INTRODUÇÃO:
O Estado Democrático de Direito foi um conquista do cidadão contra a barbárie do sistema absolutista. A necessidade de submissão do Estado à lei e o respeito a direitos mínimos, levaram a adoção de uma Carta de Direitos, chamada de Constituição.
Desde então, a formação do Estado através de uma Constituição tem sido regra adotada por quase a totalidade dos países no mundo, tendo sido a salvaguarda de direitos contra a força arbitrária do poder. Por isso, desde a sua concepção, esse conceito de Estado constitucional vem sofrendo mudanças que podem ser acompanhadas segundo a evolução das dimensões dos direitos fundamentais.
Por ter a função de ser limitadora do poder, as Constituições acabam por refletir o momento histórico pelo qual passa determinado país. Após os absurdos advindos da segunda guerra mundial, os países que passaram por fortes sistemas totalitários, refletiram em suas Constituições uma resposta a tal regime, o que resultou no excesso de previsão de atividades para o povo realizada pelo próprio Estado.
Foi o que aconteceu no Brasil, a Constituição de 1988, populista, quis ser uma resposta e um castigo ao Estado que se desfazia de um regime militar. A resposta para isso foi uma Carta que previu welfare state (Estado de bem-estar social), que traz a previsão de um super Estado, o maior provedor da sociedade, assumindo de maneira quase irresponsável tarefas as quais já não podia desempenhar.
O Estado que se desenhou nesse quadro estava legitimado pela sociedade, através da luta contra o regime ditatorial e pela revitalização de direitos inerentes à democracia, e é claro, o Estado que se quis em 1988 extremamente paternalista e provedor, encontraria facilmente aceitação na sociedade. Porém, esse Estado foi mais um argumento retórico do que possível.
Logo após a promulgação da Carta da República de 1988, veio a constatação de que os governos não teriam como cumprir muita das coisas às quais a Constituição os havia obrigado. A crise fiscal que existia até mesmo antes da promulgação da Constituição de 1988 (e por isso nos referimos mais acima quase irresponsabilidade pela adoção do Estado de bem-estar social), impedia que o Estado cumprisse as metas desejadas.
Daí então porque se iniciou no Brasil um movimento de reforma, partindo da premissa de que o Estado não podia ser tão grande e tão burocratizado, reconhecendo-se a necessidade de se delegar ou transferir à sociedade civil organizada a execução de algumas tarefas. O povo é chamado a contribuir com a melhoria do país, a custo do reconhecimento do Estado em fazê-lo.
Impulsionado pela globalização que exige postura clara, precisa e firma da atuação, o Estado deve sair o mero discurso retórico, para buscar de maneira eficiente o desenvolvimento de sua sociedade que deve estar preparada para enfrentar a competitividade de um mundo globalizado.
Assumindo tantas funções e tarefas como quis o constituinte de 1988, o Estado brasileiro não teria como evoluir. A assunção de um Estado tão grande sem ter condições para tal, fez com que o povo fosse prejudicado na medida em que esse Estado não conseguia nem cumprir com o mínimo que se espera dele.
A reforma do Estado parte da premissa de que é melhor um Estado menor, mas eficiente do que um Estado grande, mas que não consegue sair do papel. Mas então, a partir do momento em que o Estado abdica de algumas tarefas, ele perde a credibilidade de seu povo e assim, a legitimidade? Não há dúvidas de que o Estado tão grande previsto pela Constituição de 1988, nas tão numerosas tarefas que assumiu, tinha na sua previsão calcada a sua legitimidade.
Se esse referencial muda, muda também a legitimidade? Como veremos a seguir (pela definição do que é legitimidade), a legitimidade é o elo de ligação entre o Estado e seu povo, é o fator que leva este a cumprir as ordens emanadas do Poder. A crença no Estado Constitucional é o fator de legitimação do mesmo, e ainda que se façam críticas a esta forma de Estado, o bem da verdade é que outra melhor ainda não se avistou.
Por isso, superadas estão as discussões filosóficas acerca da necessidade de existência do Estado ou não. Ele é uma necessidade, basta vermos a experiência da tentativa frustrada de implantação de um Estado mínimo (tema que será discorrido mais a frente).
Acreditamos na idéia de que se a reforma tem por fim a melhoria dos serviços prestados pelo Estado, ficando este apenas com aqueles que só por ele podem ser executados, esse Estado-gerencial gozará de legitimidade se conseguir atingir as metas de sua reforma. Assim, se o povo for o maior beneficiário das mudanças, como teoricamente o é, este modelo de Estado gozará de aceitação e aprovação de seu povo.
