Resumo: Foucault é um filósofo que pode muito bem ser considerado de presença certa nos dias de hoje, a maneira como apresenta as relações de poder, a forma como destaca os governos em seus escritos é semelhante a estar ouvindo ou assistindo um curso ministrado por um professor de graduação atualmente, sua filosofia tem atravessado o tempo, apontando para problemas contemporâneos que no seus dias ainda não eram tão claros, mas que são vislumbrados de forma específica e ainda, sua análise da sociedade, das pessoas e sua relação, por exemplo com as questões sexuais, tem trazido reflexões sobre diversos comportamentos e uma certa compreensão dos porquês, e para além disso, sua demonstração sobre o que a sociedade interpreta como doença mental foi e é um avanço, frente a todas estas ideias postas, Foucault sem dúvida merece uma atenção, para melhor digestão dos fatos que decorrem na atualidade.
Palavras Chaves: Foucault. Filosofia. Contemporâneo. Poder. Sociedade.
Summary: Foucault is a philosopher who can very well be considered current and has a certain presence today, the way he presents power relations, the way he highlights governments in his writings is similar to listening to or watching a course taught by an undergraduate professor, his philosophy has crossed time, pointing to contemporary problems that in his day were not yet so clear, but which are glimpsed in a specific way and also, his analysis of society, people and their relationship, for example with sexual issues, has brought reflections on different behaviors and brought a certain understanding of why, and in addition, his demonstration of what society interprets as mental illness was and is an advance, compared to all these ideas put forward, Foucault without This doubt deserves attention today, to better digest current events.
Keywords: Foucault. Philosophy. Contemporary. Power. Society.
1.Introdução
Foucault estava muito além do seu tempo e hoje se pode perceber que se encaixa perfeitamente nos dias atuais, quando suas ideias não só alcançariam eco, mas a repercussão e seria um convite a reproduzir uma reforma idealizadora.
Pensador de ideias inovadoras não se limitando a apenas uma área, mais sendo plural, avançando em direções necessárias para construção de uma sociedade mais equânime.
Seus textos sobre a saúde mental (chamada erroneamente de loucura, por muitos) foram e são uma luz no acerto para tratar, estudar e compreender quem por várias situações chegaram a esta condição e, como as instituições nem sempre trabalha em prol da recuperação da pessoa, mas em função da disciplina que o Estado dispõe para manter os indivíduos sobre controle.
Ao tratar da política e verificar o Estado de polícia, a governamentalidade, razão de Estado, desnuda a prática de fazer política pincelando em cores cinzas como isso afeta a sociedade, as pessoas. Outrossim, desvenda de maneira muito eficaz o controle mantido por entes deste poder para submeter a todos a um condicionamento pretendido, evidentemente, não pela pessoa.
Nesta esteira apresenta o poder do discurso e suas inúmeras falácias se não compreendido, daí executa a tarefa de apresentar como através disto o controle/disciplina, sua principal ideia em todas as suas digressões pode se estabelecer e se manter, demonstra Foucault ter sido o objetivo fim, para as diversas formas de seguimento.
Esta linha é a espinha dorsal dos seus escritos: controle/disciplina.
A bala de prata disparada pelo filósofo vem na sua última obra, traçando de forma vigorosa a questão da sexualidade em uma divisão surpreendente, “a vontade de saber”, “o uso dos prazeres”, “o cuidado de si”, quando exala a ideia de poder em sua mais absoluta formação.
Na ótica foucaultiana o poder vem através de sua multiforme de controle, quando o verdadeiro objetivo é demonstrado, ficando distante o discurso pré estabelecido, quando a doença mental é usada para estender esta ideia de controle através do poder da internação indiscriminada.
E na política descortina as intenções de tão somente controlar para atingir o ápice do poder/disciplina.
A sociedade em suas mais variadas formas é escancarada para quem quiser enxergar sem a venda calcada por ideias dissipadas e enfim, sua apresentação translucida a forma aparente da verdade se esvai.
