Muito se argumenta, tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátrias, acerca da quantificação a ser arbitrada a título de reparação por danos morais. Pelo fato de o referido tema suscitar controvérsias, o presente estudo tem a intenção de, modestamente, discutir a referida questão, buscando, de forma simples, trazer exemplos práticos, bem como propor regras justas à aplicação de tal instituto, expresso, inclusive, em nossa Magna Carta.
Explica o saudoso professor Caio Mário da Silva Pereira: "o fundamento da reparabilidade do dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece uma definição de dano moral como ‘qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária’, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor à segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc.". [01] (grifamos)
Em outras palavras, pode-se dizer que os danos morais dizem respeito a lesões ou ofensas aos direitos da personalidade que causam conseqüentemente um real sofrimento humano. Também, em resumo, tão somente para deixar as questões mais polêmicas a serem discutidas no decorrer do presente estudo, pode-se dizer que, na análise do caso concreto, quando no estudo do dano, em que seja requerida a aplicação de danos morais, haver-se-á sempre de considerar, além dos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e eqüidade, os seguintes pontos:
a)o grau de culpa das partes envolvidas: agente ofensor, terceiros e também vítima ou ofendido;
b)a extensão deste dano;
c)a busca da punição do ofensor para que este não reincida em seu ato lesivo ou ofensivo.
O eminente doutrinador Silvio De Salvo Venosa destaca, ao tratar do quantum indenizatório relativo à reparação por danos morais, o preciso ensinamento de Clayton Reis, in verbis:
"Não resta dúvida que a função de dissuasão é importante, enquanto seja capaz de produzir efeitos no espírito do lesionador, uma vez que concorre para a mudança do seu comportamento ofensivo no que tange à prática de novos atos antijurídicos. Assim, tendo conhecimento antecipado das conseqüências que o seu ato danoso será capaz de produzir, bem como dos inevitáveis resultados sobre a sua pessoa e patrimônio, o agente lesionador avaliará o seu comportamento anti-social de forma a refreá-lo, evitando novos agravos a outrem ...". [02] (grifamos)
No mesmo sentido, trazemos o entendimento do ilustre doutrinador Rui Stoco, que, em sua magnífica obra Tratado de Responsabilidade Civil, assim ensina:
"Segundo nosso entendimento a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação impostas." [03] (grifamos)
Destacamos, entretanto e, com a devida venia, que a expressão enriquecimento ilícito ou enriquecimento indevido, quando na análise da matéria "danos morais", necessita ser reformulada, em razão de sua grave incorreção técnica. Pois, no dano moral, jamais poderá ocorrer um enriquecimento ilícito, indevido ou sem causa, vez que, se houver a mínima possibilidade de tal, não será apropriado falar em "danos morais". Até porque, se chegarmos a ponto de analisar qualquer caso para a aplicação de danos morais, a ilicitude no enriquecimento resultante de tal aplicação somente poderá existir se não houver ocorrido dano moral algum. Que ilicitude pode haver na reparação do dano moral, se a mesma será arbitrada pelo Poder Judiciário e em conformidade com a Lei? Ademais, muito menos sem causa ou indevido, pois, se o dano estiver sendo analisado, deverá ser comprovada a sua causa, uma vez que, se o mesmo não tiver causa ou se não se puder determinar o seu causador, quem será responsabilizado pela reparação? Ou ainda, se o ofendido não comprovar a culpa do ofensor, a causa ou o que causou a ofensa moral, como poderá pleitear reparação?
Havendo ofensa moral, a única ilicitude que pode sobejar à sua reparação está ligada à desatenção aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem ser considerados no momento do arbitramento do quantum indenizatório. Desta forma, jamais será ilícito ou sem causa o enriquecimento oriundo da reparação pecuniária resultante dos danos morais, mas, tão somente, o arbitramento deste, este sim, ilícito, ou sem amparo legal, se resultar em uma reparação desproporcional à ofensa ocorrida e às posses do ofensor.
Assim, o que se deve evitar na aplicação ou, melhor dizendo, no momento do arbitramento dos danos morais, é o que chamamos de REPARAÇÃO DESPROPORCIONAL à ofensa ou ao fato ofensivo.
Na aplicação indenizatória, em face de danos materiais, é que se deve considerar o poder econômico daquele que sofreu o dano. Pois é a partir de seu poder econômico que se poderá calcular sua perda material, qual seja: salarial ou negocial, em virtude do dano sofrido, ou ainda, os lucros cessantes que houverem efetivamente ocorrido. A responsabilidade civil nos danos materiais tem como função reparar o dano e não punir seu causador. Trata-se, pois, de verdadeiro dogma da responsabilidade civil clássica, conforme dispõe o artigo 402 do Código Civil, in verbis: "Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar." Já a função dos danos morais, esta sim, segundo a boa doutrina, traz em seu âmago o caráter punitivo-desestimulador ao causador do ato que gerar tais lesões, incomensuráveis, eis que ofensivas aos direitos da personalidade, sendo esta uma das principais distinções entre os citados institutos.
Se cogitarmos a possibilidade de que a reparação em virtude de danos morais sofridos deva ser diretamente proporcional ao poder econômico do ofendido (por exemplo, uma família em virtude da morte de um dos familiares), chegaremos ao absurdo de afirmar que, se uma família for abastada, a indenização deverá ser mais alta do que aquela devida a uma família de parcos recursos. O que significaria dizer que os sentimentos ou o sofrimento dos ricos é maior ou mais profundo do que os sentimentos ou o sofrimento dos pobres, assim dizendo, o que é pior, que a vida se mede por valor pecuniário, vez que a dor ou sofrimento são conseqüências do direito ofendido. Neste, que é o exemplo principal do presente estudo, acusamos, claramente, o pensamento que chega a ser uma agressão a todos os direitos existentes e, principalmente, a um dos princípios basilares e fundamentais expressos em nossa constituição, que é o princípio da dignidade da pessoa humana ou cláusula geral de conformação, prevista no art. 1º, III, da CF/88. Ademais, qualquer norma no sentido de diferenciar uma mesma ofensa moral impingida a seres humanos distintos, levando em consideração a capacidade econômica daqueles que foram ofendidos, seria inconstitucional, por lesão à isonomia (art. 5º, caput, da CF/88).
Válido, ainda, é enfatizar que as reparações morais, especialmente em casos de morte, somente terão alguma valia se diretamente atadas à punição dos ofensores, pois não há soma em dinheiro que substitua a vida de uma pessoa amada. Pois, para aqueles que sofrem com a morte de um ente querido, o valor pecuniário recebido a título de reparação por danos morais somente criará alguma reparação em seus espíritos, se punitiva tiver sido a sua função; punitiva no sentido de desagravo, de desestímulo ao ato danoso praticado pelos ofensores, não no sentido vingativo. Até porque, a vingança, em casos que envolvem morte, seria impor indenização capaz de levar à ruína o ofensor, ou até ao óbito, como expressava o histórico Código de Hamurábi em sua lex talionis: "uma vida por uma vida".
Portanto, a única forma de se buscar reparação civil à ofensa moral oriunda da morte é punindo seus responsáveis com indenizações que lhes cause um real abalo patrimonial, mui especialmente, quando se tratarem de pessoas jurídicas, vez que estas jamais poderão, efetivamente, sofrer as iras punitivas do Direito Penal. É neste sentido punitivo que se devem desestimular estes ofensores de perpetrarem nas atitudes em que, ao menos culposamente, derem causa a tamanha ofensa moral, para que ao final não reste, impune ou até mesmo em vão, nenhuma morte ocasionada.
