Professor orientador: RODRIGO JOSÉ FILIAR: Pós-graduando em Direito Processual Civil Lato Sensu pela UNIDERP/IBDP/LFG; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; professor colaborador de Direito Processual Civil da UFMS campus de Três Lagoas
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS; 2.1. Contrato de Depósito e suas Espécies; 3 DA AÇÃO DE DEPÓSITO (ART. 901 A 906 DO CPC); 3.1. Direito à Ação; 3.2 Conceito; 3.3 Natureza Jurídica; 3.4 Legitimidade Ativa e Passiva na Ação de Depósito; 3.5 Cabimento; 3.6 Procedimento; 3.7 Competência; 4 PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL; 5 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA; 5.1. Características Gerais; 5.2 Inadimplência do devedor fiduciário e suas conseqüências; 6. SENTENÇA E EXECUÇÃO; 7. CONCLUSÃO; 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
RESUMO: Relata-se no presente artigo, as questões acerca da Ação de Depósito, prevista nos artigos 901 a 906 do Código de Processo Civil, sobre quem são as partes ativa e passiva, competência, procedimentos, natureza jurídica, sentença e execução. É feita uma abordagem sobre a prisão civil do depositário infiel já que não mais se permite a prisão por dividas no país, a não ser a do devedor de alimentos. Doutrina e Jurisprudência discordam sobre esse tema. Discorreu-se sobre a alienação fiduciária em garantia e a possibilidade de equiparação do devedor fiduciário com o depositante da ação de depósito no caso da prisão civil. Procurou-se no presente trabalho trazer discussões doutrinárias e jurisprudências acerca do tema assim como julgados.
Palavras-chave: Ação de Depósito. Prisão Civil do depositário infiel. Alienação fiduciária.
1. INTRODUÇÃO
A ação de depósito é o meio processual adequado para garantir a devolução da coisa ao autor. Depositante e depositário celebram um contrato (chamado de contrato de depósito), onde o depositário fica responsável pela guarda da coisa até ser reclamada pelo depositante. Não havendo a restituição do bem é lícito ao autor ingressar com tal ação para que a coisa lhe seja devolvida.
A propositura da ação de depósito dá origem a um processo sincrético, com predominância da fase cognitiva. O ajuizamento da ação de depósito será possível quando tratar-se de depósito regular, ou seja, de coisas infungíveis. Trata-se de um procedimento especial, que se inicia com a apresentação em juízo de uma petição inicial. Poderá o depositante requer na inicial prisão civil do depositário. O tema da prisão civil é muito debatido, em vista da grande discordância entre jurisprudência e doutrina. Discute-se também se a decretação da prisão poderá ser feita de ofício pelo juiz.
A competência para o julgamento da ação de depósito é meramente relativa, já as partes poderão mudar o foro do domicílio.
No caso da alienação fiduciária em garantia, quando o bem não for encontrado ou não estiver na posse do devedor, discute-se se há possibilidade de conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, uma vez que tal equiparação não é permitida pela atual Constituição Federal.
A sentença na ação de depósito será proferida quando o juiz verificar que há procedência no pedido. Poderá também extinguir o processo sem resolução do mérito ou declarar improcedente o pedido.
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS
2.1. CONTRATO DE DEPÓSITO E SUAS ESPÉCIES
O contrato de depósito é regulado pelo Código Civil de 2002, em seus artigos 627 a 652. De acordo com o artigo 627 do CPC, através do contrato de depósito o depositário recebe um bem móvel, para guardar, até que o depositante o reclame. Pela redação dada ao artigo, extrai-se que apenas bens móveis pode ser objeto de depósito (já que o dispositivo refere-se ao depósito voluntário). O depósito é contrato unilateral, gratuito, real e intuito personae. Eventualmente poderá ser bilateral e oneroso. Como regra geral é unilateral porque gera obrigação apenas para o depositário. É real, aperfeiçoando-se com a tradição. Intuito Personae porque só se entrega o bem à pessoa que inspire confiança.
O depósito pode ser contratual (ou voluntário), que esta regulado pelo art.627 do CC, quando resulta de um acordo de vontades entre as partes,tratando-se de um contrato gratuito, ou necessário quando não resulte de acordo entre as partes. O depósito necessário pode ser legal (quando decorre de imposição legal) ou miserável (quando se efetua por inesperada necessidade). O depósito necessário perde o caráter da gratuidade.
A finalidade principal do contrato de depósito é a guarda da coisa alheia, razão pela qual é vedado ao depositário usar o bem dado em depósito, exceto se autorizado pelo depositante.
3. DA AÇÃO DE DEPÓSITO (ART. 901 A 906 DO CPC)
3.1. DIREITO À AÇÃO
O direito de ação é um principio solidificado pela Constituição Federal no seu art.5, inciso XXXV.
3.2. CONCEITO
A ação de depósito é o meio processual apropriado a garantir a devolução da coisa ao autor, incidindo apenas sobre coisa infungível. O ponto principal da ação de depósito refere-se à obrigação do depositário de devolver a coisa, logo que solicitado pelo depositante.
Merece aqui a transcrição equivocada do conceito de ação de depósito proferida pelo ilustre professor CÂMARA (2009, p.296): “Pode-se afirmar que a ‘ação de depósito’ é o procedimento especial que tem por fim a restituição da coisa depositada que não tenha sido devolvida pelo depositante”
O que visa à ação de depósito é a restituição da coisa ao depositante, sendo o responsável por devolvê-la chamado de depositário. Houve um equívoco do professor em relação às partes.
