O Estado
O homem é, por condição inata, um ser gregário. Tal fator foi de suma importância para levá-lo a viver em sociedade.
Vivendo em sociedade, sentiu necessidade de organizar uma estrutura que pudesse equilibrar os anseios de todos dos integrantes desse modo de convívio social. Eis que surgiu, dessa necessidade, a figura do Estado como modalidade de organização política e social.
O Estado, como forma específica de sociedade política, é resultante de uma longa evolução na maneira de organização do poder. Daí porque BASTOS (2001, p. 10) afirma ser ele um ente social que se forma quando, em um território determinado, um povo se organiza juridicamente, submetendo-se à autoridade de um governo.
Sob essa perspectiva, durante grande parte da história da humanidade, governante e lei foram sinônimos, já que esta era simplesmente a manifestação de vontade daquele.
No presente estudo, contudo, dar-se-á um salto cronológico na evolução dos vários tipos de Estado para se ater apenas à forma mais evoluída de Estado, o denominado Estado Moderno.
Tratar do conceito de Estado Moderno é ter em mente que ele é formado pelo clássico trinômio: território, povo e soberania.
Partindo de tais elementos, necessário se faz entender a ligação e o significado que cada um trouxe para a formação do Estado Moderno.
Nesse sentir, o território, nas palavras de AGRA (2002, p. 69), constitui-se como base física do Estado, onde os cidadãos tecem suas relações sociais, constroem suas estruturas políticas e fixam objetivos comuns da coletividade.
Já o povo, de acordo com o mesmo Autor (2002, p.70) é o elemento biológico componente do Estado. Ele é conjunto de cidadãos subordinados ao mesmo ordenamento jurídico, e para quem o Estado direciona sua finalidade.
Convém assinalar, não obstante a erudição do Autor, que melhor é a compreensão de povo como o conjunto formado pelas pessoas que detém a nacionalidade de determinado Estado. Os cidadãos, em perspectiva jurídica, são somente aqueles detentores de nacionalidade que estejam aptos ao exercício do direito de cidadania – que implica na possibilidade de exercer o direito de votar e ser votado.
À toda evidência, os cidadãos são menos numerosos que os nacionais, não havendo dúvida que estes integram a população, o povo, de um determinado Estado.
Por fim, mas não menos importante, a soberania, que significa poder político, é o elemento de poder que permite a formação do Estado.
Na precisa lição de DALLARI (1995, p.68), abordando a temática do Estado, tem-se que:
“A noção de soberania está sempre ligada a uma concepção de poder, pois, mesmo quando concebida como centro unificador de uma ordem, está implícita a idéia de poder, de unificação (...). Uma concepção puramente jurídica leva ao conceito de soberania como um poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, da eficácia do direito”.
Com o aparecimento do Estado dito moderno, marcado pela presença do Poder Soberano, houve uma evolução dentre as várias formas de Estado. Dar-se-á, contudo, no presente estudo, destaque para o Estado Democrático, o Estado de Direito e, por fim, o Democrático de Direito.
O Estado Democrático
Nesta modalidade de Estado, o governo é pautado no binômio liberdade política e igualdade política. Conforme explicita AFONSO DA SILVA (2006, p. 117), o Estado Democrático:
“se funda no princípio da soberania popular que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, como veremos, na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento. Visa, assim, a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana”.
Dessa forma, resta evidente que, no Estado Democrático, a substância da soberania popular deve ser representada pela autêntica, efetiva e legítima participação do povo nos mecanismos de produção e controle das decisões políticas, em todos os aspectos, funções e variantes do poder estatal. Tem-se então o “governo do povo, pelo povo e para o povo”, frase esta que é considerada, ainda hoje, a melhor síntese do princípio democrático.
De uma análise mais profunda, extrai-se, pois, que “Governo do povo” constitui o sujeito da democracia, e o seu fundamento, que é o “governo pelo povo”, diz respeito ao exercício do poder democratizado, revelador do seu correto funcionamento. Por fim, o “governo para o povo” revela a finalidade do poder democrático, que é atingir do bem comum.
O Estado de Direito
O Estado de Direito, conforme preleciona AFONSO DA SILVA (2006, p. 112), tem, como nota primária de seu conceito, a submissão ao “império da lei”.
Assim é que, neste tipo de Estado, as leis são criadas pelo próprio Estado, através de seus representantes politicamente constituidos, ficando o próprio Estado adstrito ao cumprimento das regras e dos limites por ele mesmo impostos.