Permitam-nos insistir neste ponto, eis que valiosa é uma reflexão mais aprofundada acerca da quantificação pecuniária a ser arbitrada em casos de morte nos quais reste necessária a reparação por danos morais. Para tanto, traçamos um paralelo exemplificativo nos seguintes termos: imaginemos que determinada família pleiteie reparação por danos morais em virtude da morte de seu patriarca. Cogitemos, ainda, que o requerido ou aquele que foi o culpado pelo dano moral decorrente de tal falecimento seja uma pessoa física que tenha atropelado e causado a morte de tal pai de família, devido a uma falha nos freios de seu veículo por total falta de manutenção dos mesmos, ficando, assim, comprovada a culpa daquele que deveria cuidar da manutenção de seu veículo, e que não o fez.
Analisando-se o caso supra, teremos que, em virtude do desestímulo que deve ser aplicado ao ato causador de danos morais, os quais pelo ofensor deverão ser suportados, deverá ser levada em conta a capacidade econômica deste, quando do arbitramento do quantum indenizatório, para ressarcimento desses danos morais. Suponhamos, então, que tal ofensor receba a quantia de doze mil reais por ano, ou mil reais por mês. Pergunta-se: não seria razoável e proporcional que, em face do necessário desestímulo, fosse este ofensor condenado a pagar a quantia de cento e vinte reais (apenas 1% do seu ganho anual), a titulo de reparação por danos morais à família do ofendido? Muitos diriam que tal valor é até baixo em relação à ofensa causada. Mas haveriam de concordar que tal importância tem um caráter desestimulador ao ofensor, uma vez que lhe causaria um abalo econômico, pois representaria mais de 10% do que o mesmo aufere por mês. Assim, tal condenação estaria desestimulando a prática deste ofensor em negligenciar a manutenção de seu veículo e, ao mesmo tempo, não o levaria à ruína financeira, vez que este não é o objetivo da norma.
Agora, imaginemos que, no caso exemplificativo supra, o veículo envolvido fosse de propriedade de uma grande empresa transportadora e que o motorista desse veículo não tivesse conseguido evitar o atropelamento por falha nos freios, também, em virtude de total falta de manutenção dos mesmos. Evidenciada, assim, estaria a culpa dessa empresa, que deveria cuidar da manutenção de seu veículo, e que não o fez. Suponhamos, então, que esta empresa fature, por ano, a quantia de quatrocentos e vinte milhões de reais, ou trinta e cinco milhões de reais por mês. Pergunta-se: não seria razoável e proporcional que, em virtude do necessário desestímulo, fosse a empresa ofensora condenada a pagar a quantia de quatro milhões e duzentos mil reais (apenas 1% do seu faturamento anual), a título de reparação por danos morais à família do ofendido? Todos haveriam de concordar que tal importância teria um caráter desestimulador a essa empresa, pois lhe causaria um abalo econômico, face a seu faturamento mensal. Assim, também haveríamos de concordar que tal condenação estaria desestimulando a negligência quanto à manutenção dos veículos dessa empresa e, ao mesmo tempo, não a levaria a um estado de insolvência, observando novamente que, segundo a boa doutrina, o objetivo da norma é punir o ofensor sem, todavia, impor-lhe uma "sanção" que o leve à ruína financeira.
Entretanto, alguns diriam que, no segundo exemplo, o valor citado seria alto em relação à ofensa causada. Todavia e, data máxima venia, tal afirmativa seria absurda e ilegal, uma vez que não se podem adotar "dois pesos e duas medidas" para a análise de fatos semelhantes em virtude de diferenças patrimoniais entre os ofensores, isto porque a pena imputada deve ser proporcionalmente igual para ambos, ou seja, a mesma percentagem ou "alíquota" punitiva deverá ser aplicada ao patrimônio de ambos os ofensores, sob pena de ferimento ao princípio da isonomia, cláusula pétrea prevista no art. 5º, caput, da Constituição Federal; além de ser imoral e ilegal tentar-se impor um valor econômico à vida humana, eis que estar-se-ia ofendendo, profundamente, a cláusula pétrea e princípio/fundamento da dignidade da pessoa humana, cravado, desde logo, no art. 1º, III, de nossa Magna Carta. Desta forma, expressamos irrefutável argumento, face à sua fundamentação. Inútil, portanto, data máxima venia, qualquer esforço retórico desenvolvido com base no senso comum ou em disciplinas científicas para negar os enunciados dos princípios constitucionais supra mencionados, quanto mais no momento em que cuidam de proteger o mais sublime de todos os direitos, que é o direito à vida, e que, na precisa lição de Alexandre de Moraes, "é o mais fundamental de todos os direitos, pois seu asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos". [04]
A vida humana é, por essência, um bem jurídico de valor inestimável; logo, o prejuízo moral decorrente de ofensa a esta não pode ser suscetível de avaliação em sentido estrito. Da mesma forma, os bens morais ou direitos da personalidade não são passíveis de avaliação pecuniária e, por essa razão, a reparação quanto a danos causados aos mesmos não pode ficar adstrita ao patrimônio do ofendido, o que aliás já é feito em relação aos danos materiais. Assim, caso não se considere somente o patrimônio do ofensor e o caráter punitivo da reparação face à ofensa causada, estar-se-á negando efetividade ao instituto jurídico dos danos morais.
Haverá quem argumente no sentido de que, se houver reparações milionárias, estar-se-á criando uma "indústria do dano moral" ou conferindo um enriquecimento exagerado às partes ofendidas, cogitando, ainda, acerca do que fariam os ofendidos com tais "fortunas". Ora, o jurista, o profissional do direito, não deve ater-se a cogitações dessa natureza, eis que escapam à definição legal atribuída ao instituto dos danos morais, devendo apenas apurar da sua razoabilidade e proporcionalidade em coerência de sua aplicação com o ordenamento constitucional. O que os ofendidos farão com os valores recebidos, face à reparação pelos danos morais sofridos, diz respeito somente a estes, salvo se empregarem tais valores em atividades ilícitas. Ou seja, se os ofendidos irão doar tais valores, ou ainda, adquirir bens de altos ou baixos valores, cabe somente a eles decidir; aos profissionais do direito cumpre deixar de lado tais questões, vez que escapam à definição legal e devem, portanto, apenas aplicar a norma relativa aos danos morais, atentando para o grau da ofensa, a culpa dos envolvidos, bem como, observando o poder econômico dos ofensores, aplicar o caráter punitivo do citado instituto, buscando o necessário desestímulo visado pela norma.