1. O poder do Estado: a legitimidade
O Homem, desde os mais primórdios tempos, sente a necessidade de depositar em algo ou alguém uma inestimável confiança a fim de regular o meio em que vive no sentido de reger a sua convivência social e se estabilizar. Foi assim que nasceu a noção de autoridade revestida de certo poder, sendo este até hoje a mola propulsora de todas as sociedades.
O poder tem uma faceta dúplice, na medida em que existem aqueles que detêm o poder e aqueles a que ele se destina. Por isso, alguns autores tratam essa faceta dúplice como a face jânica do poder. Jânica que se refere a Janus, antiga divindade cuja efígie possuía dupla face olhando para direções opostas, faz nascer a metáfora de que de um lado se tem o poder puramente fático, tornado efetivo pelo fato da força, ou seja, o que o poder é, partindo de um premissa empírica; e do outro o poder legítimo ou aspirante à legitimação, sob um prisma axiológico, o que ele deve ser, enquanto instância apta a se legitimar perante seus destinatários. (DINIZ, 2006, p.53)
A legitimidade tem como fundamento maior, assim pode-se dizer na busca do equilíbrio e ligação dessas duas dimensões, mas raro é acontecer a convergência entra as mesmas. Isto porque, partindo da visão daquele que detém o poder, necessário se faz primeiro a efetividade do mesmo, vindo só após a busca pela legitimação. Enquanto que, partindo do lado dos destinatários, a legitimidade é pressuposto para a efetividade do poder.
A legitimidade não é uma palavra que comporta entendimento unívoco, mas tem como uma de suas finalidades, e a que realmente aqui importa, a de justificar um regime políticio-jurídico. Sua gênese está diretamente ligada à idéia de obrigação política, no sentido de que “a obediência é devida apenas ao comando emanado do poder legítimo.” (BOBBIO, 1999, p. 91) Para Bobbio, a obrigação política é posta como parâmetro de obediência a determinados comandos emanados daqueles detêm o poder, referindo aos casos em que se deve obedecer e às vezes em que a desobediência será lícita. (Idem, p. 87)
A obrigação política é em linhas gerais, o direito de mandar advindo daquele que tem o poder e o dever de obediência daqueles sujeitos ao domínio. A legitimidade é justamente o liame de ligação entre estes dois parâmetros, se mostrando flexível no conceito a depender do tipo de legitimação auferida por uma sociedade. Devendo-se ainda levar em conta uma conjuntura de fatores, tais como os costumes, a cultura, ciência, religião, econômicos, sociais, dentre outros.
O grau de eficácia do poder será determinado pelo conceito de legitimidade adotado por dada sociedade. Pois, como dito anteriormente, o seu conceito varia e está intrinsecamente ligada a questões cruciais de determinada sociedade.
Etimologicamente, legitimidade deriva do latim legitimus, e quer dizer “o que é estabelecido por lei”, o que está em conformidade com a lei, porém não se confundindo com legalidade. “A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração.” (BONAVIDES, 2006, p. 121) A legalidade é apenas a simples submissão à lei, enquanto a legitimidade está ligada a questões materiais, a consonância da questão suscitada e o meio em que está posta.
Acquaviva, em seu dicionário, traz uma compreensão da diferença que existe entre legalidade e legitimidade, ao definir este último como sendo:
"atributo daquilo que se mostra conforme a razão e a natureza. Legalidade é termo de significado muito mais estrito, tem mais particular uso na jurisprudência positiva e parece referir-se a tudo que se faz ou obra segundo o que está determinado nas leis humanas, isto é, guardando as solenidades, formalidades ou condições que elas prescrevem. Em física é legítimo ouro, legítima prata, legítimo diamante o que tem a própria natureza destas substâncias, o que não é contra-feito nem adulterado. Em lógica, é legítimo o raciocínio quando os princípios são verdadeiros e a conseqüência é deduzida segundo as regras. Em moral, são legítimas as ações que conformam com a razão, a equidade e a justiça universal. E finalmente, em jurisprudência são legítimas todas as ações ou omissões que as leis ordenam, etc. Um título é legítimo quando está autenticamente na forma da lei: um testamento é legal quando foi feito com as solenidades da lei, uma prova é legal quando nela se acham verificadas todas as condições que a lei requer, etc.” (ACQUAVIVA, 2004, p. 768)
Esta confusão de conceitos entre legalidade e legitimidade encontra arrimo na concepção positivista, pois a legitimidade resta calcada nas normas componentes do ordenamento jurídico, preponderantemente nas normas constitucionais. Apesar de ofertar uma unicidade ao termo e trazer certa segurança jurídica, o prejuízo desta teoria está no fato de se afastar inteiramente de fatores sociais, pois ela ensina que ao aferir a legitimidade de um ato, devem ser observados apenas os parâmetros legais, sem nenhuma interferência de fatores metadogmáticos. Foi, usando a imaginária e oportunista interseção entre legalidade e legitimidade que se deu lugar aos absurdos causados por regimes totalitários, tais como o fascismo e o nazismo.
