Resumo: Este artigo tem como objetivo explorar aspectos conceituais e jurídicos da Pesquisa Clínica no Brasil, adotando uma abordagem jurídico-compreensiva. A pesquisa clínica consiste em estudos científicos envolvendo seres humanos, com a finalidade de avaliar a segurança e a eficácia de tratamentos ou medicamentos em teste, por meio da coleta de dados. O texto apresenta os principais marcos regulatórios relacionados ao tema, abordando tanto as normas nacionais quanto as internacionais que fundamentaram a regulamentação da pesquisa clínica. Por fim, a análise se volta para as especificidades do instrumento jurídico, o contrato, utilizado na formalização das parcerias em pesquisa clínica.
Palavras chave: Pesquisa Clínica – Conceitos – Marcos Regulatórios – Instrumento Jurídico - Contrato de pesquisa clínica.
Abstract: The main feature of this article is to address some conceptual and legal aspects of Clinical Research. Clinical studies are scientific research involving human beings and aim to evaluate the safety and efficacy of a test procedure or medication through data collection. Next, the regulatory frameworks applicable to the species are listed; not only national, but also international ones that were fundamental to the formalization of clinical research. It concludes with the analysis of some of the particularities of the legal instrument (contract) used for the conclusion of clinical research partnerships.
Keywords: Clinical Research - Concepts - Regulatory Frameworks - Legal Instrument - Clinical Research Contract.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos Conceituais da Pesquisa Clínica. 2. Fundamentos Regulatórios da Pesquisa Clínica. 3.Análise dos Instrumentos Jurídicos nos Contratos de Ensaios Clínicos. Considerações Finais. Referências.
Introdução
O presente artigo tem como principal característica a análise de aspectos conceituais e jurídicos da Pesquisa Clínica no Brasil, com ênfase na sua regulamentação e nas implicações legais para os envolvidos. A pesquisa clínica, enquanto campo de investigação científica, assume papel central no desenvolvimento de novas terapias e tratamentos, sendo essencial para a evolução da medicina. Contudo, sua realização demanda uma rigorosa observância de normas éticas e legais, o que justifica a necessidade de uma compreensão aprofundada do seu arcabouço jurídico, tanto no contexto nacional quanto internacional.
O método adotado será o jurídico-compreensivo, com foco na análise dos marcos regulatórios, legislação vigente e doutrina relevante sobre o tema. O objetivo central é compreender o significado e o alcance da pesquisa clínica no Brasil, explorando as normativas que estruturam sua prática e asseguram a proteção dos direitos dos participantes. Serão abordados, nesse sentido, os instrumentos legais que regem a condução desses estudos, como a Resolução CNS nº 466/2012, que estabelece diretrizes éticas para a pesquisa com seres humanos, e as normas internacionais, como a Declaração de Helsinque, que orienta os parâmetros éticos globais para a pesquisa clínica.
Além disso, o artigo analisará os marcos regulatórios específicos que, tanto no Brasil quanto no cenário internacional, fundamentaram a formalização da pesquisa clínica, considerando as normativas de agências reguladoras como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a FDA (Food and Drug Administration), que definem os critérios para a aprovação de novos medicamentos e tratamentos. A interação entre as legislações nacionais e internacionais é crucial, visto que a pesquisa clínica, por sua natureza globalizada, demanda uma regulamentação que permita sua integração com padrões internacionais sem perder de vista as especificidades locais.
Por fim, serão discutidas as particularidades do contrato como instrumento jurídico essencial na formalização das parcerias de pesquisa clínica, destacando os aspectos legais relacionados à responsabilidade, confidencialidade, direitos dos participantes e questões éticas. A celebração desses contratos envolve, entre outras questões, a definição clara de responsabilidades entre as partes envolvidas (patrocinadores, pesquisadores e instituições), bem como o cuidado com a conformidade às normas éticas e legais aplicáveis. A análise crítica dessa ferramenta legal é fundamental para garantir que as pesquisas sejam conduzidas de forma segura, transparente e dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação, visando sempre à proteção dos direitos dos sujeitos da pesquisa e ao avanço científico com responsabilidade.
