RESUMO: O presente trabalho trata da teoria geral da prova, sua definição, o problema da verdade, o direito constitucional à prova, o ônus de provar, a valoração da prova e finalmente a prova ilícita. A partir dessas premissas, avalia como excepcionalmente possível a utilização de provas ilícitas no processo, a favor do réu ou mesmo em benefício da sociedade, desde que observados certos requisitos e sempre a luz do princípio constitucional da proporcionalidade.
Palavras chave: Princípio. Proporcionalidade. Prova. Ilícita. Utilização. Processo.
ABSTRACT: Firstly, this work studies the constitutional principle of proportionality, by examining the nature of the word "principle" from the perspective of natural shock of fundamental rights, its historic news, the classical distinctions between principles and rules and lack of differentiation of the principles of proportionality and reasonableness. Then, this study regards the general theory of evidence, its definition, the problem of truth, the constitutional right to trial, the burden of proving, the valorization of the evidence and finally the illicit evidence. From those beginnings, it classifies as exceptionally possible the use of illicit evidences in the proceedings, in favor of the defendant or for the benefit of the society, since certain requirements are observed.
Words key: Principle. Proportionality. Evidence. Illegal. Utilization. Proceedings.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.GENERALIDADES SOBRE A TEORIA DA PROVA. 1.1.Definição de prova. 1.2.Objeto da prova. 1.3.A verdade para o processo.1.4.O direito constitucional à prova.1.5.Ônus da prova. 1.6.Sistemas de valoração da prova.1.6.1.Sistema da Intima Convicção do Juiz.1.6.2.Sistema da prova legal ou tarifada.1.6.3.Sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional. 1.7.Consequências do livre convencimento motivado.2. PROVA ILÍCITA. 2.1.Teoria dos frutos da árvore envenenada. 2.2. Correntes doutrinárias sobre aproveitamento da prova ilícita no processo. 2.3. Tese de inadmissibilidade da utilização processual da prova ilícita. 2.4. Tese da admissibilidade da utilização processual da prova ilícita. 2.5. Corrente conciliadora ou da proporcionalidade. 3. A PROVA ILÍCITA À LUZ DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 3.1. Considerações iniciais. 3.2. Proporcionalidade ou razoabilidade. 3.3. Elementos e funções do princípio da proporcionalidade. 3.4. Prova ilícita e proporcionalidade. 3.5. Correntes doutrinárias. 3.6.O procedimento sugerido pela doutrina. 3.7. Aplicação do princípio da proporcionalidade para admitir, excepcionalmente, no processo, prova ilícita em favor do réu. 3.8. Aplicação do princípio da proporcionalidade para admitir, excepcionalmente, no processo, prova ilícita em favor da sociedade. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O aproveitamento processual da prova ilícita em situação excepcionais com fundamento na aplicação do princípio da proporcionalidade constitui tema por demais interessante, pois pressupõe uma decisão em face de dois ou mais direitos fundamentais, obrigando o julgador a mensurar os limites do direito probatório na busca de um processo melhor instruído e apto a gerar uma decisão mais justa.
Sendo a prova o instrumento utilizado pelas partes para exercerem o devido processo legal (contraditório e ampla defesa), o presente estudo visa analisar a problemática da admissibilidade ou da inadmissibilidade da prova ilícita com ênfase para o processo penal.
No primeiro capítulo deste trabalho, tratamos de generalidades pertinentes à teoria da prova: Definições, o problema da verdade para o processo, o direito constitucional à prova, o ônus probatório, o sistema legal de apreciação da prova para, ao final, dispor sobre o tema da prova ilícita, com os respectivos argumentos pró e contra sua utilização no processo.
No segundo capítulo, trataremos da teoria do frutos da árvore envenenada e as concorrentes doutrinárias para analisar a possibilidade de aproveitamento de prova ilícita no processo, de forma excepcional e metódica, mediante a aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade a favor do réu ou da própria sociedade.
Na parte final, discorremos sobre o princípio da proporcionalidade, ao mesmo tempo, como direito fundamental e como preceito de ordem constitucional. Damos uma noção histórica de sua evolução, inclusive no direito brasileiro, abordamos a questão da semelhança ou diferença em relação ao princípio da razoabilidade, elencamos seus elementos e suas principais funções e, por fim, fizemos algumas considerações sobre a colisão de direitos fundamentais e a importância do princípio em questão.
Dentro deste contexto pretende o presente trabalho realizar um breve estudo da prova ilícita face ao princípio da proporcionalidade para demonstrar que a vedação ao aproveitamento no processo das provas ilícitas não é absoluta, cabendo, em hipóteses excepcionais, sua relativização, desde que o bem jurídico a ser protegido seja de maior relevância no caso concreto.
1. GENERALIDADES SOBRE A TEORIA DA PROVA
A palavra prova tem origem na palavra latina “probatio” e significa, como observa Neves (2010):
“Ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação, confirmação, e que se deriva do verbo – probare (probo, as, are) – significando provar, ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito de alguma coisa, persuadir alguém de alguma coisa, demonstrar; é um ponto de início de análise do conceito do instituto, mas não certamente o ponto de chegada”. (NEVES, 2010, p. 378)
Prova é o ato ou complexo de atos que tendem a formar a convicção da entidade dissidente (órgão jurisdicional) sobre a existência ou não de uma situação fática.
Todavia, a palavra prova é utilizada no processo com mais de um significado - tanto no sentido comum como no sentido jurídico.
Capez (2000), de igual modo, definiu prova como sendo:
“Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo Juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (por exemplo, peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação”. (CAPEZ, 2000, p. 243)
Mirabete (2004, p. 313) ensina que o termo “provar” nada mais representa do que produzir um estado de certeza, na consciência do juiz, para sua convicção a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.
Até 2008 poucos doutrinadores do processo penal faziam a diferenciação entre provas e elementos de informação. A partir da Lei n.º 11.690/08 essa diferença passou a estar expressa no Código de Processo Penal.
art. 155 - CPP. O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos, colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei n.º 11.690/08).
Elementos informativos são colhidos na fase investigatória onde, de acordo com a doutrina majoritária, não há contraditório nem ampla defesa, só devendo o juiz atuar quando provocado, preservando sua imparcialidade. Sua principal finalidade é funcionar como subsídio para decretação de medidas cautelares e também auxiliar na formação da “opinio delicti”, que nada mais é do que a convicção do titular da ação penal.
Na dicção do art. 155 do CPP, elementos informativos, isoladamente considerados não podem, fundamentar uma decisão. No entanto, podem ser somados a prova produzida em juízo e servir como mais um fundamento na convicção do juiz.
A prova, em regra, é aquela produzida durante o curso do processo judicial, onde se deve observar o contraditório e a ampla defesa e com a supervisão do juiz. Nesse último ponto, o CPP consagra no art. 399, §2º o princípio da identidade física ao determinar que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir sentença.
No processo, o fundamental é fazer valer a própria pretensão. É imprescindível que a intenção deduzida em juízo seja qualificada juridicamente e dessa afirmação se extraia as consequências jurídicas que resultam no seu pedido de tutela jurisdicional.
Ensina Oliveira (2011):
“A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução de fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade história, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade”. (OLIVEIRA, 2011, p. 172).
Constitui prova todo o conjunto de atos e elementos produzidos pelas partes, pelo juízo e por terceiros, destinados a convencer o magistrado acerca da veracidade ou falsidade de uma afirmação, de uma relação jurídica, ou de uma nulidade processual.
Em regra, o destinatário da prova é o juiz, mas também é dirigida as partes para que possam pautar seus comportamentos de acordo com a prova produzida.
Portanto, o objeto da prova são as alegações de fato (“foto probando”) formuladas pelas partes. O fato objeto da prova deve ter 03 atributos: 1) Deve ser um fato controvertido; 2) O fato deve ser determinado, ou seja, delimitado no tempo e no espaço; 3) Deve ser relevante para a solução da causa.
As partes, por mais difícil e improvável que seja, têm o encargo de trazer para o processo todos os fatos e documentos admitidos pelo ordenamento jurídico para tentar reconstruir, com exatidão, a realidade do fato delituoso, devendo o magistrado, ao final, indicar quais deles influenciaram a sua convicção.
Fatos são realidades que acontecem, na maior parte das vezes, antes que o processo seja instaurado. A verdade, literalmente falando, “é” ou “foi uma só”. Não há como reproduzi-la no processo, sem as impressões subjetivas inerentes.
