Discutimos muito ao longo dos últimos tempos com as distribuidoras de combustíveis, usinas sucroalcooleiras e destilarias de álcool carburante acerca das recentes mudanças tributárias sobre o álcool carburante, tais como: CIDE/PIS/COFINS/ICMS.
Debatemos à exaustão acerca do “inexistente” estorno de ICMS sobre o álcool anidro que compõe a formulação da gasolina “C”, pelo último Convênio ICMS nº 110/2007.
Vimos que os convênios que o antecederam: 105/92 e 03/99, na parte que regula as operações interestaduais com lubrificantes e combustíveis também já nasceram lastreados na Lei Complementar 87/96 ou no Convênio ICMS 66/88 (Lei Kandir), cujo artigo 9º contraria frontalmente o art. 155, X, “b” da CF/88, portanto, inconstitucional.
De acordo com a Constituição Federal de 88 o ICMS integral (parcela própria + substituição tributária) dos lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo pertence ao erário do Estado consumidor (art. 155, § 4º, I CF), onde deveria ser cobrado, por ocasião da efetiva entrada das mercadorias, na chamada divisa (barreira) entre os dois Estados, remetente e destinatário.
Por sua vez, o art. 9º, §§ 1º e 2º da LC 87/96 (este sim, dispositivo inconstitucional que deveria ser atacado, mas não foi) cria algo inexistente na Constituição Federal. Reputamos que era de se esperar isso mesmo porque a tão comentada Lei Kandir é quase cópia fiel da norma antecessora, o Convênio ICMS 66/88, inteiramente redigida pelos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (CONFAZ), portanto “tendenciosa” por estabelecer o inexistente regime de substituição tributária para os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, autorizando o Estado remetente a cobrar o ICMS sobre operações interestaduais. A Constituição Federal de 88 proíbe terminantemente essa prática.
Repetindo, os Convênios ICMS 105/92, 03/99 e 110/2007 apenas fizeram o que autoriza a inconstitucional LC 87/96 e seu antecessor, o antigo Convênio ICMS 66/88, ao arrepio da Constituição Federal.
Por isso, atacar apenas um dispositivo do Convênio ICMS 110/2007 é erro de pontaria, porque não tem nada de errado no Convênio ICMS 110/2007, absolutamente de acordo com a LC 87/96. Parece-me algo como erro de tipo ou falsa percepção da realidade tributária.
Por essa razão, pelo princípio da inércia, o judiciário certamente extinguirá o processo sem resolução de mérito, por indeferimento da petição inicial.
Não se alegou nas questões de mérito que o combustível aqui referido é aquele pronto para o consumo, portanto, a gasolina do tipo “C”. Alias, é defeso à distribuidora vender gasolina do tipo “A”. Assim sendo, o ICMS destinado ao Estado onde se verificar o consumo do combustível é o incidente sobre um litro de gasolina do tipo “C”. A venda interestadual no caso não é nem de 75% de gasolina do tipo “A” e tampouco 25% de AEAC – álcool etílico anidro combustível.
Esta é a pedra angular de toque que fulmina qualquer pretensão confiscatória das Unidades Federadas com relação à porção anidro da gasolina “C”. Se deixarem, as ditas mentes iluminadas não tardarão também em exigir o ICMS da porção biodiesel (acho que hoje, em 3%), que compõe um litro óleo diesel.
Nas operações interestaduais os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo são constitucionalmente imunes ao ICMS, vale dizer, o Estado remetente não pode cobrar o ICMS. Se isso fosse possível, os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia etc estariam muito ricos e os demais Estados (destinatários) muito pobres. Mais adiante explicamos a nobre inteligência do legislador constitucional.
Mas nos idos de 1992 (Convênio ICMS 105), cobrar o ICMS dos combustíveis nas barreiras seria algo impensável. A sonegação, corrupção, bagunça generalizada seria uma barbaridade. Naquela época a internet estava ainda “engatinhando” e os recursos da informática eram parcos.
O que fizeram então as chamadas mentes iluminadas? Ao arrepio da lei maior, e com base na LC 87/96 que ajudaram a redigir, ou a redigiram por completo, determinaram mediante convênio que os Estados e o Distrito Federal estavam autorizados a atribuírem aos remetentes de combustíveis derivados de petróleo a condição de sujeito passivo por substituição tributária.
