Os atos unilaterais podem ser conceituados como sendo obrigações assumidas por alguém independente da certeza do credor. Os contratos podem ser atípicos, mas os atos unilaterais só podem ser criados pela lei.
Conforme preleciona Maria Helena Diniz, a declaração unilateral da vontade é uma das fontes das obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, formando-se no instante em que o agente se manifesta com a intenção de se obrigar, independentemente da existência ou não de uma relação creditória, que poderá surgir posteriormente (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009).
Segundo nosso Código Civil, são quatro os atos unilaterais: a promessa de recompensa, a gestão de negócios, o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa.
A promessa de recompensa é a declaração de vontade feita mediante anúncio público, pela qual alguém se obriga a gratificar quem se encontrar em certa situação ou praticar determinado ato, independentemente do consentimento do eventual credor. A promessa de recompensa será obrigatória para seu emitente no instante em que se tornar pública, independentemente de qualquer aceitação, visto que se dirige a pessoa indeterminada.
Outrossim, o promitente tem que ter capacidade e a promessa exige publicidade. A promessa é feita a qualquer pessoa, ou a determinando grupo social, pois se feita à pessoa certa não é ato unilateral, mas contrato de prestação de serviço. A lei obriga o autor da promessa a cumprir o prometido, independente de qualquer aceitação. O fundamento da promessa é ético, visto que o se busca é o respeito à palavra dada. A obrigação tanto é unilateral que mesmo que a pessoa que preste o serviço não tenha conhecimento da recompensa fará jus à gratificação
No tocante ao valor da recompensa, a mesma depende do promitente, mas um valor ínfimo pode ser aumentado pelo Juiz. Caso mais de uma pessoa faça o serviço, preceitua os artigo 857 e 858 do CC/02, terá direito à recompensa o que primeiro o executou e caso a execução seja simultânea, a cada um tocará quinhão na recompensa e se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão.
Mister destacar que, será possível a revogabilidade da promessa pelo policitante, antes de prestado o serviço, ou preenchida a condição, desde que feita com a mesma publicidade da divulgação. Com a revogação o promitente ficará isento de qualquer responsabilidade, não podendo vir a sofrer as pretensões de indenização por parte de pessoa que tiver feito despesas ou trabalhos em vista a obtenção do prêmio.
Conforme disposto no art. 856 do CC/02, se o promitente houver assinado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o arbítrio de retirar, durante ele, a oferta. Explicando tal artigo, Maria Helena Diniz discorre que, se o promitente fixou prazo para a execução da tarefa, entende-se que renunciou ao direito de revogar a promessa, enquanto não decorrer o prazo estipulado e se houver prazo para a execução do serviço, durante sua vigência, não se poderá desistir da promessa feita. Se esgotado tal prazo, a promessa não tiver sido revogada, sendo o serviço executado, a recompensa será devida, desde que o promitente dele retire vantagem (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009).
Quanto ao direito a reembolso de despesas, o candidato de boa-fé que tiver feito despesas, terá direito ao reembolso havendo revogação da promessa pelo policitante, posto que o direito ao reembolso evita o enriquecimento indevido. Cumpre mencionar que a morte do promitente não revoga a promessa, respondendo os bens do falecido pela recompensa.
Os artigos 859 e 860 do Código Civil alcançam também os concursos com promessas públicas de recompensa, dispondo que:
Art. 859. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é condição essencial, para valerem, a fixação de um prazo, observadas também as disposições dos parágrafos seguintes.
§ 1o A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados.
§ 2o Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem, entender-se-á que o promitente se reservou essa função.
§ 3o Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os arts. 857 e 858.
Art. 860. As obras premiadas, nos concursos de que trata o artigo antecedente, só ficarão pertencendo ao promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa.
O concurso civil é uma espécie de promessa de recompensa onde várias pessoas se dispõem a realizar uma tarefa em busca de uma gratificação que será oferecida ao melhor. O concurso não pode ser revogado, pois o prazo é obrigatório. O concurso é aleatório para o concorrente que pode não ganhar nada, a depender da decisão do árbitro do certame, cuja decisão subjetiva não pode ser questionada. As obras/tarefas apresentadas podem passar a pertencer ao organizador do concurso.
