RESUMO: Este artigo analisou os limites da utilização de câmeras de captação de imagem no ambiente de trabalho, levando em consideração a eficácia horizontal dos direitos fundamentais na relação empregatícia, bem como o poder diretivo do empregador. Discutiu-se nesta pesquisa, o evidente confronto entre os direitos à intimidade e privacidade do empregado e o direito de propriedade do empregador, todos direitos fundamentais devidamente legitimados pela Constituição Federal de 1988. O estudo concluiu que os instrumentos de vigilância não poderão ser utilizados para controlar a produtividade do empregado ou violar seus direitos fundamentais, mas poderão ser lícitos em locais cujo controle se faz necessário para proteger o patrimônio do empregador, bem como em espaços que possuem acesso público.
Palavras-chave: Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Intimidade. Propriedade. Poder empregatício. Câmeras de captação de imagem.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As relações de emprego possuem como um dos requisitos a subordinação jurídica, que conjuntamente ao poder diretivo, garantem ao empregador a faculdade de fiscalizar o ambiente de trabalho e as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores. Em que pese essa evidente faculdade fiscalizatória, a subordinação do empregado não pode ser encarada como uma renúncia a seus direitos fundamentais a contar do momento em que é formalizada sua relação de emprego. Isso porque, o posto do local de trabalho não demarca uma linha para abdicação de seus direitos constitucionais.
Em face do desenvolvimento tecnológico, hoje, uma forma comum de vigilância, é a instalação de câmeras de captação de imagem no estabelecimento empresarial. A aplicação de tecnologia no ambiente de trabalho, obviamente, possui grandes vantagens, como, por exemplo, possibilitar a aplicação do princípio da verdade real, garantindo a demonstração verdadeira dos fatos na ocasião de uma lide, além de proporcionar mais segurança aos trabalhadores. Entretanto, há o risco de tais mecanismos serem manejados de forma desproporcional, abusiva e até ilegal.
A relação empregatícia deve ser marcada pelo princípio da boa-fé. Ao estabelecer um vínculo, empregador e empregado se propõem a construir um liame de confiança mútua, a qual será a base desse contrato. A partir dessa interpretação, parece essencial tentar estabelecer os limites na instalação de instrumentos visuais no ambiente de trabalho, garantindo ao empregador sua prerrogativa fiscalizatória e ao empregado seus direitos fundamentais, na busca de um equilíbrio que deve reger a relação capital-trabalho. Esse é o problema a ser enfrentado nesta pesquisa.
No ponto de vista de seus objetivos, será realizada uma pesquisa exploratória mediante o levantamento de bibliografia, e descritiva das características do vínculo empregatício em prol de atestar as possibilidades de restrição ao poder diretivo do empregador.
O primeiro capítulo, de forma mais geral, abordará a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, sobretudo nas relações trabalhistas. O segundo capítulo analisará o poder empregatício conferido ao empregador em razão do contrato de trabalho. O terceiro capítulo, por fim, buscará responder ao problema desta pesquisa e analisará e exporá os limites da utilização de câmeras de captação de imagem, pelo empregador, no ambiente de trabalho.
1 EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Para Avanci (2013), os direitos fundamentais, além de seu caráter nitidamente subjetivo, possuem um aspecto objetivo, o qual fornece as linhas mestras para todo o ordenamento jurídico, propiciando a irradiação dos direitos fundamentais para além da própria eficácia nas relações privadas, ou aplicação horizontal.
Desta forma, a aplicação dos direitos fundamentais pode ser analisada a partir de sua eficácia vertical e horizontal. Conforme Fernandes (2017) a primeira surgiu como uma forma de regulamentar a relação entre o particular e o Estado, especialmente como limitador do poder deste. Isso porque há presente nesse contexto o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado o que poderia criar uma inferioridade desproporcional do indivíduo. Essa é a forma tradicional de se enxergar os direitos fundamentais.