Neves (2010) acredita que:
Atualmente considera-se a verdade como algo meramente utópico e ideal, jamais alcançada, seja qual for a ciência que estiver analisando o conhecimento humano dos fatos. Miguel Reale, ciente de ser a verdade algo inatingível e imprestável, chegou a formular o conceito da quase verdade. No processo, resta evidenciada a impossibilidade de obtenção da verdade absoluta, em especial em razão dos sujeitos que dele participam. Isso inclui tanto aqueles que levam as provas ao processo – partes -, quase sempre objetivando seu próprio favorecimento, como terceiros que auxiliam o juiz na reconstituição dos fatos – o que nem sempre fazem da forma exata -, e pelo juiz, que receberá as provas e, sem ter acompanhado os fatos, apenas poderá confiar naquilo que foi levado à sua consideração. Nessa participação de diversos sujeitos diferentes é de se esperar que o resultado probatório não traduza exatamente como os fatos efetivamente ocorreram. Além disso, existem limitações à obtenção e valoração das provas, analisadas a seu devido tempo. (NEVES, 2010, p. 379)
Assim, bastaria ao processo uma verdade processual ou “verdade possível”, decorrente de uma boa instrução probatória, independentemente de ser de natureza penal, cível ou administrativo.
Em última análise, a bem da verdade, jamais vamos conseguir reproduzir no processo o fato como efetivamente ocorrido, conforme defende os simpatizantes do princípio da verdade real. O que existe é uma busca da verdade ou falsidade de afirmações feitas no curso do processo e que interessam a sua solução.
Os art. 130 do CPC e 156 do CPP, permitem ao Juiz produzir provas de ofício. Portanto, a tradicional divisão entre verdade formal e verdade material está superada, pois um sistema que atribui poder instrutório ao Juiz é incompatível com a verdade formal, que se contenta apenas com as provas trazidas aos autos pelas partes, e também com a verdade real/material, pois é impossível reproduzir os fatos como efetivamente ocorreram, ficando os mesmos dependentes de relatos de pessoas que, na maioria das vezes, veem as coisas de maneira diferentes.
Conforme afirma João Ubaldo de Aquino na epígrafe do livro: “Viva o povo Brasileiro”, “O segredo da verdade consiste em saber que não existem fatos, mas apenas histórias”.
Portanto, o processo deve buscar a verdade possível, ou seja, aquela que pode ser reconstruída e que mais se aproxime daquilo que realmente aconteceu, com a participação das partes e do juiz, subsidiariamente.
Questão interessante é quanto ao direito de permanecer em silêncio (Nemo tenetur se detegere) – Previsto no art. 5°, LXIII da Constituição e art. 186 do CPP. Esse direto ao silêncio decorre dos princípios do contraditório e da ampla defesa e não pode ser interpretado em prejuízo do réu, mas certamente influenciará o convencimento do juiz.
Já no que se refere ao direito de mentir no processo judicial, trata-se de tema controverso, havendo quem defenda que o réu possa de fato mentir. O que temos de concreto é uma decisão do STF (de 1997), em que se afirma a possibilidade de o réu vir a mentir para se defender. Assim, segundo essa decisão do STF, é garantido ao acusado o direito de calar ou mentir diante do juiz, seja pelo direito de não se autoincriminar ou pelo princípio da presunção de inocência.
Vejamos a referida decisão (STF, 1997):
"(...) Ora, tendo o indiciado o direito de permanecer calado e até mesmo o de mentir para não autoincriminar-se com as declarações prestadas, não tinha ele o dever de dizer a verdade, não se enquadrando, pois, sua conduta no tipo previsto no artigo 299 do Código Penal – falsidade ideológica." (HC 75.257, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 17-6-97, 1a Turma - STF, DJ de 29-8-97).
Entretanto, ao contrário da decisão da Suprema Corte, quando as declarações a serem feitas estiverem no âmbito do processo administrativo, acreditamos não ser cabível ao investigado valer-se da mentira.
Vale destacar que, nos termos da Lei que regula o processo administrativo federal (Lei 9.784/99), serão observados, entre outros, os critérios de atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé (art. 2°, parágrafo único, II). Ademais, a Lei estabelece, como um dos deveres do administrado perante a Administração, expor os fatos conforme a verdade (art. 4°, I).
1.4 O direito constitucional à prova
A configuração política e os fatos históricos anteriores à vigência da Constituição de 1988 concorreram de forma decisiva para a inflexibilidade da norma constitucional acerca da ilicitude da prova. No período do regime militar e mesmo antes dele, reinava em nosso país um regime de opressão, onde os direitos fundamentais foram deixados de lado e o Estado passou a interferir na esfera individual de cada cidadão, praticando arbitrariedades e violações à intimidade e à vida particular das pessoas.
Como bem observa Barbosa (1997):
“[...] explica-se tal opção, em grande parte, por circunstâncias históricas. A Constituição foi elaborada logo após notável mudança política. Extinguira se, recentemente, o regime autoritário que dominara o País e sob o qual eram muito frequentes as violações de direitos fundamentais, sem exclusão dos proclamados na própria Carta da República então em vigor, como a inviolabilidade do domicílio e da correspondência. Ninguém podia considerar-se imune a diligências policiais arbitrárias ou ao grampeamento de aparelhos telefônicos. Quis-se prevenir a recaída nesse gênero de violências. É mister reconhecer que, naquele momento histórico, não teria sido fácil conter a reação contra o passado próximo nos lindes de uma prudente moderação. Se puxarmos um pêndulo com demasiada energia em certo sentido e assim o mantemos por largo tempo, quando seja liberado ele, fatalmente, se moverá com força equivalente no sentido oposto”. (BARBOSA 1997, p. 120)
Regra geral, não vigora no Brasil o princípio da taxatividade das provas, mas sim o da liberdade das provas, na tentativa de se chegar o mais próximo da verdade possível. No entanto, a carta magna estabelece expressamente um limite insculpido no art. 5º, LXI, vedando no processo (civil, penal ou administrativo), a utilização de provas obtidas por meios ilícitos.
Assim sendo, deixando de lado o rigor constitucional, fundado em argumentos históricos, devemos questionar se seria possível ao juiz, a depender do caso, utilizar-se de provas ilícitas trazidas ao processo, para fundamentar sua convicção, caso as mesmas se constituam em elementos fundamentais para a solução do conflito.
Como adverte Silva (2006), a vedação constitucional não é absoluta:
“O direito à prova encontra-se, de fato, limitado pela legitimidade dos meios utilizados para obtê-la. Não obstante, em que pese ser necessário tutelar-se os direitos que podem ser violados pela prova ilícita, faz-se mister, também, a tutela dos direitos que não podem ser demonstrados por meio de outra prova, que não seja a obtida de modo ilícito. É nessa ocasião que se deve aplicar o princípio da proporcionalidade, o qual vai determinar o balanceamento dos interesses e valores em jogo. Na verdade, a ponderação deve ser feita, diante das circunstâncias do caso concreto, entre o direito que seria realizado através da prova (e não simplesmente o direito à prova) e o direito da personalidade que foi por ela desconsiderado. Por isso, para que haja uma eventual admissão de prova ilícita, deve-se ponderar um interesse específico com outro interesse específico contraposto, e não com a sua generalização”. (SILVA, 2006)
Passados alguns anos do Estado de Exceção, doutrina e jurisprudência majoritárias, mudaram suas interpretações com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, passando a admitir o aproveitamento no processo das provas ilícitas mitigando a proibição constitucional, na tentativa de afastar eventuais prejuízos que a sua não aplicação poderia gerar, em hipóteses de excepcional gravidade, como em favor do réu no caso de não existir outras provas ou essa for produzida em estado de necessidade.
Esse entendimento majoritário tem sustentação no princípio da proporcionalidade, permitindo o aproveitamento das provas ilícitas em casos excepcionais, haja vista que nenhum direito fundamental pode ser considerado de natureza absoluta.
Capez (2001), assim entende:
“Entendemos não ser razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se deseja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum o juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um maior, como, por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição antagônica, precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser sacrificado”. (CAPEZ, 2001, p. 32-33).
Assim, tomando por base a rigidez do texto constitucional, ainda prevalece o entendimento de vedar a produção e o aproveitamento da prova ilícita obtida com violação a garantia ou direito fundamental estabelecido na Constituição, mas vem ganhando força a posição de se mitigar a proibição, no caso concreto, e em circunstâncias especiais observado o princípio da proporcionalidade.
Trata de um encargo que as partes tem de provar, pelos meios legalmente admitidos, a veracidade das afirmações formuladas ao longo do processo, resultando de sua inatividade uma situação de desvantagem perante o direito.
As partes não tem o dever de provar ou concretizar suas alegações, mas, em não o fazendo, devem suportar os efeitos de uma decisão prejudicial aos seus interesses.
De acordo com Neves (2010), o direito-dever de provar deve recair:
“(...) o instituto sob a perspectiva de quem é o responsável pela produção de determinada prova (“quem deve provar o que”), enquanto que no ônus objetivo, o instituto é visto com uma regra de julgamento a ser aplicada pelo juiz no momento de proferir a sentença no caso de aprova se mostrar inexistente ou insuficiente. No aspecto objetivo o ônus da prova afasta a possibilidade de o juiz declarar o non liquet diante de dúvidas a respeito de alegações de fato em razão da insuficiência ou inexistência de provas. Sendo obrigado a julgar e não estando convencido das alegações de fato, aplica a regra do ônus da prova”. (NEVES, 2010, p. 387-388)
Deste modo, o ônus da prova dependerá da natureza da demanda, da qualidade da parte, sem nunca esquecer que a instrução do feito pode ser determinada de ofício pelo juiz em diversas oportunidades durante o trâmite do processo.