As Secretarias Estaduais de Fazenda sabiam e sabem que isso era e continua sendo proibido pela Constituição Federal. Estamos aqui hoje denunciando este fato à comunidade jurídica brasileira.
Desenvolveram então o seguinte artifício matemático, cuja correlação é perfeita devemos reconhecer: uma MVA – Margem de Valor Agregado incluindo o ICMS e outra sem a influência do ICMS, com a finalidade de se poder alegar que na venda interestadual a MVA deve ser aplicada sobre uma base de cálculo sem ICMS por causa da proibição constitucional. Vamos ao exemplo numérico com óleo diesel para facilitar o entendimento:
1. O preço de um litro de óleo diesel em Paulínia/SP (REPLAN), sem ICMS é de R$ 1,3540. A sua MVA – Margem de Valor Agregado Interna a ser aplicada sobre o valor do óleo diesel com ICMS: R$ 1,3540 ÷ 0,88 = R$ 1,5386 (com inclusão de ICMS de 12%) é de 27,67%, e a MVA interestadual é de 45,09%. Temos então o mesmo valor para:
a) um litro de óleo diesel com ICMS de 12%: R$ 1,5386 + 27,67% = R$ 1,9600;
b) um litro de óleo diesel sem ICMS: R$ 1,3540 + 45,09% = R$ 1,9600.
Conforme já dissemos, cremos que aqui eles se esqueceram da porção biodiesel de 3%, em um litro de óleo diesel.
2. A base de cálculo de um litro de óleo diesel, na venda interestadual de São Paulo (Paulínia) para Minas Gerais, por exemplo, é de R$ 1,3540 (sem ICMS) porque a Constituição Federal não permite a incidência. Mas a Refinaria Petrobras aplica essa MVA de 45,09% e cobra o ICMS, burlando a Constituição Federal sob as “barbas” do judiciário.
Os Estados até hoje juram de pés juntos que obedecem a Constituição Federal, não fazendo incidir o ICMS nas operações interestaduais. Para nós isso é fraude: FRAUDE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Para contornar o grande trabalho de arrecadação encontraram um jeitinho brasileiro de burlar a Constituição Federal, cobrando o ICMS antecipadamente (média de 30 dias de antecedência, sem justa remuneração ao dono do capital).
Observem aqui mais uma “garfada”: por volta de junho de 1994, um pouco antes do plano real, a inflação real beirava 80% ao mês, medida a partir do fluxo de caixa das empresas. Diziam que a inflação oficial era de 50% ao mês. Naquela época, as distribuidoras de combustíveis eram obrigadas a transferir antecipadamente rios de dinheiro à Refinaria Petrobras, sem nenhum tostão de remuneração por causa do capital imobilizado. Mesmo hoje, o custo disso é astronômico: 3 a 5% ao mês, dependendo do poder de barganha financeira do distribuidor de combustível. Volta e meia a mídia noticia que o ganho financeiro da Petrobras ultrapassa com facilidade o seu ganho operacional. Desse jeito, é claro! É muito fácil fazer gentilezas com o chapéu de outros. Com esse ganho financeiro sabe-se que a Petrobras ajuda os Estados mais pobres, fazendo grandes antecipações de caixa. Por exemplo, se o Estado de Goiás precisar de dinheiro, a “mãe” Petrobras antecipa recursos. E ainda sobra muito dinheiro que é repassado a algumas distribuidoras a título de política comercial e outros “bichos” mais. Será que a CPI da Petrobras conseguirá detectar essa “festa de arromba”?
O incrível disso tudo é que ninguém ainda atacou o “calcanhar de Aquiles” do erário. De duas uma: ou não se tem consciência disso ou imagina-se que ainda estamos na década do Ato Institucional nº 5.
Mas voltemos ao nosso ponto central. O tema é complexo e eletrizante e se não tomarmos cuidado daqui a pouco estaremos derivando muito.
Então, para a adequada compreensão deste escrito é de fundamental importância uma rápida retrospectiva história da tributação dos combustíveis no Brasil:
1. O início de tudo:
A Carta Política de 1988, em seu artigo 155, § 2º, X, b, determina que o ICMS não deve incidir sobre operações que destinem (isto é, apenas nas operações de saídas) a outras unidades da federação petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica, assegurado o seu recolhimento à unidade federada onde estiver localizado o destinatário dos combustíveis (Cláusula primeira do Convênio ICMS 110, de 28 de setembro de 2007).