Por outro lado, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais é aplicada na relação entre particulares. Isto ocorreu, por exemplo, na Alemanha, Portugal e Brasil. Essa posição, também, encontrou eco no STF[1] quando repeliu conduta de associação civil que expulsou sócio ao arrepio do devido processo constitucional (especificamente, contraditório e ampla defesa).
A eficácia dos direitos fundamentais entre particulares é, segundo afirma o Sarmento (2010), uma tendência do paradigma do Estado Democrático de Direito cujos centros encontram-se a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal)[2], a democracia e a Constituição.
Fala-se em eficácia horizontal dos direitos fundamentais, para sublinhar o fato de que tais direitos [...] incidem também sobre relações mantidas entre pessoas e entidades não estatais, que se encontram em posição de igualdade formal (SARMENTO, Daniel, 2010, p. 19).
A situação mais evidente da necessidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações particulares, segundo Cassar (2014) é o contrato de emprego. Nesse caso, apesar da presença da autonomia da vontade, é comum que o empregado, em regra, dependa da manutenção da relação de trabalho para prover seu sustento e de sua família, de modo que se torna hipossuficiente na perspectiva econômica mencionada.
Além dessa dependência econômica, vivenciada no cotidiano das relações, e decorrente da dissociação do trabalhador dos seus meios de produção, de acordo com Garcia (2015) o estado de hipossuficiência do empregado decorre da subordinação jurídica cujo nascimento dá-se com o contrato de trabalho.
Ademais, Paulo e Alexandrino (2014) ensinam que “[...] há um histórico de medidas discriminatórias e de condutas violadoras de direitos constitucionais fundamentais dos trabalhadores adotadas por empresas privadas na relação de emprego [...]”, ocasionando aumento na necessidade de proteção ao empregado.
Importante frisar, conforme Mallet (2009), que a despeito das limitações às quais o empregado está sujeito na relação laboral, a preservação de sua intimidade é essencial. Isso porque, a dignidade está estritamente ligada à honra, que merece ser assegurada.
No mesmo sentido, Souza (2000) destaca que a privacidade deve ser devidamente tutelada, ainda mais em razão de sua fragilidade face às novas tecnologias e, principalmente, porque está diretamente ligada aos aspectos individuais, particulares, de uma pessoa.
O direito constitucional assegura aos indivíduos o direito à intimidade e à privacidade[3], como meios de proteção à dignidade humana. O mesmo texto, no entanto, garante o direito à propriedade[4]. Assim, tanto o empregado quanto o empregador possuem direitos resguardados pela Carta Magna.
Carvalho (2015, p. 4) concluiu ser inevitável a limitação dos direitos discutidos, pois “[...] o ponto central da problemática envolvendo a eficácia horizontal dos direitos fundamentais decorre do fato de que ambas as partes envolvidas são titulares de direitos constitucionalmente assegurados”.
Percebe-se que há uma colisão entre princípios constitucionais, sendo que a solução, aparentemente, não está prevista no texto legal, o que exigirá mais do processo hermenêutico. Essa técnica a ser adotada, segundo afirma Müller (2004), explica-se porque, o enunciado normativo é inconfundível com a norma jurídica. Esta decorre daquele e é o seu significado, após o processo interpretativo, proposto por Alexy (2008). Assim, a colisão desses princípios comporá o caminho para a consubstanciação da norma jurídica a ser aplicada no caso concreto.
Nesse sentido, Coura e Fonseca (2015) entendem que diante das situações nas quais é indispensável a aplicação de princípios, surge a necessidade de buscar o mais convincente argumento pautado pelo Direito e pelas circunstâncias do caso para solucionar o caso concreto. Delgado (2015), ao defender a harmonização dos direitos do empregado com os interesses do empregador leciona:
Esta racionalização e atenuação do poder empregatício, em suas diversas dimensões – diretiva, normativa, fiscalizatória e disciplinar -, não inviabiliza ou restringe o bom funcionamento da livre iniciativa, também garantido pela Constituição. Apenas torna a propriedade efetivamente subordinada à sua função social (art. 5º, XXIII, CF/88), colocando a livre iniciativa como valor social realmente ao lado – e não acima – do valor social do trabalho, como claramente quer a Constituição (art. 1º, IV, CF/88) (DELGADO, 2015, p. 757).
