e-mails e outras ferramentas de trabalho, acessíveis a qualquer momento, torna o processo de desconectar-se um desafio. A sensação de estar sempre disponível e a tentação de atender demandas a qualquer hora do dia podem ter um impacto negativo na qualidade de vida e na saúde dos trabalhadores.
O Ministro Claudio Mascarenhas Brandao do Tribunal Superior do Trabalho declarou que “ O avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador’’.
Berman também faz uma crítica pertinente ao panorama contemporâneo, afirmando que a tecnologia moderna promove um "namoro acrítico com as máquinas, acompanhado de um distanciamento profundo do povo" (BERMAN, 2007 p. 37). Essa reflexão destaca a importância de encontrar um equilíbrio entre a utilização das tecnologias e a necessidade de desconexão para preservar o bem-estar e a saúde dos indivíduos.
Em consonância com as reflexões de Berman, Melo complementa o debate sobre a desconexão no contexto contemporâneo. Segundo Melo, a sociedade atual tem sido marcada por uma intensificação das demandas e uma constante pressão por produtividade, o que gera um ambiente propício ao esgotamento e ao desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
[...] fora do horário de expediente, não realize nenhuma atividade relacionada ao trabalho, como atender a chamadas telefônicas ou prestar esclarecimentos por aplicativos de mensagens instantâneas e correio eletrônico. (MELO; RODRIGUES, 2018).
Em suma, tanto Berman quanto Melo apontam a importância de repensar a relação entre trabalho, tecnologia e bem-estar no mundo contemporâneo. A desconexão assume um papel central nesse debate, demandando ações tanto individuais quanto coletivas para promover um equilíbrio saudável entre as demandas profissionais e a vida pessoal, visando à preservação da saúde mental e ao aumento da qualidade de vida dos trabalhadores.
Diante do atual contexto de pandemia causada pela COVID-19, é pertinente abordar um caso paradigmático que foi objeto de pronunciamento por parte do Tribunal Superior do Trabalho. Nesse cenário, o referido órgão judicial emitiu uma interpretação alinhada aos direitos fundamentais sociais do trabalhador. Os trechos da Ementa¹ que se seguem elucidam a posição adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho a respeito deste importante tema.
[...]
A precarização de direitos trabalhistas em relação aos trabalhos à distância, pela exclusão do tempo à disposição, em situações corriqueiras relacionadas à permanente conexão por meio do uso da comunicação telemática após o expediente, ou mesmo regimes de plantão, como é o caso do regime de sobreaviso, é uma triste realidade que se avilta na prática judiciária. A exigência para que o empregado esteja conectado por meio de smartphone, notebook ou BIP, após a jornada de trabalho ordinária, é o que caracteriza ofensa ao direito à desconexão. Isso porque não pode ir a locais distantes, sem sinal telefônico ou internet, ficando privado de sua liberdade para usufruir efetivamente do tempo destinado ao descanso. Com efeito, o excesso de jornada aparece em vários estudos como uma das razões para doenças ocupacionais relacionadas à depressão e ao transtorno de ansiedade, o que leva a crer que essa conexão demasiada contribui, em muito, para que o empregado cada vez mais, fique privado de ter uma vida saudável e prazerosa. Para Jorge Luiz Souto Maior, ‘quando se fala em direito a se desconectar do trabalho, que pode ser traduzido como direito de não trabalhar, não se está tratando de uma questão meramente filosófica ou ligada à futurologia (...), mas sim numa perspectiva técnico-jurídica, para fins de identificar a existência de um bem da vida, o nãotrabalho, cuja preservação possa se dar, em concreto, por uma pretensão que se deduza em juízo’. (AIRR-2058-43.2012.5.02.0464, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 27/10/2017).