Daí porque se falar que nessa forma de Estado o poder estatal é limitado pela lei, não sendo absoluto, e o controle desta limitação se dá através do acesso de todos ao Poder Judiciário, que deve possuir autoridade e autonomia para garantir que as leis existentes cumpram o seu papel de impor regras e limites a todos, inclusive ao próprio poder estatal.
Assim, nesse tipo de Estado a lei buscava sua justiça e legitimidade tão somente na generalidade do seu comando, bastando tratar de maneira impessoal e isonômica os seus destinatários para estar cumprindo o seu papel dentro do ordenamento jurídico.
Sobre esta peculiaridade, tem-se a lição magistral de CANOTILHO (2003, p. 96), asseverando que neste tipo de Estado a supremacia da Constituição é, por vezes, neutralizada pela primazia da lei. Assim, o Estado de Direito se mostra relativamente eficaz no cumprimento do princípio da legalidade por parte da administração, mas incapaz de compreender o sentido da supremacia da Constituição, tornando-se insensível à força normativa dos direitos e liberdades fundamentais.
Foi sob esse sentir, e pautado ainda na necessidade de se articular direito, poder e soberania popular, que veio a surgir o Estado Democrático de Direito.
O Estado Democrático de Direito
No Estado Democrático de Direito, confome ensina CANOTILHO( 2003, p. 98), há uma ordem de domínio legitimada pelo povo, na qual o Estado se organiza e atua em termos democráticos.
Oportuno aqui lembrar que uma das características proeminentes da democracia, afora a participação popular nas mais variadas decisões políticas, é o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
Nas palavras de AGRA (2002, p. 110), quanto mais arraigados forem os princípios democráticos no imaginário coletivo da sociedade, maior será o papel dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico e maior será o seu respeito.
Sob esse enfoque é que MÜLLER (1998, p. 76) defende que não somente as liberdades civis, mas também os direitos humanos enquanto realizados são imprescindíveis para uma democracia legítima.
Na verdade, a evolução do Estado Moderno até o patamar de Estado Democrático de Direito se constitui como síntese de um movimento tendente a orientar o Estado de Direito a realizar os postulados da Democracia.
Dessa forma, ao se falar do conceito de Estado Democrático de Direito deve-se ter em mente que, na realidade, trata-se de um conceito híbrido, tendente a reunir o que de melhor foi proposto pelas formas de Estado antes vivenciadas.
DIRLEY (2008, p. 489), manifestando-se sobre o tema, afirma que o Estado Democrático de Direito é princípio fundamental que reúne os princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático, não como simples reunião formal de seus respectivos elementos, mas como providência de transformação do status quo.
Inspirado nesse enfoque, não é precipitado afirmar que o constituinte de 1988, ao erigir a República Federativa do Brasil à categoria de Estado Democrático de Direito, logo em seu art. 1º, intencionou fundir elementos característicos dos dois tipos de Estado.
Dessa forma, vigoram no Estado nacional os princípios do Estado de Direito (submissão ao império da lei, divisão de poderes e enunciados dos direitos e garantias individuais) e os do Estado Democrático (soberania popular, liberdade de expressão e pluralismo político).
Referida opção, na verdade, orientou-se para buscar, em tais elementos, um pilar de sustentação para todo o ordenamento jurídico, irradiando, assim, por todo o seu texto, o real significado dos direitos fundamentais, pautados em princípios capazes de conferir coerência, integração com as demais normas e unidade de sentido a todo o sistema normativo.
Nessa seara, segundo os ensinamentos de HOLTHE (2007, p. 83), destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana, como valor jurídico de maior hierarquia axiológica do nosso ordenamento constitucional (ao lado, apenas, do direito à vida).
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A doutrina pátria considera o princípio da dignidade da pessoa humana como valor supremo do Estado Democrático de Direito, constituindo-se como fator de legitimação do exercício do poder estatal, exigindo-se que a atuação dos poderes públicos e de toda a sociedade tenha como finalidade precípua o respeito e a promoção da dignidade da pessoa humana.
Referida conduta deve-se ao fato, na visão de REALE (2006, p. 68), de as normas jurídicas possuírem características de coercitividade e de imperatividade, características estas que as diferenciam das normas não-jurídicas, como as de ordem moral.