Segundo Walber de Moura Agra “a busca pela legitimidade significa aprimorar a justificação dos postulados normativos, com a formação de níveis de consenso na sociedade.” (2005, p. 149) O autor adverte que as normas jurídicas por si só não detém legitimidade, seu conteúdo deve estar em sincronia com os anseios da coletividade, sob pena serem legais, porém por não restarem em consenso com a sociedade, serem ilegítimos.
A idéia de legitimidade guarda íntima feição com elementos axiológicos, capazes de gerar consenso em uma sociedade, ou ao menos em sua maioria, a fim de assegurar a obediência e adesão a um poder, sem que este tenha que se valer de força sem necessidade. A maior ou menor legitimidade se dará em decorrência direta do exercício desse poder de conformidade com os anseios sociais.
Já para Paulo Bonavides, a legitimidade está muita ligada a noção de crença do povo na autoridade advinda da lei. Segundo ele legitimidade é
“uma crença, um valor, uma idéia, concretamente vinculados ao respectivo ordenamento político, para regular, por via de um princípio de autoridade, as relações de comando e obediência.” (BONAVIDES, 1993, p.19)
Em síntese, legitimidade significa qualidade de um poder, governo ou autoridade, que exercendo funções de acordo com os anseios da sociedade, tem desta aceitação e obediência, devido ao fato de que seus atos se coadunam com os anseios desta e os torna eficazes, gerando assim um consenso.
A ligação entre a qualidade de um poder e adequação dos seus atos aos anseios da sociedade, é justamente a crença que o ser humano depositou no Estado Democrático de Direito regido através de uma lei fundamental. A Constituição é trazida para o homem como um escudo de defesa contra as arbitrariedades do poder, através da repartição do mesmo entre três esferas de poder e previsão dos direitos fundamentais.
Canotilho ao falar para quem ou o que se refere à Constituição diz, com base no art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 [1], que
“A sociedade ‘tem’ uma Constituição; a Constituição é a constituição da sociedade. Isto significava que nos esquemas políticos oitocentristas a Constituição aspirava a ser um ‘corpo jurídico’ de regras aplicáveis ao ‘corpo social’ “ (CANOTILHO, 1997, p. 88)
Por isso, sendo a Constituição uma lei feita para sociedade, para servi-la, só se justificam e só gozarão de legitimidade os atos que tenham por fim concretizá-la, ou no mínimo defendê-la. Não entrando na discussão de excesso de modificações ou emendas a Constituição, o importante é que ela tenha que refletir os anseios da sociedade. Este é o caminho pelo qual os governantes devem se guiar, a fim de que seus atos gozem de aceitação e obediência por parte da sociedade.
2. REFORMA DO ESTADO: O ESTADO GERENCIAL
O Estado Democrático de direito aparece para o homem como resposta aos grandes entraves da humanidade. Tem-se a limitação do poder, através da idéia de repartição do mesmo e, ainda, a previsão inicialmente de liberdades negativas que impunham ao Estado o deve de abstnência e obediência à direitos mínimos.
Com o passar do tempo, a própria necessidade humana e acontecimentos que se deram pelo mundo, acabaram por dar ao Estado uma tarefa não só de abstenção, como também o dever de promover o bem estar de seu povo. Notadamente após os absurdos ocorridos na segunda guerra mundial, mais precisamente na Alemanha nazista, se viu a necessidade de reformulação da idéia de Estado, isso porque mesmo sob a égide de uma Constituição Social como a de Weimar, não houve como se evitar tais afrontas a direitos básicos.