A aparente não incidência de ICMS nas operações interestaduais com combustíveis derivados de petróleo tem confundido muitos magistrados estaduais ao longo do tempo, porque poucos conhecem a verdadeira razão desta acertada e necessária decisão.
Para os leigos, a quem este fato mais parece uma brecha proposital para sonegação fiscal do que instrumento de justiça e repartição igualitária da riqueza nacional, aqui vai a sua justificativa técnica:
O ICMS, criado pela CF de 88 e regulado provisoriamente pelo Convênio ICMS 66/88, substituído mais tarde pela LC 87/96, além de absorver o antigo ICM, incorporou três outros impostos únicos federais sobre: a) energia elétrica, b) combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos e c) minerais do país, e dois outros impostos sobre serviços: sobre transporte interestadual e sobre comunicações.
O objetivo do legislador constituinte neste caso, inclusive como já reconheceu o próprio Supremo Tribunal Federal, foi o de dividir a arrecadação do ICMS gerado sobre a circulação de petróleo e seus derivados exclusivamente em razão do local onde será consumido, já que todos os Estados são consumidores e poucos detêm áreas com prospecção, refino ou terminais onde ocorre a importação do exterior. Caso contrário, poderíamos rapidamente concluir que alguns Estados, tais como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia seriam transformados em Estados de primeiro mundo em razão da super-concentrada arrecadação tributária, em detrimento da decretação da falência dos Estados consumidores desses bens e serviços.
Um exemplo claro e muito corriqueiro para ilustrar este entendimento é o do fornecimento de energia elétrica de Itaipu/PR para a CESP/SP.
Daí surge a necessidade de imunidade tributária em operações interestaduais como sendo a única alternativa para evitar a concentração de renda nos Estados citados.
Estabelece então a CF/88 a tão falada, mas pouco compreendida imunidade objetiva em operações interestaduais, vedado, portanto, aos entes tributantes submetê-las à incidência do ICMS na origem, quaisquer que sejam os artifícios utilizados pelo CONFAZ, como fez, por exemplo, o Convênio ICMS 105/92, revogado pelo Convênio ICMS 03/99 e, posteriormente, pelo 110/2007 que delega a retenção do ICMS por antecipação tributária ao remetente (origem).
Diante dessa arbitrariedade fiscal, alguns revendedores de combustíveis localizados em outras unidades da Federação obtiveram autorização judicial para manter-se fora do alcance do Convênio ICMS 105/92 e sucessivas alterações (03/99, 110/2007), assumindo toda responsabilidade tributária de sujeito passivo da obrigação tributária em operações estaduais próprias, atendendo assim ao denominado princípio de destino.
Os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo: gasolina “C” e óleo diesel, cujos respectivos ICMS foram antecipadamente retidos por substituição tributária pelos remetentes (Refinarias de Petróleo), de acordo com a Cláusula Primeira do Convênio ICMS 03 de 16 de abril de 1999 (DOU 26/04/99), quando remetidos, por exemplo, ao Estado de Goiás, são transferidos pelos Substitutos Tributários (Refinaria Petrobras) à Secretaria da Fazenda de Espírito Santo, através de informações constantes do SISTEMA SCANC ICMS 110/2007 e sucessivas alterações. Lembrando, sempre, ao arrepio da Carta Magna.
Assim, em razão do PRINCÍPIO DE DESTINO, na venda, por exemplo, de um litro de gasolina “C” Minas Gerais para Goiás, todo o ICMS correspondente às parcelas da gasolina “A” = 75% e do álcool anidro = 25%, portanto o correspondente a um litro de gasolina “C”, é transferido pela Substituta Tributária, Refinaria de Petróleo Petrobras, à Secretaria da Fazenda da Unidade Federada de destino.
2. A conseqüência dessa determinação constitucional:
Agora parece claro que, quando uma distribuidora de combustíveis do Estado de São Paulo, por exemplo, vende gasolina “C” a um Posto de Gasolina de Minas Gerais, o ICMS total de um litro de gasolina “C” deve ser destinado à Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais. Quem faz essa transferência é a refinaria que reteve o ICMS antecipadamente da distribuidora (ao arrepio da Carta Magna), sob informação desta.