Foucault na contemporaneidade é a ideia que deve ocupar as mentes cansadas de promessas infundadas, de propostas que são facilmente descobertas como engodos, de extensão do poder/disciplina a qualquer custo e, os dogmas não raramente impostos por seguimentos sociais que acabam por fundir-se com o Estado para promover a disciplina que desagua no poder.
A liberdade mental para enxergar para além das aparências fantasiosas é a proposta em todo o escrito deste pensador audaz e destemido.
Assim a indagação surge premente; qual o objetivo do controle/disciplina?
Como são as várias faces deste poder?
O que vem a ser este poder disciplinador?
2.O vocabulário foucaultiano
Na ânsia de expor suas ideias, nem sempre fáceis de serem compreendidas, e fixadas, Foucault ousou desenvolver um vocabulário próprio para ao predicar seus ensinamentos pudesse trazer uma compreensão maior do que existia de forma rasa.
Nesta esteira há uma obra que traz em primeira grandeza esta compreensão foucaultiana e transmite em sua abóboda, a grandeza da extensão de ideias expostas pelo pensador.
Como forma primal, veja na ordem exposta no livro como isso é calcado;
Por acontecimento, Foucault entende, antes de tudo de maneira negativa, um fato para o qual algumas análises históricas se contentam em fornecer a descrição. O método arqueológico foucaultiano busca, ao contrário, reconstituir atrás do foto toda uma rede de discursos, de poderes, de estratégias e de práticas. [...]Entretanto, num segundo momento, o termo "acontecimento" começa a aparecer em Foucault de maneira positiva, como uma cristalização de determinações históricas complexas que ele opõe à idéia de estrutura: “Admite-se que o estruturalismo tenha sido o esforço mais sistemático para eliminar, não apenas da etnologia mas de uma série de outras ciências e até mesmo da história, o conceito de acontecimento. Eu não vejo guem pode ser mais anti-estrururalista do que eu'". O programa de Foucault torna-se, portanto, a análise de diferentes redes e níveis aos quais alguns acontecimentos pertencem. (REVEL, 2005, p.13) (Destaques nosso).
A palavra acontecimento no vocabulário usado por Foucault assume destaque, afinal, no texto exposto, se percebe em primeira análise assumir “de maneira negativa”, em “algumas análises históricas”, a ideia de “descrição”.
Destarte ao prosseguir “num segundo momento”, acontecimento assume uma “maneira positiva” trazendo uma cristalização a “determinações históricas” trazendo assim a “ideia de estrutura”.
E com esta ótica chega-se a “análise de diferentes redes e níveis aos quais alguns acontecimentos pertencem”, o que estende a compreensão, propondo além do até então compreendido.
O termo "arqueologia" aparece três vezes nos título da obra de Foucault - Nascimento da clínica. Uma arqueologia do olhar médico (1963), As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas (1966) e Arqueologia do saber (1969) - e caracteriza até o final dos anos 70 o método de pesquisa do filósofo. Uma arqueologia não é uma "história" na medida em que, como se trata de construir um campo histórico, Foucault opera com diferentes dimensões (filosófica, econômica, científica, política etc.) a fim de obter as condições de emergência dos discursos de saber de uma dada época. Ao invés de estudar a história das idéias em sua evolução, ele e concentra sobre recortes históricos precisos – em particular, a idade clássica e o início do século XIX -, a fim de descrever não somente a maneira pela qual os diferentes saberes locais se determinam a partir da constituição de novos objetos que emergiram num certo momento, mas como eles se relacionam entre si e desenham de maneira horizontal uma configuração epistêmica coerente. (REVEL, 2005, p.16) (Destaques nosso).