Eis que então surge no mundo Constituições que traziam verdadeiras imposições ao Estado, no sentido de que ele viesse a garantir e concretizar direitos dos cidadãos. Esta abertura para um Estado-provedor foi também uma resposta, em alguns Estados, para ditadura fechada que sofriam, à exemplo do Brasil.
A Carta da República do Brasil de 1988, trouxe à baila um super Estado, um verdadeiro Estado-mãe, onde este tem a obrigação de prover muitos direitos e atividades, muitos dos quais não tem como fazer ou até mesmo não tem necessidade de fazer.
A previsão de tantas obrigações, fez com o Estado e a administração pública não conseguisse realizar tarefas mínimas, não conseguiu dar ao povo brasileiro direitos mínimos e acabou por tornar a máquina estatal, um equipamento sem qualidade e altamente burocratizado.
Vários fatores levaram à crise estatal que justificou a recente onda de reformas em nosso país. Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta 3 principais temas que levaram à eclosão da crise: a adoção de um federalismo demasiadamente rígido, a adoção do do Estado de bem-estar social e a existência de uma Constituição extensa e dirigente. (1995, p. 1-3)
O autor nos traz a idéia de que a crise iniciou-se com o nascimento da República no Brasil e a adoção do federalismo que, ao contrario do que ocorreu no mundo, deu-se por uma segregação, numa tentativa de acentuar a descentralização. Isso porque nosso país, antes de transformar-se numa federação, teve sua história cercada por movimentos separativistas e a federação, muito emobora tenha conseguido a união, nunca ficou isenta de sofrer as influênias dessa história.
O maior erro teria sido a adoção da estrita igualdade entre os Estados, independentemente do desenvolvimento da região, mostrando que o Brasil não soube lidar com o federalismo assimétrico. Já advertia Montesquieu, que as leis de um país para serem elaboras, devem observar diversos fatores como condições geográficas, econômicas, territoriais, o Brasil, um país tão grande e cheio de diferenças regionais e de tão vasta cultura, cometeu um erro ao querer tomar por igual todos os seus entes federativos. Resultado disso, foi o aumento das disparidades regionais.
Isso acarretou um déficit social enorme, fazendo existir no Brasil diversas comunidade extramente a margem de quaisquer direitos básicos, tais como, saneamento básico, educação, saúde, etc. A partir de 1930 observa-se esta deficiência brasileira, o Estado começa a combater as desigualdades, o que levou a uma enorme centralização do poder na esfera federal. Essa preocupação, acabou por culminar com a adoção do Estado de bem-estar social com a Constituição Federal de 1988.
Na contramão do que os outros países já reconheciam sem eficiência, a opção do legislador Constituite de 1988 foi pelo Estado do bem-estar social, onde se pretende um Estado super-provedor, que quer resolver todos os problemas, que quer ser o maior provedor de bens e serviços da sociedade, que aceita para sim a missão de criar e sustentar todo o seu povo. Porém, para sustentar um Estado como este, é preciso que o mesmo esteja em plenitude com suas finanças e que estas sejam vultuosas, sendo que para tanto, necessário se faz a arrecadação ainda maior de tributos, o que é impossível em termos de povo brasileiro, pois este já suporta um alta carga tributária. Some-se a isso o fato de que os anos 80 sinalaram um período intenso de crise fiscal e o aumento da dívida externa, o que vai culminar com a imperiora necessidade de mudanças na forma de agir do Estado brasileiro, mas que ainda não acontece em 1988.
Por fim, Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta como um outro erro do Constituinte de 1988, a adoção de uma Constituição-dirigente (com inspiração na Constituição portuguesa) que visa a previsão de vários programas que deverão ser observados pelos governantes. O autor atribui que a dificuldade maior de se conviver com uma Constituição deste tipo está no fato dela permitir governos de esquerda e de direita, (1995, p.2) que têm programas e prioridades diferentes, e a cada ascenção ao poder de um dos dois lados, leva-se à adoção de programas que atendam um parte dos previstos na Constituição, esquecendo da outra, já que a Constituição acabou por abarcar todo tipo de programa e metas, fazendo promessas desejáveis, mais irrealistas.