Quanto à segunda modalidade de atos unilaterais, “gestão de negócio”, consiste na intervenção, não autorizada, de uma pessoa na direção dos negócios de outra, feita segundo o interesse, a vontade presumível e por conta desta última. Ocorre geralmente em situação de emergência ou de ausência do titular do interesse e sem o seu consentimento, pois caso contrário poderia caracterizar-se o mandato tácito. Não tem natureza contratual e não há remuneração para o gestor, sendo que este deve agir de acordo com a vontade presumível do dono, e comunicar-lhe o fato logo que possível. Outro ponto que merece destaque seria a diferença entre gestão de negócios e mandato tácito. Enquanto a gestão de negócios é gratuita e necessita da ratificação do dono, o mandato tácito é realizado com conhecimento e sem desaprovação do dono.
Os artigos 862, 863, 868 e 869 do NCC disciplinam as responsabilidades pelos atos praticados pelo gestor de negócios, dispondo que,
Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.
Art. 863. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença.
Art. 864 (...)
Art. 865 (...)
Art. 866 (...)
Art. 867 (...)
Art. 868. O gestor responde pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito de interesses seus.
Parágrafo único. Querendo o dono aproveitar-se da gestão, será obrigado a indenizar o gestor das despesas necessárias, que tiver feito, e dos prejuízos, que por motivo da gestão, houver sofrido.
Art. 869. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão.
§ 1o A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem.
§ 2o Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão.
Saliente-se que o gestor de negócios deverá comunicar ao dono do negócio, quando possível, a gestão que assumiu visando resguardar seus interesses, aguardando-lhe a resposta, para autorizá-lo a continuar as providências judiciais ou extrajudiciais tomadas ou para sustá-las, desde que da espera não advenha perigo algum. Se não for possível aguardar tal resposta, o gestor deverá continuá-la, mesmo porque ficará pessoalmente obrigado pelos atos praticados. A comunicação tem por objetivo diminuir a responsabilidade do gestor pelos eventuais danos ao interessado ou a terceiro.
Dispõe o art. 865 do CC/ 02, que enquanto o dono nada providenciar, até a sua conclusão, velará o gestor pelo negócio, até o levar a cabo, esperando, se aquele falecer durante a gestão, as instruções dos herdeiros, sem se descuidar, entretanto, das medidas que o caso reclame.
Cabe ao gestor de negócio aplicar toda a sua diligência habitual na administração do negócio, agindo com prudência e probidade, assumindo inteira responsabilidade por qualquer descuido seu ou desinteresse na administração que, espontaneamente, assumiu, indenizando integralmente o dono do negócio de qualquer prejuízo que culposamente causar, respondendo inclusive, pelas perdas e danos.
O artigo 867 do Código Civil preceitua que,
Art. 867. Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação que a ele, ou ao dono do negócio, contra ela possa caber.
Parágrafo único. Havendo mais de um gestor, solidária será a sua responsabilidade.
Tal responsabilidade decorre do fato de a gestão de negócios ser ato espontâneo ou voluntário do gestor, que por isso ficará obrigado a gerir pessoalmente interesse de outrem. Com isso ficará responsável, se se fizer substituir com o substituto, seja este pessoa idônea ou não. Em caso de pluralidade de gestores, o gestor de negócios vincular-se-á solidariamente. A lei impõe a solidariedade, pois impossível seria discriminar as obrigações e responsabilidade de cada um.
Destaque-se que, cabe ao dono do negócio indenizar o gestor de todas as obrigações efetuadas durante a gestão, mesmo que esta tenha sido realizada para acudir a prejuízos iminentes, ou ainda que redunde em proveito do dono do negócio, pois nestes casos a gestão decorre do próprio fato.
Aquele que for obrigado a fornecer legalmente alimentos a alguém e estiver ausente, ao gestor que prestá-los, ainda que não ratificado o ato, deverá o dono reembolsá-lo. Nos casos de despesa do enterro, quando feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria obrigação de alimentar aquele que veio a falecer, mesmo que este não tenha deixado bem algum. Em se provando que o gestor fez essas despesas com o simples intento de “bem fazer”, movido por espírito de benemerência, não poderá reclamar reembolso do que gastou.
Quanto à ratificação da gestão pelo dono do negócio, temos que a ratificação é o ato pelo qual o dono do negócio, ciente da gestão, aprova o comportamento do gestor. Dispõe os artigos 873, 874 e 875 do Código Civil que,
Art. 873. A ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão, e produz todos os efeitos do mandato.
