Nosso Código de Defesa do Consumidor está prestes a completar dez anos, já que a lei que o criou é de setembro de 1990, e durante esses dez anos obtivemos várias conquistas significativas nessa área jurídica. Mas ainda faz-se necessário uma longa caminhada para que possamos falar que realmente o consumidor está – efetivamente – amparado.
Ao longo desse tempo, algumas conquistas foram incorporadas de tal sorte que hoje, nossos filhos nos perguntam, como é que poderia ser diferente em outra época. Como por exemplo, a obrigatoriedade de informar o prazo de validade do produto.
Mas nesse meio tempo, outras relações de consumo, surgiram, cresceram se tornaram mais fortes e mais vivas. Dentre elas podemos destacar os contratos de telefonia móvel (celulares) e das TVs por assinatura. Que cresceram no mercado de forma assustadora.
Essas empresas em específico têm por hábito oferecerem benefícios aos seus clientes e em contrapartida esses clientes devem se comprometer a permanecer fiéis àquela empresa e para tanto assinam um contrato de adesão em que prevê a denominada cláusula de fidelização.
Fidelização, portanto, é um acordo para que o cliente se mantenha fiel aquela empresa, para que não troque de operadora, por exemplo. E em contra partida o cliente recebe um novo aparelho de celular ou outros benefícios.
A fidelização é um ótimo negócio para o fornecedor do produto ou, no caso, da prestação de serviços, já que irá contar com aquele cliente pelo prazo da fidelização, não precisando assim, promover gastos, com, por exemplo, propaganda. Segundo Philip Kotler, a busca de novos clientes custa entre 5 a 7 vezes mais do que manter os clientes já conquistados. Assim, buscar a retenção dos clientes é um investimento que irá garantir o aumento das vendas e consequentemente a redução das despesas.
No caso da telefonia móvel e da TVs por assinatura, esses prestadores de serviço oferecem aparelhos, equipamentos como benefício, desde que o consumidor se mantenha vinculado a um determinado plano ou serviço oferecido por um determinado período de tempo.
Quando essa relação transcorre sem nenhum problema essa cláusula de fidelização não apresenta nenhum óbice, porém, se ocorrer algum evento de força maior, que fuja ao controle dos contratantes há necessidade de rever esse contrato, fazendo-se assim necessário a flexibilização do contrato acordado.
Essa posição encontra-se presente na recente decisão da 3ª. Turma do STJ no julgamento do REsp 1087783/RJ que nos traz que:
Direito civil, processual civil e do consumidor. Sentença extra Petita. Decisão fundada em fatos ligados à causa de pedir. Inexistência. Conexão. Discricionariedade do juiz na sua Determinação. Ação civil pública. Cumulação de pedidos. Possibilidade. Contrato de prestação de serviço de telefonia móvel Pessoal com prazo mínimo de vigência. Perda do aparelho por caso Fortuito ou força maior. Anatel. Legitimidade passiva. Inexistência. Revisão do contrato. Cabimento, para determinar a disponibilização De outro aparelho pela operadora ou, alternativamente, a resolução Do contrato com redução, pela metade, da multa rescisória.
(...)
A perda de aparelho celular (vinculado a contrato de prestação de serviço de telefonia móvel pessoal com prazo mínimo de vigência), decorrente de caso fortuito ou força maior, ocasiona onerosidade excessiva para o consumidor, que, além de arcar com a perda do aparelho, pagará por um serviço que não poderá usufruir. Por outro lado, não há como negar que o prazo de carência fixado no contrato de prestação de serviços tem origem no fato de que a aquisição do aparelho é subsidiada pela operadora, de modo que a fidelização do cliente visa a garantir um mínimo de retorno do investimento feito.Tal circunstância exige a compatibilização dos direitos, obrigações e interesses das partes contratantes à nova realidade surgida após a ocorrência de evento inesperado e imprevisível, para o qual nenhuma delas contribuiu, dando ensejo à revisão do contrato, abrindo-se duas alternativas, a critério da operadora: (i) dar em comodato um aparelho ao cliente, durante o restante do período de carência, a fim de possibilitar a continuidade na prestação do serviço e, por conseguinte, a manutenção do contrato; ou (ii) aceitar a resolução do contrato, mediante redução, pela metade, do valor da multa devida, naquele momento, pela rescisão.