Fato inegável é que a necessidade de reformulação do Estado guarda estrita ligação com os anseios do povo diante da globalização.sta que foi produto da Revolução das comunicações que possibilitou uma nova etapa civilizatória: a Era do conhecimento. (MOREIRA NETO, 1998, p. 1) Esta evolução leva à população maior informação, o que acaba por gerar maior conhecimento e consciência do seu papel, o que levar a quererem participar mais ativamente da vida do Estado e da própria sociedade. E, com isso tudo tornam-se mais exigentes, “as pessoas querem ver seus interesses satisfeitos, pouco importando quem o faça.” (MOREIRA NETO, 1998, p. 2) O que o cidadão espera é a eficiência e qualidade na prestação dos serviços, não precisando mais que apenas o Estado o faça, pois o excesso de nacionalismo não justifica mais adoção de qualquer tipo de monopólio pelo Estado, só porque o é, e mesmo que seja exercido de forma ineficiente.
Luiz Carlos Bresser Pereira define a reforma como “resposta ao processo de globalização” (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 31). O processo que culmina com a reforma gerencial contemporânea, inicia-se nos anos 80. Inicialmente caminhou-se para a consecução de um Estado mínimo, e isso se deu porque naquela década os governos pouco fizeram para compreender a crise que estava ocorrendo, chegando até mesmo a negar que existia qualquer crise fiscal. O regime militar, negando a existência da mesma, iniciou um política expasionista que foi referendada pelos governos populistas que comandaram o Brasil na década de 80, piorando a situação dos cofres públicos brasileiros.
Esta crise diminui a capacidade de intervenção do Estado. Luiz Carlos Bresser Pereira aponta três formas pelas quais se externaram a crise no modo de intervenção estatal: a crise do Estado de bem-estar social no primeiro mundo, a substituição da industrialização pela a importação, na maioria das vezes de produtos e serviços dos países desenvolvidos e o colapso do estatismo comunista. (Idem, 1998, p. 36)
A contradição veio com a Constituição de 1988, caminhando-se que estava ao Estado mínimo, adota-se o Estado super-provedor, mesmo sem, já naquela época, se ter condições para tal opção. A conclusão pela não possibilidade do Estado mínimo decorre pela consciência da necessidade de intervenção do Estado. Pois, mesmo falhando algumas vezes em seu mister, não poderia a sociedade ficar totalmente ao arbítrio do mercado, pois este está preocupada em lucrar e ignora a distribuição de renda.
A globalização estava cada vez mais em expansão, a competitividade mundial aumentava e a necessidade dos Estados em desenvolvimento de participarem da globalização, obrigava aos Estado a assumirem novas funções e redefinir seu modo de intervenção. Vê-se que a necessidade não está em fazer quase desaperacer o Estado (como seria no Estado mínimo) e sim reconstruí-lo.
O que se quer é dotar o Estado de mecanismos eficazes para combater as falhas do mercado, garantir maior governabilidade e acima de tudo, torná-lo mais efeciente e mais capaz de atender aos anseios mínimos de seu povo. O Estado desenhado em 1988 parece ter essa finalidade, mais acabou querendo ir muito além do que devia. Não se restringiu a atribuir ao Estado a tarefa de garantir direitos básicos do cidadão, somam-se a estes outros tantos que acabaram por sobrecarregar o Estado. O resultado foi a sua falha constante em garantir aos cidadãos direitos mínimos, como saúde, educação, segurança.
A partir de 1990 inicia-se a reforma do Estado, inicialmente há uma tentativa de salvar as finanças do Estado, com o ajuste fiscal, a privatização e finalmente com a estabilização da moeda pelo plano real. Só em setembro de 1995 com o Plano diretor da reforma do aparelho do Estado, iniciam-se as mudanças constitucionais que visam a implantação do Estado-gerencial.
Este novo modelo de Estado é assim chamado porque está inspirado na administração das empresas privadas, onde se tem a busca da qualidade e da eficiência, através da oferta de condições para que o gestor público possa melhor atender o cidadão brasileiro, com um serviço bom, eficiente e, de preferência, de custo baixo.
Todo este movimento parte da premissa em que o Estado admite a impossibilidade de ser o welfare state (Estado de bem-estar), reconhece a insuficiência de recursos e preocupa-se agora como vai atender melhor seu povo. Chega a conclusão então que é melhor que ele fique com as atividades principais, e as demais delege ou transfira à sociedade civil, mas não ficando totalmente de fora, acompanhando os resultados como se um gerente fosse.