Art. 874. Se o dono do negócio, ou da coisa, desaprovar a gestão, considerando-a contrária aos seus interesses, vigorará o disposto nos arts. 862 e 863, salvo o estabelecido nos arts. 869 e 870.
Art. 875. Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se não possam gerir separadamente, haver-se-á o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus.
Parágrafo único. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das vantagens que lograr.
Assim sendo, o dono do negócio só poderá recusar a ratificação se demonstrar que a gestão foi contrária a seus interesses, situação em que o gestor não sós responderá até pelo caso fortuito, se não provar que teriam ocorrido os prejuízos ainda quando se houvesse abstido, mas também pelos danos da gestão que excederem o seu proveito, devendo restituir as coisas ao estado anterior ou indenizar a diferença. Outrossim, se o gestor atuou no firme propósito de evitar prejuízos eminentes, trazendo proveito ao dono do negócio ou da coisa, o dominius não poderá desaprovar a gestão.
Quanto à terceira modalidade de atos unilaterais, “pagamento indevido”, o artigo 876 do CC/02, dispõe,
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Assim, quem recebe o que não lhe é devido fica obrigado a restituir. Assim também quem recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. Ressalte-se que não se pode pedir a restituição do que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural, judicialmente inexigível. São, basicamente, três as exceções à norma contida no art. 876 do NCC. Tais exceções estão contidas nos artigos 880, 882 e 883 do CC/02, que prescrevem:
Art. 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.
Art. 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.
Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.
Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.
Dessa forma, O pagamento indevido cria para o recebedor um enriquecimento sem causa gerando para o pagador o direito de uma ação para reaver o pagamento indevido.
As principais características do pagamento indevido consistem na existência de um pagamento; na prova da inexistência de causa jurídica que justifique o pagamento, pois se não há vínculo preexistente, inexiste razão que justifique a obrigação do pagamento pelo lesado; e o lesado (aquele que pagou) deve demonstrar que cometeu um erro ao efetuar o pagamento. Tais elementos caracterizadores devem ser comprovados pelo lesado, cabendo a ele o ônus da prova. Para ter direito a ação, o pagador não deve, ainda, dispor de outro tipo de ação para que possa se valer da repetição.
O instituto do enriquecimento sem causa é muito similar ao do pagamento indevido e constitui uma fonte ou causa de obrigações. Trata-se de um acréscimo patrimonial de alguém, em prejuízo de outrem, sem justa razão, ou de modo ilícito. Dispõe os artigos 884, 885 e 886 do CC/02, que,
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
A ação cabível é a de locupletamento ilícito para a restituição do lucro indevido. Por ser subsidiária, só deve ser adotada quando a lei não dispuser de outros meios para o ressarcimento do prejuízo. Seus elementos consistem no acréscimo patrimonial de alguém, decréscimo correspondente no patrimônio de outrem, relação de causa e efeito, falta de justa causa para o fato, ausência de outras formas para o ressarcimento. A relação jurídica processual decorrente do enriquecimento sem causa, tem como sujeito ativo da ação de enriquecimento o lesado, o que sofreu prejuízo, ou ainda seus herdeiros. No pólo diametralmente oposto - o passivo, deve figurar o que auferiu riqueza indevida ao seu patrimônio ou seus respectivos sucessores. Tal ação é de natureza estritamente pessoal pois objetiva a reparação de um dano sofrido.
Por derradeiro, cumpre mencionar que o estudo dos “Atos Unilaterais” e das suas espécies é de suma relevância, pois qualquer que seja o ramo do direito, uma boa base em direito civil é essencial, posto que a doutrina das obrigações extracontratuais visa estudar relações obrigacionais nascidas de fontes não contratuais, ou seja, da declaração unilateral de vontade. Em suma, os atos unilaterais são um “quase contrato", pois prescindem de um requisito essencial que é a declaração de duas ou mais vontades.
Referencias BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009
GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil: contratos em espécie. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009
GONÇALVES, Carlos Roberto. Coleção Sinopses Jurídicas: Direito das obrigações – Parte Especial: Obrigações. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2008
Advogada. Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba - Uniube.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Elizangela Santos de. Aspectos jurídicos dos atos unilaterais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2010, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20108/aspectos-juridicos-dos-atos-unilaterais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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