A palavra arqueologia assume em Foucault um dimensão extra sua descrição “Lato Senso”, nas palavras de Revel, “arqueologia não é uma história”, mas é a construção de “um campo histórico”, dando a possibilidade do pensador de trabalhar em várias frentes, como “filosófica, econômica, científica, política”, entre outras.
Na sua compreensão de pensamento a reflexão a ser pavimentada, não poderia ter um limite imposto, mas através de “recortes históricos precisos”, vai alocando suas ideias partindo, “em particular, a idade clássica e o início do século XIX”, trazendo a lume os diversos saberes, e sua relação entre si, através de novos objetos trazidos à baila.
O termo "controle" aparece no vocabulário de Foucault de maneira cada vez mais frequente a partir de 1971-72. Designa, num primeiro momento, uma série de mecanismos de vigilância que aparecem entre os séculos XVIII e XIX e que têm como função não tanto punir o desvio, mas corrigi-lo, e, sobretudo, preveni-lo: "Toda a penalidade do século XIX transforma-se em controle, não apenas sobre aquilo que fazem os indivíduos - está ou não em conformidade com a lei? – mas sobre aquilo que eles podem fazer, que eles são capazes de fazer, daquilo que eles estão sujeitos a fazer, daquilo que eles estão na iminência de fazer". (REVEL, 2005, p.29) (Destaques nosso).
Trabalha-se a palavra controle, muito importante em todo pensamento de Foucault, pois a partir desta compreensão estabelece sua ideia de sociedade e suas mais variadas formas de viver.
Observa que para se conseguir e manter o poder o controle é sumamente necessário, assim a disciplina e vigilância se faz mister, impondo desta forma, o caudilho de uma sociedade impositiva, quando aqueles que ali sobrevivem, tem restrições grandes em relação a liberdade, direito, justiça entre outras maneiras de se estabelecer.
Ledo engano é pensar que isso acontece só naqueles Estados totalitários, pois, nesses é claro e definido ser o controle visível.
Há sem dúvida um Estado que simula existir liberdade, direito, justiça e tudo que uma pessoa necessita, contudo, aqueles que ousam ir contra algumas situações maleavelmente exposta, verá o rigor que será tratado e toda esta ideia democrática, virá por terra.
Por essa palavra 'governamentalidade', eu quero dizer três coisas. Por governamentalidade, eu entendo o conjunto constituído pelas instituições, procedimento, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer essa forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, como forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança. Em segundo lugar, por governamentalidade, entendo a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência desse tipo de poder que se pode chamar de "governo" sobre todos os outros - soberania, disciplina etc Enfim, por governamentalidade, eu creio que seria preciso entender o resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XVI e XVII Estado administrativo, foi pouco a pouco 'governamentalizado’. A nova governamentalidade da razão do Estado se apoia sobre dois grandes conjuntos de saberes e de tecnologias políticas, uma tecnologia político militar e uma "policia". (REVEL, 2005, p.54,55). (Destaques nosso)
Governamentalidade segue como uma palavra que inaugura um “approuch” traçando um paralelo entre o Estado e seu desejo e a população.
Destarte cumpre reproduzir a visão explicativa de Foucault traçando três formas de enxergar a governamentalidade.
Como primeira análise, “o conjunto constituído pelas instituições, procedimento, análises e reflexões, cálculos e táticas”, neste ponto é importante perceber como as instituições promovidas pelo Estado trabalha como ferramenta de apoio para construção desta maneira de intransitiva posta por este poder.
Numa segunda análise que “em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência desse tipo de poder que se pode chamar de "governo" sobre todos os outros”, percebe-se a sintonia existente, ainda nos dias atuais de ocidente o oriente, e como o primeiro impôs sua resoluta razão de governamentalidade, usando da utopia mecânica vergada pela pseudo democracia.
E por fim, em última análise é “preciso entender o resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XVI e XVII Estado administrativo, foi pouco a pouco 'governamentalizado’”, num recorte histórico cirúrgico, traz a ideia pungente dos séculos XVI e XVII, recolocando o Estado que exercia função administrativa e que foi se tornando “governamentalizado”.