(REsp 1087783/RJ – STJ – 3ª. Turma – Rel. Ministra Nancy Andrighi – Julgamento em 01/09/2009 com publicação no DJe em 10/12/2009).
Na hipótese analisada pelo STJ temos o caso da perda do aparelho celular em decorrência de caso fortuito ou força maior. Assim, continuar obrigando a que o cliente pague os valores, mantendo-se fiel ao contrato acordado, sem porém, não ter a contrapartida, ou seja, o cliente não poder utilizar desse serviço, por não mais dispor do celular, gera um desequilíbrio no contrato que é necessário que seja revisto, acarretando assim a flexibilização, e no caso específico, apresenta-se duas hipóteses: a) dar em comodato um novo aparelho ao cliente, ou então b) aceitar a resolução do contrato, reduzindo pela metade o valor da multa devida.
Mas além dessa hipótese, podemos nos deparar ainda com a necessidade de realizar essa flexibilização nos casos em que o cliente veio a perder o emprego, quando a operadora não tem prestado o serviço de forma adequada, quando o aparelho entregue apresenta defeito, dentre outros.
Essa flexibilização encontra-se expressa no art. 6º., V do CDC quando nos traz que
A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
No nosso sistema consumerista adotamos a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, ou seja, não é necessário que o fato seja imprevisível, o que devemos verificar é se o fato superveniente alterou as bases pelas quais as partes pactuaram, alterando assim, o ambiente econômico que estava inicialmente presente.
Posição essa adotado no STJ, como podemos verificar pelo REsp 417927/SP:
Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Cessão de crédito com anuência do devedor. Prestações indexadas em moeda estrangeira (dólar americano). Crise cambial de janeiro de 1999. Onerosidade excessiva. Caracterização. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação.
- O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor.
- A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas.
- A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a sociedade de fomento ao crédito estará assegurada quanto aos riscos da variação cambial.
- É ilegal a transferência de risco da atividade financeira ao consumidor, ainda mais quando não observado o seu direito à informação.
(REsp 417927/SP – STJ – 3ª. Turma – Rel. Ministra Nancy Andrighi, Julgamento em 21/05/2002, Publicado no DJ 01/07/2002.)
Analisando assim o art. 6º., V do CDC é necessário que haja um fato superveniente, que apresente excessiva onerosidade e que as prestações sejam desproporcionais.
Quando verificamos o caso do desemprego por parte do cliente, que antes estava empregado, nos deparamos com uma situação em que ocorreu um fato superveniente, tornando-se assim extremamente excessivo aquele contrato, com os valores a serem pagos desproporcionais a sua renda, que agora não mais existe ou é
Quando verificamos o caso do aparelho que está inutilizado, por perda, furto, ou problema de funcionamento do aparelho, também nesse caso visualizamos que o contrato se tornou extremamente oneroso ao consumidor e dessa forma deve ser flexibilizado esse contrato.
Ou ainda, se houver mudança nos termos iniciais da prestação do serviço, como por exemplo, a alteração do plano e das condições que foram oferecidas, bem como o valor da assinatura, e demais encargos, também o contrato deve ser flexibilizado, para que seja feito um ajustamento e um reequilíbrio, e conforme for a forma de solução é o término do próprio contrato.
Assim, toda vez que se tornar extremamente oneroso o contrato, em razão de fato superveniente, gerando assim um desequilíbrio para o consumidor, o contrato deve ser revisto, significando em muitos casos a flexibilização da multa contratual e o término ou suspensão daquela relação consumerista.
Sendo o consumidor o ponto mais fraco nessa relação jurídica, é necessário que se crie um mecanismo que se estabeleça que nesses casos as operadoras de telefonia móvel e as empresas de TV por assinatura façam essa flexibilização sem a necessidade do consumidor recorrer ao Poder Judiciário.
As operadoras de telefonia móvel devem criar mecanismos de renegociação do contrato em casos de quebra ou vício constatado no aparelho, sob pena de ter-se inviabilizado direitos básicos dos consumidores, como o direito de não ser cobrado por faturas em que não haja consumo, bem como o direito de continuidade do serviço tão-logo se conserte o aparelho, dentre outros correlatos.
Se as operadoras de telefonia ainda não criaram os mecanismos de renegociação dos contratos, cabe à ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações criar as normas regulamentadoras, impondo a revisão dos contratos com as chamadas cláusulas de fidelização, conforme cada situação.
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