Exemplo da atividade probatória do Juiz seria, o artigo 156 do Código de Processo Penal que possibilita ao magistrado determinar de ofício a produção de provas, bem como ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade.
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Muitos autores defendem a inconstitucionalidade do art. 156, I do CPP tendo em vista o conflito existente entre este e o sistema acusatório adotado pelo Brasil no art. 129, inciso I da Constituição Federal de 1988. Contudo, devemos ressaltar que a produção de provas pelo magistrado é supletiva e encontra limites, justamente na imparcialidade do julgador, o que, em contrapartida, viabiliza o respeito ao princípio do contraditório.
No âmbito do processo penal, há três tipos de sistemas regentes da gestão da prova: a) o inquisitivo, caracterizado pela concentração de poderes nas mãos do órgão julgador, o qual exerce igualmente a função de acusador, com procedimento escrito, sigiloso e com contraditório e defesa enfraquecidos; b) o acusatório, de nítida separação entre acusação, defensor e julgador, com isonomia de direitos, com contraditório e liberdade na produção de provas; c) e o misto, de origem francesa, com o equilíbrio do sistema inquisitório, mais voltado à parte de instrução preliminar, deixando o sistema acusatório para a fase processual, ou de julgamento.
É importante frisar que a Carta Magna de 1988 optou claramente pelo sistema acusatório, pois estabeleceu, em regra, as atribuições de julgar (juiz), de defender (advogados e defensores) e de acusar (Ministério Público). Entretanto, o nosso Código de Processo Penal ainda preserva um modelo, de influência inquisitiva, de forma que alguns autores acreditam que o sistema brasileiro pode ser considerado misto.
O Código de Processo Civil, no art. 333, adotou o sistema de distribuição fixa do ônus da prova, cabendo este a quem alega o fato, independentemente de a parte que não alegou possuir maior facilidade de produção da prova. No entanto, a doutrina e a jurisprudência, tentando solucionar a problemática da injustiça da distribuição fixa, desenvolveu a distribuição dinâmica do ônus da prova, na qual o juiz, no caso concreto, atribuirá o ônus a quem possa dela se desincumbir com maior facilidade e com menores custos. Esta distribuição dinâmica deve ser motivada e ser feita em momento processual que permita que a parte posse se desincumbir do ônus, ou seja, deve ser feita ao longo do processo e não no momento da sentença.
1.6. Sistemas de valoração da prova
No direito processual existem três grandes sistemas de avaliação da prova a saber:
1.6.1 Sistema da Intima Convicção do Juiz
O juiz é livre para apreciar as provas, inclusive aquelas que não estão nos autos, não sendo obrigado a fundamentar seu convencimento. Esse sistema, em regra, não é adotado no Brasil, mas ainda resiste na figura do tribunal do júri em relação aos jurados (CF/88, artigo 5º, inciso XXXVIII).
Art. 5º. CF/88
XXXVIII - É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) A plenitude da defesa;
b) O sígilo das votações;
c) A soberania dos vereditos;
d) A competência para o julgamento dos crimes dolosos contar a vida.
1.6.2 Sistema da prova legal ou tarifada
É o sistema oposto ao da Intima Convicção do Juiz, no qual, determinados meios de prova têm valor probatório fixado em abstrato pelo legislador, cabendo ao magistrado, tão somente, apreciar o conjunto probatório e a ele atribuir o valor conforme fixado em lei.
O papel do juiz é reduzido ao de um fazedor de contas, deixando totalmente de lado as nuances do caso concreto. Esse sistema retira do juiz o poder de a elas atribuir o valor que entender. No Brasil, em regra, esse sistema não é adotado, mas há situações excepcionais em que o código obriga que sejam utilizados determinados tipos de prova.
art. 155 – CPP
parágrafo único - Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Acrescido pela Lei n.º 11.690/08)
art. 158 CPP – Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 167 CPP – Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
SÚMULA 74 do STJ – Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.
1.6.3 Sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz
Por força da constituição federal em seu art. 93, IX, esse sistema é o adotado no Brasil. Também encontra previsão expressa no artigo 131 do Código de Processo Civil e 155 do Código de Processo Penal.
Art. 93. CF/88
IX - Todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais à preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
O juiz tem ampla liberdade na valoração das provas constantes dos autos, as quais tem o mesmo valor, pelo menos em abstrato, porém está obrigado a fundamentar seu convencimento.
Todavia, a liberdade deve atender a certos parâmetros, conforme leciona Didier Júnior (2007):
“A liberdade na apreciação das provas está sujeita a certas regras quanto à convicção que fica condicionada (e porque é condicionada, há de ser sempre motivada): a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica; b) às provas destes fatos colhidas no processo; c) às regras legais de prova e às máximas de experiência. O livre convencimento motivado também fica limitado pela racionalidade, não sendo admitida a apreciação das provas de acordo com critérios irracionais, por mais respeitáveis que sejam; não pode o magistrado, em um Estado laico, decidir com base em questões de fé, por exemplo”. (DIDIER JR, 2007, ob. cit., p. 68)
1.7 Consequências que derivam Sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz
1) Não há provas com valor absoluto, ou seja, todas as provas tem valor relativo, inclusive a confissão que é a rainha das provas no sistema da prova tarifada.
art. 197 CPP – O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
2) Deve o magistrado valorar todas as provas produzidas no processo, ainda que para afastá-las. A parte tem o direito de que o juiz avalie a prova por ela produzida, senão de nada adiantaria sua produção.
3) Somente são válidas as provas constantes do processo. O juiz não pode trazer para o processo, conhecimentos privados.
Sendo assim, o magistrado, ao decidir, deve expressamente declarar as regras de interpretação de que se valeu e os motivos que o levaram a entender que a solução prolatada em sua sentença se coaduna com o acervo probatório produzido em consideração aos dispositivos de lei em vigor.
No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, a vedação à prova ilícita passou a ter previsão expressa no art. 5º, inciso LVI.
Art. 5º. CF/88
LVI – São inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
À expressão “meios ilícitos” tem se dado uma ampla interpretação de modo a abarcar em tal frase as provas alcançadas com infrações ao direito material (provas ilícitas, em sentido estrito) ou ao direito processual (provas ilegítimas). Todavia, a melhor interpretação é no sentido de que “meios ilícitos” são todos aqueles utilizados para obtenção de provas violando um direito fundamental de alguém.
Segundo a doutrina de Luiz Francisco Torquato Avolio (AVOLIO, 1995, p. 78) a prova ilegal é o gênero do qual derivam as provas ilícitas e ilegítimas. Provas ilícitas seriam aquelas produzidas sem a observância e/ou com violação as regras de direito material, sobretudo de direito constitucional, mediante a prática de algum ilícito penal, civil ou administrativo no momento da colheita da prova, tais como a confissão mediante tortura e a interceptação telefônica sem autorização judicial e geralmente antes do início do processo, gerando o direito de exclusão, ou seja, devem ser desentranhadas do processo. Provas ilegítimas seriam aquelas produzidas sem observância as regras de natureza processual, em regra durante o curso do processo e a sanção para este descumprimento encontra-se previsto na própria lei processual, devendo ser vista à luz da teoria das nulidades.
Historicamente falando, a conceituação da prova vem se desenvolvendo, conforme nos informa Silva (2006):
“O conceito de prova ilícita evoluiu com o passar do tempo. No direito brasileiro, antes da Constituição de 1988, havia duas correntes doutrinárias a respeito da admissibilidade processual das provas ilícitas, predominando a que defendia a admissibilidade, especialmente no direito de família.
Os adeptos da teoria da admissibilidade prestigiavam a busca da "verdade real", não importando o meio pelo qual a prova foi obtida, devendo o juiz aproveitar o seu conteúdo. Assim, num eventual conflito entre o direito à intimidade e o direito à prova (por todos os meios, inclusive os ilícitos), o primeiro, que está entre as liberdades públicas, deveria ceder quando em confronto com a ordem pública e as liberdades alheias. A ponderação, portanto, pendia em favor do princípio da investigação da verdade, ainda que baseada em meios ilícitos.
A parte minoritária da doutrina que se posicionava pela inadmissibilidade da prova ilícita, antes da Constituição de 1988, lastreava-se no art. 332 do Código de Processo Civil, entendendo que essa prova não era legal, nem moralmente legítima.