Com isso, é possível concluir pela aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais na relação de trabalho. Essa premissa é imprescindível para resolver o problema desta pesquisa. Antes, entretanto, cabe analisar o poder empregatício conferido ao empregador em razão do contrato de trabalho.
2 AS VERTENTES DO PODER EMPREGATÍCIO NO CONTRATO DE TRABALHO
Na visão clássica, a subordinação na relação de emprego consistia em vigilância e controle constantes do empregador, de modo que o empregado se encontrava em situação de submissão a ordens patronais precisas, e desenvolvia sua atividade sob controle contínuo, além de estar sujeito a sanções disciplinares. Esse conceito tradicional possui a ideia de heterodireção patronal. Hoje, no entanto, esse direcionamento não prevalece, pois cabe aos intérpretes do direito do trabalho estender os direitos dos trabalhadores, garantindo que a subordinação seja limitada pelos direitos fundamentais (PORTO, 2009).
A subordinação que deriva do contrato de trabalho é de caráter jurídico, ainda que tendo como suporte e fundamento originário a assimetria social característica da moderna sociedade capitalista. A subordinação jurídica é o polo reflexo e combinado do poder de direção empresarial, também de matriz jurídica. Ambos resultam da natureza da relação de emprego, da qualidade que lhe é ínsita e distintiva perante as demais formas de utilização do trabalho humano que já foram hegemônicas em períodos anteriores da história da humanidade: a escravidão e a servidão (DELGADO, 2001, p. 303-304).
Segundo Garcia (2015), o poder empregatício pode ser fundamentado por quatro vertentes. A primeira, denominada teoria da instituição, defende que a empresa se confunde com o empregador, de modo que o poder hierárquico está ligado ao objetivo de continuidade da atividade empresarial. O segundo fundamento, refere-se ao poder de direção como direito potestativo, que pode ser exercido pelo empregador independentemente de concordância do empregado. Além dessas, há também corrente que se baseia no direito à propriedade, pois o empregador tem o poder de orientar a produção dos trabalhadores. Por fim, o autor destaca o entendimento de que o poder empregatício é intrínseco ao contrato de trabalho, que torna o empregado subordinado às ordens legais do empregador.
Nessa linha, o empregado encontra-se em posição hierarquicamente inferior, pois dependente do emprego. No entanto, essa subordinação não exclui seus direitos de personalidade. O que ocorre é uma interpretação dessas garantias conjuntamente com os direitos advindos do poder empregatício conferido ao empregador.
Os artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943 reproduzem os conceitos de empregador e empregado respectivamente, concedendo ao primeiro o poder diretivo e estipulando ao segundo subordinação na relação contratual. Para Vasconcelos (2015), apesar deste poder ser legalmente estabelecido, não se pode apresentar com invasivo à liberdade, honra, crença e intimidade do obreiro, elementos estes que compõem o conceito da dignidade da pessoa humana. A partir disso, surge a necessidade de estabelecer limites ao poder do empregador de modo a assegurar os direitos de personalidade do empregado no âmbito do estabelecimento empresarial.
A CLT, em seus artigos iniciais, confere ao empregador o poder intraempresarial, subdividido em quatro espécies, segundo Delgado (2015): (i) poder diretivo, (ii) regulamentar, (iii) fiscalizatório e (iv) disciplinar.
O poder fiscalizatório é o que possui maior destaque no tocante ao monitoramento eletrônico, pois decorre da vigilância exercida pelo empregador em face de seus empregados. Segundo afirma Leite (2015), ele possibilita ao empregador o direito de fiscalizar todo o trabalho do obreiro, bem como a forma de sua realização, a utilização de material e ferramentas para as práticas laborativas.