Data máxima venia, entender que as indenizações por danos morais devem limitar-se ao caráter compensatório é o mesmo que negar-lhes a eficácia jurídico-social. Os valores indenizatórios têm de ser suficientes o bastante para desestimular o ofensor de perpetrar em suas atitudes. Portanto, fraca e injusta é a tese de que os danos morais devem também considerar o poder econômico do ofendido, pois, desta forma, ou por esse injusto entendimento, estar-se-ia punindo com menos rigor a ofensa moral impingida justamente aos menos favorecidos, "incentivando", desta maneira, o desrespeito justamente àquelas pessoas que mais necessitam da proteção da Justiça, o que é inconcebível. Até porque, o que se deve considerar, no momento em que se arbitra o valor da reparação por danos morais, é a pessoa do ofendido, seu caráter, sua honra e seu conceito perante a sociedade; isto em casos de ofensa à honra, por exemplo: se um cidadão honesto e cumpridor de seus deveres for injustamente acusado de ter praticado um furto em um estabelecimento comercial, deverá fazer jus a uma reparação por danos morais superior à de um meliante que se ache acusado da mesma forma, vez que este, provavelmente, não goza do mesmo conceito perante a sociedade, nem traz consigo os mesmos sentimentos de honra e caráter. Já em um caso em que a culpa envolva a morte de seres humanos, qualquer tentativa de se diferenciar o sentimento ou o sofrimento de suas famílias, arbitrando o valor da reparação com base no poder econômico das mesmas, seria absurda, imoral e ilegal, como vimos.
No mesmo diapasão, destacamos que a tese daqueles que defendem a consideração do poder econômico do ofendido para a aplicação da reparação por danos morais é, data máxima venia, incoerente, haja vista que os mesmos a patrocinarem tal pensamento também sustentam a tese de que uma paga em dinheiro não tem o condão de sanar o abalo moral sofrido pelo ofendido. Então, já que o quantum em dinheiro não anula o dano, não há que se pesar o poder econômico do ofendido, mas sim, e tão somente, o do ofensor, bem como o seu grau de culpa, porquanto haverá de ser aplicada uma punição efetivamente desestimulante e exemplar. O que não se confunde com a tese dos "punitive damages" e das "exemplary damages" do Direito norte-americano, já criticadas pela doutrina e jurisprudência pátrias, face ao fato de aparentarem ter um intento "vingativo". Pois a teoria do desestímulo, que merece acolhida no sistema constitucional pátrio, não se traduz em uma questão de "vingança", vez que o caráter punitivo dessa teoria apresenta-se no fator de desestímulo que perfeitamente se ajusta ao sistema de responsabilidade civil do direito brasileiro e, junto à busca de Justiça e Pacificação Social.
Trazendo, novamente, a questão para termos práticos, podemos afirmar que o que também se observa em muitos julgados é a vinculação do quantum indenizatório relativo a danos morais ao salário mínimo, em valores que copiosamente variam entre 50 e 100 salários mínimos, fundamentando-se tais arbitramentos nas leis 4.117/63 e 5.250/67 (Código Brasileiro de Telecomunicações e Lei de Imprensa, respectivamente). Entretanto, com a devida venia, tais entendimentos se afiguram extremamente injustos, senão vejamos: caso uma microempresa seja condenada a pagar a quantia de 50 salários mínimos a título de reparação por danos morais causados a outrem, isso irá significar, em muitos casos, a quebra dessa pequena empresa ou a ruína financeira de uma pessoa física que tenha poucas posses, afigurando-se, desta forma, abusiva a quantia estipulada como reparação por danos morais. No entanto, se um milionário, uma indústria de grande porte ou uma grande empresa for condenada a pagar, até mesmo, a quantia de 100 salários mínimos a outrem, em virtude da aplicação de danos morais, isto, na maioria das vezes, não lhe irá causar abalo algum, ou ainda, pouco significará ao ofensor, face a seu poderio econômico, sendo, portanto, um valor ínfimo, que não traz nenhum desestímulo a seus atos.
Ademais, válido é ressaltar que nossa Constituição veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, art. 7º, IV, da CF/88: "[...] salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;[...]". Desse modo, podemos dizer que os referidos diplomas legais (Leis 4.117/63 e 5.250/67), no que tange à aplicação de multas e indenizações, em que se toma por base o salário-mínimo (sendo analisados, trazendo-se à colação o instituto da interpretação conforme), não foram recepcionados por nossa Magna Carta, sendo, portanto, inconstitucionais. Assim, não devem as sentenças basear indenizações em salários mínimos, como o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu, ao assim prelecionar:
"- Dano moral. Fixação de indenização com vinculação a salário mínimo. Vedação Constitucional. Art. 7º, IV, da Carta Magna. - O Plenário desta Corte, ao julgar, em 01.10.97, a ADIN 1425, firmou o entendimento de que, ao estabelecer o artigo 7º, IV, da Constituição que é vedada a vinculação ao salário-mínimo para qualquer fim, "quis evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado". - No caso, a indenização por dano moral foi fixada em 500 salários-mínimos para que, inequivocamente, o valor do salário-mínimo a que essa indenização está vinculado atue como fator de atualização desta, o que é vedado pelo citado dispositivo constitucional. - Outros precedentes desta Corte quanto à vedação da vinculação em causa. Recurso extraordinário conhecido e provido". [05]
Tendo em vista que trouxemos a este estudo a tese de que seria razoável e proporcional condenar o ofensor responsável pela morte de alguém a "reparar moralmente" a família deste com o valor correspondente a 1% do que fatura ou aufere ao ano, torna-se necessário destacar que todos os casos haverão de ser analisados com eqüidade. Pois, se a ofensa for causada, por exemplo, em virtude de má sinalização em estrada de rodagem, embora subsista, neste caso, a responsabilidade objetiva do Estado Membro (rodovia estadual) ou da União (rodovia federal), a percentagem acima citada deverá ser calculada sobre a dotação orçamentária anual do órgão diretamente responsável pela via, ou ainda, sobre o faturamento anual da autarquia ou concessionária de serviço público responsável pela via, e não sobre o "faturamento" do Estado Membro ou da União, pois isto seria desproporcional ao fato. Da mesma forma, caso a ofensa seja causada, por exemplo, pelo serviço de transporte de um grupo empresarial que atue também em outras atividades comerciais, o cálculo citado deverá ser feito tomando-se por base o que este grupo empresarial fatura anualmente com transporte, desestimulando, desta forma, suas atitudes em relação ao serviço que prestou de forma lesiva, e não sobre os outros serviços prestados corretamente, salvo se o serviço que ocasionou a lesão for atividade funcional deste, sendo prestado de forma gratuita, caso em que o grupo empresarial deverá assumir total responsabilidade por tal serviço. Assim, este 1% sobre o "faturamento" anual do ofensor é quantia que reputamos adequar-se aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade no arbitramento de danos morais em virtude de ofensa contra a vida. Isto porque a "alíquota" apresentada, além de representar mais de 10% do que o ofensor "aufere" em um mês, atendendo ao caráter punitivo da norma, não atribui um valor monetário ao bem jurídico tutelado (vida - o que seria um absurdo, como vimos), mas sim ao ato ofensivo praticado, atendendo, ainda, ao que chamamos de dúplice função do caráter punitivo dos danos morais, que implica em dar o devido desestímulo aos atos do ofensor, sem, no entanto, levá-lo à ruína financeira.
