Acho relavante repercutir entre os leitores artigo publicado no Correio Brasiliense de Autoria do Presidente da OAB/SP Luiz Flávio Borges D’Urso e de seu tesoureiro Marcos da Costa sobre a informatização processual no Brasil.
Trata-se de uma visão atual das experiências colhidas durante o processo de implantação do processo digital nos Tribunais Brasileiros que respondem as críticas feitas a OAB no sentido que a instituição é contrária a informatização do processo. Segue abaixo a íntegra do artigo.
"A informatização do processo judicial traz soluções para a agilização e gestão da Justiça, permitindo uma apuração efetiva do trabalho dos magistrados e serventuários. Também resulta em maior transparência das decisões, mediante acesso público, via internet, aos processos; facilita os trâmites processuais, por meio da geração, transmissão e armazenamento de atos processuais. Certamente, os advogados são os que mais anseiam pela informatização do processo judicial, porque permitirá à sociedade conhecer as verdadeiras causas e agentes da demora processual.
Nesse contexto, é positiva a Lei Federal 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Porém, falhas técnicas e conceituais poderão comprometer seriamente os seus objetivos, em especial se prevalecer tendência de alguns Tribunais, que incorretamente têm acreditado que a informatização é instrumento de sua exclusiva alçada, baixando normas e impondo soluções sem sequer ouvir os demais operadores do processo, especialmente os advogados e os membros do Ministério Público (MP).
A informatização do processo não é apenas um meio novo dos Tribunais administrarem internamente o fluxo de seus próprios documentos. Envolve direito das partes e responsabilidades profissionais. Os advogados, assim como o MP, têm mais que o direito a obrigação de saber se os sistemas são seguros, se os protocolos virtuais são adequados, se as suas petições eletrônicas se manterão íntegras, ou até mesmo o que será feito delas – se serão arquivadas em meio eletrônico, ou se serão impressas no papel. A quem será atribuída a culpa, se desaparecer uma petição eletrônica num cartório judicial. Ademais, imagine-se o caos processual se cada um dos mais de 40 Tribunais do País pretender impor aos advogados seus próprios sistemas e regramentos.
Em São Paulo TRT 15ª Região, sem qualquer debate prévio, aboliu o protocolo integrado, mas após ouvirem os argumentos da OAB SP, concordaram em postergar o término do protocolo até 2008. O TRT 15ª Região (SP) no seu sistema E-DOC impõe como responsabilidade do usuário o sigilo da assinatura digital, não sendo admissível, em nenhuma hipótese, a alegação de uso indevido da mesma. A afirmação, sob a perspectiva técnica, é incorreta. Não há segredo de assinatura: ninguém assina um documento para a assinatura ficar em sigilo. Em se tratando de assinatura digital, como é o caso, o sigilo recai sobre a chave privada – elemento usado para geração da assinatura. Já quanto à proibição de alegação do uso indevido da mesma não pode um Tribunal legislar, impondo tal proibição aos advogados, pois é tecnicamente imprópria.
A assinatura digital é resultado de conceitos matemáticos. Primeiro, é gerado, por computador, um par de chaves - a chave privada, mantida em sigilo por quem vai gerar uma assinatura; e a chave pública, que irá conferir a assinatura. Por sua vez, a assinatura digital corresponde a um cálculo matemático, que extrai do arquivo eletrônico a ser assinado, um resumo matemático, sobre o qual será aplicada a chave privada, gerando a assinatura digital. Verifique-se, assim, que a assinatura digital, ao contrário da manuscrita, não é única por pessoa, mas sim por documento.
No momento em que confere a assinatura digital, o sistema adota o mesmo procedimento: extrai um resumo matemático do mesmo arquivo, mas aplica a chave pública correspondente à respectiva chave privada, gerando, também, uma assinatura: se essa nova assinatura for idêntica à original, tem-se que o arquivo eletrônico não foi alterado – já que o resumo matemático é igual, e que a assinatura foi gerada a partir da chave privada interligada à chave pública usada na validação.
Tudo isso, no entanto, corresponde a conceitos matemáticos abstratos, que dependerão de uma série de fatores, inclusive da qualidade dos sistemas computacionais que gerarão o par de chaves e as assinaturas digitais. Daí, porque nem a lei poderia impor uma vedação (tecnicamente chamada de não repúdio), de alguém alegar que uma assinatura digital não foi por ele gerada, quanto mais uma mera norma administrativa de um Tribunal.
É preciso ponderar que essa Lei Federal incorre em inconstitucionalidade quando exige credenciamento de advogados e membro do MP junto aos Tribunais. Advogado não é funcionário público nem servidor de magistrados. Não pode ser credenciado por Tribunais. O modelo de assinatura digital não utiliza o credenciamento, mas sim o certificado eletrônico para autenticar o autor. No caso de petição eletrônica, o certificado deve indicar não apenas o titular da chave pública, mas também sua condição de advogado, o que somente a OAB pode fazê-lo. Daí porque também pecam ainda os Tribunais que pretendem obrigar os advogados a comprar certificados de empresas, quando somente quem pode certificá-los é a própria Ordem, sem qualquer custo para os advogados."
Luiz Flávio Borges D’Urso, advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, é presidente da OAB SP. Marcos da Costa é advogado especialista em Direito de Informática e diretor tesoureiro da OAB SP.
Precisa estar logado para fazer comentários.