Apesar do ordenamento brasileiro não possuir limites tão claros para esse controle, a conduta fiscalizatória pode ser orientada pela Constituição de 1988 que proibiu a violação dos direitos do empregado em decorrência de sua subordinação na prestação de serviços ao empregador, sendo tal abuso considerado ilegítimo (DELGADO, 2015).
Acrescenta-se ao poder intraempresarial o direito fundamental de propriedade garantido ao empregador. Nesse passo, o patrimônio correspondente à atividade empresarial pode ser protegido pelo empregador, sendo que o controle por imagens seria uma das possíveis formas de garantir essa segurança. No entanto, argumenta Correia (2017) que o risco do empreendimento pertence exclusivamente ao empregador, não podendo ser transferido a seus empregados. Assim, essa fiscalização não pode avançar a ponto de ferir a dignidade do trabalhador.
Ora, o poder diretivo do empregador não pode perpassar os direitos fundamentais do empregado, sendo, por exemplo, limitados pela intimidade e privacidade do empregado. Esse será o tema do próximo capítulo.
3 LIMITES DA UTILIZAÇÃO DE CÂMERAS DE CAPTAÇÃO DE IMAGEM NO AMBIENTE DE TRABALHO
A temática das câmeras de captação de imagem não é regulamentada expressamente pela CLT, portanto, os casos concretos são desvendados pela jurisprudência com o apoio da doutrina, que se utilizam dos parâmetros trazidos pela Constituição Federal de 1988.
Refletindo sobre o tema revistas pessoais, em sintonia com o assunto abordado, Garcia (2015) assevera que quando houver
Conflito entre o direito de propriedade (do empregador) e os direitos à intimidade e privacidade (do empregado), devem prevalecer estes últimos, pois ligados ao preceito magno de dignidade da pessoa humana, conforme a ponderação dos valores em confronto, exigida pela aplicação do princípio da proporcionalidade (GARCIA, 2015, p. 367).
Uma das características do contrato de trabalho é a assunção de riscos do negócio pelo empregador, de modo que a justificativa de que as câmeras de monitoramento possuem finalidade de proteção ao patrimônio da empresa em detrimento à privacidade e intimidade do empregado parece desrazoável.
Assim, a instalação de câmeras de monitoramento no ambiente de trabalho dos empregados demonstra uma conduta intrusiva e desproporcional quando sua finalidade é exclusivamente fiscalizar o desempenho produtivo do trabalhador.
Ademais, segundo Cassar (2014, p. 227) presume-se que tanto os empregados quanto o empregador, “[...] devem comportar-se de acordo com um padrão ético, moral, de confiança e lealdade que se espera de um homem comum”. Desnecessária, portanto, a vigilância da capacidade produtiva do trabalhador, pois afronta o princípio da boa-fé existente no contrato de trabalho e a confiança entre as partes.
Em sua obra, Barros (2009) pontua que a jurisprudência brasileira admite o controle do empregador por aparelhos audiovisuais, pois essa vigilância poderá ser futuramente utilizada para avaliar a conduta do empregado. No entanto, pondera que esse direito não se estende a todo estabelecimento, devendo sempre ser respeitados os locais íntimos por sua natureza, como banheiros, ou ambientes de descanso como o refeitório ou sala de repouso.
Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho – TST julgou agravo de instrumento, no qual entendeu lícita a adoção de câmeras de vídeo instaladas em locais onde seria mais provável a ação de criminosos, como portaria, tesouraria ou o estacionamento. Na mesma decisão, exemplificou locais reservados à intimidade dos empregados, onde então, seria proibido o monitoramento eletrônico, como banheiros, cantinas, refeitórios ou salas de café. Outro ponto essencial, segundo o órgão julgador, seria o conhecimento pelo obreiro da localização dos equipamentos audiovisuais, evitando situações constrangedoras[5].
No entanto, em decisão mais recente, o mesmo órgão julgador negou o direito à indenização por danos morais, admitindo a instalação de câmeras de captação de imagens e áudio, ainda que sem a ciência do empregado, desde que essas imagens não fossem divulgadas e o monitoramento fosse realizado de forma impessoal no estabelecimento empresarial[6].