Ressaltamos, que, por uma questão de eqüidade, a "alíquota" sugerida deve variar conforme o grau de culpa dos envolvidos, e também quanto aos direitos da personalidade ofendidos, tais como: honra, auto-estima, vida, entre outros, que, obviamente, causam sofrimento ou ofensa moral diversas, em relação ao bem jurídico atingido, aos direitos personalíssimos lesados, e que são de reparação obrigatória, face ao caráter absoluto e oponibilidade erga omnes que trazem em si, conforme afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: "o caráter absoluto dos direitos da personalidade se materializa na oponibilidade erga omnes, irradiando efeitos em todos os campos e impondo à coletividade o dever de respeitá-los." [06]
Salientamos que o sistema de "alíquotas" aqui proposto se apresenta, modestamente, tento em vista tão polêmico tema (o quantum indenizatório dos danos morais), como tentativa de se "somar" aos sistemas adotados por digníssimos e ilustres doutrinadores que, ao tratarem do assunto em tela, divergem em correntes que apontam os sistemas: (i) "aberto" (ilimitado), em que se deixa ao prudente critério do juiz o estabelecimento do quantum indenizatório dos danos morais, sem qualquer limitação; (ii) "fechado" (tarifado), segundo o qual os valores mínimos e máximos são fixados, "tabelados" ou predeterminados pela lei ou pela aplicação da analogia e da integração analógica para a aplicação dos danos morais. Reputamos que o sistema percentual ora destacado, que poderia ser denominado como "aberto mitigado" ou "fechado temperado" , como queiram, atende ao que preceitua nossa Magna Carta, porquanto, conforme enfatizado, respeita ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois não impõe valor pecuniário aos direitos da personalidade, o que iria de encontro a tão valoroso princípio, ao mesmo tempo em que quantifica ou apresenta uma reprimenda, uma "dosimetria da pena", a ser aplicada em relação às ofensas impingidas aos bens morais ou ao "patrimônio sentimental" da pessoa humana, atendendo, assim, ao desestímulo que deve ser oposto aos atos causadores de danos morais. Ademais, a metodologia proposta visa também a atender, como vimos – e agora reiteramos – ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF/88), uma vez que, ao tratarmos de danos morais, o desestímulo a ser aplicado aos ofensores deve ser proporcionalmente o mesmo, para que, ao mesmo tempo, desestimule e não cause ruína aos mesmos. Destarte, também, enfatizamos, novamente, que se afigura ilegal considerar o patrimônio do ofendido para a quantificação dos danos morais, por grave desrespeito aos princípios citados.
Tratando ainda da questão relacionada à razoabilidade e proporcionalidade, é válido dar destaque à reparação de ofensa moral em face de danos estéticos. Em tais casos, é prudente atentar para a duração de tais ofensas, pois, se em decorrência, por exemplo, de operação cirúrgica, restou cicatriz ou mancha que possa ser removida através de cirurgia plástica ou tratamento de pouca complexidade, não há que se falar em danos morais, mas, tão somente, em danos materiais relativamente ao valor orçado para tal cirurgia corretiva ou na obrigação de fazer (tornar ao status quo ante), de reparar. Ou seja, entendemos que se há correção rápida e eficaz para o dano estético, este dano causa, apenas, mero aborrecimento, salvo tenha se dado dolosamente (incluindo-se aqui o dolo eventual que implica assumir os riscos e aceitar seus resultados), por má fé, ou em virtude de condutas ilícitas manifestamente comprovadas. Entretanto, se o dano estético resultar em amputação de membro, perda de sentido, deformidade permanente ou morte, subsistirá o dano moral a ser reparado, salvo tenha se dado o ato causador do dano, no comprovado intuito de curar doença ou salvar a vida do paciente, casos em que entendemos não haver danos morais e sequer materiais, face à licitude e clara necessidade de tal ato, praticado pelo profissional em estrito cumprimento de seu dever legal.
Por oportuno, entendemos que as questões abordadas no parágrafo anterior necessitam de tratamento especial pela lei, face à delicadeza de tal tema. É prioritário, entretanto, ressaltar que a responsabilidade do profissional da medicina é subjetiva, enquanto a responsabilidade dos hospitais, clínicas e órgãos responsáveis por serviços na área da saúde é objetiva em relação a suas competências. Lembrando ainda que, no ressarcimento por dano moral (exceto nos casos em que haja obrigação de resultado), os atos médicos gozam de presunção "iuris tantum" de legitimidade, desta feita necessitando de robustas provas quanto à sua ilicitude.
Destarte, reputamos que, caso ocorra dano em cirurgia, em virtude de negligência, imperícia ou imprudência na atuação do profissional (da área médica), este deverá ser responsabilizado; entretanto, se o dano decorrer da desídia quanto aos materiais, estrutura ou serviços, postos à disposição do profissional ou do paciente (por exemplo, em decorrência de falta de higienização de locais de cirurgia ou leitos), a responsabilidade deverá ser imputada ao órgão, jamais ao profissional que atuou no tratamento ou cirurgia. Também, por uma questão de eqüidade e atendimento ao fim visado pela norma, caso haja comprovado dano moral a ser reparado face à ofensa em virtude de atuação médica, deverá ser considerado tão somente o patrimônio do ofensor, sob pena de estabelecermos ilegais diferenciações quanto à saúde ou vida de ofendidos, ao tomar-se por base o patrimônio ou posição social destes, o que, como já citado, é inconcebível, além do fato de que tal regra (consideração do patrimônio do ofensor) serve também para nortear o julgador, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, quanto à necessária punição do ofensor, vez que o arbitramento da reparação deve atender ao caráter punitivo/desestimulador da norma, sem todavia levar o ofensor à ruína financeira. Este ponto é de suma importância para que não aconteça em nosso país o que vem ocorrendo em países como os EUA, onde muitos médicos estão deixando de atuar nas áreas cirúrgicas devido aos grandes riscos de se verem processados em indenizações milionárias, sem muitas vezes terem condições financeiras de suportar tal ônus ou de arcar com os altos valores dos seguros relativos à sua atividade.
Destaca-se o entendimento de nossa Superior Corte no sentido de que, ao tratar dos valores arbitrados a título de reparação por danos morais, deve-se buscar a punição dos ofensores, in verbis:
"ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – PERDA DE FUNÇÃO DO BRAÇO – CIRURGIA MAL SUCEDIDA EM HOSPITAL PÚBLICO – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir.[...]" [07] (grifamos)
"CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - AFASTAMENTO DA SÚMULA 7/STJ - PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA QUE CAUSOU GRANDES CONSTRANGIMENTOS AO AUTOR - VALOR DA INDENIZAÇÃO. [...] 2. Cabe ao Superior Tribunal de Justiça o controle do valor fixado a título de indenização por dano moral, que não pode ser ínfimo ou abusivo, diante das peculiaridades de cada caso, mas sim proporcional à dúplice função deste instituto: reparação do dano, buscando minimizar a dor da vítima, e punição do ofensor, para que não volte a reincidir [...]". [08] (grifamos)
Vivemos em um mundo capitalista, no qual aqueles que acumulam fortuna são certamente os que mais podem desfrutar das facilidades, prazeres e também, na maior parte das vezes, do respeito e confiança da sociedade hodierna. Entretanto, quem experimenta o bônus deve arcar com o ônus; assim, qualquer punição monetária imposta aos mesmos deverá, além de ser diretamente proporcional aos danos que porventura causarem, ser proporcional também a seus capitais; caso contrário, não haverá punição. Nesse sentido, enfatizamos a necessidade de rigorosa invectiva do judiciário às ilicitudes praticadas por parte daqueles que ostentam os maiores lucros em nossa pátria; em especial as instituições financeiras (bancos). E, para não fugir à intenção do presente estudo, trazemos um exemplo de grave ilicitude praticada em larga escala por tais instituições: alguns bancos em nosso país vêm cometendo uma grave ilicitude que, às vezes, passa despercebida a muitos profissionais do direito. Tais instituições, aproveitando-se de contratos que firmam com o governo (Estadual e Federal), vulneram o salário de funcionários públicos que ali têm os seus vencimentos depositados. E de que forma? As instituições financeiras atuam ilicitamente quando descontam, diretamente da conta-salário desses funcionários públicos, empréstimos tomados pelos mesmos e, quando em verdadeira atitude de auto-tutela, impossibilitam que tais funcionários interrompam as retiradas efetuadas sobre seus salários, pois a estes funcionários não é permitido sequer requerer o depósito de seus vencimentos em outra instituição financeira, o que os torna escravos de uma armadilha financeira promovida pelos bancos. Portanto, tal atitude é flagrantemente ilícita, pois tipifica-se em verdadeira "penhora" salarial, ofendendo assim ao mandamus constitucional, previsto pelo artigo 7º, inciso, X da Constituição Federal, que trata justamente da proteção ao salário na forma da lei, salário este, impenhorável, conforme prevê expressamente a lei no art. 649, IV, do Código de Processo Civil.