3.O controle aparentemente justificado
Na esteira da ideia foucaultiana de se estabelecer o poder através da governamentalidade, exsurge a forma como se poderia estabelecer um modelo que transmitiria a ideia de segurança, contudo, havia a mais cruel maneira de controlar e disciplinar a população.
O método usado foi o de internação por motivos da chamada loucura e, a lista daqueles passivos desta condição era sem precedentes.
A chamada medicina mental assume um papel de protagonista para esta nova fase;
Como a medicina orgânica, a medicina mental tentou, inicialmente, decifrar a essência da doença no agrupamento coerente dos sinais que a indicam. Constituiu uma sintomatologia na qual são realçadas as correlações constantes, ou somente frequentes, entre tal tipo de doença e tal manifestação mórbida: a alucinação auditiva, sintoma de uma estrutura delirante; a confusão mental, sinal de tal forma demente. Constituiu, por outro lado, uma nosografia onde são analisadas as próprias formas da doença, descritas as fases de sua evolução, e restituídas as variantes que ela pode apresentar: haverá as doenças agudas e as crônicas; descrever-se-ão as manifestações episódicas, as alternâncias de sintomas, e sua evolução no decorrer da doença. (FOUCAULT,1975, p.6). (Destaques nosso).
Na escrita de Foucault ele expõe o problema com pinceladas que apresentam a situação, veja “decifra a essência da doença”, na tentativa de não apenas produzir internações compulsórias.
Nesta linha seria necessária uma estratégia humanista, visando diminuir os que realmente tinham problemas nesta ordem, sendo que muitos nem isto possuía.
Esse esquema da quarentena foi um sonho político−médico da boa organização sanitária das cidades, no século XVIII. Houve fundamentalmente dois grandes modelos de organização médica na história ocidental: o modelo suscitado pela lepra e o modelo suscitado pela peste. Na Idade Média, o leproso era alguém que, logo que descoberto, era expulso do espaço comum, posto fora dos muros da cidade, exilado em um lugar confuso onde ia misturar sua lepra à lepra dos outros. O mecanismo da exclusão era o mecanismo do exílio, da purificação do espaço urbano. Medicalizar alguém era mandá−lo para fora e, por conseguinte, purificar os outros. A medicina era uma medicina de exclusão. O próprio internamento dos loucos, malfeitores, etc., em meados do século XVII, obedece ainda a esse esquema. Em compensação, existe um outro grande esquema político−médico que foi estabelecido, não mais contra a lepra, mas contra a peste. Neste caso, a medicina não exclui, não expulsa em uma região negra e confusa. O poder político da medicina consiste em distribuir os indivíduos uns ao lado dos outros, isolá−los, individualizá−los, vigiá−los um a um, constatar o estado de saúde de cada um, ver se está vivo ou morto e fixar, assim, a sociedade em um espaço esquadrinhado, [...] (FOUCAULT, www.sabotagem.cjb.net p.52) (Destaques nosso)
É necessário obter o devido conhecimento do porquê e como acontecia o tratamento médico e qual era o alvo, que nem sempre contemplava de fato e de verdade o bem estar de quem estava com problemas de saúde mental.
Havia uma busca por parte do universo médico um desejo de também adquirir parte do poder que o Estado desfrutava, afinal, já que havia uma participação intensa da classe médica era justo que houvesse sua participação na aura deste poder.
Evidentemente o Estado não estava disposto a dividir, houve a elaboração de uma política médica para adentrar no campo do poder e, através deste, abrir espaço para também desfrutar da consolidação do controle.
Nesta órbita a internação compulsória de quem oferecesse problemas ditos sociais passou a ser uma regra, sendo que teriam o controle, a vigilância e por extensão, estariam engajados no poder social, com uma parcela bem alta de evidência.