No exato momento que a distribuidora adquire gasolina “A” da refinaria, esta não sabe (e possivelmente a própria distribuidora também não) que a gasolina “C”, resultante da mistura de 75% dessa gasolina “A” e 25% de álcool anidro vai ser finalmente vendida para o Estado de Minas Gerais. Quando isso ocorrer, mediante comunicação da distribuidora através de sistema informatizado (SCANC) a refinaria é instada a fazer essa transferência de ICMS, de São Paulo para Minas Gerais.
Neste ponto uma informação crucial: o ICMS a ser transferido ao Estado de Minas Gerais é o incidente sobre um litro de gasolina “C”, que é composta de 75% de gasolina “A” e 25% de álcool anidro. A distribuidora não está vendendo ao Estado de Minas Gerais e nem pode vender uma parte de gasolina “A” (de acordo com o art. 5º, § 2º da Portaria ANP nº 301, de 27/dez/2001 é vedado à distribuidora a venda de gasolina que não seja do tipo “C”) e outra parte de álcool anidro.
No presente caso hipotético a Constituição Federal disse com todas as letras que o ICMS sobre um litro de gasolina “C” (75% de gasolina “A” e 25% de álcool anidro) pertence ao Estado de Minas Gerais. Em nenhum momento quis dizer que o ICMS do álcool anidro pertence ao Estado produtor, no caso, o Estado de São Paulo. Todo o ICMS da gasolina “C” vai para o Estado que consumir a gasolina “C”. São Paulo não está vendendo gasolina 75% de “A” e nem 25% de álcool anidro. Este é o detalhe fundamental.
É exatamente neste ponto que começam as trapalhadas. Na petição judicial que examinamos, em algum momento foi dito que o ICMS do álcool anidro pertence ao Estado produtor do álcool anidro. Isso é risível, improcedente. De novo, a distribuidora de combustíveis do Estado de São Paulo está vendendo um litro de gasolina “C” para um Posto de Gasolina localizado no Estado de Minas Gerais. Não está e nem pode vender as matérias primas ao Posto de Gasolina: 75% de gasolina “A” e 25% de álcool anidro. O que a Constituição Federal determina, repita-se, é que o ICMS total sobre um litro de gasolina “C” é devido à Unidade Federada onde se verificar o consumo do combustível. Não está dizendo e nem muito menos autorizando que o ICMS da porção anidro permaneça no Estado produtor do anidro. Fosse assim, o ICMS incidente sobre as demais parcelas que compõem o preço de venda da gasolina “C” voltaria para o Estado remetente. Entretanto o preço final de bomba, no Estado de destino, de um litro de gasolina “C” sobre o qual deve incidir o ICMS já engloba todos os custos de formação do preço de venda de um litro de gasolina “C”: a) gasolina “A” = 75%; b) álcool anidro = 25%, c) despesas gerais; d) margem de contribuição; e) frete. Isso tem sido assim desde os idos de 1996. Quer dizer que, 11 longos anos depois os Estados se deram conta de que estavam perdendo dinheiro? Nada disso. Não é a minha praia, mas como disse, isso é criação de alguma “mente brilhante”, confiscadora, cuja prática constitui tipo penal: art. 316, § 1º do Código Penal brasileiro: Crime de Concussão => “se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: pena – reclusão, de 3 a 8 anos e multa”. Será que alguém teria coragem de “peitar” esse questionamento? Talvez, algum Deputado do PSDB ou DEM etc.
Neste caso, talvez até fosse melhor instar o Ministério Público Federal a se insurgir contra o Ministro da Fazenda ou quem o represente no CONFAZ, por danos coletivos.
Aliás, essa ilógica tentativa de fazer o ICMS da porção anidro voltar ao Estado produtor, uma novidade apresentada pelos §§ 10 e 11 do citado Convênio ICMS 110/2007, precisa ser combatida, sim, mas uma ADIn somente em face dos §§ 10 e11 do referido convênio parece-me um erro de pontaria. O que é inconstitucional é o artigo 9º da LC 87/96 e talvez, por via obliqua, o decorrente Convênio ICMS 110/2007.
3. A quem pertenceria o ICMS do álcool anidro?
Elementar. Se a gasolina “C” for formulada dentro do Estado remetente, no caso hipotético Estado de São Paulo, utilizando álcool anidro produzido também dentro do Estado de São Paulo, o ICMS da porção anidro deve ser deslocado também para o Estado que consumir a gasolina “C” por inteiro, no caso hipotético, o Estado de Minas Gerais. O Estado de São Paulo não recebe um vintém nem da porção gasolina “A” e nem dos 25% do álcool anidro. É isso que o legislador constitucional engendrou.