De acordo com essa visão, corroborada pelo brilhantismo de BONAVIDES (2008, p. 674), tem-se que os princípios de direito, e notadamente os constitucionais, são normas jurídicas no tocante às características da coercitividade e da imperatividade.
Nesse sentir, BARROSO (2002, p.64) afirma que os princípios não são meros ditames de obediência facultativa, ao contrário, são normas jurídicas de aspecto principiológico, dotados de poder vinculante.
Enfocando-se nesse aspecto, torna-se cristalino o entendimento de que as normas constitucionais (normas-regras e normas-princípios) compartilham desse poder vinculante e dessa característica de imperatividade de que são dotadas as normas jurídicas.
Oportuno explicitar que, em sede constitucional, referida coercitividade se mostra mais expressiva do que nas outras normas jurídicas, já que as regras e os princípios constitucionais, nas palavras de BARROSO (2002, p. 85), mais que meras normas jurídicas, são normas jurídicas de hierarquia superlativa, submetendo todo o conjunto normativo inferior às suas disposições .
A partir de tais constatações, e levando ainda em conta essa natureza superlativa dos princípios constitucionais, é fácil perceber o porquê do princípio da dignidade da pessoa humana não ser mera sugestão filosófico-axiológica, mas sim imperativo fático a ser observado e projetado por toda sociedade
Enfocando-se nesse aspecto, cumpre assinalar os ensinamentos de BULOS (2007, p. 389) sobre a dignidade da pessoa humana:
“este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço da integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser pensar e criar etc) e materiais (trabalho, renda mínima, saúde, moradia, educação etc). Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão”.
Nesse caminhar, a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana e sua elevação à categoria de valor supremo do ordenamento jurídico foi inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que, em seu art. 1º, assevera que todos os homens nascem livres e são iguais em dignidade e também em direitos.
Dessa forma, tal princípio traduz a idéia de que a centralidade da ordem jus-política e social reside na pessoa humana, independentemente de seu status econômico, intelectual ou social.
Constata-se, assim, estar diante não apenas de um simples princípio, mas de um super-princípio, que na precisa lição de GODINHO (2006, p. 33) “trata-se de princípio próprio, núcleo do sistema constitucional do país e núcleo de todo o sistema jurídico, político e social”.
Oportuno destacar que o constituinte alçou a dignidade da pessoa humana a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, tal como consta no art. 1.º, III, da Constituição[1].
Nesse passo, não foi à toa que a Constituição Democrática de 1988 inovou trazendo o princípio da dignidade da pessoa humana como eixo central do Estado Democrático de Direito brasileiro, irradiando seu conteúdo ao longo do seu corpo e de todo o ordenamento jurídico, caracterizando-se assim, como princípio inspirador e normativo.
Em face desse caráter fundamental, o mencionado princípio revela-se como mecanismo de integração da ordem jurídica, harmonizando e estruturando os demais valores constitucionalmente consagrados, configurando diretriz inafastável para a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
Apresentando-se como razão de ser do próprio fenômeno jurídico, o respeito à pessoa humana exsurge como verdadeira base legitimadora da atuação estatal, devendo ser observado por toda sociedade. Nessa perspectiva, o ser humano é o valor último, o valor supremo da democracia, que a dimensiona e humaniza.
Na esteira do que foi dito, cumpre assinalar o ensinamento de SARLET (2002, p. 68):
“(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.
Enfocando-se nesse aspecto, a dignidade é composta de um conjunto de direitos existenciais compartilhados por todos os homens, em igual proporção, que os integra na vida em sociedade.
A Dignidade da Pessoa Humana como aspecto Fundamental da Relação de Trabalho
Falar em aspectos de integração do homem à sociedade é, na verdade, fazer cumprir os valores imbricados no princípio da dignidade da pessoa humana, quais sejam, valores espirituais e materiais.
Dentre eles, dar-se-á destaque ao trabalho, valor material, capaz de dignificar o homem como ser social, além de constituir vetor de um outro fundamento da República, o dos “valores do trabalho e da livre iniciativa”[2].
É do citado fundamento que decorrem os denominados Direitos Sociais, elencados no art. 6º da Constituição Federal, que refletem uma projeção indissociável da dignidade humana, objetivando assegurar e garantir igualdade não apenas formal, mas também a material, entre os integrantes de uma sociedade.