Posteriormente - sobretudo quando se chegou à conclusão de que a essência da verdade nunca poderá ser atingida, por não ser possível reconstruir os fatos pretéritos da mesma forma como se passaram - passou a predominar nos diversos ordenamentos jurídicos o posicionamento doutrinário pela inadmissibilidade da prova ilícita”. (SILVA, 2006)
Nessa direção, eis a lição de Neves:
“(...). Doutrina autorizada ensina corretamente que mais importante que a distinção entre prova ilícita ou ilegítima, tomando-se a tradicional classificação, é determinar a gravidade da violação. Trata-se da noção de provas inconstitucionais, produzidas com ofensa a normas materiais ou processuais, sempre que violarem direito fundamental garantido na Constituição Federal. Uma ofensa à norma de direito processual (publicidade) pode ser tão inconstitucional quanto à ofensa a uma norma de direito material (preservação do direito de intimidade-privacidade)”. (NEVES, 2010, p. 399)
O Código de Processo Penal brasileiro traz expressamente um dispositivo que estabelece que por provas ilícitas deve-se entender as obtidas com ofensa a normas constitucionais ou legais.
Art. 157 – São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela lei n.º 11.690/2008).
Além disso, a vedação de seu uso abarca não só à esfera do processo judicial, mas também os processos administrativos e os inquéritos policiais. Quanto a esse último devemos lembrar que eventuais vícios no seu procedimento não levam a nulidade do processo a que derem origem, salvo na hipótese de provas ilícitas.
Como exemplos de provas ilícitas poderíamos citar: a diligência sem mandado ou à noite, a confissão sob tortura, a interceptação telefônica sem autorização judicial ou para instruir processo civil, o detector de mentiras, a violação de cartas particulares fechadas, o sigilo profissional quebrado, o documento obtido mediante invasão de domicílio desautorizada, o interrogatório judicial do réu sem a presença do advogado, o interrogatório do réu sem possibilidade de entrevista prévia e reservada com o seu procurador e a coação em interrogatório judicial ou policial, entre inúmeras outras ilustrações, representam o desrespeito em tese ao direito posto e consideradas são inadmissíveis na instrução processual.
2.1 Teoria dos frutos da árvore envenenada
As provas ilícitas por derivação ou "frutos da árvore envenenada" são os meios probatórios que, não obstante, produzidos validamente em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária que a eles se transmite contaminando-os por efeito de repercussão causal.
Nessa hipótese, a partir de prova obtida ilicitamente, chega-se a uma prova que, vista isoladamente, seria lícita. Um bom exemplo seria o de alguém confessa a prática de um crime de roubo mediante tortura e indica a pessoa com a qual está o produto do crime (prova obtida ilicitamente); a autoridade policial, com mandado judicial, ingressa na residência indicada e consegue apreender a coisa obtida com a prática infracional (prova obtida licitamente, mas que derivou da confissão, feita em virtude da tortura.
Segundo Tourinho Filho (2001, p. 376) a doutrina do “fruits of the poisonous tree”, ou simplesmente “fruit doctrine”, "fruto da árvore envenenada" ou “venenosa”, que foi cunhada pela Suprema Corte Norte Americana, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos, teve origem no caso Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 US 385 (1920), quando tal Corte decidiu que o Estado não podia intimar pessoas a entregar documentos cuja existência fora descoberta pela polícia por meio de uma prisão ilegal.
No Brasil, ainda prevalece no Supremo Tribunal Federal que a prova ilícita originária contamina as demais provas dela decorrentes, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.
A propósito, eis o teor da ementa do julgado que orienta desde então a nossa jurisprudência (STF, 1993):
“Ementa: PROVA ILICITA: ESCUTA TELEFONICA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL: AFIRMAÇÃO PELA MAIORIA DA EXIGÊNCIA DE LEI, ATÉ AGORA NÃO EDITADA, PARA QUE, "NAS HIPÓTESES E NA FORMA" POR ELA ESTABELECIDAS, POSSA O JUIZ, NOS TERMOS DO ART. 5, XII, DA CONSTITUIÇÃO, AUTORIZAR A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFONICA PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL; NÃO OBSTANTE, INDEFERIMENTO INICIAL DO HABEAS CORPUS PELA SOMA DOS VOTOS, NO TOTAL DE SEIS, QUE, OU RECUSARAM A TESE DA CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS DECORRENTES DA ESCUTA TELEFONICA, INDEVIDAMENTE AUTORIZADA, OU ENTENDERAM SER IMPOSSIVEL, NA VIA PROCESSUAL DO HABEAS CORPUS, VERIFICAR A EXISTÊNCIA DE PROVAS LIVRES DA CONTAMINAÇÃO E SUFICIENTES A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO QUESTIONADA; NULIDADE DA PRIMEIRA DECISÃO, DADA A PARTICIPAÇÃO DECISIVA, NO JULGAMENTO, DE MINISTRO IMPEDIDO (MS 21.750, 24.11.93, VELLOSO); CONSEQUENTE RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO, NO QUAL SE DEFERIU A ORDEM PELA PREVALENCIA DOS CINCO VOTOS VENCIDOS NO ANTERIOR, NO SENTIDO DE QUE A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFONICA - A FALTA DE LEI QUE, NOS TERMOS CONSTITUCIONAIS, VENHA A DISCIPLINA-LA E VIABILIZA-LA - CONTAMINOU, NO CASO, AS DEMAIS PROVAS, TODAS ORIUNDAS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS NA ESCUTA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE), NAS QUAIS SE FUNDOU A CONDENAÇÃO DO PACIENTE”. (STF, 1993, HC n.º 69.912)
Entretanto, o Supremo ressalva que a invalidade se estende unicamente àquelas provas que decorreram diretamente da prova ilícita originária, como bem alerta o constitucionalista Moraes (2007):
“Em conclusão, as provas ilícitas, bem como todas aquelas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes, ou ainda, que também decorreram de outras fontes, além da própria prova ilícita; garantindo-se, pois, a licitude da prova derivada da ilícita, quando, conforme salientado pelo Ministro Eros Grau, “arrimada em elementos probatórios coligidos de sua juntada aos autos”. (MORAIS, 2007, p. 103-104)
Sendo assim, podemos inferir que a Corte Constitucional Brasileira admite a prova derivada da ilícita desde que não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras, não havendo que se falar em vinculação causal (“an independent source”).
Registre-se o teor do § 1.º do artigo 157 do CPP:
Art. 157 CPP ...
§1º - São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por um fonte independente das primeiras”.
Todavia, o aproveitamento no processo dessa prova derivada da ilícita deve seguir critérios, como leciona Calhau(2013):
“(...), não podemos deixar de registrar a lição de Barbosa Moreira no sentido de que existe uma precipitação em importar a “teoria dos frutos da árvore envenenada”, ainda mais em formulação indiscriminada, nua dos matizes que a recobrem no próprio país de origem. A jurisprudência norte-americana, com efeito, não a consagra sem ponderáveis restrições. Interessante notar que nos Estados Unidos, entre outros casos, se tem repelido a tese da ilicitude “derivada” ou por “contaminação” quando o órgão judicial se convence de que, se fosse como fosse, se chegaria “inevitavelmente”, nas circunstâncias, a obter a prova por meio legítimo, isto é, ainda a fazer-se abstração da ilegalidade praticada”. (CALHAU, 2013)
Acrescenta Avena(2008), que:
(...) Em outras palavras, faz-se necessário que a prova tida como contaminada tenha sido decorrência direta ou indireta de uma anterior a ela, manifestamente viciada. Se, ao contrário, provier a prova de fonte independente, como tal considerada como aquela que não possui qualquer nexo de causalidade com a prova reconhecidamente ilícita que a precedeu, ou de prova que de qualquer modo viria aos autos, sendo irrelevante, para o seu surgimento, a circunstância de, antes dela, ter-se operado situação de ilegalidade probatória, não ocorrerá a contaminação. Trata-se, neste último caso, do que a doutrina vem chamando de descoberta inevitável, segundo a qual a prova será considerada admissível se a parte interessada comprovar que ela seria, inevitavelmente, descoberta por meios legais. (AVENA, 2008, p. 173).
Neves (2010) sintetiza as restrições da aplicação da teoria:
“Importante notar que essa teoria, importada do direito norte-americano, encontra certas limitações em seu próprio país de origem. Para que a chamada prova ilícita por derivação seja admitida, deve-se observar:
a) ausência de nexo de causalidade, ou seja, a contaminação só atinge as provas que sejam efetivamente derivadas da prova ilícita (hipothetical independent source rule ou independent source limitation);
b) a descoberta inevitável (inevitable discovery), ou seja, a prova deve ser admitida sempre que se demonstre que seria possível obtê-la por meios lícitos;
c) possibilidade de descontaminação, apagando o nexo causal da ilicitude, (purget taint limitation) quando o vício pode ser convalidado mediante acontecimento posterior, como ocorre na confissão espontânea da parte (Teoria da mancha purgada)”. (NEVES, 2010, p. 400)
Fascinados com a riqueza da matéria, agregamos alguns exemplos consolidados na jurisprudência que podem aclarar a matéria:
Ex1: Confissão obtida durante prisão ilegal - a confissão sob prisão ilegal é prova ilícita e, portanto, inválida a condenação nela fundada. Temos aqui, simples aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada. Afinal, se a prisão foi ilegal, todas as provas obtidas em razão dessa prisão também estarão contaminadas pela mesma ilicitude).