3.3. NATUREZA JURÍDICA
Na lição do professor THEODORO JUNIOR apud CÂMARA (2009, p.296): “a propositura da ação de depósito dá origem a um processo de conhecimento”. Tem-se um processo sincrético, já que se subdivide em duas fases: uma cognitiva e outra executiva. A fase cognitiva é a destinada ao pronunciamento de sentença que determine a restituição da coisa ao depositante. Já na fase executiva há apenas a efetivação da ordem contida na sentença.
Trata-se de um processo que desenvolve, predominantemente, atividade cognitiva. Como ensina o professor CÂMARA (2009, p.297): “a atividade cognitiva é preponderante, já que- a execução limitar-se-á cumprimento de um mandado (art.904, CPC)”.
Há quem considere que a ação de depósito é uma ação executiva, razão pela qual entende que o processo instaurado com seu ajuizamento é executivo[1].
3.4. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA
A legitimidade ativa é conferida ao depositante, ou seja, a pessoa que entregou o bem à custódia do depositário. O depositário não precisa ser necessariamente o dono da coisa, bastando que exerça sua posse no momento do depósito. Para o professor Daniel Amorim Assumpção Neves (2009, p.1212), não há qualquer impedimento para que o depositante seja a pessoa jurídica e até mesmo pessoa formal. Da mesma forma são legitimados os herdeiros e sucessores do depositante (na hipótese de falecimento do depositante).
No pólo passivo figurará o depositário infiel, ou seja, a pessoa que tendo o dever de guardar o bem e restituí-lo quando solicitado não o faz. Também são legitimados os herdeiros e sucessores do depositário, bem como a pessoa jurídica.
3.5. CABIMENTO
A doutrina majoritária[2] entende ser cabível o ajuizamento da ação de depósito quando tratar-se de depósito regular (depósito de coisa infungível), não sendo adequada quando se tratar de depósito irregular (coisa fungível). É o que se pode extrair da lição doutrinária de CÂMARA (2009, p.295):
Ora sendo ‘ação de depósito’ dirigida à obtenção da coisa depositada, apenas no depósito regular, em que o depositário está obrigado a entregar a coisa cuja guarda lhe foi confiada, será adequada a utilização da’ ação de depósito’. Faltará, pois, interesse de agir (por falta de interesse-adequação) àquele que ajuizar ‘ação de depósito’ para obter a restituição, pelo depositário, de coisas fungíveis. Adequado será, nesta hipótese, ajuizar ‘ação de cobrança’, já que o depósito irregular é regido pelas mesmas regras do contrato de mútuo.
No caso de depósito irregular, em tese afasta-se aplicação do procedimento especial regendo-se pelas regras do contrato de mútuo, conforme dispõe o art. 645 do Código Civil. A jurisprudência[3] dominante tem se manifestado neste sentido.
Há uma parte minoritária da doutrina que entende ser possível o depósito de coisa fungível[4].
3.6. PROCEDIMENTO
Esse procedimento especial inicia-se com a apresentação em juízo de uma petição inicial. Esta petição deve preencher todos os requisitos genéricos previstos nos arts. 282 e 39, I, ambos do Código de Processo Civil. Além deles, deve-se observar a determinação do art.902, primeira parte: “Na petição inicial instruída com a prova literal do depósito e a estimativa do valor da coisa (...).”
A prova literal do depósito como ensina a melhor doutrina[5] não precisa necessariamente ser o contrato de depósito, bastando que seja uma prova escrita que demonstra a relação jurídica material do depósito. A prova escrita do contrato de depósito é ad probationem, e não ad solemnitatem. Trata-se de um contrato não-solene, podendo ser firmado por qualquer forma, inclusive verbalmente. Essa exigência não é conduzida ao depósito necessário e nem ao miserável. Em posição isolada na doutrina, Alexandre Freitas Câmara (2009, p.209) afirma que: a exigência da prova literal do depósito (ou seja, de começo de prova escrita) se aplica ao depósito voluntário e uma das espécies de depósito necessário, o depósito legal.
A estimativa do valor do bem, caso este não conste no contrato, trata-se de exigência para a fixação do valor da causa bem como para permitir ao réu a consignação do valor do bem em dinheiro quando impossível a restituição da coisa in natura.
Estando regular a petição inicial, o juiz determinará a citação do réu por meio das formas legais previstas no art.222 do CPC, para que no prazo de 5 (cinco) dias adote uma das quatro posturas: entregar a coisa, depositá-la em juízo, consignar-lhe o equivalente em dinheiro ou contestar a ação( art.902,segunda parte,incisos I e II).
Entregando a coisa, réu estará reconhecendo a procedência do pedido e cumprindo com sua obrigação. Nesse caso, caberá ao juiz prolatar a sentença de mérito, de acordo com o art.296, II, do CPC. Depositando a coisa em juízo, o réu isenta-se dos riscos e ônus de ter a coisa sob sua guarda, passando tal obrigação ao depositário judicial. Esta conduta do réu justifica-se quando ele pretende contestar, alegando não ter se recusado a entregar a coisa ao depositante. Poderá o depositário consignar o equivalente em juízo ao valor da causa. Na lição de CÂMARA (2009, p.302): “tal depósito se justifica quando, por exemplo, pretende o demandado contestar alegando impossibilidade física ou jurídica da restituição da coisa que não decorra de caso fortuito ou força maior”.
Quando a coisa for depositada em juízo e não for oferecida contestação, o depósito equivalerá à entrega. