RESUMO: A maior dificuldade enfrentada atualmente, no tocante ao princípio do não confisco, reside em delimitar seu conteúdo e alcance, já que estamos diante de uma norma de caráter abstrato e indeterminado. Distinguir o tributo confiscatório do não confiscatório tendo em vista o grau valorativo em que tais tributos são cobrados não é tarefa simples, pois não encontra respaldo em critérios objetivos. Contudo, não se pode duvidar que o princípio aqui estudado, encerra em si, um importante valor, já que se trata de uma ferramenta de proteção ao contribuinte, frente aos possíveis atos abusivos do Estado no exercício do seu poder tributante. Esse trabalho foi realizado através de estudo comparado, sendo utilizada para sua confecção, pesquisas doutrinárias, pesquisas na internet, bem como jurisprudencial. Atualmente, mesmo com os problemas enfrentados para sua aplicação, o princípio do não confisco garante que o particular não sofra a perda de sua propriedade em razão de tributação abusiva, praticada, mesmo que indiretamente, pelos Entes Federados, quando atribuem ou majoram tributos. Logo, o exercício Estatal fiscal deve se pautar pela razoabilidade e proporcionalidade conciliando seus interesses com os dos contribuintes.
Palavras-chave: Princípio do não confisco. Razoabilidade. Proporcionalidade. Contribuinte.
1.Introdução
O princípio constitucional do não confisco, previsto no art. 150, IV, da Magna Carta de 1988, veda a utilização pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de tributos que tenham efeito de confisco.
Nesse trabalho, mostraremos as dificuldades encontradas para a aplicação do presente tributo, posto que o mesmo não encontrar respaldo em definições objetivas daquilo que seria ou não confiscatório. Nas palavras de Eduardo Sabbag:
O preceptivo é demasiado lacônico, abrindo-se para a interpretação e desafiando a doutrina, que tem se limitado a afirmar que será confiscatório o tributo que exceder a capacidade contributiva, sem, todavia, ofertar critérios objetivos, para a sua verificação. Desse modo, diante do tributo excessivo, caberá ao intérprete, na intrincada tarefa de delimitar o “efeito de confisco”, perscrutando o seu real conteúdo e aplicabilidade, utilizar-se dos elementos normativos, constitucionalizados ou não (...). (SABBAG, Eduardo, 2011, p. 229).
Por estar intimamente ligado a proteção constitucional conferida a propriedade privada, e ao respeito aos princípios da capacidade contributiva, da razoabilidade e da proporcionalidade, este princípio é muito importante para ser considerado mero enunciado. Passamos, ao longo do texto, por diversos pontos necessários pra o conhecimento e a aplicabilidade do princípio do não confisco, como seu histórico dentro das nossas constituições, seu conceito, sua ligação com o princípio da capacidade contributiva, razoabilidade e proporcionalidade, a garantia constitucional da propriedade, bem como, da necessidade de considerar a carga tributária total quando da definição daquilo que é ou não é confiscatório.
Visando contribuir para uma melhor aplicação desse princípio, a importância que o mesmo possui para o ordenamento jurídico brasileiro, impedindo, mesmo que por via indireta, a confiscação dos bens do contribuinte pela tributação, foi evidenciada no desenvolvimento do presente trabalho.
2.Um breve histórico sobre o confisco nas constituições brasileiras
No constitucionalismo brasileiro a evolução do não confisco pode ser assim resumida:
I- Constituição de 1924: o texto constitucional do império, que fora idealizado por representantes da aristocracia rural, logo, os mais interessados em impedir o confisco de bens, apesar de baseado em disposição protetiva, surgia como inequívoca ideia de penalização para a prática de atos ilegais;
II- Constituição de 1934: como ocorrerá na Carta Magna anterior, aqui o confisco continuava sendo vedado, contudo, foi nessa Constituição que se estabeleceu pela primeira vez, a indicação de parâmetros objetivos para a caracterização do efeito de confisco na tributação, conforme descrito em seu artigo 185: “Nenhum imposto poderá ser elevado além de vinte por cento do seu valor ao tempo do aumento.”;
III- Constituição de 1946: aqui, trouxe a Constituição, a possibilidade de sequestro e perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito na função pública;
IV- Constituição de 1967: manteve as mesmas ideias do texto antecedente, com poucas alterações;
V- Emenda Constitucional n. 11/78: afastou a palavra confisco do art. 153, § 11, da Constituição de 1967, que tratava da proibição da pena de banimento, de caráter perpétuo e da pena de morte;
VI- Constituição de 1988 (atual): aqui, conforme estabelecido pelo art. 150, inciso IV, a vedação ao confisco ganhou roupagem nova sendo chamada de vedação do “tributo com efeito de confisco”.
Conceito de confisco tributário
Define-se confisco ou confiscação como “o ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença judicial, fundados em lei.” (SILVA, De Plácito, 2006, p.342)
O confisco ocorre quando o interesse público autoriza a tomada do bem do particular pela tributação sem que haja a correspondente indenização ou compensação. Nas palavras de Eduardo Sabbab:
De modo geral, o conceito de confisco tem sido apresentado como a absorção da propriedade particular pelo Estado, sem justa indenização. No momento em que isso ocorre, no plano tributário, exsurge o confisco em matéria tributária, revestindo-se da roupagem de tributo inconstitucional.(SABBAG, Eduardo 2011, p.233).
Por fim, podemos definir confisco tributário como o ato Estatal, através do qual, injustamente, transfere-se parcialmente ou totalmente a propriedade do contribuinte ao ente tributante, como consequência de uma obrigação fiscal, sem que ocorra qualquer tipo de retribuição por tal ato.
3.O princípio do não confisco
A nossa atual Carta Magna, traz em seu art. 150, inciso IV, texto que veda a utilização de tributos com efeitos confiscatórios, pelos entes da federação, in verbis (Constituição Federal, 1988): “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias assegura das ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios: IV- Utilizar Tributo com efeito de confisco”.
Como podemos observar do texto acima transcrito, a Constituição Federal de 1988, não define o que é uma tributação confiscatória, com isso, permite se ao legislador analisar caso a caso o que se enquadra como uma tributação confiscatória.
Como o tributo, atualmente, não é sanção para a prática de atos ilícitos, já que seu fato gerador sempre será a descrição legal de um fato lícito, não poderá ser usado com efeito confiscatório, o que representaria uma sanção não permitida em lei.
4. O princípio da capacidade contributiva e o não confisco
A noção da capacidade contributiva e do não confisco estão intimamente ligadas, na medida em que o confisco ocorre justamente quando se ultrapassa a barreira da capacidade contributiva do cidadão.
Quando o tributo não respeita a capacidade do contribuinte, avançando os limites daquilo que o mesmo suporta pagar, afetando assim, o seu orçamento, prejudicando a mantença do mínimo para as necessidades básicas de qualquer cidadão, tornando-se insuportável e causando o perecimento de sua riqueza, torna-se confiscatório.
Para Ricardo Lobo V. Torres, (1995, p. 124) “a capacidade contributiva começa além do mínimo necessário à existência humana digna e termina aquém do limite destruidor da propriedade”.
O tributo confiscatório, então, representa a desproporcionalidade entra a carga tributária e o poder econômico do contribuinte. Para a doutrina majoritária o confisco ocorre quando a tributação compromete a capacidade do contribuinte de se sustentar e se desenvolver, afetando o atendimento de suas necessidades essenciais. Para Eduardo Sabbag, (2011, p. 235) “a capacidade contributiva se esgota onde se inaugura o confisco; a morte daquela é o nascedouro deste.
5.O direito de propriedade e o confisco tributário
É induvidosa a necessidade que o Estado possui de arrecadar tributos para que possa manter o funcionamento Estatal, mantendo a prestação de serviços públicos indispensáveis para a manutenção da ordem pública e consequentemente da vida em sociedade, no entanto, o poder de tributar não pode se mostrar como o poder de destruir.
A propriedade privada, assim como o poder tributante do Estado, também goza de proteção Constitucional. Assim, à injusta pretensão Estatal de apropriação do patrimônio do particular, parcial ou integralmente, sem a correspondente indenização, como resultado da insuportabilidade da carga tributária imposta, também encontra vedação no texto na nossa Carta Magna.
A respeito, Luciano Amaro, pondera:
Desde de que a tributação se faça nos limites autorizados pela constituição, a transferência de riqueza do contribuinte para o Estado é legítima e não confiscatória. Portanto, não se quer, com a vedação ao confisco, outorgar à propriedade uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, o que anularia totalmente o poder de tributar. O que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada.(AMARO, Luciano, 2008, p.144).
Quando o Estado retira mais do que dá em troca ao indivíduo, fica caracterizada a mutação do imposto em confisco, por ultrapassar a linha divisória entre a desapropriação que deve ser justa e indenizada e a cobrança de impostos, que não obriga a contraprestação.
Sobre a tributação estatal, segue o trecho do voto do Ministro Celso de Mello, do STF:
(...) A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou inviabilizar) direito de caráter fundamental, constitucionalmente assegurado ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da Própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados (...). (DE MELLO, Celso, RE n.374.981/RS).
6.O princípio da vedação ao confisco e a carga tributária total
Atualmente, prevalece no STF a tese, de que a carga tributária deve ser analisada, para fins de não confisco de forma geral, ou seja, os tributos cobrados devem sem analisados conjuntamente, caso contrário, corremos o risco de tornar, inoperante o postulado do não confisco, já que a soma algébrica de partes não individualmente confiscatórias pode ensejar um todo, cujo conjunto hospeda uma carga tributária insustentável.
Nesse sentido, Hugo de Brito Machado, (2008, p.41) aduz que “o caráter confiscatório há de ser avaliado em função do sistema, vale dizer, em face da carga tributária resultante dos tributos em conjunto”./
Sem dúvidas, o sentido protetivo da não confiscatoriedade ganha maior dimensão em face da carga tributária global, incidente sobre uma atividade, bem ou pessoa.
Para Eduardo Sabbag, (2011, p. 241) “a universalidade da carga tributária, para fins de detecção do confisco, é a única capaz de dimensionar se o pagador de tributos, ao se sujeitar a esta múltipla incidência, terá condições de viver e de se desenvolver”.
Nesse sentido, ficará caracterizado o caráter confiscatório de certo gravame, se, diante das múltiplas incidências tributárias provindas de uma mesma entidade política, ficar evidenciado, o efeito cumulativo da tributação fora da razoabilidade, direcionada a agredir, consideravelmente, o patrimônio do contribuinte.
Nas palavras do Ministro Celso de Mello:
(...) A identificação do efeito confiscatório, deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou outros rendimentos do contribuinte (...). (DE MELLO, Celso, 1999, trecho da ADIMC n. 2.010-DF, STF).
7.Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade como limites ao confisco tributário
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade embora caminhem juntos, não se confundem.
Podemos entender por proporcionalidade, aquilo que dispõe de bom senso e moderação, ponderando com equilíbrio as circunstâncias que envolvam a prática do ato. A razoabilidade nas ações Estatais deve levar sempre em conta, o binômio “meios empregados X fins alcançáveis”.
Tal princípio, vem limitar as condutas administrativas, de modo que as mesmas se enquadrem dentro daquilo considerado aceitável, razoável, por qualquer pessoa equilibrada, afastando a possibilidade de condutas descabidas e arbitrárias que se afastem do objetivo legal da norma.
Nesse sentido, preleciona Eduardo Sabbag:
Nesse passo, deve o intérprete, no intrincado trabalho de equilatar até que ponto o tributo não é confiscatório, valer-se da razoabilidade, que lhe servirá de “bússola” para diferençar aquilo que põe como confiscatório, em dada conjuntura, sob certa cultura e condição de cada povo, e o que se mostra “razoável”, do ponto de vista da tributação. (SABBAG, Eduardo, 2011, p. 250).
Para o STF, a ação estatal de estar regrada pelo princípio da razoabilidade, como descrito no trecho da ementa da ADIMC n. 2.010/DF (1999, STF), “O poder público, especialmente em sede de tributação (...), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade (...)”.
Já o princípio da proporcionalidade, ou princípio da proibição de excesso, apresenta-se como um instrumento de controle de qualquer ato que emane do Estado, de maneira a revesti-lo de constitucionalidade e legalidade, adequando-os aos fins do Estado Democrático de Direito. No Direito Tributário, sua aplicação será feita de acordo com o caso concreto a ser analisado, tendo em vista que inexiste uma padronização de seu espectro de abrangência.
Possui esse princípio, a importante tarefa de inibir qualquer excesso de poder que possam vir a ser cometidos pelos representantes do Estado, afrontando os interesses dos administrados.
Segundo Helenilson Cunha Pontes, (2000, p. 69) “O indigitado princípio da proporcionalidade possui duas diferentes dimensões: (I) a dimensão de bloqueio, servindo como escudo protetor ao arbítrio estatal e (II) a dimensão de resguardo, hábil a veicular a concretização dos direitos constitucionais”.
Por fim, podemos concluir que o princípio da razoabilidade, vivendo harmonicamente como o postulado da proporcionalidade, veda excessos e atitudes incoerentes à Administração Pública, prestigiando assim, o equilíbrio que deve sempre nortear a relação existente entre o ente tributante e o contribuinte, de forma a garantir o suprimento das necessidades de ambos os lados. De um lado temos o pode estatal responsável pela prestação de vários serviços indispensáveis a convivência social e que dependem de receita fiscal que os sustentem, viabilizando sua realização, do oposto temos o contribuinte, que ao mesmo tempo em que precisa dos serviços prestados pelo estado, sofre com a maior carga tributária do mundo e com uma contraprestação, na maioria das vezes, insuficiente. Diante desse cenário caótico, a razoabilidade e a proporcionalidade, dão suporte ao não confisco, defendendo o contribuinte, garantindo sua subsistência.
8.Conclusão
Com base no trabalho realizado, concluiu-se que o princípio do não confisco representa um importante instrumento de proteção para o contribuinte, tendo considerável aplicação no nosso dia a dia, resguardando nosso direito de propriedade, e mesmo garantindo um mínimo vital necessária ao desenvolvimento e sobrevivência de cada um de nós.
Apesar de apresentar conteúdo abstrato, visto que não há qualquer forma objetiva de mensuração daquilo que seria confiscatório, a liberdade dada pelo legislador àqueles que aplicam a lei, permite a proteção do contribuinte e o equilíbrio da relação Estado e cidadão, pela simples invocação do princípio do não confisco.
Por fim, vale ressaltar que tal princípio, Constitucionalmente previsto, não trabalha sozinho, contar com importantes reforços como o princípio da capacidade contributiva, proporcionalidade e razoabilidade.
9.Referências
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BALBINO, Juliana Lamego. O princípio do não confisco no direito tributário brasileiro. Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
Jurisway. O princípio do confisco e sua aplicabilidade frente às espécies, imposto, taxa e contribuição de melhoria.Disponível em <hptt://www.jurisway.org.br/V2/dhall.asp?id-dh=7942>. Acesso em 20 de abril de 2013.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
SILVA, De Plácito e. Vocabulário Jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
V.PONTES, Helenilson Cunha. Princípio da Proporcionalidade o direito tributário. Tese (Doutorado). São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2000.
Pós graduanda em Direitos Humanos e Ressocialização (Faculdade ÚNICA), servidora pública do Ministério Público do estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JORGE, BRUNA RAPOSO. Princípio do não confisco e sua aplicabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2025, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/67922/princpio-do-no-confisco-e-sua-aplicabilidade. Acesso em: 04 mar 2025.
Por: Mariane Novo Ribeiro
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: EDUARDO JOSE ABREU JUNIOR
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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