E como demonstração desta inquisição médica, exsurge a seguinte demanda, o louco estabelecido como necessariamente sendo internado, como se vê no texto seguinte;
Em outras palavras, a burguesia não se importa com os loucos; mas os procedimentos de exclusão dos loucos puseram em evidência e produziram, a partir do século XIX, novamente devido a determinadas transformações, um lucro político, eventualmente alguma utilidade econômica, que consolidaram o sistema e fizeram−no funcionar em conjunto. A burguesia não se interessa pelos loucos mas pelo poder; não se interessa pela sexualidade infantil mas pelo sistema de poder que a controla; a burguesia não se importa absolutamente com os delinqüentes nem com sua punição ou reinserção social, que não têm muita importância do ponto de vista econômico, mas se interessa pelo conjunto de mecanismos que controlam, seguem, punem e reformam o delinqüente. (Sic) (FOUCAULT, www.sabotagem.cjb.net p.104) (Destaques nosso).
Toda a construção era na questão como se observa nos mecanismos de controle, o poder que isso poderia trazer através da disciplina imposta da internação de quantidades de pessoas em volume extremamente alto.
E para estender esta realização gigantesca, se faz mister ultrapassar a pessoa do chamado louco, incrementando outros grupos de pessoas.
Nos meados do século XVII, brusca mudança; o mundo da loucura vai tornar-se o mundo da exclusão. Criam-se (e isto em toda a Europa) estabelecimentos para internação que não são simplesmente destinados a receber os loucos, mas toda uma série de indivíduos bastante diferentes uns dos outros, pelo menos segundo nossos critérios de percepção: encerram-se os inválidos pobres, os velhos na miséria, os mendigos, os desempregados opiniáticos, os portadores de doenças venéreas, libertinos de toda espécie, pessoas a quem a família ou o poder real querem evitar um castigo público, pais de família dissipadores, eclesiásticos em infração, em resumo todos aqueles que, em relação a ordem da razão, da moral e da sociedade, dão mostras de "alteração". E com este espírito que o governo abre, em Paris, o Hospital geral, com Bicetre e la Salpetrière; um pouco antes são Vicente de Paula tinha feito do antigo leprosário de Saint-Lazare uma prisão deste gênero, e logo depois Charenton, inicialmente hospital, alinhar-se-á nos modelos destas novas instituições. Na França, cada grande cidade terá seu Hospital geral. (FOUCAULT, 1975, p.54). (Destaques nosso).
A vértice se amplia ultrapassando a pessoa chamada louca e aumentando a lista e muito, a ponto de ampliar o número daqueles que seriam tidos como dignos de saírem da sociedade, para aí sim, estar sobre o controle do Estado.
Não era e nunca foi um tratamento na base de cura, ou mesmo de melhorar a condição daqueles que de fato sofria de alguma doença mental, era uma forma de impor o poder do estado, uma disciplina de obediência cega, sem questionamento para um controle absoluto da sociedade.
Esta política médica/psiquiátrica seguia esta conduta, sem base medicamentosa ou de cuidado, apenas e tão somente de imposição.
O problema não era mostrar que tinha se formado na cabeça dos psiquiatras certa teoria, ou certa ciência, ou certo discurso com pretensões científicas, que teria sido a psiquiatria e teria se concretizado ou teria encontrado seu lugar de aplicação no interior dos hospitais psiquiátricos. Tampouco se tratava de mostrar como instituições de encerramento que existiam havia muito tempo tinham secretado, a partir de determinado momento, sua própria teoria e sua própria justificação numa coisa que havia sido o discurso dos psiquiatras. Tratava-se de estudar a gênese da psiquiatria a partir e através das instituições de encerramento que estavam original e essencialmente articuladas a mecanismos de jurisdição em sendo bastante lato - pois o fato era que se tratava de jurisdições de tipo policial, mas em todo caso, por enquanto, nesse nível, isso não tem muita importância – e que, a partir de certo momento e em condições que se tratava precisamente de analisar, foram ao mesmo tempo sustentadas, substituídas, transformadas e deslocadas por processos de veridição. (FOUCAULT,2008, p.47). (Destaques nosso)
O nome aplicado é “instituições de encerramento”, um mecanismo basilar, voltado a “processos de veridição”.