Assim, mesmo entendendo que os danos morais não são cabíveis em face de danos meramente pecuniários, ressaltamos que, por se tratar de ataque ao salário, que possui natureza alimentícia, e considerando que os alimentos são chamados pelo direito civil de civis ou côngruos, englobando não só a alimentação propriamente dita, mas também a educação, a saúde, o vestuário, o lazer, enfim, todas as necessidades de manutenção da vida, tendo, portanto, caráter intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, a lesão ao salário é, via reflexa, uma ofensa ao direito da personalidade (vida), merecendo reparação moral a ofensa ao mesmo. Neste sentido, destacamos o entendimento de Alexandre de Moraes: "O direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médico-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais". [09]
Portanto, caso não haja efetivo combate à verdadeira "penhora salarial" levada a termo por alguns bancos, continuarão tais instituições financeiras, através da aludida ofensa, a perpetrar, amiúde, violações frontais a direitos da personalidade, tratando a pessoa como mero número e relegando ao limbo a dignidade da pessoa humana. O salário é impenhorável, e a violação a esta impenhorabilidade fere o sustentáculo alimentício do indivíduo, refletindo em seu direito personalíssimo de manutenção da vida. Disso decorre, outrossim, a premência de a reparação moral, em tais casos, ser fixada de modo rigoroso e exemplar, visando coibir tal prática ignóbil.
Para encerrar o presente estudo, ressaltamos que, na aplicação dos danos morais, o que se deve considerar são o grau da ofensa, a culpa dos envolvidos e a busca do sentido punitivo-desestimulador que deve ser utilizado na reparação em face aos danos morais, considerando-se, para tanto, o patrimônio do ofensor, especialmente em casos de morte; jamais o patrimônio do ofendido, muito menos negando-se a aplicação da teoria do desestímulo a tais casos, com o argumento de suposto "enriquecimento ilícito", sob pena de darmos força à injusta expressão: "Cura pauperibus clausa est" (O tribunal está fechado aos pobres).
ALGUMAS QUESTÕES QUANTO AO ASSUNTO ABORDADO:
1ª - Uma reparação por danos morais em valores expressivos (milhões) pode ser razoável e proporcional?
Segundo o eminente doutrinador José dos Santos Carvalho Filho: "razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos standards de aceitabilidade". E ainda, quanto à proporcionalidade, ensina que: a "proporcionalidade em sentido estrito" opera-se "quando as vantagens a serem conquistadas superam as desvantagens". [10] (grifamos)
O exposto acima nos autoriza concluir que, sejam quais forem os valores alcançados por uma condenação a título de danos morais, tais somas somente deixarão de observar aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade se alcançarem valores que levem o agente ofensor à ruína financeira ou que representem uma quantia irrisória para o mesmo. Pois, sendo (ou não) expressivas tais cifras, se as mesmas estiverem levando ao desestímulo do ato praticado pelo ofensor, estarão alcançando um dos dois objetivos fundamentais do dano moral, que é justamente o de punir o ofensor de tal forma que o desestimule, conscientizando-o da gravidade do ato praticado, persuadindo-o de seu "animus laedere". Destarte, ainda que expressivo o valor recebido com vistas à indenização por danos morais, em virtude, por exemplo, de uma morte acidentalmente provocada, esse valor JAMAIS apagará o dano moral sofrido, pois não há soma em dinheiro que sane a DOR E/OU SOFRIMENTO ocasionados pela morte de um ente querido. Tal valor, quando recebido, representa apenas uma TENTATIVA DE REPARAR o dano sofrido pelo(s) ofendido(s), que é o outro objetivo fundamental buscado pela norma, ao trazer à legislação pátria o Instituto dos Danos Morais. Portanto, não há que se falar em enriquecimento ilícito pelo simples fato de haver uma condenação com altos valores estabelecidos, mas, tão somente, será ilícita a quantia que desatender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade supramencionados. Ora, condenações por danos morais milionárias, de ofensores multimilionários, são perfeitamente razoáveis e proporcionais, ou seja, perfeitamente aceitáveis, para ao menos puni-los, desestimulando-os a praticar semelhantes atos ofensivos no futuro, quanto mais quando se tratarem de ofensas a quaisquer dos aspectos da vida humana. Neste sentido, válido ainda é citar o ensinamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ao tratarem do direito à vida: "A concepção de um direito à vida (e não – repita-se – sobre a vida) implica o reconhecimento estatal da legitimidade do combate individual e coletivo a todas as ameaças à sadia qualidade de vida".[11]
2ª - O ataque a qualquer dos direitos da personalidade é passível de reparação por dano moral?
É fato que quaisquer dos direitos da personalidade merecem a especial proteção do direito e ainda que não haja a previsão específica para algum deles, deve o mesmo ser resguardado de qualquer ataque, assim como expressa Pietro Perlingieri em sua precisa lição: "O juiz não poderá negar tutela a quem peça garantias sobre um aspecto da sua existência que não tem previsão específica, porque aquele interesse já tem uma relevância ao nível de ordenamento e, portanto, uma tutela em via judicial"[12]. O que implica dizer que o ataque a qualquer direito da personalidade é passível de reparação moral.
3ª - O fato de haver uma "compensação" pecuniária em valores expressivos, para reparar a "dor moral", o sofrimento, ou haver interesse nessa reparação seria imoral/ilegal?