Contudo, se a distribuidora de combustíveis do Estado de São Paulo adquirir apenas o álcool anidro do Estado do Espírito Santo, por exemplo, o ICMS integral do álcool anidro deve ser remetido para o Estado do Espírito Santo, porque o Estado do Espírito Santo está vendendo para o Estado de S. Paulo uma matéria prima qualquer. Não existe dispositivo legal que autorize a apropriação desse ICMS, como no caso da gasolina “C”. Isso é verdade, e desde a instituição do Convênio ICMS 105/92 funciona desse jeito.
Por isso mesmo, alguma mente iluminada do CONFAZ, com base na LC 87/96, tentou criar uma novidade inexistente na Constituição Federal para “expropriar” uma parte do ICMS. Neste ponto sim nasce a ilegalidade.
4. O golpe do Estado mais esperto.
Percebendo a “inexequibilidade” do tal estorno (só é possível de se estornar aquilo que foi anteriormente tomado como crédito), a Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais (base de Uberlândia/MG) criou o seguinte inteligente artifício:
a) A distribuidora de combustíveis de Uberlândia/MG adquire o álcool anidro com diferimento de ICMS;
b) A formulação da gasolina “C” é efetuada na base da Petrobras. É lá que é misturado 75% de gasolina “A” com 25% de álcool anidro;
c) A distribuidora deve transferir o álcool anidro para a base da Petrobrás, com incidência e destaque de ICMS. Quando a gasolina “C”, então formulada volta para a distribuidora, retorna com crédito de ICMS, anulando eventual débito. Toda operação de remessa de anidro e retorno da respectiva gasolina “C” se dá dentro do próprio mês, dispensando qualquer recolhimento.
d) O arranjo: quando a distribuidora vende gasolina “C” para outro Estado, o crédito de ICMS feito por ocasião do retorno da gasolina “C” formulada deve ser estornado por força dos §§ 10 e 11 do Convênio ICMS 110/2007, resultando no desejado saldo devedor que deverá ser recolhido no prazo regulamentar.
e) Fizeram isso, inteligentemente, porque caso contrário não haveria estorno de algo que não foi lançado como crédito nos livros fiscais.
f) E isso é uma ficção tributária, um absurdo jurídico que os juristas do setor engolem facilmente.
Diante dessa confusão toda notamos que alguém ouviu a galinha cacarejar, mas não conseguiu descobrir onde foi botado o ovo. Não é o Convênio ICMS 110/2007 que é ilegal, e sim, o artigo 9º da LC 87/96. Por isso é preciso muito cuidado na alegação dos fatos: da mihi factum dabo tibi jus. Se os fatos estiverem equivocados o direito também o estará, não é verdade?
Vimos que até alegaram que o AEAC – Álcool Etílico Anidro Combustível estava submetido ao regime de substituição tributária “para trás”. De jeito nenhum. Isso não é verdade. Quem está (ilegalmente, pelas razões já expostas) submetida à substituição tributária é a gasolina “C”, mercadoria já pronta, formulada para o consumo final. E ainda, esse regime de substituição tributária é denominado para frente ou posterior, vale dizer, retém-se antecipadamente tudo aquilo que seria devido posteriormente, e nunca para trás ou anterior. O AEAC enquanto produto independente é tributado normalmente. O seu diferimento nasce da seguinte realidade: a gasolina “A” suporta toda carga tributária do ICMS, incidente sobre a gasolina “C”, produto formado atualmente com 75% de gasolina “A” e 25% de álcool anidro. Presume-se que todo o anidro comercializado no território nacional será um dia agregado à gasolina “C”. Mas nem sempre acontece isso. Tem gente que “molha” o álcool anidro, transformando-o em AEHC – Álcool Etílico Hidratado Combustível, produto pronto para o consumo dos carros a álcool. Entenderam? As barbaridades alegadas são tantas que fica até difícil explicar tudo num trabalho só.