Ex2: Gravação de interrogatório informal - é ilícita a prova obtida por meio de gravação de conversa informal do indiciado com policiais, por constituir "interrogatório" sub-reptício, sem as formalidades legais prevista para o inquérito policial e sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio.
Ex3: Violações - embora a autorização expressa para a violação excepcional refirase só às comunicações telefônicas, as demais inviolabilidades não são absolutas, haja vista que não existem direitos e garantias fundamentais de caráter absoluto no Estado brasileiro. Assim, numa situação concreta, em que estejam em jogo outros valores constitucionalmente protegidos (direito à vida, por exemplo), poderá ocorrer a violação das correspondências, para salvaguardar o direito à vida. Assim, é consolidada a jurisprudência do STF neste sentido:
“(...) a administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de prevenção da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas” (HC n° 70.814/SP, rel. Min. Celso de Mello, 01.03.1994).
A seguir, destacamos alguns aspectos importantes acerca da interceptação das comunicações telefônicas previsto no art. 5°.inciso XII, da Carta Magna.
Antes de tudo, devemos deixar clara a diferença entre sigilo telefônico e sigilo das comunicações telefônicas. Quando se fala em quebra do sigilo telefônico, trata-se de acesso aos dados de ligações telefônicas (quem ligou para quem, quando, quanto tempo durou a ligação). Quando se fala em interceptação telefônica, trata-se de gravação das conversas estabelecidas entre os interlocutores, ou seja, refere-se ao conteúdo da conversa.
Assim, esse dispositivo constitucional não impede o acesso aos dados em si, alcançando, apenas, a comunicação enquanto em trânsito; Portanto, se o conteúdo da conversa já foi gravado em mídia, se o e-mail já foi armazenado no disco rígido do computador ou em outra mídia qualquer, ou impresso em papel, não há mais que se falar em aplicação da inviolabilidade prevista no inciso XII do art. 5°. Nesses casos, poderão tais conteúdos, já gravados, serem apreendidos como provas lícitas, mesmo no curso de processo (durante a execução de um mandado de busca, por exemplo).
2.2 Correntes doutrinárias sobre aproveitamento da prova ilícita no processo
No tocante a possibilidade de aproveitamento das provas ilícitas no processo, existem várias correntes doutrinárias: A primeira delas defende que deve ser reconhecida como válida e eficaz no processo, as provas obtidas ilicitamente; A segunda considera ser sempre inadmissível o seu aproveitamento, pouco importando a relevância do direito invocado; Uma terceira corrente concilia as duas primeiras fundamentando-se no princípio da proporcionalidade.
A doutrina cita a existência de pelo menos quatro posicionamentos distintos:
1) A prova ilícita é admitida quando não houver impedimento na própria lei processual, punindo-se quem a produziu pelo crime eventualmente cometido (Cordero, Tornaghi, Mendonça Lima);
2) A ordenamento jurídico é uma unidade e, assim, não admite que a prova ilícita, vedada pela Constituição ou por lei substancial, seja aceita no âmbito do processo (Nuvolone, Frederico Marques, Fragoso, Pestana Aguiar);
3) É inadmissível a prova obtida com violação de norma constitucional por sua inconstitucionalidade (Cappelletti, Vigoriti, Comoglio); e
4) A prova obtida com violação constitucional pode ser admitida em casos excepcionais, quando os valores também constitucionalmente protegidos que se visava resguardar com a obtenção ilícita forem mais relevantes do que os infringidos na colheita da prova. (Baur, Barbosa Moreira, Renato Maciel, Hermano Duval, Camargo Aranha e Moniz Aragão).
A quarta corrente nos parece a mais acertada, pois assim como a vedação à prova ilícita, o direito à prova também é uma garantia constitucional, devendo o juiz sopesar qual deles deva prevalecer no caso concreto, à luz do princípio da proporcionalidade e sempre com foco no interesse da sociedade.
2.3 Tese de inadmissibilidade da utilização processual da prova ilícita
Essa corrente, também chamada teoria obstativa, defende que toda e qualquer prova obtida por meio ilícito deve ser sumariamente banida no processo, por mais altos e relevantes que possam se apresentar os fatos por ela apurados.
Em insuperável defesa acerca da inadmissibilidade da utilização de prova ilícita no processo, Ustárroz (2002), afirmou:
Por tais razões, de ordem prática, ética e mesmo lógica, não é dado à qualquer litigante introduzir prova obtida por meio ilícito no processo, podendo-se dizer que o direito à prova encontra, sim, fronteiras definidas pelo sistema e não pode ser entendido como garantia absoluta, na medida em que coexiste com outras garantias que a repelem, uma vez verificadas determinadas circunstâncias concretas. Por decorrência, soa admissível a tese segundo a qual o processo, em certas hipóteses, arrefece seu ímpeto de perseguir a verdade a todo custo. A preocupação, na realidade, sempre existe, porém, em nome de valores outros, de igual ou superior hierarquia no sistema, optamos por preservar situações juridicamente protegidas de cegas investidas em nome da descoberta da verdade real. E essa conclusão é oportuna quando buscamos colocar o problema da vedação constitucional da prova ilícita. Efetivamente, bem examinada a questão, observaremos que a proibição da utilização de provas obtidas ilicitamente, não visa outro que proteger valores importantes do sistema, como a intimidade, a honra, enfim toda gama de direitos reconhecidos e inerentes aos cidadãos dos modernos Estados de Direito. Nessa linha, justo que o legislador sequer tolere as provas obtidas com violação de direito, eis que imbuído do escopo de prestigiar a democracia constitucional. (USTÁRROZ, 2002)
Os argumentos dessa teoria sustentam que o sistema legal não pode proteger alguém que tenha infringido norma material ou processual para obter prova, em prejuízo alheio, garantindo que a igualdade das partes seja respeitada. Nestes casos, a entidade dissidente (órgão jurisdicional) tem a dever de determinar o desentranhamento dos autos da prova produzida ilicitamente, não lhe reconhecendo nenhuma eficácia, possibilitando um julgamento correto e justo, sem surpresas desautorizadas pelo direito.
2.4 Tese da admissibilidade da utilização processual da prova ilícita
Também conhecida como teoria permissiva, essa corrente defende que a prova obtida ilicitamente deve sempre ser reconhecida pelo ordenamento jurídico como válida e eficaz, devendo prevalecer o interesse da justiça no descobrimento da verdade, de modo a formar o convencimento do julgador. Nesses casos o infrator, (aquele que produziu a prova ilicitamente) ficará sujeito as sanções previstas em lei.
Pedroso (1896), filiado a essa corrente, defende que:
“(...).se o fim precípuo do processo é a descoberta da verdade real (hoje entendida como verdade possível), aceitável é que, se a prova ilicitamente obtida mostrar essa verdade, seja ela admissível, sem intimidar o Estado da persecução criminal contra o agente que infringiu as disposições legais e os direitos do réu. (PEDROSO, 1986, p. 163)
A teoria permissiva sustenta que o direito, pela sua própria natureza dialética, não gosta de soluções acabadas, radicais e imutáveis, a exemplo da inflexível vedação à prova ilícita prevista na Carta Magna.
Uma solução única ou inflexível não deve ser adotada pela própria riqueza e diversidade de situações sociais que se nos apresentam. Assim, é preciso reconhecer que os direitos fundamentais insertos no artigo 5.º da CF/88 podem, a depender do caso concreto, estar em aparente conflito.
A propósito, Didier Júnior (2007) reflete:
“(...). Todavia, é de se observar que nem só a proibição do uso de prova ilícita é garantia constitucional; também o direito à prova o é. E por isso surge o delicado problema de investigar adequadamente o tema da prova ilícita, buscando solucionar, acima de tudo, o conflito que pode surgir entre os princípios constitucionais do acesso à justiça e do direito à prova, de um lado, e, de outro, o da proibição do uso da prova ilícita”. (DIDIER JR, 2007, ob.cit., p. 24)
Sendo assim, o direito fundamental de inadmissibilidade de prova ilícita no processo pode conflitar com outro direito fundamental. Nesse sentido, Fernando Capez (2001) chega a falar, inclusive, em sacrifício do primeiro (vedação à prova ilícita) em detrimento de outro:
“Entendemos não ser razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se deseja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum o juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior, como, por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição antagônica, precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser sacrificado”. (CAPEZ, 2001, p. 32-33)
2.5 Corrente conciliadora ou da proporcionalidade
Essa teoria é a que prevalece na doutrina brasileira e surge da fusão das teorias obstativa e permissiva. Para seus defensores, a proibição de aproveitamento das provas obtidas por meios ilícitos é um princípio relativo, que, excepcionalmente, pode ser violado sempre que estiver em jogo um interesse de maior relevância do que o direito violado ou outro direito fundamental com ele contrastante.
Sendo assim, deve o operador do direito tentar harmonizar (leia-se amenizar) o alcance de um (ou de ambos) de forma a encontrar uma solução adequada do caso resguardando um direito mais relevante para a sociedade.