O Estado que ora se desenha está longe de ser o Estado Liberal minimalista (como muitos acham que o seja) e me perto de ser o Estado provedor que quis o constituinte de 1988, ele quer buscar este meio termo. Quer para si as atividades essenciais, reconhece a impossibilidade de executar outras, transferindo-as, mas supervisionando-as através de uma atividade gerencial e reguladora.
3. A LEGITIMIDADE DO ESTADO-GERENCIAL:
Partindo na noção de obrigação política que justifica em linhas gerais a legitimidade do Estado, a obrigação pressupõe um “com quem?” que siginifica a relação de poder e obediência entre Estado e o povo. Porém, para que não tenha que se socorrer à força, e aí não poderíamos falar de legitimidade, o Estado deve pautar suas ações em prol do povo.
Tomando como verdade a afirmação de Luiz Carlos Bresser Pereira, para quem
“a reforma gerencial da administração pública é essencial, a curto prazo, para reduzir os custos do Estado e completar o ajuste fiscal, e, a médio prazo, para tornar o Estado mais eficiente, mais efetivo, melhor capacitado para defender o patrimônio público, mais capaz de atender às demandas dos cidadãos.” (1998, p. 45)
Chegamos então a conclusão que é pensando no povo e para agir em favor deste que a administração pública gerencial trabalha. A crise fiscal é um fato e a ousadia em ignorá-la anos atrás, levou a piora da situação econômica do país. Diante deste fato e admitindo que não se pode excluir o Estado de tudo, este tem que buscar métodos que visem ao ajuste de suas contas, para que possa atender aos anseios da sociedade.
A partir e durante esse ajuste fiscal, o Estado caminha para a escolha das áreas em que vai atuar diretamente, devendo ser aquelas mais essenciais, principalmente aquelas ligadas a segurança nacional. Abidicando de umas e dedicando-se mais a outras, poderá o Estado trabalhar mais e melhor em favor do cidadão, podendo estar mais atenado aos seus reclames.
A administração pública alia-se a iniciativa privada, num esforço de melhorar os serviços públicos ou os serviços de interesse público, passando a administração pública à qualidade de gerente e fiscalizadora dos resultados que claro, sempre tem que aproveitar ao cidadão brasileiro.
E mais, tem-se veiculado bastante, que uma das metas da nova forma de Estado é dar maior abrangência e importância a democracia participativa, chamando o povo para ajudar na reforma e colaborar no controle da prestação dos serviços. Muito embora ainda não existam mecanismos claro e eficientes para tal controle, a não ser os já existentes como por exemplo a ação popular, a simples idéia de ser uma das metas do novo Estado, faz com que esse cada vez mais tenha aceitação de seu povo.
A globalização tem levado maior conhecimento ao povo que cada vez mais sabe de seus direito e tem consciência da importância de sua atuação. Então, estará ainda mais legitimado o Estado-Gerancial se democratizar cada vez mais os mecanismos de controle pelo povo da atividade estatal, e também da atividade que, embora não exercida pelo Estado é por este regulada.
É necessário que se dê ao povo a chance de participar mais ativamente das decisões políticas, a reforma trouxe a idéia de que para dar maior govvernabilidade é necessário trabalho com o povo, numa idéia de consenso.
O princípo da consensualidade se mostra como forte fator a legitimar a atividade o Estado-gerencial. Isso porque o sistema representativo tem cada vez mais sofrido deformações. O sistema representativo brasileiro, acabou por resumir a atividade do cidadão ao voto, e, na maioria das vezes, um voto sem muito ou quase nenhum conhecimento em quem ou no que se está votando.
Por isso é importante se dedicar parte da reforma ao estudo da implantação de mecanismos que visem à participação do povo. Isso passa, principalmente, pela democratização dos procedimentos para a tomada das principais decisões do país (GONÇALVES, 2003,p. 108). A consequência direta disso é o maior respaldo nas ações do Estado, maior aceitação pelo seu povo e, assim, maior densificação de sua legitimidade.
Por estar tão detido ao povo, em nome de quem o Estado age e existe, a nova forma de Estado encontra legitimidade na medida em que quer exercer suas atividades melhor para ele, com ajuda dele e com ele e eis onde está a maior base de legitimidade de seu poder.
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[1] Diz o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
Advogada, mestranda em direito constitucional e especialista em direito administrativo ambos pela UFPE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Renata Dayanne Peixoto de. O povo como fator legitimador do Estado-Gerencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2009, 10:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18490/o-povo-como-fator-legitimador-do-estado-gerencial. Acesso em: 22 nov 2024.
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