Seguindo o entendimento majoritário, o TRT do Mato Grosso editou Súmula regional n.º 20, estabelecendo que “[...] O monitoramento por câmera em vestiário/banheiro configura abuso do poder diretivo por violar a intimidade do trabalhador”[7].
A Organização Internacional do Trabalho - OIT se posicionou sobre essa temática, caracterizando a instalação de aparelho audiovisual no banheiro como “química da intrusão”[8]. Essa expressão, para Burmann (2016), denota o fenômeno da intromissão reiterada na esfera privada do empregado pelo empregador.
O argumento de que o monitoramento por imagens seria uma alternativa à revista pessoal. No entanto, não parece a melhor solução, pois, do mesmo modo, a intimidade e a privacidade do empregado seriam violadas.
Aqui, vale ressaltar que, apesar da legitimidade das câmeras de monitoramento em algumas hipóteses, é inadmissível a utilização dessas imagens com a finalidade de violar aspectos íntimos do empregado, como sua divulgação ou publicação.
Considerando o princípio da proporcionalidade, o empregador deve analisar também se existem outras formas menos invasivas, como exemplo, a combinação de câmeras de monitoramento na fachada externa e introdução de alarmes internamente. Dependendo da atividade, há ainda a possibilidade de vigilância por controle de estoque e entrada e saída de produtos, bem como a instalação de meios magnéticos de detecção de furtos (NUNES, 2011).
Assim, podem ser traçados alguns limites que devem ser verificados quando da instalação das câmeras no ambiente de trabalho em uma tentativa de ajustar o direito de propriedade do empregador e o poder empregatício e a dignidade dos trabalhadores e a máxima eficácia dos direitos fundamentais em um mundo cada vez mais globalizado[9].
Inicialmente, o empregado deve saber da existência e da localização dos mecanismos eletrônicos, sempre observando se a vigilância é feita de forma genérica, pois, o fato de a empresa vigiar determinado empregado ou setor, sem justificativa, pode configurar discriminação. Nesse sentido, dispõe Mallet (2009) que será ônus do empregador demonstrar ter dado ciência ao empregado.
Outro fator essencial é a utilização do instrumento de captação de imagem somente quando inexistir outro meio menos gravoso. Assim, a depender do caso concreto, bastará a instalação de portas com grades, sistema de alarme ou vigilância pessoal. A instalação da câmera de captação de imagem, de acordo com a situação vivenciada, poderá encontra-se como última opção, por ser mais invasiva.
Quanto aos seus objetivos, a instalação de câmeras de captação de imagem deve se abster vigiar a produtividade ou o comportamento do empregado, pois causaria enorme pressão sobre ele e ultrapassaria os limites do poder diretivo do empregador.
Em alguns lugares, como banheiros, vestiários e locais de alimentação, haveria uma vedação absoluta quanto à instalação de câmeras de captação de imagens, por, induvidosamente, afrontarem a intimidade dos trabalhadores. Contudo o TST entendeu que se a instalação de câmeras em vestiários foi demanda dos trabalhadores por meio de negociação coletiva, a empresa não pode ser responsabilizada no caso de uma reclamação individual de invasão de privacidade[10].
Para Nunes (2011), nem mesmo a atuação dos sindicatos, representantes dos trabalhadores, pode garantir ao empregador este direito de vigilância, pois o direito à intimidade e à privacidade são indisponíveis. Nesse sentido, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho autorizando a instalação de câmeras de monitoramento fora desses parâmetros serão considerados inconstitucionais-ilegais.
No entanto, apesar dos diversos impedimentos, parece razoável a instalação de câmeras de monitoramento em locais de acesso público, garantindo ao empregador o direito de proteção de seu patrimônio.
Ademais, o empregador pode ter direito a adotar câmeras de vigilância, mormente quando a atividade exercida pelo empregado ofereça risco à sociedade, como por exemplo, na indústria farmacêutica ou manipulação de produtos radioativos.