Nesse passo, o princípio da proporcionalidade vai ao encontro com a tese conciliadora. Deve haver uma análise proporcional dos bens jurídicos, não se aceitando toda e qualquer prova ilícita, mas permitindo-se, excepcionalmente, o aproveitamento destas se o direito violado for de menor importância. Neste caso, o direito advindo da prova ilicitamente obtida possui maior relevância que o direito violado para sua obtenção, devendo, a prova ilícita ser aceita válida e eficazmente;
De outro modo, se o direito violado for de maior importância, deverá ser protegido pelo poder judiciário e, consequentemente, a prova ilicitamente obtida não deverá ser aceita.
Segundo Nery Júnior (1999):
“(...). Não se trata de um conflito entre garantias fundamentais. No caso de princípios constitucionais contrastantes, o sistema faz atuar um mecanismo de harmonização que submete o princípio de menor relevância ao de maior valor social. (NERY JR, 1999, p. 79).
3. A PROVA ILÍCITA À LUZ DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade não se encontra expressamente previsto no texto da Carta Política de 1988, tratando-se, portanto, de princípio implícito. Para o STF, o princípio da proporcionalidade tem origem no princípio do devido processo legal (CF, art. 5.°, LIV), considerado em sua acepção substantiva (cria direitos fundamentais não expressos na constituição) e não meramente formal (tratam da validade do processo).
Este terceiro capítulo tentará fazer a interseção do princípio da proporcionalidade e o instituto da prova ilícita.
Segundo ensina de Marinoni e Arenhart (2003), citando Karl Larenz, surgindo conflito entre princípios fundamentais devemos:
“Existindo o direito constitucional de se provar o que se alega em juízo, e, existindo, por outro lado, o direito constitucional de não ter contra si prova ilícita produzida, não há como fugir da consideração do princípio da proporcionalidade.
Como explica Karl Larenz, o princípio da proporcionalidade exige ponderação dos direitos e bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo na respectiva situação. Ponderar e sopesar não são imagens; não se trata de grandezas quantitativamente mensuráveis, mas do resultado de valorações que – nisso reside a maior dificuldade – não só devem ser orientadas a uma pauta geral, mas também a situação concreta em cada caso. Em outras palavras, a ponderação de bens deve ser feita no caso concreto, uma vez que não existe uma ordem hierárquica em que possa ler-se o resultado numa tabela”. (MARINONI, ARENHART, 2003, ob. cit. p. 320)
Dessa forma, em que pese ser possível a aplicação do princípio da proporcionalidade para atenuar o rigor constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita, essa incidência depende de uma análise, ”in concreto”, entre os princípios conflitantes, de maneira a se preservar o bem jurídico mais valioso para a sociedade.
O legislador ordinário, tentando relativizar a inconteste intolerância do legislador constituinte em relação ao uso da prova ilícita, alterou o artigo 157, do Código de Processo Penal, pela Lei n.º 11.690/2008, “in verbis”:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas a normas constitucionais ou legais.
§ 1.º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2.º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da instrução ou da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
Tal alteração introduziu formalmente no nosso sistema legal a previsão de mitigar a exceção à vedação absoluta da utilização da prova ilícita, quando esta não possuir qualquer nexo de causalidade com a prova reconhecidamente ilícita que a precedeu, ou pela certeza que de qualquer modo a prova viria aos autos.
Essa mitigação se coaduna com o entendimento daqueles que não admitem a presença de direitos absolutos, mesmo que se trate de direitos fundamentais previstos na CF/88 ou em textos de tratados e convenções internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram fundamentais nesse contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico valorativa.
3.2 Proporcionalidade ou razoabilidade
Parte da doutrina busca diferenciar o princípio da proporcionalidade (de origem alemã) e o princípio da razoabilidade (de raízes norte-americanas).
Para Helenilson Cunha Pontes, citado por Antunes (2006):
a) O princípio da proporcionalidade exige maior motivação racional nas decisões do que o princípio da razoabilidade;
b) O princípio da razoabilidade, ao contrário do princípio da proporcionalidade, prescinde de consideração da relação meio-fim;
c) Enquanto a razoabilidade constitui princípio geral de interpretação, a proporcionalidade, além dessa qualidade também consubstancia princípio jurídico material;
d) Finalmente, a razoabilidade tem função eficacial de bloqueio, enquanto a proporcionalidade, além dessa mesma função, também assegura a concretização dos interesses constitucionalmente consagrados. (ANTUNES, 2006)
Portanto, verifica-se que a o princípio da razoabilidade possui uma maior abstração do que o princípio da proporcionalidade.
A razoabilidade possui uma função negativa no sentido de impedir que o poder estatal ultrapasse seus limites com medidas de exceção que acabem por ferir os direitos fundamentais dos indivíduos. Já a proporcionalidade se reservaria a atuar contra os abusos ou excessos de poderes, equacionando racionalmente os conflitos entre direitos e princípios fundamentais.
Frise-se, no entanto, que tal distinção não produz grandes efeitos práticos, não sendo utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, nem pela maioria da doutrina, nem por este trabalho, os quais utilizam indistintamente tais expressões, com maior destaque até para a menção ao princípio da proporcionalidade.
3.3 Elementos e funções do princípio da proporcionalidade
O magistrado para fazer uso do princípio da proporcionalidade deve verificar se estão presentes no contexto fático alguns requisitos, conforme ensina Para Lenza (2013):
a) necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder substituí-la por outra menos gravosa;
b) adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido;
c) proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, tem termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição. (LENZA, 2013, ob. cit., p. 138)
Para proceder essa verificação devemos responder sempre a três perguntas singelas e sucessivas, Segundo Wolf (2010) :
a) o prejuízo é o menor possível? (“é necessário?”);
b) a medida a ser tomada é útil para atingir o fim perseguido? (“é útil?”);
c) é justa, considerando uma relação de custo benefício? (“é proporcional em sentido estrito?”).
Quanto as suas funções, o princípio da proporcionalidade atua como limite a eventuais excessos do poder estatal e tem papel fundamental na solução de aparentes conflitos de direitos fundamentais.
Rolim (2002), assim resume:
“É possível vislumbrar duas funções distintas desempenhadas pelo referido princípio no sistema normativo. Na primeira delas, o princípio da proporcionalidade configura instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais contra a ação limitativa que o Estado impõe a esses direitos.
(...)
De outro lado, o princípio em exame também cumpre a relevante missão de funcionar como critério para solução de conflitos de direitos fundamentais, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto”. (ROLIM, 2002)
3.4 Prova ilícita e proporcionalidade
O STF, em uma interpretação harmônica das liberdades constitucionais, aceita a proporcionalidade e a relaciona à prova ilícita, em matéria penal, quando favorável ao acusado, ou seja, “pro reo”. A doutrina e a jurisprudência têm admitido o seu aproveitamento no processo em observância ao direito de defesa e ao princípio do favor rei. Essa posição suaviza o rigorismo da não aceitação incondicional das provas ilícitas prevista na Carta Magna. Nessas hipóteses, o réu encontrar-se-ia em circunstância de verdadeiro estado de necessidade, que é uma das causas, como sabemos, de exclusão da ilicitude, vendo-se compelido ao uso de prova ilícita em defesa de seu direito.
Assim, valendo-se da teoria do sacrifício, entende a doutrina pátria que é possível a utilização de prova favorável ao acusado ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, quando for a única possível, e, quando produzida pelo próprio interessado fundamentando-se no princípio da proporcionalidade.
Portanto, se a prova foi obtida para resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor do que aquele a ser resguardado, não há que se falar em ilicitude e, portanto, inexistirá a restrição da inadmissibilidade da prova ilícita.
São três as correntes doutrinárias acerca do aproveitamento da prova ilícita no processo, quais sejam: a) a teoria obstativa; b) a permissiva; c) e a intermediária.
A teoria obstativa é radical no sentido da inadmissibilidade da utilização de prova ilícita em processo, ainda que de forma pontual.
Já a permissiva se contrapõe à primeira. Admite o emprego da prova ilícita em todos os casos e, traz consigo, obviamente, um risco.
Por fim, a visão intermediária permite a aplicação, mas só em face de determinadas circunstâncias, as quais procuraremos mencionar e sistematizar, uma vez que a reputamos a mais sensata.
Neves (2010) resume bem os ditames da referida teoria:
“Entre as duas correntes surge uma intermediária, em meu sentir a mais adequada dentre as três no trato da matéria. Negando ser o princípio constitucional da prova ilícita absoluto – como no mais nenhum princípio jamais será -, essa corrente doutrinária defende que, dependendo das circunstâncias, em aplicação do princípio da proporcionalidade, é possível a utilização da prova ilícita, o que não impedirá a geração dos efeitos civis, penais e administrativos em razão da ilicitude do ato. Trata-se de corrente majoritária na doutrina brasileira.