A imoralidade no tocante a reparações em face de danos morais reside na impunidade do agente ofensor, ou seja, se este não for sequer desestimulado de seus atos ofensivos, configurar-se-á uma imoralidade/ilegalidade. Os valores recebidos a título de reparação por danos morais, como vimos, servem para tentar reparar o abalo moral, a dor e o sofrimento dos ofendidos, em virtude do ataque impingido a seus direitos personalíssimos. Estes "bens morais", conforme destacamos, não são passíveis de avaliação pecuniária, especialmente no que tange à vida humana e à coibição de atos atentatórios contra a mesma, em respeito, conforme alhures frisamos, aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Destarte, os valores recebidos com vistas à reparação por danos morais servem para tentar amenizar o abalo ocorrido (especialmente em um caso que envolva a morte de um ser humano), pois o dano moral não desaparece com uma paga em dinheiro, até porque, SE POSSÍVEL FOSSE, o pedido do(s) ofendido(s), não raras vezes, seria o de “retornar no tempo” para que não sofressem o dano moral que vieram a sofrer, por conta de uma atitude ilegal, irresponsável e/ou imprudente por parte do(s) ofensor(es). Antes ao contrário, o dinheiro, aqui, deve desempenhar o papel de satisfação tanto quanto possível, mas principalmente o de pena (contra-incentivo ao ilícito e irresponsável ato praticado pelo agente ofensor), seguindo, assim, perfeitamente, a função social do direito privado que foi alçada ao ápice do ordenamento jurídico pátrio por nossa Magna Carta e eleita como cláusula geral por nosso Código Civil.
Quanto ao interesse monetário, é obvia a necessidade de que, em um processo onde se pleiteie reparação moral, haja o interesse do(s) ofendido(s) em receber a reparação pecuniária resultante de tal pedido, até porque, o interesse de agir é uma das condições da ação; portanto, ainda que exista a altruística função de desestímulo na reparação moral, haverá também o interesse por parte dos que a pleiteiam em receber o valor pretendido. Deve-se salientar, ainda, em contraposição a alguns entendimentos, que não há nenhuma ilegalidade e/ou imoralidade em se receber uma quantia expressiva face à dor ou sofrimento experimentados, pelo simples fato de ser alta esta quantia, até porque, se assim o fosse, o recebimento de uma fortuna como herança seria um enriquecimento ilegal ou imoral, uma vez que tal enriquecimento decorre de um sofrimento, de uma dor, face à perda de um ente querido.
Ademais, a função de desestímulo dos danos morais, exaustivamente mencionada (através da boa doutrina), decorre de um dos objetivos fundamentais da norma, sendo, portanto e também, objetivo dos escopos jurídico e social da JURISDIÇÃO. Nesse sentido o brilhante processualista Fredie Didier Júnior, ao tratar de Jurisdição, assim leciona: "O escopo jurídico consiste na atuação da vontade da lei. [...] O escopo social consiste em promover o bem comum, com a pacificação, com justiça, pela eliminação dos conflitos, além de incentivar a consciência dos direitos próprios e o respeito aos alheios. Como forma de expressão de poder do Estado, deve canalizar fins do Estado. Perceba que, aqui, o fim é da jurisdição em si mesma, não das partes, pois ninguém seria ingênuo de afirmar que alguém entra com uma ação condenatória contra outrem por interesses altruístas."[13] (grifamos). Portanto, é obvio que interesses altruístas, como a função punitiva e desestimulante da reparação por danos morais, devem ser objetivo especial da própria Jurisdição. Até porque, o desestímulo do ofensor, na medida em que exerce um papel dissuasivo a novas e outras ofensas semelhantes, exerce também o escopo ou função social a ser visada pela jurisdição.
4ª - A autorização legal de reparações em cifras expressivas poderia dar azo à corrupção?
Argumentam alguns que a possibilidade de condenações à reparação por danos morais em grandes valores poderia dar azo à tentativa das partes envolvidas no litígio de tentarem influenciar o juiz da causa (práticas odiosas e ilegais, diga-se de passagem), seja prometendo parte dos valores recebidos ou oferecendo quantias para que os valores indenizatórios sejam arbitrados em pequenas montas. Mas, muito ao contrário, o "sistema de alíquotas" apresentado no presente estudo visa também a coibir essa possibilidade de interferência externa na jurisdição, pois o estabelecimento de parâmetros percentuais (jurisprudenciais, doutrinários ou legais) a serem aplicados a título de punição/desestímulo sobre o faturamento anual do(s) ofensor(es) dificultaria a qualquer interessado tentar influir na decisão de uma causa, objetivando uma possível modificação dos valores indenizatórios, fosse para aumentá-los, fosse para diminuí-los.
5ª- Qual seria a solução para o caso do direito de regresso de uma empresa condenada a reparar por danos morais, ou seja, o desestímulo/punição pecuniária aplicada à empresa poderia ser totalmente transferido ao funcionário diretamente culpado pela ofensa?
Questão tormentosa é a de que a empresa teria o direito de regresso quanto a um funcionário, cujos atos ofensivos resultariam em reparação por danos morais. Com efeito, há o direito de regresso; todavia, a quantia a ser "ressarcida" à empresa por tal funcionário deverá também obedecer aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade em relação ao mesmo, ou seja, se determinada empresa for condenada a reparar uma família por danos morais em virtude da morte de um dos familiares, sob o percentual de 1% sobre o que auferiu no ano (na hipótese de o faturamento anual desta empresa ter sido de R$ 1.000.000,00, a reparação arbitrada seria de R$ 10.000,00 (dez mil reais)), o mesmo percentual deverá ser aplicado para se descobrir o valor correspondente ao que o funcionário diretamente responsável pela ofensa deverá "ressarcir" a empresa. Assim, se esse funcionário receber um salário mensal (bruto) de R$800,00, a soma de um ano dos seus salários, considerando-se o 13º salário, totalizaria R$10.400,00, o que, para o presente exemplo, com o mesmo percentual aplicado (1%), resultaria na quantia de R$ 104,00 (cento e quatro reais) a ser "ressarcida" por esse funcionário à empresa, a título de regresso em relação aos danos morais causados, o que atenderia perfeitamente ao fator de desestímulo visado pela norma, mas ao mesmo tempo também não levaria o referido funcionário à ruína financeira - o que fatalmente viria a acontecer se o direito de regresso da empresa fosse integral em relação ao funcionário.
Note-se que o exemplo acima se refere a ofensas imputadas a pessoas jurídicas, em razão dos produtos comercializados e/ou serviços prestados pelas mesmas, casos em que se pode pleitear a responsabilização objetiva destas. Ou seja, se, por exemplo, a ofensa acima descrita ocorreu por culpa de um funcionário de uma concessionária de serviços públicos de conservação e manutenção de estradas de rodagem, sendo que um ato desse funcionário tenha provocado um acidente, acarretando a morte mencionada acima, a responsabilidade dessa empresa seria objetiva, porque a mesma seria responsável por empregar/contratar um funcionário incapacitado ou descuidado (culpa in eligendo / culpa in contraendo) e/ou por não monitorar e vigiar o serviço executado (culpa in vigilando), uma vez que os serviços prestados por essa empresa implicam atividade de risco, devendo, assim, a referida empresa ser punida/desestimulada por empregar pessoas incapacitadas ou por não treinar corretamente seus funcionários e/ou ainda, por não monitorar ou vigiar a qualidade dos serviços prestados. Isso, também, em virtude do instituto da responsabilidade objetiva.
Entretanto, se uma ofensa for cometida por culpa do funcionário de uma empresa, ainda que em horário de trabalho, mas, sem relação alguma ao serviço prestado ou ao produto comercializado pela mesma, ou ainda, se um produto deteriorar-se ou causar lesões por culpa exclusiva de terceiros (revendedores, etc.), obviamente, não poderá haver responsabilização de tal empresa, uma vez que tal produto terá saído da esfera de poder e controle dessa companhia, salvo se restar comprovada a má orientação quanto à conservação, utilização ou aplicação de tal produto por parte da própria companhia. Portanto, nestes últimos casos, não há que se falar em direito de regresso, eis que a culpa é exclusiva de terceiros, não devendo a empresa figurar no pólo passivo de nenhuma ação.
