Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil a e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.
De proêmio é de certo que o instituto jurídico civilista denominado, reserva mental trata-se, clarividentemente, de vício que influencia substancialmente os negócios jurídicos pátrios como um todo.
A reserva mental possui por escolpo abarcar a vontade do sujeito dos negócios jurídicos, contudo, antes de analisarmos o tema sub judice, cumpre observar subtancial e atentamente o que reza de forma expressa o Código Civil de 2002 que alude os três elementos necessários para a validade dos negócios jurídicos: “Artigo 104: A validade do negócio jurídico requer: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei.”
Nessa mesma esteira, é de suma relevância salientarmos que mesmo possuindo os elementos indispensáveis para a realização do negócio jurídico válido, são ainda, sumariamemente passíveis de eventual defeito na esfera da manifestação de vontade do agente o que acarretará uma série de consequências na produção de seus efeitos.
Destarte, a ocorrência de defeito no âmbito do negócio jurídico permite legalmente que ocorra a sua anulação, respeitando-se os prazos decadênciais dos artigos 178 e 179 do atual Código Civil.
Nessa mesma forma, podemos cogitar que, se um negócio defeituoso é passível de anulação, um negócio que não tenha qualquer dos elementos mencionados no artigo 104 é nulo, conforme dispõe majestuosamente o artigo 166 do Código Civil, ou ser considerado inexistente, como consagra amplamente a doutrina pátria.
O instituto jurídico da reserva mental foi inaugurado perante o direito pátrio pelo Código Civil de 2002, com a redação in verbis: “Artigo 110: A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.
A ressalva constante na parte final do artigo suso mencionado remete-nos a inconteste conclusão de que a manifestação de vontade não subsisterá se o destinatário possuia o amplo conhecimento acerca da reserva mental.
É de suma relevância constar que a reserva mental é discutida há delongos anos em cunho jurisprudencial e doutrinário pátrio, porém seu advento como norma jurídica positivada em nosso ordenamento jurídico civilista é recente e por vezes até de dificultosa visualização, principalmente no tocante eminente de sua aplicação e resolução nos casos concretos, que chegam ao judiciário para o fim precípuo de solucionar as lides pendentes diante de uma decisão proferida por um magistrado competente investido do seu poder jurisdicional estatal.
De certo, o instituto da reserva mental não é novidade para doutrina brasileira, visto que, os civilistas clássicos já discutiram ampla e exaustivamente a matéria em fulcro, chegando a denominar o instituto também de “reticência” e, sob esse título, o eminente e ilustre professor e jurista, Caio Mario da Silva Pereira, doutrinava na seguinte seara: “A doutrina, porém, acerta a construção da reticência, por extensão da simulação, a que é, na verdade, muito próxima, naquilo em que o agente aparenta querer um negócio, que não está no seu desígnio realizar: se a reserva é comunicada à outra parte, não prejudica, mas se é mantida em segredo pelo agente, não pode valer, e o ato se cumpre como se nenhuma reticência lhe tivesse sido imposta pelo agente, sob pena de dar prestígio a um mascaramento análogo à simulação em benefício do simulador”.[i][i]
É clarividente que o instituto ora analisado, da reserva mental, possui estreita ligação com o instituto legal da simulação, à medida que o declarante expressa uma vontade em determinado sentido mas, na realidade, almejava negócio jurídico diverso. Contudo, cumpre salientar que tal situação só terá preemente relevância jurídica se fora de conhecimento expresso do agente manisfetador do ato jurídico.
A análise da matéria em estudo nos assevera clara semelhança com a definição doutrinária do instituto em tela, conforme apontam os estudos do ilustre professor e doutrinador, Sílvio de Salvo Venosa, que dita claramente: “Na reserva mental, o declarante emite conscientemente declaração discordante de sua vontade real, com intenção de enganar o próprio declaratário.”[ii][ii]
Ainda é de suma relevância para o estudo empírico, acrescentarmos o nobre e majestuoso posicionamento do doutrinador, Washington de Barros, que com preciosissíma tecnicidade, nos esclarece: “(...) que a reserva mental conhecida seria como uma simulação unilateral, portanto, o tratamento jurídico deveria ser o mesmo ao da simulação, consequentemente, a solução, segundo o Código de 1916, estaria na possibilidade de anular o negócio. Hoje a simulação não é mais anulável, mas sim nula vide artigo 167 do atual Código Civil.[iii][iii]
Na mesma seara, a doutrina moderna sustenta pacificamente que a teoria da inexistência, nada mais é que um negócio jurídico praticado sem que haja a vontade expressa e inequivoca do agente capaz, posto que a supressão de um elemento essencial tornaria sem efeito o negócio jurídico dentro do universo do Direito, contudo, de certa monta ocorre o desfazimento dos seus efeitos práticos que terá necessariamente que ser pleiteado perante um juízo dotado de competência para solucionar a lide sub judice.
