Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil a e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.
De proêmio, enquanto a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita assevera as hipóteses em que se atente em responsabilizar pessoalmente, os sócios por atos praticados em nome da sociedade, é válido salientar que na desconsideração inversa, tem-se por objetivo atingir a pessoa jurídica, visando alcançar o patrimônio social para que ocorra a obtenção da restituição de bens pessoais do sócio, que foram fraudulentamente alienados para a sociedade em prejuízo de terceiros inocentes.
A finalidade precípua do instituto jurídico pátrio da desconsideração inversa da personalidade jurídica, consiste em possibilitar a busca do eventual retorno de todos os bens transferidos ilegitimamente pelo sócio, mediante má-fé de ordem explícita, para a sociedade com o objetivo de fraudar ou lesionar terceiros de boa-fé.
No caso, sub judice, a pessoa física devedora transfere seu patrimônio para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle, e, desse modo, continua usufruindo dos seus bens, muito embora estes não sejam mais juridicamente de sua propriedade, mas sim da pessoa jurídica controlada.
Segundo o ilustre professor e doutrinador, Fábio Ulhôa Coelho, em seus empíricos estudos definiu a desconsideração da personalidade jurídica inversa da seguinte monta: “desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio”.[i]
Destarte, na desconsideração inversa a responsabilidade ocorre no sentido diametralmente oposto, visto que, os bens da sociedade respondem por atos praticados por seus sócios.
Outrossim, a desconsideração inversa da personalidade jurídica será aplicada sempre que for apurado a existência de um uso abusivo, simulado ou fraudulento da pessoa jurídica, prejudicando dessa forma, credores ou terceiros interessados na relação jurídica.
Diz-se ser inversa esta modalidade da desconsideração da personalidade jurídica, pois, como visto, ao invés de atacar-se o patrimônio do sócio por uma dívida da sociedade da qual ele faz parte, adentra-se judicialmente a esfera patrimonial da pessoa jurídica, por força de débitos pessoais dos sócios.
Para que efetive ordenadamente a desconsideração inversa da personalidade jurídica, o ordenamento jurídico pátrio impõe que seja observado a existência dos pressupostos essenciais para a aplicação desta modalidade sub judice, quais sejam, a caracterização do desvio de bens, a fraude, a má-fé ou o abuso de direito por parte dos sócios que se utilizam do escudo protetor da personalidade jurídica para transferir ou esconder bens, lesando assim os credores, ou ainda, em casos de separação judicial, onde lamentavelmente se ver por óbvio, muitas vezes ainda durante o processo judicial de separação, o esvaziamento do patrimônio do casal, em flagrante e reprovável tentativa de ludibriar a meação entre os cônjuges litigantes.
Portanto, os requisitos para utilização desta modalidade jurídica inversa, ora em análise, são os mesmos da desconsideração da personalidade jurídica ordinária elencados pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 50: confusão patrimonial, má-fé, fraude e desvio de finalidade.
Nesse mesmo sentido, Fábio Ulhôa Coelho ao comentar acerca da desconsideração inversa afirma: “Trata-se de responsabilizar a sociedade por dívidas do sócio, caso este, para perpetrar fraudes a seus próprios credores, transfere seus bens para a empresa, continuando a fruí-los livremente (...) A desconsideração inversa pode vir a ser medida de extrema utilidade em matéria de Direito de Família, considerando a possibilidade de um dos cônjuges transferir bens de valor para a empresa que integre, com o escopo de fraudar futura partilha.” [ii]
Podemos nos valer ainda, em esforço elucidativo do presente estudo de sábia e coerente lição jurisdicional esboçada pela Meritíssima Juíza Maria Luiz Povoa Cruz que, em semelhantes termos aponta para a hipótese de durante o processo de separação judicial ou na sua iminência, um dos cônjuges alienar bens de propriedade do casal com o intuito de afastá-los da partilha a ser promovida por força da dissolução da sociedade conjugal”.[iii]
É de suma relevância constar que o terceiro adquirente dos bens pertencentes em comunhão de direitos ao casal é justamente a sociedade de que o cônjuge alienante figura como sócio, caracterizando explicitamente um caso de fraude e má-fé.
Nessa hipótese o cônjuge prejudicado pode se valer do instituto da desconsideração inversa para reaver os bens de seu patrimônio, vez que tal instituto será aplicado pelos magistrados sempre que houver evidência de transferência fraudulenta de bens matrimoniais para uma pessoa jurídica, tendo por escolpo prejudicar a meação ou partilha, a prestação de alimentos, sendo inclusive, utilizada quando o sócio detém absoluto controle da sociedade.
De acordo com entendimento elucidado por Isaura Meira Cartaxo Filgueiras: “a desconsideração inversa da personalidade jurídica poderá ser aplicada, pois os atos dos sócios serão atribuídos à pessoa jurídica. E nesse sentido, os bens desviados para a pessoa jurídica serão alcançados, havendo uma responsabilidade coletiva e sua atribuição ao pagamento da pensão”[iv].
Conclui-se que embora não haja preceito legal que disponha a existência da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a doutrina pátria, juntamente com a jurisprudência majoritária tratou de utilizar desse entendimento com o fim precípuo de impedir que a pessoa física do sócio ou administrador utilize-se do subterfúgio do ente jurídico para tentar burlar a norma estatal positivada, camuflando seu patrimônio, como se do ente jurídico fosse.
Finaliza-se ditando que, a desconsideração inversa é utilizada não só no Direito Empresarial, bem como na seara do Direito de Família; ensejando-se sua aplicação quando da reprovável atitude do sócio administrador ao transferir fraudulentamente todo seu patrimônio para a pessoa jurídica da qual faz parte, em notória e condenável tentativa de se furtar a obrigação alimentícia ou de dever análogo para seu ex cônjuge.
[i] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1999. 2.v. p. 45.
[ii] COELHO, Fábio Ulhoa. Op.cit. p. 44-45. nota 12.
[iii] CRUZ, Maria Luiz Povoa; Juíza de direito da 2ª. Vara de Família e Sucessões, da Comarca de Goiânia e Presidente do IBDFAM-GO e professora da Escola Superior de Magistratura do Estado de Goiás. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Da Criação da Pessoa Jurídica. Palestra. Disponível in <www.marialuizapovoa.com.br> Acessado em 16/06/2010
[iv] FILGUEIRAS, Isaura Meira Cartaxo; Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica. Revista Jus Vigilantibus. 01/07/2007. Disponível in: < http://jusvi.com/artigos/26439/3> Acessado em 15/06/2010
AUTORES COLABORADORES: MARINA VANESSA GOMES CAEIRO
LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON
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