6ª - Existem julgados do STF no sentido de aceitar o arbitramento de danos morais em salários mínimos?
Quanto à questão levantada no presente estudo, acerca da inconstitucionalidade do arbitramento dos danos morais em salários-mínimos, salientamos que, embora existam julgados do STF aceitando esse posicionamento, consideramos a questão como ainda não pacificada em nossa Suprema Corte, haja vista haver julgados do próprio STF apoiando entendimento contrário.
Ademais, embora possa existir a intenção de nossa Corte Suprema em permitir que, em alguns casos, haja vinculação dos valores de indenizações ao salário-mínimo, para que este, talvez, atue como fator de atualização daquelas, entendemos ainda haver ferimento ao texto de nossa Magna Carta, em cujo art. 7º, IV, expressamente, é vedada a vinculação do salário-mínimo, para qualquer fim (conforme destacamos alhures). Entretanto, para que (em casos de procrastinação no pagamento) não ocorra a desvalorização dos montantes destinados às indenizações arbitradas nas decisões, entendemos ser perfeitamente aplicável às mesmas - como fator de atualização - os mesmos índices da poupança (no caso de o ofensor ser pessoa física ou pequena empresa), ou ainda, os mesmos juros compostos aplicados aos cheques especiais (no caso de o ofensor ser grande empresa, entidade financeira ou ainda pessoa de muitos recursos), isso para afastar a utilização de recursos procrastinatórios que visem pura e simplesmente a suspender os pagamentos, pelo máximo de tempo possível, objetivando até a desvalorização do montante a ser pago nas indenizações. Tal entendimento tem fulcro em nossa Constituição, através do princípio da reciprocidade, que, ao nosso sentir, pode e deve ser aplicado aos nacionais, uma vez que é aplicado, até mesmo, aos países estrangeiros. Semelhante entendimento já teve recentes precedentes jurisprudenciais, nos quais nos ancoramos.
Ainda no mesmo sentido, a boa-fé objetiva, presente em nosso Código Civil, autoriza a utilização da Teoria da "tu quoque" (o impedimento de fazer ou exigir de outrem o que não se faz ou se exige de si próprio, e.g. como ocorre na exceção do contrato não cumprido) ou ainda, sob outra ótica, a possibilidade de exigir de "alguém" o mesmo que é permitido a este "alguém" exigir de terceiros, o que, a nosso ver, também pode autorizar a mesma aplicação dos juros utilizados pelos bancos como fator de atualização das indenizações a serem pagas pelos mesmos, vez que estes, muitas vezes, utilizam-se de procedimentos meramente procrastinatórios para retardar o pagamento de indenizações impostas pelo judiciário.
7ª - As reparações que alcançarem grandes cifras deveriam ser em parte destinadas para o auxílio de entidades beneficentes?
Existem entendimentos no sentido de que, caso as somas arbitradas a título de reparação por danos morais, com a sua função desestimulante e, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, alcancem valores muito elevados, devam ser, em parte, destinadas a entidades filantrópicas e assistenciais, no sentido de se tentar impedir o "enriquecimento ilícito" dos ofendidos e ainda de se atender à função social da jurisdição.
Entretanto, embora consideremos louváveis tais entendimentos, enxergamos graves ilegalidades e perigos ao se adotar tal posicionamento, senão vejamos: em primeiro lugar, como vimos, não existe nenhuma ilegalidade ou falta de causa em um enriquecimento que tenha se dado em virtude de ação reparatória de danos morais, desde que essa reparação tenha sido arbitrada dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade fartamente mencionados. Ou seja, ainda que alcancem valores expressivos em virtude da função desestimulante da norma, os valores arbitrados a título de reparação moral somente serão "ilícitos", caso não respeitem os critérios supramencionados; em segundo lugar, quanto à questão filantrópica, entendemos que, sendo os ofensores condenados a pagar parte das reparações (quando necessariamente vultosas), não aos ofendidos, mas a entidades beneficentes, estarão na realidade sendo agraciados, e não punidos, eis que, certamente, poderão utilizar a condenação sofrida como um "marketing social, próprio", o que, além de levar tais ofensores a "se beneficiarem da própria torpeza", colocaria por terra a função desestimulante visada pela norma no instituto dos danos morais.
8ª - A pessoa jurídica como ente despersonalizado de vida física e emoções, pelo fato de ter sido criada por uma ficção jurídica, pode ser desestimulada de seus atos ofensivos ou lesivos?
Alguns acreditam que as condenações de pessoas jurídicas à reparação em face de danos morais não surtiria o efeito desejado, haja vista serem entes fictícios. São comuns, inclusive, situações em que se apontam a sócios-diretores de grandes empresas falhas relativas à falta de segurança nos serviços ou a produtos oferecidos e, embora haja consenso quanto às críticas apresentadas, a alegação freqüente é a de que nada pode ser feito, por serem tais falhas decorrentes "da política da empresa", não lhes cabendo poderes para, sozinhos, deliberarem sobre tal assunto, que implica gastos significativos, etc. Ou seja, é comum vermos pessoas físicas, ainda que visando a melhorias nas empresas em que têm participação, serem impedidas de implementar tais condutas, porque implicariam gastos que a "política da empresa" ou o "conselho diretor" não aprovariam. Ora, o que ocorre em relação a muitas pessoas jurídicas, entes fictícios, criados com o intuito de auxiliar as pessoas físicas, é a total inversão de valores, é o absoluto sendo dominado pelo relativo, o concreto pelo abstrato, é a criatura dominando o criador. Isso infelizmente acontece porque, nos dias atuais, o único objetivo de muitas pessoas jurídicas é o de simplesmente gerar lucros, ou seja, se os gastos com segurança são altos, não importa a possibilidade de se gerarem lesões a terceiros, até porque, se houver indenizações a serem pagas, e se estas forem de pequenos valores, economizar-se-á mais com esse tipo de ressarcimento do que com a implementação de políticas de respeito à pessoa humana.
É justamente pelos motivos acima expressos que vem a ser mais do que necessária a aplicação da teoria do desestímulo às pessoas jurídicas, vez que, em quase todas, o objetivo principal é o lucro. Destarte, em sendo os valores de reparações em face de danos morais, razoavelmente e proporcionalmente expressivos para tais pessoas jurídicas, estar-se-ão desestimulando ofensas às pessoas físicas, ou seja, estar-se-á buscando o respeito da criatura, por seu criador, pois não haverá política administrativa ou conselho diretor que deixe de implementar melhorias visando à segurança e o bem-estar das pessoas físicas, se as reparações por danos morais alcançarem valores que, ao menos, incomodem as finanças dessas pessoas jurídicas.
9ª - A aplicação do sistema percentual apresentado poderia vir a "engessar" a atividade jurisdicional?
