De acordo com Alice Monteiro de Barros (2009, p.86-87), a flexibilização no campo do trabalho, historicamente, tem sido uma reivindicação empresarial identificável com uma explícita solicitação de menores custos sociais e maior governabilidade do fator trabalho.
Ainda segundo a autora, para realização dessa reivindicação, reclama-se uma flexibilidade normativa que poderá ser atingida sob o prisma legal, regulamentar e convencional, mas assegurando-se garantias mínimas ao empregado.
É imperioso destacar, contudo, que flexibilização dos direitos trabalhistas, atualmente, tem sido buscada pela classe empresária como solução dos males da economia, sobretudo no contexto da crise mundial.
De acordo com Francisco Gérson Marques de Lima (2009, p.53), a flexibilização manifesta-se sob duas formas: adaptação, que é a versão moderada, e desregulamentação, a forma mais radical. E abriga um sentido muito amplo e que, em sentido estrito, consiste no afastamento de certos empecilhos para permitir modalidades contratuais adequadas ao mercado, bem como a inserção de cláusulas dinâmicas nos contratos, para acomodação aos solavancos do mercado.
Nosso ordenamento, de acordo com Uadi Lammêgo Bulos (2007, p.289) em especial a Constituição Federal, autoriza a relativização de direitos, em algumas hipóteses, sempre através de negociação coletiva. Assim, a legitimidade das negociações coletivas no exercício da relativização dos direitos obreiros é ratificada pela própria Constituição Federal Brasileira, em seu art. 7º, incisos VI, XIII e XIV.
Segundo a teoria que defende a flexibilixação, a mudança do ordenamento jurídico trabalhista encontra assim, amparo na própria Constituição.
De acordo com esse entendimento, Barros Júnior (2004, p.44) assevera que a flexibilização consiste na capacidade da renúncia a determinados costumes e da adaptação a novas circunstâncias, sendo que do ponto de vista jurídico, a flexibilização deve ser analisada em confronto com certos princípios imbuídos de alguma rigidez.
A despeito de grande parte da doutrina aceitar a negociação coletiva como forma autêntica de flexibilização de direitos dos trabalhadores, há ainda alguns doutrinadores dissonantes de tal entendimento, dentre eles merece destaque Jorge Luiz Souto Maior, ao afirma que:
É totalmente equivocado considerar que acordos e convenções coletivas de trabalho possam, sem qualquer avaliação de conteúdo, reduzir direitos trabalhistas legalmente previstos, simplesmente porque a Constituição previu o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (inciso XXVI, do art. 7º) e permitiu, expressamente, por tal via, a redução do salário (inciso VI, art. 7º), a compensação da jornada (inciso XIII, art. 7º) e a modificação dos parâmetros da jornada reduzida para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (inciso XIV, do art. 7º).
Ocorre que, uma vez acolhido o entendimento que reconhece a autonomia das negociações coletivas para a flexibilização de direitos laborais, resta delimitar até onde poderá se estender o alcance de tal precarização.
Sobre o assunto, Sílvio Beltrameli Neto (2008, p.83) pontua que:
[...] a análise da situação não pode prescindir da exegese constitucional baseada nos Princípios da Dignidade Humana, na Valorização Social do Trabalho e da Supremacia da Constituição, para que a negociação coletiva, utilizada como instrumento de flexibilização voltado à relativização de direitos, respeite os estritos limites apontados, ou seja, incida unicamente sobre as três hipóteses constitucionalmente previstas (redução salarial, compensação de jornada e jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento).
Partindo da máxima de que a flexibilização não pode ser utilizada como justificativa para suprimir os direitos conquistados pelos trabalhadores, outro importante fator a ser considerado são as denominadas Cláusulas de Proibição de Retrocesso, prevista originariamente em instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, como o Pacto de São José da Costa Rica, as referidas cláusulas visam a proteger os direitos humanos já adquiridos, vedando a retirada de garantias e estimulando a progressividade do reconhecimento de tais direitos.
Vê-se assim, que para se estabelecer limites à flexibilização, primeiramente cabe observar que ela não poderá contrariar a ordem jurídica social, ou seja, ferir os direitos fundamentais do trabalhador, como os relacionados à vida, à saúde, e outros relativos à dignidade e personalidade do trabalhador. A mesma consideração se aplica aos direitos econômicos básicos, posto que representam uma conquista da própria sociedade, de sua história de lutas por melhores condições de vida e trabalho.
Ademais, os direitos sociais e trabalhistas, conhecidos como de segunda geração, e constitucionalmente garantidos, não podem ceder diante de pretextos neoliberalizantes.
Assim, alguns autores entendem que para haver flexibilização desses direitos, devem ser considerados alguns elementos: continuidade da relação individual de trabalho;formação profissional e mobilidade funcional;redução e flexibilidade do tempo de trabalho; liberdade sindical e negociação coletiva; direitos mínimos estatuídos na Constituição; evitar-se precariedade de vínculos e por fim, rever o papel do princípio da igualdade e seu contraditório papel no Direito do Trabalho.
Apesar de a flexibilização ser vista por alguns autores como hipótese para amenizar a situação de precarização do mercado de trabalho, entendendo que a debilidade das relações empregatícias deve-se ao exagerado protecionismo das leis trabalhistas e da sua inflexibilidade, cumpre destacar que a flexibilização não pode ser confundida com desregulamentação e, da mesma forma, não se pode transferir aos trabalhadores parte dos riscos inerentes à atividade empresarial, justificativa que em nada colabora para a diminuição das taxas de desemprego ou do trabalho informal.
Desse modo, cumpre ratificar que, reconhecida a autonomia das negociações coletivas na atuação pela flexibilização dos direitos trabalhistas, devem ser observados os limites impostos constitucionalmente, bem como o atendimento à proibição de retrocesso, princípio que vai de encontro com os preceitos de precarização de direitos.
Importa por fim destacar que a flexibilização deve ser implementada em consonância com valores éticos, não podendo ser efetivada pautada apenas no discurso econômico, em detrimento do trato social.
Referências Bibliográficas:
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009.
BARROS JÙNIOR, Cássio Mesquita. Flexibilização no Direito do Trabalho. Trabalho e Processo, nº2, 2004.
BELTRAMELLI NETO; Silvio. Limites da flexibilização dos direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2008.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
CARTONI, Daniela Maria. A flexibilização no direito do trabalho e a globalização. Revista de Direito, vol. XI, nº 13, 2008.
LIMA, Francisco Gérson Marques de. Repensando a doutrina trabalhista: o neotrabalismo em contraponto ao neoliberalismo. São Paulo: Ltr, 2009.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Negociação coletiva de trabalho em tempos de crise econômica. Material da 2ª aula da Disciplina Relações Coletivas de Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito e Processo do Trabalho – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.
MARINS, Benimar Ramos de Medeiros. Flexibilização e justiça na sociedade brasileira: os limites à autonomia da vontade como mecanismos de liberdade. São Paulo: LTr, 2008. p. 84.
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