Há após esta situação imposta uma mudança de prisma, o que exigia um controle da pessoa, passa por uma nova etapa, o controle do tempo.
E com esta nova ótica os meios empregados mudam, mas não a base que continua sendo de um controle e disciplina.
4.A disciplina dos corpos dóceis
Na mudança necessária pelo desgaste natural da imposição vexatória e sem motivo minimamente justificada.
Nesta mudança aparente de postura pode se verificar a ânsia de se manter o tão desejado poder, através da disciplina numa proposta aparentemente diferente, contudo, havia a mesma disposição.
Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas entretanto são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica — movimentos, gestos atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças [...] (FOUCAULT,1987, p.163). (Destaques nosso)
Há mudança para um esquema “de docilidade” demonstra o quão interessado estava o Estado em controlar sob qualquer base, mesmo tendo que mudar a perspectiva.
Destarte haja esta mudança “o corpo é objeto de investimentos”, assim sendo, para alcançar a medida de disciplina necessária se faz mister haver este controle, através de imposição “limitações, proibições ou obrigações”.
E na base da coerção exerce a disciplina numa imposição ainda mais bem articulada, a ponto de oferecer aquele discurso de mudança de órbita do que era para uma revolucionária estética apriorística.
Foucault apresenta as múltiplas formas de disciplina;
Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes. Diferentes também da domesticidade, que é uma relação de dominação constante, global, maciça, não analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma da vontade singular do patrão, seu “capricho”. Diferentes da vassalidade que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqua e que se realiza menos sobre as operações do corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais da obediência. Diferentes ainda do ascetismo e das “disciplinas” de tipo monástico, que têm por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade e que, se implicam em obediência a outrem, têm como fim principal um aumento do domínio de cada um sobre seu próprio corpo. O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano [...] (FOUCAULT, 1987, p. 164). (Destaques nosso)
Na compreensão posta nesta postulação de uma sociedade disciplinar o poder é o elemento mais importante, não distante e nem etéreo.
A ideia disciplinar é visualmente requerida na punição e daí chegando a constituição dos corpos. Neste ponto a disciplina exerce uma produção desenvolvida pelos corpos que sejam mais regulares na produção economicamente e minimamente questionadores da política vivenciada.
Assim a esfera a ser atingida não perde seu foco, muito pelo contrário, mantem-se e cresce levando as pessoas acreditarem num novo paradigma.
Sob a suavidade ampliada dos castigos, podemos então verificar um deslocamento de seu ponto de aplicação; e através desse deslocamento, todo um campo de objetos recentes, todo um novo regime da verdade e uma quantidade de papéis até então inéditos [...] (p.26) os métodos punitivos não como simples conseqüências de regras de direito ou como indicadores de estruturas sociais; mas como técnicas que têm sua especificidade no campo mais geral dos outros processos de poder. Adotar em relação aos castigos a perspectiva da tática política. [...] (p.27) Mas podemos sem dúvida ressaltar esse tema geral de que, em nossas sociedades, os sistemas punitivos devem ser recolocados em uma certa “economia política” do corpo: ainda que não recorram à castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam métodos “suaves” de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata — do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição e de sua submissão [...] (FOUCAULT, 1987, p.26,27,28) (Destaques nosso)
O controle requerido é o da submissão, para alcançar tal medida é de suma importância aplicar na “economia política do corpo”, só assim “os métodos suaves” podem funcionar como uma demonstração visível de quem pode exercer este poder, além de transubstanciar a gênese do controle.