A aplicação de um sistema que vise a regrar o arbitramento dos valores a título de danos morais deve, em primeiro lugar, ceder espaço à atividade jurisdicional para a análise (conforme frisamos) do grau de culpa das partes envolvidas e da extensão deste dano, momento em que o juiz deverá arbitrar o percentual a incidir sobre o patrimônio do ofensor, a titulo de reparação por danos morais. Percentual este que, entendemos, deva variar dentro de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme a culpa e o grau da ofensa cometida pelo(s) ofensor(es). Desta forma, fica claro que a atividade jurisdicional não restará "engessada", pois como facilmente podemos perceber, caberá ao juiz fixar (apenas atentando para os limites mínimos e máximos) o percentual suficiente para, ao mesmo tempo, impor a devida reprimenda, sem, no entanto, levar à ruína financeira o(s) agente(s) ofensor(es), com a reparação imposta face aos danos morais cometidos pelo(s) mesmo(s).
Ressaltamos, face ao fato de o presente estudo tratar da reparação dos danos morais e seu quantum indenizatório, em casos de morte, que a alíquota punitiva/desestimulante deva variar entre os percentuais de: no mínimo (face à gravidade do dano) 1%, ao máximo (para que não ocorra a ruína financeira) de 3% sobre o que auferiu o ofensor ao longo do ano em que se deu a ofensa. Tais percentuais, que representam a variação entre 12% e 36% do que proporcionalmente o ofensor aufere em um mês, reputamos ser suficientes para reprimir e desestimular o grave ato danoso cometido pelo ofensor, sem levá-lo, entretanto, à ruína financeira.
Quanto às outras inúmeras formas de danos morais existentes, faz-se necessário um estudo mais aprofundado a respeito de cada ofensa, para que se possam estabelecer critérios razoáveis, aceitáveis e proporcionais, que visem a promover a tentativa reparação do dano e a punição do ofensor (sem levá-lo à ruína), desestimulando-o a reincidir no ato ofensivo praticado. Ressaltamos, ainda e novamente, que os bens morais ou direitos da personalidade não são passíveis de avaliação pecuniária e que, por essa razão, a reparação quanto a danos causados aos mesmos não pode ficar adstrita ao patrimônio do ofendido, ou seja, que a dor, os sentimentos, a vida, o corpo (órgãos, membros, incolumidade física humana), etc., jamais poderão ter um preço, apenas o que se poderá pesar/medir quanto à ofensa a este ou àquele "bem moral" é: se o dano moral, em razão do bem ofendido, provoca um dano mais profundo e duradouro, ou menos profundo e duradouro, à dignidade e existência humanas, onde reside a "moral do dano".
10ª - Condenações em face de reparações por danos morais, em valores expressivos, poderiam desencadear uma "corrida do ouro" ao judiciário ou uma "indústria do dano moral" em nosso País?
Existem argumentações no sentido de que, se houver condenações em face de danos morais em valores expressivos, tais condenações criariam a tão discutida "indústria do dano moral".
Entretanto, o presente estudo visa, especialmente, a demonstrar que, havendo um critério de graduação e cálculo, razoável e proporcional às posses dos ofensores (como o sistema de "alíquotas" defendido), ao contrário de uma "indústria do dano", estar-se-á criando uma corrente de desestímulo aos atos lesivos, uma corrente de proporcionalidade razoável que busca, através do efetivo desestímulo econômico, educar pessoas físicas e jurídicas no sentido de que não mais cometam ofensas contra os direitos personalíssimos, morais e básicos da pessoa humana.
Muito embora em boa parte do presente estudo tenha se dado enfoque a reparações expressivas, chegando até a milhões, a proposta de se adotarem "alíquotas" para o arbitramento dos danos morais, na maior parte dos casos, não fará com que as condenações atinjam grandes cifras; muito ao contrário, pois a maior parte das pessoas físicas e jurídicas não detém largo poderio econômico, não podendo, portanto, ser condenadas a repararem em quantias desproporcionais ao seu faturamento, o que seria um impositivo ato de ruína para as mesmas, vindo a contrariar o sentido da norma instituidora dos danos morais. Todavia, quanto às megainstituições financeiras, poderosos grupos econômicos e pessoas físicas ou jurídicas de largo poderio econômico, a condenação à reparação dos danos morais causados pelas mesmas pode perfeitamente (dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade) alcançar grandes quantias (mesmo que milionárias, conforme exemplos citados), pois, caso contrário, estar-se-ia até incentivando o cometimento de atos lesivos à pessoa física, o que resultaria em ofensas ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Destarte, a proposta de alíquotas apresentada no presente estudo serve também para impedir que haja condenações que levem os ofensores à ruína ou que sejam por demais gravosas aos mesmos, pois o defendido sistema de alíquotas limita, de forma percentual, a condenação de qualquer ofensor. Desta forma, o referido sistema vem também a impedir que micro, pequenas, médias e até grandes empresas sejam condenadas a reparar por danos morais, em valores que sejam por demais gravosos e/ou ruinosos para as mesmas, pelo simples fato de se tratarem de pessoas jurídicas, pois referidas condenações devem ser proporcionais e razoáveis em relação ao patrimônio de cada ofensor, independentemente de se tratarem de pessoas físicas ou jurídicas, impedindo condenações irrisórias para as mesmas, mas ao mesmo tempo, protegendo-as contra eventuais abusos, irrazoabilidades ou desproporcionalidades na quantificação condenatória.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 17. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento, 7. ed. Salvador: Jus Podium, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral. V. I. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2006.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, V. I, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo. Coleção de Direito Civil. V. IV. São Paulo: Atlas, 2005.
NOTAS
01 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 54.
02 VENOSA, Silvio de Salvo, op. cit., p. 283.
03 STOCO, Rui, op. cit., p. 1709.
04 MORAES, Alexandre de, op. cit., p. 176.
05 STF- RE 225488/PR – PARANÁ. Relator(a): Min. MOREIRA ALVES. Publicação: DJ 16-06-2000 PP-00039 EMENT VOL-01995-03 PP-00551
06 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona, op. cit., p. 152.
07 STJ - REsp 696850 / RO ; RECURSO ESPECIAL 2004/0149384-2 - DJ 19.12.2005 p. 349
08 STJ – REsp 575023 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2003/0132170-7 - DJ 21.06.2004 p. 204 - RNDJ vol. 57 p. 123
09 MORAES, Alexandre de, idem, ibid
10 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 31.
11 PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze, op. cit., p. 151.
12 PERLINGIERI, Pietro, op. cit., p. 155
13 DIDIER JÚNIOR, Fredie, op. cit., p. 75.
Advogado atuante em Juiz de Fora - MG. Formado pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior; Extensão em Direito Civil lato sensu, Direito Constitucional e Direito Tributário, pelo Instituto Praetorium, Curso A. Carvalho e pela Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes; Tendo ministrado aulas e palestras sobre Direito Constitucional e Responsabilidade Civil em cursos promovidos pela Prefeitura Municipal de Juiz de Fora e para alunos do último período das Faculdades Doctum Juiz de Fora e Faculdade Metodista Grambery.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Guilherme De Martin Ramos da. A reparação dos danos morais e seu quantum indenizatório em casos de morte: Existe enriquecimento ilícito? Há justiça na consideração do poder econômico do ofendido para fins de cálculo de seu arbitramento? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2009, 07:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16991/a-reparacao-dos-danos-morais-e-seu-quantum-indenizatorio-em-casos-de-morte-existe-enriquecimento-ilicito-ha-justica-na-consideracao-do-poder-economico-do-ofendido-para-fins-de-calculo-de-seu-arbitramento. Acesso em: 22 nov 2024.
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