Se mostra de fundamental importância, saber se o negócio sob o vício da reserva mental é nulo ou anulável. Caso se tome pela primeira posição, não há o que se falar em prazo para que seja pleiteada sua declaração de nulidade; de outra via na segunda hipótese pode-se cogitar de sua convalidação caso seja transcorrido o prazo decadencial disposto em lei de cunho civilista.
Fazendo uma análise técnica do instituto em questão, podemos perceber que a reserva mental conhecida pelo interlocutor do negócio jurídico vicia o negócio jurídico em sua origem e essência, ou seja, o negócio será inevitavelmente nulo de pleno direito, segundo consta no artigo 166, inciso VII do Código Civil de 2002, ressaltado ainda que para parte da doutrina pátria seria eivado de inexistência.
Segundo os termos do Código Civil de 2002, surge a oportunidade de raciocinar dentro do prisma do Principio da Razoabilidade no Direito Privado.
Ora, próprio artigo 113 nos elencou uma cláusula aberta acolhida pelo princípio da eticidade, e consagrada no código civilista de 2002 por haver claramente fatores de ordem ética a serem considerados perante o negócio jurídico.
Nessa exata seara nasce o tão consagrado Princípio da Razoabilidade, instrumento indispensável ao magistrado, corroborando-se a ideologia avançada e tecnicamente moderna presente em todo o novo sistema civilista o que possibiita ao intérprete-aplicador do Direito poder concretizar os ditames da justiça nos casos que lhe são apresentados.
Nesse diapasão, uma vez familiarizado com o instituto legal, da reserva mental, poderá o estado-juiz reconhecer de plano a nulidade do negócio jurídico de ofício, a qualquer momento; ou ainda, optativamente, poderá o nobre magistrado levando em consideração escala axiológica e costumeira daquele local entender pela caracterização da anulabilidade do negócio jurídico, podendo-se ocorrer a sua convalidação.
Destarte, há que se afirmar que o instituto legal da reserva mental é um vício do negócio jurídico que gera sua nulidade. Deve-se ainda, para o reconhecimento do objeto ora em estudo constar a importância do discernimento do do negócio jurídico, bem como dentre os seguintes elementos: preliminarmente é vedado que haja a torpeza em sede de foro íntimo do declarante; secundariamente não se pode deixar de relevar os usos e costumes do local que se efetivou o negócio jurídico e, por fim, configurado deverá ser o impacto patrimonial prejudicial ao pactuante.
Por fim, conclui-se que, nada excluí outras observações necessárias para aplicação dos efeitos do instituto jurídico civilista positivado, da reserva mental, desde que devidamente conhecido no momento da celebração do negócio jurídico, corroborando tudo o que fora exposto, toma-se pela razoabilidade das exigências legais, doutrinárias e jurisprudências no sentido de evitar injustiças nos casos concretos que são levados diuturnamente as portas do Poder Judiciário afim de solucionar as lides pendentes.
[i][i]PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: vol. I. 6ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 1982, p. 458.
[ii][ii]VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3ªed. São Paulo. Atlas. 2003, p. 478.
[iii][iii]MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 3ª ed, revista e aumentada. São Paulo. Saraiva. 1962, p. 221.
AUTORES COLABORADORES: MARINA VANESSA GOMES CAEIRO
LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON
ADVOGADA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB/SP SOB Nº 221.435 E ESCRITORA DE ARTIGOS E LIVROS JURÍDICOS. PÓS GRADUADA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC/SP E PÓS GRADUADA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS. AUTORA DA OBRA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NOS TEMPLOS E CULTOS RELIGIOSOS (ISBN 978-85-7786-023-4) PELA EDITORA RUSSELL. CONTATOS ATRAVÉS DO EMAIL: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAEIRO, Marina Vanessa Gomes. Da reserva mental no Direito Pátrio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2010, 18:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20107/da-reserva-mental-no-direito-patrio. Acesso em: 22 nov 2024.
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