Para a majoritária corrente doutrinária que permite o afastamento do óbice da vedação constitucional pela aplicação do princípio da proporcionalidade, algumas condições são exigidas para a utilização da prova ilícita na formação do convencimento do juiz:
(a) gravidade do caso;
(b) espécie de relação jurídica controvertida;
(c) dificuldade de demonstrar a veracidade de forma lícita;
(d) prevalência do direito protegido com a utilização da prova ilícita comparado com o direito violado;
(e) (e) imprescindibilidade de prova na formação do convencimento judicial”. (NEVES, 2010, ob. cit., p. 401)
3.6 O procedimento sugerido pela doutrina
Havendo conflito entre o princípio da vedação ao uso da prova ilícita e outro princípio de grandeza constitucional, a doutrina sugere que o juiz observe alguns passos antes de aplicar do princípio da proporcionalidade para admitir a prova ilícita, zelando pela igualdade entre as partes.
Antunes (2006) nos informa os passos a serem trilhados pelo magistrado:
“O primeiro passo é o de se analisar se realmente existe uma colisão de direitos fundamentais, o que se faz averiguando, "interpretativamente, se os direitos em tensão são estatuídos, de forma direta ou indireta (não-escrita), por normas –princípios constitucionais". (...)
No segundo passo deve–se visualizar a situação de conflito, tendo por escopo primordial identificar todas as circunstâncias relevantes a serem abordadas. Somente após a configuração destes, é que se prosseguirá para a aplicação do princípio da proporcionalidade propriamente dito.
O terceiro passo consiste no exame do princípio da proporcionalidade, por meio da análise sucessiva de seus três subprincípios na seguinte ordem: princípio da adequação, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito, visto que há entre os três subprincípios uma progressão do tipo lógico. Aludida progressão significa que:
Uma decisão normativa (meio) será considerada proporcional em sentido amplo se ela, primeiro, for adequada, depois, necessária e, por fim, proporcional em sentido estrito. A inadequação do meio já será suficiente para considera-lo desproporcional. Apenas analisa-se a proporcionalidade à luz do princípio subsequente se ela satisfez o princípio antecedente.
Por fim, caracterizando-se as três situações anteriormente elencadas, tendo-se em vista o caráter principal dos direitos fundamentais e as circunstâncias do caso concreto, será necessário se fundamentar racionalmente o resultado da ponderação de bens.
Ante o exposto, percebe-se que a finalidade primordial da aplicação do princípio da proporcionalidade é a proteção dos direitos fundamentais, por meio da garantia dos mesmos ante as possibilidades fáticas e jurídicas. (ANTUNES, 2006).
Resumindo, deve o órgão dissidente: (i) constatar que trata-se de hipótese de colisão de direitos fundamentais, (ii) considerar todas das circunstâncias pertinentes e interessantes do caso em apreço, (iii) verificar se estão preenchidos os requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade estrita para, finalmente, à luz de uma boa fundamentação racional, aplicar-se o princípio da proporcionalidade, sempre buscando a proteção dos direitos e garantias fundamentais mais relevantes para a sociedade.
3.7 Aplicação do princípio da proporcionalidade para admitir, excepcionalmente, no processo, prova ilícita em favor do réu
Essa corrente, que não enfrenta grande resistência na jurisprudência e doutrina pátria, se funda nos princípios do favor rei e do direito de defesa, os quais buscam preservar os direitos fundamentais do indivíduo nos casos de dúvidas processuais.
Alguns doutrinadores, como Barbosa (2006), defendem que o sujeito que tem contra si um processo, em situação de franca desvantagem, e tem a seu dispor prova ilícita, estaria em verdadeiro “(...) estado de necessidade, vendo-se compelido a usar a prova ilícita para proteger seu direito fundamental”.
Sobre o tema, Capez (2007) acresce:
“Grinover, Scarance e Magalhães esclarecem que é praticamente unânime o entendimento que admite “a utilização no processo penal, da prova favorável ao acusado, ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros”. No mesmo sentido, Torquato Avólio, ao lembrar que “a aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei, é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e jurisprudência”. De fato, a tendência da doutrina pátria é a de acolher essa teoria, para favorecer o acusado (a chamada prova ilícita pro reo), em face do princípio do favor rei, admitindo sejam utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, desde que em benefício da defesa (Súmula 50 das Mesas de Processo Penal da USP)”. (CAPEZ, 2007, ob. cit., p. 527)
Antunes (2006), por sua vez, assevera que:
“O acusado que faz uso de provas ilícitas para se defender conta a seu favor com os princípios constitucionais da liberdade, da ampla defesa e do contraditório, princípio da busca da verdade real, bem como com o princípio da presunção de inocência. Todavia, nestes casos (prova ilícita em favor do acusado), os princípios mencionados podem colidir com os também princípios constitucionais das liberdades individuais, direito à intimidade, direito ao sigilo das comunicações, direito a inviolabilidade do domicílio, direito à integridade, direito á dignidade, direito ao devido processo legal, direito à propriedade e, por fim, o princípio da vedação das provas ilícitas”. (ANTUNES, 2006)
Frise-se ainda que as provas ilícitas em favor do réu somente podem ser utilizadas quando se tratar da única forma de absolvê-lo, este se encontrar em estado de necessidade ou então para comprovar um fato indispensável à sua defesa.
Alguns exemplos citados pela doutrina são: a) Gravação de conversa por um dos interlocutores - é lícita a prova obtida por meio de gravação de conversa própria, feita por um dos interlocutores, desde que presente situação de legítima defesa (quem está gravando está sendo vítima de proposta criminosa do outro, por exemplo); b) Gravação realizada por terceiro - é lícita a gravação de conversa realizada por terceiro, com a autorização de um dos interlocutores, sem o consentimento do outro, desde que para ser utilizada em legítima defesa; c) descoberta fortuita ou acidental - é válida a prova de um crime descoberto acidentalmente durante a escuta telefônica autorizada judicialmente para apuração de crime diverso, desde que haja conexão entre os delitos.
3.8 Aplicação do princípio da proporcionalidade para admitir, excepcionalmente, no processo, prova ilícita em favor da sociedade
Como dito anteriormente, a tendência da doutrina e jurisprudência pátria é a de acolher a teoria do princípio favor rei, para favorecer o acusado, admitindo-se que as provas ilícitas sejam utilizadas no processo penal desde que em benefício da defesa.
O emprego de tal preceito, mutatis mutandi, em prol da sociedade, ainda não está pacificada, apresentando uma certa oposição por parte doe alguns juristas.
Parte da doutrina defende que mesmo quando colhidas ilegalmente, tais evidências poderão ser aceitas em atenção ao princípio da proporcionalidade, para preservar um direito de maior relevância para a sociedade (pro societate - decisão da 6ª Turma do STJ).
Outra parte da doutrina afirma que não se pode recorrer ao princípio da proporcionalidade para favorecer o “Estado-Persecutor”, que é, sem dúvida, a parte mais forte quando em conflito com os cidadãos.
Capez (2007) introduz a problemática quando preleciona:
“Mais delicada, portanto, é a questão da adoção do princípio da proporcionalidade pro societate. Aqui, não se cuida de um conflito entre o direito ao sigilo e o direito da acusação à prova. Trata-se de algo mais profundo. A acusação, principalmente a promovida pelo Ministério Público, visa resguardar valores fundamentais para a coletividade, tutelados pela norma penal. Quando o conflito se estabelecer entre a garantia do sigilo e a necessidade de tutelar a vida, o patrimônio e a segurança, bens também protegidos por nossa Constituição, o juiz, utilizando seu alto poder de discricionariedade, deve sopesar e avaliar os valores contrastantes envolvidos”. (CAPEZ, 2007, p. 529)
Na defesa do pensamento pro societate, adverte Moraes (2007):
“As liberdades públicas não podem ser utilizadas com um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”. (MORAES, 2007, ob. cit., p. 104)
O exemplo citado pela doutrina seria o de um detento que se utiliza de uma carta destinada a um comparsa a fim de planejar e executar um evento criminoso de grande repercussão numa determinada localidade. A pergunta é: O sigilo constitucional garantido às correspondências poderia ser invocado pelo detento durante o processo para obstar ou tornar ilícita a interceptação da carta pela administração do presídio?
O Supremo Tribunal Federal (1994) assim entende:
“E M E N T A: HABEAS CORPUS – 80714 – SP - Relator(a): CELSO DE MELLO. A administração penitenciaria, com fundamento em razoes de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de praticas ilícitas. (...)”. (STF, 1994, HC n.º 70.814)
Um outro exemplo seria o de um cidadão que grava, sem autorização judicial, a conversa que manteve com o sequestrador de seu filho (em desacordo com a Lei n.º 9.296/1996). A pergunta é: Incorreria esse pai em uma prática ilícita, maculando a gravação e impossibilitando sua utilização no processo criminal como prova?
