A responsabilidade civil é a obrigação de reparar um dano que se impõe ao causador de um ato ilícito. É o que estabelece o artigo 927 do Código Civil: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
A Administração Pública, no exercício de seu mister, pode causar danos aos particulares, ensejando a responsabilidade civil estatal. Esta responsabilidade é denominada extracontratual, tendo em vista que não se origina de uma relação contratual (ressalvados os casos de celebração de contrato administrativo), mas deriva das atividades estatais.
A responsabilidade do Estado é tratada na Carta Política pelo artigo 37:
Art. 37. § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Desta forma, no direito brasileiro, o Estado sujeita-se à teoria da responsabilidade objetiva, ou seja, não há que se perquirir a existência de culpa para que a Administração venha a ser responsabilizada. Isto porque há um risco natural inerente à atividade estatal que deve ser suportado pelo Estado (teoria do risco administrativo). Portanto, quanto a suas ações comissivas, incide sobre a Administração Pública a responsabilização objetiva.
Cabe ressaltar que o artigo 37 da Constituição não se restringiu às pessoas de direito público, mas abrangeu também aquelas que tenham personalidade jurídica de direito privado, quando prestadoras de serviço público. Com isso, estão incluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista (com exceção das exploradoras de atividade econômica, vez que não se enquadram no conceito) e as concessionárias e permissionárias.
As concessionárias seguirão a mesma regra de responsabilização do Estado, pois, apesar de não integrarem a Administração Pública Direta ou Indireta, agem por delegação. Melhor dizendo, elas prestam um serviço cuja titularidade originária é do Poder Público, visto que presente um interesse coletivo. Nada mais natural que responder, então, como se Poder Público fosse (e de certa forma o é, já que o interesse público continua presente, mesmo após a delegação da prestação do serviço).
Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não trata de maneira totalmente uniforme a responsabilidade dos órgãos integrantes da estrutura administrativa e a destes particulares que prestam serviços públicos – os concessionários. O STF, no Recurso Extraordinário número 262.651/SP, restringiu a aplicação do art. 37, § 6º da Constituição aos terceiros usuários do serviço público:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F. II. - R.E. conhecido e provido.
(RE 262651, Relator Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, STF, julgado em 16/11/2005, DJ 06/05/2005 P. 38)
(GRIFEI)
Este julgado data de 2005 e foi um julgamento realizado pela Segunda Turma (e não pelo plenário) por voto da maioria (não unânime). Assim, é possível que este posicionamento venha a sofrer mudança. O tema está sendo novamente discutido pela Suprema Corte no Recurso Extraordinário número 459.749/PE:
Info 458, STF - Responsabilidade Civil dos Prestadores de Serviço Público e Terceiros Não-Usuários.
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que, com base no princípio da responsabilidade objetiva (CF, art. 37, § 6º), condenara a recorrente, empresa privada concessionária de serviço público de transporte, ao pagamento de indenização por dano moral a terceiro não-usuário, atropelado por veículo da empresa. O Min. Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso por entender que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva também relativamente aos terceiros não-usuários do serviço. Asseverou que, em razão de a Constituição brasileira ter adotado um sistema de responsabilidade objetiva fundado na teoria do risco, mais favorável às vítimas do que às pessoas públicas ou privadas concessionárias de serviço público, toda a sociedade deveria arcar com os prejuízos decorrentes dos riscos inerentes à atividade administrativa, tendo em conta o princípio da isonomia de todos perante os encargos públicos. Ademais, reputou ser indevido indagar sobre a qualidade intrínseca da vítima, a fim de se verificar se, no caso concreto, configura-se, ou não, a hipótese de responsabilidade objetiva, haja vista que esta decorre da natureza da atividade administrativa, a qual não é modificada pela mera transferência da prestação dos serviços públicos a empresas particulares concessionárias do serviço. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto que acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau.
RE 459749/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 08/03/2007.
(GRIFEI)
A opinião do Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello também parece ser neste sentido:
(...) Quando o Texto Constitucional, no § 6º do art. 37, diz que as pessoas ‘de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes nesta qualidade causarem a terceiros’, de fora parte a indispensável causação do dano, nada mais exige senão dois requisitos para que se firme dita responsabilidade: (1) que se trate de pessoa prestadora de serviço público; (b) que seus agentes (causadores do dano) estejam a atuar na qualidade de prestadores de serviços públicos. Ou seja: nada se exige quanto à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não se exige que sejam usuários, nesta qualidade atingidos pelo dano.
Com efeito, o que importa, a meu ver, é que a atuação danosa haja ocorrido enquanto a pessoa está atuando sob a titulação de prestadora de serviço público, o que exclui apenas os negócios para cujo desempenho não seja necessária a qualidade de prestadora de serviço público. Logo, se alguém, para poder circular com ônibus transportador de passageiros do serviço público de transporte coletivo necessita ser prestadora de serviço público e causa dano a quem quer que seja, tal dano foi causado na qualidade de prestadora dele. Donde, sua responsabilidade é a que está configurada no § 6º do art. 37.
(carta dirigida por Celso A. B. M. a Fernando Saraiva, disponível em http://www.cursoaprovacao.com.br/cms/artigo.php?cod=34253113. Acesso em 03/04/2009).
(GRIFEI)
Conclui-se que a tendência futura é que a orientação jurisprudencial se volte para a existência de responsabilidade civil das concessionárias frente a terceiros usuários e também frente a terceiros não-usuários de serviços públicos.
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