Sob esse sentir, dar-se-á aqui destaque ao trabalho como elemento garantidor da eficaz integração do homem na sociedade, cumprindo pois, com os preceitos irradiados pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Nas palavras de MASCARO (2004, p. 437), “ter um trabalho é uma questão de dignidade do ser humano”. O direito ao trabalho assegura ao ser humano a efetivação do real significado da dignidade da pessoa humana.
É de se concluir que o trabalho revela-se essencial à vida, não restando dúvidas de que a dignidade do ser humano se expressa com máxima intensidade no exercício de seu labor, já que é a partir do trabalho, exercido em sua cotidianidade, que o homem torna-se ser social, distinguindo-se assim dos demais seres vivos.
Ao se afirmar que ter um trabalho é primordial para caracterização do ser humano como pessoa, como ente social, significa na verdade dizer que as pessoas têm o direito e o dever de trabalhar, colaborando com os esforços comuns de toda a sociedade para a produção dos bens e serviços de que todos necessitam.
Dentro dessa linha de pensamento, para que haja uma harmonia entre o homem e seu trabalho é preciso que se observem as garantias fundamentais do trabalhador na relação de emprego, ou seja, é necessário que se respeite sua dignidade.
Sob esse enfoque, preleciona MASCARO (2004, p.358):
“A dignidade é um valor subjacente a numerosas regras de direito. A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é uma questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais”.
Nessa vertente, imperioso destacar que a dignidade do homem é negada quando o obreiro é tratado como um mero fator de produção, pois não é apenas ter trabalho que dá ao homem dignidade, para que se possa tê-la em sua forma plena, é necessário que se disponibilize ao trabalhador acesso a condições dignas e mínimas de labor, ou seja, que lhe seja fornecido um trabalho decente[3].
Assim, para configurar-se como digno, o trabalho não pode ser assumido simplesmente como um mero fator produtivo, pois se assim o fosse, o homem se transformaria em coisa, res.
E é exatamente dentro deste contexto que MORAES (2006, p.12), citando Kant, aduz:
“no mundo social existem duas categorias de valores: o preço (preis) e a dignidade (Würder). Enquanto o preço representa um valor exterior (de mercado) e manifesta interesses particulares, a dignidade representa um valor interior (moral) e é de interesse geral. As coisas têm preço; as pessoas, dignidade. O valor moral se encontra infinitamente acima do valor de mercadoria, porque, ao contrário deste, não admite ser substituído por equivalente. Daí a exigência de jamais transformar o homem em meio para alcançar quaisquer fins”.
Sob tal sentir, deve o trabalho ser também fonte de realização material, moral e espiritual do trabalhador. Para tanto, segundo MEDEIROS (2008, p. 98) é necessário que se tenha compensação adequada, condições de segurança e saúde, oportunidade de desenvolvimento profissional, da capacidade humana, de crescimento contínuo e seguro, integração social na organização do trabalho, respeito, tratamento digno, preservação da auto-estima e valorização dos atributos pessoais e profissionais do trabalhador.
Cabe, assim, à livre iniciativa compatibilizar seus interesses com a valorização social do trabalho humano, pois a subordinação do empregado não é uma autorização implícita para que os seus direitos sejam desrespeitados ou manipulados.
Corroborando com este entendimento, tem-se a lição magistral de BARROS (1997, 33):
“O contrato de trabalho não poderá constituir um título legitimador de recortes no exercício dos direitos fundamentais assegurados ao empregado como cidadão; essa condição não deverá ser afetada quando o empregado se insere no organismo empresarial, admitindo-se, apenas, que sejam modulados os direitos fundamentais na medida imprescindível do correto desenvolvimento da atividade produtiva”.
Nessa esteira, a submissão aos comandos hierárquicos deve se restringir à adequação de normas e procedimentos adotados para a condução das atividades contratadas, e não para justificar o abuso de poder no local de trabalho.
Todavia, a moderna organização do trabalho, voltada para a globalização da produção, é cenário atroz do esmagamento dos direitos dos trabalhadores, e, por conseguinte, da dignidade da pessoa humana.