Dessa forma, o empregador na condição de fiscalizador da atividade produtiva, deve-se atentar a esses limites e adequar seu poder diretivo aos direitos dos trabalhadores, sob pena de afronta a direitos fundamentais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa analisou a aplicação do direito à privacidade e à intimidade do empregado no ambiente de trabalho, principalmente a partir da instalação de câmeras de captação de imagem como expressão do poder diretivo do empregador.
O primeiro capítulo concluiu pela aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais na relação de trabalho e estabeleceu garantias ao empregador e ao empregado com o fim de preservar seus direitos.
O segundo capítulo explicou o poder diretivo conferido ao empregador na relação de trabalho, com ênfase no poder fiscalizatório. Ademais, negou o caráter absoluto subordinação jurídica do empregado decorrente do contrato de trabalho e relacionou o direito de propriedade do empregador com o risco do negócio.
O terceiro capítulo analisou os limites da instalação das câmeras de captação de imagem no ambiente de trabalho ao passo que ressaltou a indisponibilidade dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Com isso, pode-se perceber que houve o privilégio a subsidiariedade do monitoramento por meio eletrônico e rejeição a fiscalização como forma de controle da produtividade do empregado. Por outro lado, analisou hipóteses em que as câmeras de monitoramento seriam admitidas.
A partir dessa breve análise, a pesquisa concluiu que o direito do trabalho tenta cumprir a missão social de limitar os inconvenientes resultantes da dependência jurídica do obreiro em relação ao seu empregador, configurada pelo evidente exercício do poder de mando a este direcionado.
Não obstante o vácuo legislativo na regulamentação das câmeras de monitoramento no ambiente do trabalho, os casos concretos surgem e o Juiz, diante dessa situação, tem o dever de decidir. O empregador, no exercício de seu poder de fiscalização, sempre deverá respeitar a dignidade humana do trabalhador e seus direitos fundamentais, sendo esses os limites do poder empregatício.
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[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201819/RJ. Relatora Min. Ellen Gracie. Relator para acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Julgamento: 11.10.2005. Segunda Turma. Publicação: DJ 27-10-2006.
[2] Para Canotilho (2003), a dignidade da pessoa humana é o epicentro das normas constitucionais e dos direitos fundamentais, bem como a base dos direitos de personalidade.
[3] Tanto isso é verdade que o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
[4] Segundo a preleção do artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal “é garantido o direito de propriedade”.
[5] Tribunal Superior do Trabalho. AIRR n. 0183040-84.2003.5.05.0011. Data de Julgamento: 21/06/2006, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 10/08/2006.
[6] Tribunal Superior do Trabalho. RR n. 169000-71.2009.5.02.0011. Data de Julgamento: 04/05/2016, Relator Ministro: Caputo Bastos, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 06/05/2016.
[7] Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região. IUJ n. 0000065-09.2015.5.23.0000. Suscitante: Presidente do TRT da 23ª região. Relator: Roberto Benatar. Data de Julgamento: 09/07/2015. Data de Publicação: 15/07/2015.
[8] Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário n. 1024200802403005. Relator Alice Monteiro de Barros, 7.ª Turma. Belo Horizonte, 23/06/2009.
[9] Para Antunes e Alves (2004), dada a transnacionalização do capital e do sistema produtivo, o mundo do labor é cada vez mais transnacional.
[10] Tribunal Superior do Trabalho. RR n. 8-24.2016.5.12.0012. Data de Julgamento: 31/05/2017, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data de Publicação: DJ 02/06/2017.
Graduada em Direito pela UNESC – Centro Universitário do Espírito Santo. Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade CERS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIEVORE, Julia Arpini. Limites do poder diretivo do empregador na utilização de câmeras de captação de imagem no ambiente de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64226/limites-do-poder-diretivo-do-empregador-na-utilizao-de-cmeras-de-captao-de-imagem-no-ambiente-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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