O Supremo (1998), no julgamento do HC n.º 75338, assim decidiu:
“(...) É INCONSISTENTE E FERE O SENSO COMUM FALAR-SE EM VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRIVACIDADE QUANDO INTERLOCUTOR GRAVA DIÁLOGO COM SEQÜESTRADORES, ESTELIONATÁRIOS OU QUALQUER TIPO DE CHANTAGISTA. ORDEM INDEFERIDA”. (STF, 1998, HC n.º 75338)
É, a propósito, o entendimento de Moraes (2007):
“Note-se que não se trata de acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos acusados e, consequentemente, em desrespeito ao art. 5.º, inciso LVI, da Constituição Federal. O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude dessa prova, vez que aqueles que a produziram agiram em legítima defesa de seus direitos fundamentais, que estavam sendo ameaçados ou lesionados em face de condutas anteriormente ilícitas. Assim agindo – em legítima defesa – a ilicitude na colheita da prova é afastada, não incidindo, portanto, o inciso LVI, do art. 5.º, da Carta Magna.
Como observado pelo Ministro Moreira Alves, em lapidar voto-relator no Habeas Corpus n.º 74.678/SP, evidentemente, seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos, como o diálogo com sequestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou a telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significaria o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou a conversa”. (MORAES, 2007, p. 105)
No âmbito do direito administrativo, o exemplo é o do servidor público que é apanhado, ainda que em gravação clandestina, recebendo propina, vantagem indevida ou suborno para praticar ou deixar de praticar algum ato. A pergunta é: A vedação do uso da prova ilícita (gravação clandestina) deve prevalecer em detrimento da probidade e moralidade pública, flagrantemente e gravemente feridas?
Moraes (2007) entende que:
“(...), deve ser permitida a utilização de gravações clandestinas por um dos interlocutores, realizadas sem o conhecimento do agente público, que comprovem sua participação, utilizando-se de seu cargo, função ou emprego público, na prática de atos ilícitos (por exemplo: concussão, tráfico de influência, ato de improbidade administrativa), não lhe sendo possível alegar as inviolabilidades à intimidade ou à vida privada no trato da res pública; pois, na administração pública, em regra, não vigora o sigilo na condução dos negócios políticos do Estado, mas o princípio da publicidade”. (MORAES, 2007, p. 106)
No campo do direito civil, o princípio da proporcionalidade também pode atuar para abrandar a rigidez da cláusula constitucional de vedação à prova ilícita.
Silva (2006) traz exemplo insuperável:
“Suponha-se, a título de ilustração, o caso de ação de destituição de pátrio poder, na qual existam provas ilícitas (e.g. gravações clandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hipótese, entendemos que o direito à dignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227 CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita”. (SILVA, 2006)
Percebe-se que a tendência da doutrina e jurisprudência é a de admitir o aproveitamento no processo da prova, a priori ilícita, em favor da sociedade, sempre à luiz do princípio da proporcionalidade e somente naquelas condições em aquela se afigura indispensável para fundamentar a melhor solução para o caso.
O Superior Tribunal de Justiça (2001), afirmando essa aplicação excepcional, assim entendeu:
Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 121, DO CÓDIGO PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES. AUTOR DA GRAVAÇÃO QUE NÃO A REALIZOU PARA A PRÓPRIA DEFESA E, TAMPOUCO, EM RAZÃO DE INVESTIDA CRIMINOSA. INDEVIDA VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE. ILICITUDE DA PROVA. I - No "Supremo Tribunal, não tem voga a afirmação apodítica dessa licitude (licitude da gravação de conversa realizada por um dos interlocutores), (...): a hipótese de gravação de comunicação telefônica própria, sem ciência do interlocutor, tem sido aqui examinada caso a caso, e ora reputada prova ilícita, por violação da privacidade (...), ora considerada lícita, se utilizada na defesa de direito do autor ou partícipe da gravação, em especial, se vítima ou destinatária de proposta criminosa de outro (...)." (cf, HC 80949-9/RJ, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 14/12/2001). II - Portanto, a análise da licitude ou não da gravação de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser casuística, i.e., deve ser caso a caso. (STJ, 1991, HC n.º 57.961)
A essência deste trabalho residiu em identificar se é possível a aplicação do princípio da proporcionalidade para, de forma extraordinária e casuística, admitir a utilização de prova obtida ou produzida de forma ilícita no processo, seja ele de natureza criminal ou não.
Constatou-se que, assim como a vedação da prova ilícita o direto a produzir provas e vê-las serem consideradas pelo juiz também o é, sendo ambos desdobramentos lógicos dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Assim, às partes, buscam a reconstruir os fatos da forma mais próxima possível ao que realmente ocorreu (verdade possível), cabendo ao julgador apreciar as provas de acordo com o seu livre convencimento, mas sempre para assegurar a proteção dos direitos fundamentais do homem.
No entanto, a liberdade probatória e o livre convencimento motivado do julgador encontram limites no princípio da vedação das provas obtidas por meios ilícitos, inserido no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, bem como no artigo 157 do Código de Processo Penal (com a nova lei). Assim, as partes não podem, em regra, fazer prova de suas alegações por meio de provas ilícitas, e também o juiz fica impossibilitado para, ainda que esteja plenamente convencido em relação a determinado fato, fundamentar sua decisão a partir delas.
Ressalte-se que, doutrina e jurisprudência, numa interpretação mitigadora da vedação constitucional, afirmam que a vedação ao aproveitamento no processo das provas ilícitas não é absoluta, cabendo em hipóteses excepcionais, sua relativização, desde que o bem jurídico a ser protegido fosse de maior relevância no caso concreto.
Nesse passo, a teoria da proporcionalidade tem importante papel para fundamentar a admissão de uma prova ilícita em favor da vítima ou da sociedade.
Também abordamos o fato de os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade serem tratados como sinônimos pelos Tribunais Superiores, apesar de a doutrina insistir em afirmar uma diferenciação, apontando como elementos essenciais à caracterização do princípio da proporcionalidade: a necessidade, a adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Quanto as funções, a proporcionalidade atua como limite para evitar o excesso ou abuso do poder pelo particular e pelo próprio Estado e também de atua como parâmetro de solução de conflitos que envolvam princípios de estatura constitucional.
No que diz respeito à prova, observamos que a prova é “o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões” (Ordenações Filipinas, Liv. III, Tít. 63), tanto na perspectiva objetiva (instrução do feito), quanto na subjetiva (efeito psicológico do convencimento jurídico, destinado ao órgão julgador da causa).
Sobre o problema da verdade no processo, constatamos que a verdade é uma só, não passível de reprodução perfeita no mundo dos autos. No entanto, é preciso sempre buscar o melhor resultado possível da instrução, com igual intensidade, nas esferas cível, administrativa e criminal, de maneira a tornar o processo mais próximo possível da realidade, posto que os conceitos de “verdade formal” e “verdade material” estão ultrapassados.
A teoria dos frutos da árvore envenenada (“fruits of the poisonous tree”), foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, desde que estejam presentes no caso concreto: (i) ausência de nexo de causalidade (vinculação causal ou “independent source”), (ii) a possibilidade de descoberta inevitável (autonomia ou fonte inevitável) e (iii) possibilidade da descontaminação da prova.
Três são as teorias jurídicas (obstativa, permissiva e intermediária) e a análise de diversas situações hipotéticas, percebemos que a absoluta vedação ao emprego das provas ilícitas não tem razão de ser.
O procedimento sugerido pela doutrina passa pelas fases da identificação do conflito entre direitos fundamentais, exame da presença dos elementos do princípio da proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito) e da fundamentação racional da decisão,
Especificamente, em benefício do réu, a aplicação é admitida com amplo amparo doutrinário e jurisprudencial, desde que represente a única forma de defesa ou a possibilidade de comprovação de fato indispensável a solução do caso.
Já a aplicação pro societate em desfavor do réu, apesar de encontrar alguma resistência, também vem sendo amenizado ou afastado em casos graves que podem ocorrer nas áreas do direito penal, administrativo-penal ou cível.
Assim, o que se pode acertadamente afirmar é que, embora o principal papel da vedação constitucional às provas ilícitas seja a proteção de direitos fundamentais do cidadão contra arbítrios do Estado, haverá situações em que tal proibição, adotada de forma absoluta, ensejará hipóteses conflitantes, protegendo-se um direito fundamental de alguém que ameaça solapar os fundamentos basilares da sociedade constituída.
Por fim, concluímos que a utilização da prova ilícita pode ser admitida, de forma excepcional, após a análise do preenchimento de uma série de requisitos e, mediante uma operação hermenêutica, para, possibilitar uma melhor instrução processual e uma decisão mais justa.
REFERÊNCIAS
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Artigo publicado em 14/07/2021 e republicado em 28/07/2024
Graduação: Bacharel em direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Pós graduação: Direito Constitucional Universidade Regional do Cariri – URCA. Cursando Pós graduação em Direito Eleitoral pela CERS – Complexo de Ensino Renato Saraiva, no ano de 2021.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, FÁBIO MACEDO. A prova ilícita à luz do princípio da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 ago 2024, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /56988/a-prova-ilcita-luz-do-princpio-da-proporcionalidade. Acesso em: 29 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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