Dentro dessa linha de pensamento, DEON (2008, p. 145) consegue explanar com clareza a necessidade de reconduzir o homem à condição de elemento mais importante na relação capital-trabalho:
“Entretanto, a globalização da economia, por meio de seus instrumentos, inferiorizou o homem à condição de mero instrumento de trabalho, priorizando o capital sobre o valor da dignidade humana. É claro que se deve buscar o progresso econômico do país, no entanto o desenvolvimento político, o econômico e o social devem estar harmonizados com o ordenamento jurídico, para que os direitos fundamentais não sejam ignorados na relação de trabalho”.
Contudo, percebe-se que parcela da sociedade atual convive tranqüilamente com a idéia de que o trabalhador é mero instrumento para a consecução das metas empresariais.
Corroborando com esse entendimento, temos a lição do TORRES:
“A globalização produz a riqueza no plano universal e a pobreza no domínio local. Fortalece a cidadania mundial, pela afirmação dos direitos fundamentais; mas cria a miséria e a pobreza para a maior parte da população, o que postula a abertura da cidadania local a dimensão reivindicatória dos direitos sociais, sujeitos a concessão legislativa e ao reconhecimento orçamentário”.
Nessa conjuntura, o trabalhador, de acordo com MEDEIROS (2008, p. 100) precisa se submeter a um jogo ditado pelo empregador, no qual tudo vale à pena para não se perder uma vaga no competitivo mercado de trabalho.
É notório que, com o crescimento do mercado de produtos e serviços, as ofertas se tornaram vastas e a clientela, cada vez mais exigente. Assim, para atender a demanda e conseguir público fiel, as empresas passaram a adotar a política da busca pela “qualidade total”.
Dentro do contexto da busca pela “qualidade total”, as empresas, cada vez mais, promovem injustificáveis desrespeitos às normas protetivas do trabalho, por meio de excessos no exercício do poder diretivo, exigindo-se esforços sobre-humanos dos empregados, em ambiente de trabalho marcado pelo vilipêndio aos direitos trabalhistas constitucionalmente garantidos.
Visualizando esse cenário de competição no qual todos procuram vencer a qualquer custo, revela-se imprescindível a adoção de limites legais eficazes para que se preserve a integridade física e mental dos trabalhadores, sob pena de se perpetuar constantes desrespeitos aos direitos trabalhistas.
A partir de tais reflexões é necessário entender que o significado mais emblemático do trabalho é a dignidade que este confere ao ser humano, revelando-se um equívoco vislumbrá-lo apenas em sua dimensão econômica, desumanizada.
Pairando nessa seara de desrespeito aos direitos constitucionalmente consagrados, deixa-se o precioso ensinamento de Barroso (2005, p. 306), intencionando justificar esta realidade fortemente enraizada em nossa sociedade:
“(...) O Brasil chega a pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo ou injusto –, mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos ao terceiro milênio atrasados e com pressa”.
Referências Bibliográficas:
AGRA. Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.
BARCELOS, Ana Paula de. A Eficácia dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2008.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2005.
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constituicional e a Efetividade de suas Normas. 6. ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002.
BARROSO, Luis Roberto. Temas de direito constitucional- tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.63.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2008.
BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constituicional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007.
CAMARGO, Marcelo Novelino. Direito Constitucional: Leituras Complementares. Salvador: JusPodivm, 2006.
CANOTILHO, José Joaquim G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição - Brochura - 7º Edição 2003.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2006.
MEDEIROS, Benizete Ramos de. Trabalho com dignidade – educação e qualificação é um caminho? São Paulo: Ed. LTr, 2008.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Ed. Livradia do Advogado, 2002.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A seita secreta para a efetivação dos direitos sociais. Revista LTr. V. 69, n. 10, out. 2005.
TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janeiro: Renovar.
[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e tem como fundamentos:
(...)
III- a dignidade da pessoa humana;
[2] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e tem como fundamentos: IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[3] Em comunicado de 1º de novembro de 2000, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu trabalho decente como sendo “um trabalho que responde às aspirações elementares dos indivíduos, não apenas em matéria de renda, mas também em matéria de segurança própria e de suas famílias, sem discriminação nem constrangimento de qualquer espécie, garantindo-se a igualdade de tratamento entre homens e mulheres”.
Advogada, formada pela Universidade Federal do Maranhão-UFMA.<br>Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAVES, Maria Cláudia Gomes. A evolução do Estado e a consagração do princípio da dignidade humana e seus reflexos na relação de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar 2010, 08:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19440/a-evolucao-do-estado-e-a-consagracao-do-principio-da-dignidade-humana-e-seus-reflexos-na-relacao-de-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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