1.Aspectos Conceituais da Pesquisa Clínica
Inicialmente, é importante esclarecer que a pesquisa, entendida como uma atividade indissociável do ensino e da extensão, tem como objetivo primordial a geração e a ampliação do conhecimento. A pesquisa, portanto, se configura como um processo dinâmico de transformação e evolução social, que contribui para o avanço de diversas áreas, incluindo a medicina. Em especial, o ensaio clínico emerge como um instrumento essencial no desenvolvimento de novos tratamentos, medicamentos e dispositivos médicos, sendo responsável por gerar novos saberes a partir da investigação científica com seres humanos, visando verificar e compreender os efeitos clínicos, farmacológicos e farmacodinâmicos de produtos em estudo.
A pesquisa clínica, ou ensaio clínico, é uma investigação que envolve seres humanos com o objetivo de descobrir, confirmar ou refutar os efeitos clínicos de um medicamento, dispositivo ou procedimento, bem como identificar eventuais reações adversas, além de estudar a farmacocinética e a segurança do produto investigado. Reconhecida como o padrão ouro da medicina baseada em evidências, a pesquisa clínica é crucial para a evolução da saúde pública e privada, sendo essencial na descoberta de tratamentos inovadores e na melhoria das terapias existentes. Trata-se de uma área em que a rigorosidade e a ética no trato com os participantes são pilares fundamentais para o sucesso e a integridade do estudo.
Dentro da pesquisa clínica, diferentes tipos de estudos são realizados, abrangendo áreas como prevenção, diagnóstico, controle de doenças, e impacto psicológico dos tratamentos. Além disso, essa modalidade de pesquisa busca avaliar a eficácia e segurança dos tratamentos, com o intuito de aprovar produtos para comercialização ou novas indicações terapêuticas. O processo de pesquisa clínica é conduzido por médicos especializados, denominados investigadores principais, e envolve a colaboração de centros de pesquisa, hospitais e instituições dedicadas ao estudo. O protocolo de pesquisa, conjunto de documentos que regula e orienta todo o processo de estudo, é um elemento crucial, pois descreve detalhadamente os objetivos, os procedimentos a serem realizados e o perfil dos participantes.
Importante ressaltar que a execução de um ensaio clínico está atrelada ao cumprimento rigoroso das normas estabelecidas no protocolo de pesquisa, que inclui uma série de etapas regulatórias e éticas. Os protocolos de pesquisa clínica devem ser submetidos à análise de comitês de ética em pesquisa (CEP) e, em alguns casos, à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Apenas após a emissão de um parecer favorável é que o estudo pode ser iniciado. Adicionalmente, o financiamento e a execução dos ensaios clínicos, muitas vezes patrocinados por indústrias farmacêuticas, requerem uma supervisão jurídica minuciosa, com a assinatura de contratos que formalizam as obrigações das partes envolvidas e asseguram o cumprimento das normas de confidencialidade e ética.
No Brasil, a pesquisa clínica também se reflete em benefícios para os serviços de saúde pública, profissionais da área e pacientes. Para os serviços de saúde pública, os estudos clínicos podem trazer novas fontes de financiamento, estimular a modernização dos processos e padrões de qualidade e proporcionar maior eficiência nas operações. Para os profissionais da saúde, surgem oportunidades de trabalho e treinamento, além de exposição a padrões de qualidade internacionalmente reconhecidos. Já para os pacientes, os benefícios incluem diagnósticos mais precisos, acesso a tratamentos de ponta e um acompanhamento médico mais rigoroso, o que pode significar melhorias significativas na qualidade de vida e na gestão de doenças complexas.
Em suma, a pesquisa clínica desempenha um papel vital no avanço da ciência e da medicina, contribuindo de forma significativa para a melhoria das condições de saúde da população. Ela se fundamenta em princípios éticos, científicos e legais rigorosos, que garantem a segurança e o bem-estar dos participantes e a qualidade dos dados obtidos. A importância dessa atividade é incontestável, pois representa uma ferramenta crucial para o progresso da ciência e da tecnologia, promovendo o bem-estar humano e, em última análise, transformando a saúde pública e privada de maneira sustentável e inovadora.
Além dos benefícios diretos que os estudos clínicos podem proporcionar aos serviços de saúde pública, profissionais e pacientes, é fundamental destacar a importância do ambiente regulatório e jurídico no qual essas pesquisas são conduzidas. O Brasil adota um sistema regulatório robusto que visa garantir a segurança, a transparência e a ética em todas as etapas dos ensaios clínicos. As regulamentações estabelecem critérios rigorosos para a elaboração dos protocolos de pesquisa, a seleção dos participantes e o acompanhamento contínuo dos estudos. Esses marcos regulatórios são fundamentais para assegurar que os direitos dos participantes sejam respeitados, além de garantir que os resultados das pesquisas sejam válidos e confiáveis, promovendo uma maior confiança tanto na comunidade científica quanto na sociedade em geral.
A atuação dos comitês de ética em pesquisa (CEP) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) é crucial para a manutenção da integridade e da ética nos ensaios clínicos. Esses comitês são responsáveis por revisar e aprovar todos os aspectos dos protocolos de pesquisa, assegurando que os estudos atendam aos padrões internacionais de proteção aos direitos dos participantes e às boas práticas de pesquisa. A presença dessas instâncias de controle ético também contribui para o monitoramento constante dos estudos, permitindo a identificação e correção de possíveis falhas durante a condução dos ensaios, minimizando riscos e garantindo a credibilidade dos resultados. Esse processo de revisão ética é uma das garantias de que a pesquisa clínica no Brasil ocorre dentro de um ambiente seguro e justo.
Porém, é importante reconhecer que, apesar de todo o avanço regulatório e das boas práticas adotadas no Brasil, ainda existem desafios significativos a serem enfrentados na realização de pesquisas clínicas no país. A escassez de recursos financeiros, a burocracia excessiva e a falta de infraestrutura em algumas regiões podem dificultar a execução eficiente de alguns estudos. A colaboração entre o setor público, as indústrias farmacêuticas e as instituições de ensino e pesquisa é essencial para superar esses obstáculos. Um exemplo de colaboração de sucesso é a atuação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que tem desempenhado um papel crucial no apoio a hospitais universitários públicos e na melhoria da infraestrutura de pesquisa clínica. A Ebserh, ao gerenciar hospitais universitários e centros de pesquisa, contribui para o desenvolvimento de ensaios clínicos no Brasil, oferecendo uma infraestrutura adequada e facilitando a implementação de projetos de pesquisa que envolvem novos medicamentos, tratamentos e tecnologias.
Em última análise, a pesquisa clínica não só contribui para a inovação no campo da medicina, mas também desempenha um papel vital na saúde pública ao melhorar a acessibilidade e a qualidade dos cuidados de saúde oferecidos à população. O papel do Brasil no cenário global de pesquisa clínica está em constante crescimento, e o país tem potencial para se tornar um líder na realização de ensaios clínicos que podem mudar a forma como doenças são tratadas em todo o mundo. Com um sistema regulatório sólido, infraestrutura de pesquisa crescente e o apoio de instituições como a Ebserh, o Brasil está cada vez mais preparado para avançar na pesquisa clínica, impulsionando a ciência médica e proporcionando avanços significativos na saúde e bem-estar da sociedade.
2.Fundamentos Regulatórios da Pesquisa Clínica
A pesquisa clínica, embora exista há muitos anos, nem sempre foi realizada de forma regulamentada, uma vez que não havia uma estrutura legal que a embasasse. Durante eventos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, práticas desumanas eram realizadas, como os testes conduzidos por médicos alemães em prisioneiros nos campos de concentração nazistas, resultando em muitas mortes e danos irreparáveis à saúde dos indivíduos envolvidos. Este período sombrio da história destacou a urgência de se estabelecer normas éticas para a pesquisa com seres humanos, a fim de evitar abusos e proteger a dignidade dos participantes.
Com o tempo, marcos regulatórios foram sendo gradualmente criados, tanto a nível global quanto nacional, para orientar e regulamentar as práticas de pesquisa clínica. Um dos principais marcos históricos nesse processo foi a adoção do Código de Nuremberg em 1947, em resposta às atrocidades cometidas durante os experimentos nazistas. Este código introduziu o princípio do consentimento voluntário para participação em pesquisas, uma medida fundamental para garantir o respeito aos direitos dos indivíduos. A Declaração de Helsinque, adotada em 1964, reforçou a importância da aprovação prévia de projetos de pesquisa por comitês de ética, e estabeleceu diretrizes claras para a condução de estudos envolvendo seres humanos.
No Brasil, a regulamentação da pesquisa clínica começou a ganhar forma a partir de 1988, com a criação de diretrizes pelo Conselho Nacional de Saúde. Um marco importante foi a Lei nº 196/96, que foi posteriormente revogada pela Resolução CNS/MS nº 466, de 12 de dezembro de 2012, e estabeleceu as normas e princípios básicos para a condução de pesquisas com seres humanos no país. Essa legislação introduziu a criação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), que desempenham um papel fundamental na avaliação ética e na proteção dos direitos dos participantes. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) também foi criada para coordenar e aprovar as pesquisas no país, assegurando que os estudos atendam aos padrões éticos e regulatórios necessários.
Hoje, a pesquisa clínica é regida por uma série de marcos regulatórios nacionais e internacionais, com destaque para as Boas Práticas Clínicas (BPC) e as diretrizes da Conferência Internacional de Harmonização (ICH), que garantem a condução ética e segura dos estudos. Além disso, o Brasil segue uma série de regulamentações, como a Resolução CNS/MS nº 466/2012, que estabelece diretrizes para a condução ética da pesquisa, e as normas da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsáveis pela aprovação de medicamentos e tratamentos. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e a CONEP são os principais órgãos responsáveis pela aprovação ética dos protocolos de pesquisa, assegurando que os direitos dos participantes sejam protegidos e que os estudos estejam alinhados às normas nacionais e internacionais.
Ainda que o Brasil tenha avançado significativamente na regulamentação da pesquisa clínica, o país ainda carece de um marco legal mais robusto que cubra todos os aspectos da pesquisa clínica. A legislação atual, embora abrangente, pode ser aprimorada, e diversas resoluções complementam as leis existentes, incluindo regulamentações específicas da ANVISA, como a RDC nº 09/2015, que trata dos ensaios clínicos, além de normas administrativas como a Lei nº 8.958/94 e o Decreto nº 7.423/2010, que regulamentam a cooperação entre instituições públicas e privadas em projetos de pesquisa. Esses marcos regulatórios, embora necessários, ainda deixam lacunas que podem ser preenchidas com a criação de normas mais específicas para regulamentar a pesquisa clínica em todos os seus aspectos.
O desenvolvimento de marcos regulatórios e a evolução das diretrizes éticas também têm se mostrado fundamentais para garantir que as pesquisas clínicas, especialmente aquelas realizadas com novos medicamentos e tratamentos, sejam conduzidas de maneira ética e segura. A implementação de Boas Práticas Clínicas (BPC) tem permitido uma maior padronização e controle nos processos, assegurando que os estudos sigam os princípios de qualidade e segurança. Esses protocolos internacionais visam não apenas proteger os direitos dos participantes, mas também garantir que os resultados dos estudos sejam confiáveis e possam ser utilizados para o avanço da ciência médica.
Além disso, a atuação de instituições como a ANVISA e os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) se tornou indispensável para o cumprimento das normas estabelecidas. No Brasil, essas entidades garantem que os ensaios clínicos sejam realizados com a máxima transparência e em conformidade com as leis, realizando uma análise rigorosa dos protocolos, o que inclui a revisão dos métodos de pesquisa, a segurança dos participantes e os riscos envolvidos. A aprovação ética é um passo crucial, pois assegura que a pesquisa esteja alinhada aos princípios da bioética e aos direitos humanos, incluindo a proteção da dignidade, privacidade e integridade física dos voluntários.
Outro ponto importante na regulação da pesquisa clínica no Brasil é a implementação de mecanismos de fiscalização e monitoramento contínuo. As regulamentações preveem que os estudos não apenas sejam avaliados inicialmente, mas também sejam acompanhados ao longo de sua execução, com revisões periódicas do protocolo sempre que necessário. Isso garante que qualquer modificação no estudo, como o acréscimo de novas informações ou a alteração nas condições de segurança, seja revisada e aprovada novamente pelos Comitês de Ética. Essa vigilância constante é essencial para garantir que os participantes continuem protegidos durante toda a duração da pesquisa.
Ademais, as relações entre as instituições de ensino e pesquisa e a indústria farmacêutica têm se tornado um aspecto importante no desenvolvimento e financiamento de pesquisas clínicas no Brasil. Embora as indústrias desempenhem um papel crucial no financiamento e na realização de estudos clínicos, é fundamental que as parcerias entre pesquisadores, patrocinadores e centros de pesquisa sejam realizadas de forma transparente, com a garantia de que os interesses comerciais não prejudiquem a ética da pesquisa. A presença de órgãos como a CONEP e a ANVISA nas etapas de aprovação e monitoramento dos estudos visa equilibrar os interesses das partes envolvidas, sempre com o objetivo de proteger os direitos dos participantes e garantir que os resultados da pesquisa tragam benefícios à sociedade.
Por fim, é importante destacar que, embora o Brasil tenha avançado significativamente na regulamentação da pesquisa clínica, ainda existem desafios a serem enfrentados. A integração e a coordenação entre as diversas entidades reguladoras e os centros de pesquisa precisam ser aprimoradas, assim como o fortalecimento da formação de profissionais qualificados em pesquisa clínica. A criação de um marco regulatório mais abrangente que contemple todos os aspectos da pesquisa clínica, desde o planejamento até a avaliação pós-comercialização, é essencial para garantir a evolução da ciência e a segurança dos pacientes. O aprimoramento contínuo das práticas de pesquisa e a implementação de novas normas e diretrizes terão um impacto direto na qualidade dos cuidados de saúde prestados à população, além de impulsionar a inovação no tratamento de doenças e no desenvolvimento de novas terapias.
3.Análise dos Instrumentos Jurídicos nos Contratos de Ensaios Clínicos
A fase jurídico-administrativa dos ensaios de pesquisa clínica é um ponto crucial no processo, uma vez que envolve a formalização do contrato, instrumento que define as condições para a execução do estudo, as responsabilidades de cada parte envolvida, os acordos sobre patrocínio e as questões relativas à propriedade intelectual. Esse contrato é o pilar sobre o qual as relações jurídicas e administrativas de toda pesquisa clínica se sustentam, garantindo que as partes tenham suas obrigações e direitos claramente definidos.
Neste contexto, o contrato de pesquisa clínica é um instrumento jurídico atípico. Isso significa que, ao contrário dos contratos típicos, que são regulados por normas específicas e detalhadas no Código Civil ou em legislação especial, os contratos de pesquisa clínica não possuem uma estrutura predeterminada por lei. Eles são criados de forma personalizada para cada situação, respeitando as normativas gerais do ordenamento jurídico, mas permitindo flexibilidade para atender às necessidades específicas do ensaio clínico em questão. De acordo com o artigo 425 do Código Civil, "é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código", permitindo que os envolvidos adaptem suas obrigações de acordo com as particularidades da pesquisa.
A natureza atípica do contrato de pesquisa clínica traz uma série de desafios na sua elaboração. Embora não seja regido por uma legislação específica, esse contrato deve obedecer a princípios éticos, regulamentos internacionais e diretrizes estabelecidas por órgãos como a ANVISA, o Conselho Nacional de Saúde e a Organização Mundial da Saúde. Tais normas e orientações, embora não sejam legais em sentido estrito, têm o poder de regulamentar práticas de pesquisa e garantir a proteção dos participantes, principalmente no que tange aos direitos humanos e à ética. No Brasil, por exemplo, a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde estabelece diretrizes para a pesquisa com seres humanos, e é imprescindível que o contrato de pesquisa clínica esteja em conformidade com tais normativas, sem contrariar o ordenamento jurídico nacional.
A complexidade do contrato de pesquisa clínica decorre, ainda, do fato de que ele envolve múltiplas partes com interesses e responsabilidades distintas. O patrocinador, frequentemente uma empresa farmacêutica ou uma Contract Research Organization (CRO), o investigador principal e a instituição de pesquisa – geralmente um hospital ou uma clínica especializada – devem formalizar suas obrigações no contrato, incluindo os aspectos financeiros, técnicos e éticos. O patrocinador, por exemplo, é responsável por financiar o estudo, enquanto o investigador principal tem a incumbência de conduzir a pesquisa de acordo com o protocolo aprovado, respeitando todas as normas de segurança e ética. Já as instituições de pesquisa devem assegurar que os estudos ocorram em ambientes adequados, com infraestrutura suficiente para garantir o bem-estar dos participantes.
Além disso, é fundamental que o contrato de pesquisa clínica contemple cláusulas que protejam os direitos dos participantes e esclareçam as responsabilidades em caso de danos. Isso inclui a responsabilidade pelo seguro de danos causados aos sujeitos da pesquisa, a definição clara dos eventos adversos e como esses devem ser tratados, além da vigilância contínua das condições de segurança ao longo do estudo. A cláusula de confidencialidade, que protege as informações sensíveis geradas durante o ensaio clínico, bem como as disposições sobre propriedade intelectual, também são essenciais no contrato, garantindo que os dados e resultados da pesquisa sejam tratados com a devida proteção legal.
A vigência do contrato é outro ponto crucial. Os contratos de ensaio clínico devem especificar os prazos de execução do estudo e as condições para a sua resolução ou extinção, caso as circunstâncias mudem. Isso inclui cláusulas que prevejam a possibilidade de interrupção do estudo em caso de eventos adversos graves ou de violação das normas éticas. Em casos de descumprimento por qualquer das partes, as condições de solução de controvérsias e o foro competente também devem ser claramente definidos. Além disso, com a crescente internacionalização dos estudos clínicos, as questões de direito internacional privado se tornam relevantes, especialmente no que se refere à aplicação das normas internacionais no Brasil, garantindo que os direitos dos participantes sejam respeitados, mesmo em um cenário de pesquisa multinacional.
Outrossim, é importante destacar que, apesar da inexistência de uma legislação específica para regular todos os aspectos dos contratos de pesquisa clínica no Brasil, os princípios estabelecidos pelas normas internacionais, como o Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinque, orientam a elaboração desses contratos e influenciam sua validade e eficácia no país. As boas práticas clínicas e as declarações éticas internacionais, embora não tenham caráter obrigatório, se consolidaram como um costume internacional, sendo, muitas vezes, incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro por meio de resoluções e atos infralegais. O cumprimento dessas diretrizes é essencial para garantir a segurança e os direitos dos participantes, bem como a qualidade e a integridade da pesquisa clínica.
A complexidade do contrato de pesquisa clínica também se reflete nas questões relacionadas ao financiamento da pesquisa e à alocação de recursos. O contrato deve detalhar claramente as condições financeiras para a realização do estudo, especificando os valores a serem pagos pelo patrocinador e como esses recursos serão distribuídos entre as partes envolvidas, como a instituição de pesquisa, os pesquisadores e os participantes. A definição de pagamentos e compensações adequadas para todas as partes é essencial para garantir o bom andamento do ensaio clínico, além de evitar conflitos relacionados à distribuição dos recursos financeiros, que podem impactar tanto a continuidade da pesquisa quanto a transparência dos resultados obtidos. Além disso, é importante que o contrato estabeleça cláusulas específicas sobre os custos em caso de danos ou eventos adversos, uma vez que as pesquisas clínicas envolvem riscos que podem ser difíceis de prever.
Outro aspecto relevante que o contrato de pesquisa clínica deve abordar é a questão da publicidade dos resultados da pesquisa. Embora o patrocinador da pesquisa tenha interesse legítimo na divulgação dos resultados, o contrato deve garantir que a apresentação dos dados seja feita de forma ética, transparente e responsável. Isso envolve garantir que os dados negativos ou inconclusivos também sejam reportados, evitando a manipulação de resultados em benefício de interesses comerciais. Além disso, o contrato deve estabelecer claramente quem detém a propriedade intelectual dos resultados da pesquisa, o que inclui patentes, descobertas científicas e publicações acadêmicas. A proteção desses direitos é fundamental para assegurar que os pesquisadores e as instituições envolvidas tenham a devida compensação pelos avanços científicos decorrentes da pesquisa clínica.
É igualmente importante que o contrato de pesquisa clínica preveja cláusulas de compliance e de prevenção à corrupção, uma vez que essas práticas são fundamentais para assegurar a integridade do estudo. A pesquisa clínica é frequentemente conduzida em diferentes jurisdições, envolvendo, muitas vezes, mais de uma parte interessada, o que exige um comprometimento com os mais altos padrões de ética e transparência. O contrato deve conter disposições claras sobre a obrigação das partes em cumprir as leis anticorrupção, além de especificar medidas que podem ser adotadas caso haja indícios de condutas ilícitas, como subornos ou manipulação de dados. A conformidade com as normativas de integridade e a adesão aos princípios éticos garantem a credibilidade do estudo e a proteção dos direitos dos participantes.
Ademais, a atuação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) deve ser formalizada no contrato, reforçando o papel dessas entidades na fiscalização do estudo clínico. O contrato de pesquisa clínica deve garantir que os procedimentos adotados ao longo do estudo sejam constantemente avaliados e monitorados por esses comitês, garantindo que todas as etapas do estudo sigam as normas de ética e segurança necessárias. O comitê de ética é responsável por aprovar o protocolo do estudo e por monitorar os resultados, sempre com o objetivo de proteger os direitos e o bem-estar dos participantes. Assim, o contrato não só regula a relação entre as partes, mas também estabelece um mecanismo de supervisão e controle que assegura a conformidade com os mais altos padrões éticos e científicos.
Além disso, o contrato de pesquisa clínica deve abordar a questão da continuidade do estudo, ou a interrupção do mesmo em caso de eventos adversos inesperados ou de modificações no protocolo da pesquisa. Caso surjam questões imprevistas que possam comprometer a segurança dos participantes ou a validade científica do estudo, o contrato deve prever a possibilidade de revisão do protocolo ou até a suspensão temporária ou definitiva do ensaio clínico. A cláusula de término do contrato deve ser clara e indicar as condições em que as partes podem rescindir o acordo, bem como as consequências de tal rescisão. A definição dessas cláusulas é importante tanto para a proteção dos participantes quanto para a segurança jurídica das partes envolvidas, garantindo que o estudo seja conduzido de maneira ética, transparente e responsável.
Por fim, cabe destacar que, no contexto da pesquisa clínica, os contratos devem ser revisados e ajustados conforme necessário ao longo da execução do estudo. As novas informações geradas durante a pesquisa, ou a inclusão de novos participantes, podem exigir alterações no protocolo ou no próprio contrato. A flexibilidade do contrato para se adaptar a essas mudanças é fundamental para garantir a continuidade da pesquisa de forma ética e segura. Além disso, a revisão periódica do contrato ajuda a reforçar a segurança jurídica das partes, garantindo que as obrigações e responsabilidades continuem claras, mesmo diante de imprevistos. Por essas razões, a formalização e o acompanhamento contínuo do contrato de pesquisa clínica são aspectos essenciais para o sucesso do ensaio e para a proteção dos direitos dos participantes.
Este artigo abordou os principais conceitos, a relevância e os marcos regulatórios que envolvem a Pesquisa Clínica, entendida, conforme o ordenamento jurídico, como a pesquisa realizada com seres humanos com o objetivo de investigar ou confirmar os efeitos clínicos, farmacológicos ou farmacodinâmicos de medicamentos experimentais. Além disso, a pesquisa clínica visa identificar possíveis reações adversas, bem como estudar a absorção, distribuição, metabolismo e excreção dessas substâncias, a fim de verificar sua segurança e eficácia. O escopo dessa prática é a geração de conhecimento e a promoção do avanço científico, além de representar um meio de transformação e evolução social.
No contexto brasileiro, foi enfatizado que a pesquisa clínica está regulada por um conjunto de princípios, práticas e declarações internacionais, além de normas de regulamentação "alienígenas", como as orientações da FDA, e, por outro lado, por regulamentações éticas, sanitárias e resoluções nacionais, destacando-se as normativas do Conselho Nacional de Saúde (como a Resolução CNS 466/2012), da ANVISA e disposições do Código Civil Brasileiro. Esses marcos garantem a condução da pesquisa de forma ética e alinhada aos melhores padrões internacionais, respeitando, ao mesmo tempo, a legislação nacional.
Foi também destacado que, embora o Brasil adote práticas internacionais no âmbito da pesquisa clínica, essas só podem ser aplicadas quando não entrarem em conflito com as leis brasileiras, o código de conduta ou a política anticorrupção. Essa flexibilidade permite que o país se alinhe às melhores práticas globais, ao mesmo tempo que assegura a proteção dos direitos e a segurança dos participantes em consonância com a legislação interna.
Por fim, o artigo abordou a análise do instrumento jurídico essencial para a formalização dos ensaios clínicos no Brasil, o contrato atípico, uma vez que não há uma legislação específica que regule de forma detalhada e explícita os termos e as condições dessa operação econômica. Nesse contexto, foram discutidas as cláusulas essenciais que devem constar nesse contrato, como as obrigações das partes envolvidas, responsabilidades relativas à segurança do paciente, a propriedade intelectual, a gestão de eventos adversos e a vigência do acordo. O contrato atípico é, portanto, fundamental para a condução ética e segura da pesquisa clínica, proporcionando as bases legais necessárias para o desenvolvimento e a implementação dos estudos.
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Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Cível e Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Pós-graduada, com especialização em Direito Público (Direito Constitucional) e Privado (Direito Civil). MBA em Licitações e Contratos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Juliana Melissa Lucas Vilela e. Reflexões sobre a Pesquisa Clínica no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2024, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/67245/reflexes-sobre-a-pesquisa-clnica-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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