Diante desse contexto e com o propósito de normatizar a temática relativa ao direito à desconexão, o Senador Fabiano Contarato propôs o Projeto de Lei 4.044/2020. Este projeto visa alterar o § 2º do art. 244, bem como adicionar o § 7º ao art. 59, além de introduzir os arts. 65-A, 72-A e 133-A ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Tais modificações têm por objetivo estabelecer disposições específicas acerca do direito do trabalhador à desconexão do seu labor, conferindo, assim, maior clareza e respaldo jurídico a esta importante dimensão das relações trabalhistas.
O Projeto de Lei em questão preconiza que o Poder Legislativo detém a prerrogativa de ampliar suas ações com o propósito de atualizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e mitigar possíveis abusos decorrentes do avanço tecnológico. Em um marco inicial, no ano de 2011, o Poder Legislativo empreendeu uma medida inaugural ao acrescentar o parágrafo único ao art. 6º da CLT, equiparando os meios informatizados de comando aos meios diretos de comando. Entretanto, constata-se que a mencionada disposição legal revela-se insuficiente para coibir abusos perpetrados pelos empregadores.
Neste Projeto de Lei, propõe-se a modificação do art. 244, § 2º, da CLT, com o intuito de consagrar em legislação o teor da Súmula 428 do TST, que atualizou o conceito de sobreaviso em conformidade com os avanços tecnológicos.
O sobreaviso configura-se quando há um acordo prévio entre empregador e empregado para que este último permaneça à disposição a qualquer momento. Preservamos o disposto na CLT, estabelecendo que o sobreaviso não pode exceder vinte e quatro horas, e que a remuneração devida será de 1/3 do salário-hora normal para cada hora de sobreaviso acordada.
Adicionalmente, nas horas de descanso em que não houve acordo prévio de sobreaviso, propõe-se a inclusão do novo art. 72-A na CLT, proibindo expressamente que o empregador acione o empregado por meio telemático. As exceções delineadas coincidem com aquelas previstas no art. 61 da CLT, e eventual infração sujeitar-se-á às disposições relativas às horas extraordinárias.
No art. 133-A, apresentam-se obrigações mais rigorosas durante o período de férias, compreendendo a retenção dos dispositivos portáteis de trabalho pelo empregador, a exclusão do empregado de grupos de trabalho de serviços de mensageria (WhatsApp, Telegram, etc.) e a exclusão de aplicativos exclusivos do trabalho (correio eletrônico, etc.). Tais medidas visam prevenir o contato do empregador com o trabalhador durante o desfrute de suas férias.
Para concluir, é imperativo ressaltar a importância, relevância e utilidade intrínseca do Projeto de Lei em questão. Sua promulgação representará uma salvaguarda fundamental para os trabalhadores brasileiros no cenário tecnológico contemporâneo, caracterizado por sua singularidade e novidade. Ao abordar e regular aspectos pertinentes a essa nova realidade, o referido projeto desempenha um papel crucial na preservação dos direitos e na adaptação necessária dos trabalhadores às transformações inerentes ao avanço tecnológico.
Após a elaboração do presente trabalho, tornou-se evidente que a sociedade está imersa em um ciclo vicioso de trabalho excessivo. Embora a opinião dos tribunais e dos doutrinadores seja favorável aos trabalhadores, garantindo-lhes o direito à desconexão, é imperativo estabelecer uma legislação específica que regulamente de maneira precisa e abrangente essa questão.
A ausência de normas específicas podem gerar lacunas e dificultar a plena efetivação do direito à desconexão, bem como expor os trabalhadores a riscos de sobrecarga, esgotamento e prejuízos à sua saúde e bem-estar.
Portanto, é necessário que as autoridades competentes promovam a elaboração e implementação de uma legislação adequada, capaz de estabelecer diretrizes claras e garantir a efetiva proteção do direito à desconexão dos trabalhadores, considerando as particularidades da era digital e as demandas contemporâneas do mercado de trabalho.
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Artigo publicado em 31/11/2021 e republicado em 15/05/2024
graduada em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Luiza Correia De. Direito à desconexão: estudo da regulação do direito à desconexão do trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 maio 2024, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64013/direito-desconexo-estudo-da-regulao-do-direito-desconexo-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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