Talvez, justamente em razão dessas impropriedades técnicas do pleito se abram espaços para o “esperneio contestatório”, como fez, por exemplo, o Governo do Estado do Pará, através de sua Secretaria Executiva de Estado da fazenda – Diretoria de Tributação, no Ofício nº 803/2008/GS/SEFA, que instado pelo STF, a se manifestar para a solução da ADIn 4171 respondeu as seguintes impropriedades:
a)...
b)...
c) ressalte-se, por oportuno, que as saídas de AEAC são tributadas em todas as fases, seja em operações internas e interestaduais. (Notar que, na venda de gasolina “C” de um Estado para outro não ocorre a movimentação de 25% de AEAC ou 75% de gasolina “A”, e sim um todo, de 100% de combustível automotivo = gasolina “C”)
d) nesse sentido, a cada operação de saída do AEAC ocorre o fato imponível do ICMS cabendo a cada unidade federada envolvida na cadeia o correspondente imposto, ou seja, nas saídas: da usina, da distribuidora e da revendedora até o consumidor final é legitima a cobrança do imposto. (Percebemos má-fé nesta alegação, que poderá induzir os julgadores a erro. De novo, na venda de gasolina “C” de um Estado para outro, não se está vendendo AEAC, concordamos, plenamente tributado pelo ICMS. Está se vendendo um todo: 100% de gasolina “C” imune constitucionalmente à tributação do ICMS. O dispositivo que está sendo atacado é o que manda estornar o ICMS de uma matéria-prima que compõe a gasolina “C”, portanto do próprio combustível automotivo, que por acaso se chama porção anidro de 25% ou AEAC – Álcool Etílico Anidro Combustível)
e) dessa maneira, há de ser entendido que as unidades federadas onde se encontram localizadas as distribuidoras tem o direito ao ICMS relativo às operações de saída do AEAC que compõem o produto gasolina “C”, portanto o requerente labora em equivoco ao afirmar a instituição de novo tributo por meio de convênio. (Aqui somos obrigados a concordar que o pedido do autor é mesmo defeituoso. O dispositivo inconstitucional não é o Convênio ICMS 110/2007, redigido de acordo com a LC 87/96. Conforme as razões sobejamente expostas, trata-se de uma Fraude à Constituição. O erário poderá até alegar que o art. 150, § 7º da CF/88 autoriza a cobrança por substituição tributária. Isso é verdade, mas desde que não contrarie outra determinação também constitucional especificamente expressa, como no caso concreto. Norma genérica versus norma específica: quem manda mais?)
Finalmente vamos separar o joio do trigo, elucidando de uma vez por todas que:
1) Existe a operação interestadual de AEAC – álcool etílico anidro combustível, matéria-prima normalmente tributada pelo ICMS, assim como também existe operação interestadual de biodiesel (que vai misturado no óleo diesel, na proporção hoje de 3%. Se a moda pega, daqui a pouco vão querer estornar também o ICMS do biodiesel).
Considerando que o referido produto circula nacionalmente com diferimento de ICMS, porque respectiva parcela já é cobrada juntamente com a gasolina “A”: substituição tributária para frente, posterior (e não para trás, conforme erroneamente referido alhures), a sua tributação é feita posteriormente através do SCANC;
2) Existe a operação interestadual de lubrificantes e combustíveis, imune à incidência do ICMS pelo Estado remetente. Quem pode cobrar é o Estado consumidor, na entrada da mercadoria para ser prontamente consumida. Sobreveio a LC 87/96, cópia quase fiel do Convênio ICMS 66/88 e fraudou a Constituição Federal.
3) Os Convênios ICMS 105/92, 03/99 e 110/2007 são legais, rigorosamente baseadas na LC 87/96. Talvez inconstitucionais por via reflexa, mas não diretamente.
Auditor Independente, Contador, Administrador de Empresas, Mestre em Finanças, Professor Licenciado do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí - SP. Ex-Controller da Uniroyal Química do Brasil; Ex-Diretor Administrativo e Financeiro da Incepa/Cidamar; Ex-Diretor Financeiro da Polenghi; Ex-Diretor Vice-Presidente Financeiro do Frigorífico AIBP, Autor dos livros: PIS/COFINS SOBRE COMBUSTÍVEIS, 2006 e PROCESSO TRIBUTÁRIO - Uma abordagem Lógica Material, 2007 - ambos editados pela LZN - Campinas SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TASOKO, Toshinobu. "Erro de pontaria" no questionamento judicial dos §§ 10 e 11, da cláusula vigésima primeira do convênio ICMS nº 110, de 28 de setembro de 2007 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2009, 08:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18088/quot-erro-de-pontaria-quot-no-questionamento-judicial-dos-10-e-11-da-clausula-vigesima-primeira-do-convenio-icms-no-110-de-28-de-setembro-de-2007. Acesso em: 22 nov 2024.
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