Nada mais sórdido pode se verificar frente a estas técnicas expostas, pois na imagem de mudança, impõe algo muito mais determinante para coerção dos sentidos humanos.
A ótica foucaultiana se sobrepõe as questões de minucias, propondo que se começa em sua compreensão um novo momento muito mais impositivo, mesmo que sem os castigos sangrentos, mesmo sem as punições massacrantes impostas ao corpo.
Essas sociedades diferiam das primeiras porque, não sendo religiosas, não tinham o objetivo de fazer reinar uma disciplina endógena. Por definição, seus membros eram estatutariamente virtuosos. Os controles eram exercidos exclusivamente sobre elementos externos, e isso em feito de duas maneiras: por um lado, por meio de algumas intervenções, pressões e ameaças; por outro, caso estas falhassem, passava-se a um segundo tipo de intervenção nos tribunais: denúncia, ação judicial. Tinha-se ai uma intervenção que incidia essencialmente na moralidade e cuja primeira forma foi da ordem do conselho moral, da exortação, mas cuja segunda forma foi puramente jurídica, como se tais sociedades tivessem o objetivo de forçar o poder judiciário a garantir a conjunção entre o campo da moral e o da legalidade. (FOUCAULT,2015, p.96) (Destaques nosso).
Na linha das sociedades anteriores, Foucault considera alguns pontos importantes, “os controles” por não ser de cunho religioso, usa de “elementos externos”, tendo duas composições, a primeira “intervenções, pressões e ameaças” de forma bem evidente. A segunda “tribunais: denúncia, ação judicial”.
Outrossim uma tem seu alcance na forma mais externa possível, quando se impõe através de elementos impositivos. Já a segunda forma usa dos tribunais para através de denúncias e ação judicial impor o poder, a disciplina; conjugando com a moral e legalidade.
Considerações Finais
Na análise foucaultiana a disciplina é posta como forma de alcançar o poder.
Este poder é exercido para impor a vontade de controle, sem que haja questionamentos e problemáticas, a aceitação tem que ser tácita.
Assim não é incomum, verificar este tipo de poder exercido nas diversas sociedades atuais, afinal, para se tomar decisões que afetam diretamente a maioria das pessoas, não se pode transigir com a vontade popular.
O poder exercido pelo Estado encontra seu aporte na forma de imposições, pressões e ameaças.
A coerção é uma ferramenta muito usada na composição desta ideia de controle, pois como controlar multidões se não exercer o medo incontrolável?
E mesmo com as indicadas aparentes mudanças a sociedade segue sob vigilância e disciplina extrema.
Mesmo que aja uma aparência de passividade é algo fantasioso, pois por trás de toda esta aparência há uma fome exacerbada de poder.
As pessoas viventes nesta sociedade nada mais é do que conduzidas forçosamente a seguir, a aceitar, caso contrário sofrerão toda sorte de intimidação em sua múltipla forma para serem disciplinadas e controladas.
Não escolha e não como escapar deste poder.
Foucault através de seus cursos, livros e palestras tentou alertar para este poder insidioso, quando as pessoas são tratadas como joguetes.
Para o filósofo não se conformar com tal tratamento é altamente necessário para mudar o paradigma da sociedade.
A continuidade neste ciclo vicioso é altamente daninho para avanço na humanidade, o que tem sido impedido por este exercício de poder, disciplina e controle sem medidas.
Se inconformar é preciso!
Referências Bibliográficas
FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Edições Tempo, 1975.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. www.sabotagem.cjb.net
FOUCAULT, Michel. A sociedade punitiva. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
Doutorando em Ciência Criminal, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP), Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Mackenzie/SP), Bacharel em teologia e direito, professor de Direito e pesquisador da CNPq .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Antonio Duarte. Foucault, um filósofo para este tempo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2024, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/66428/foucault-um-filsofo-para-este-tempo. Acesso em: 23 dez 2024.
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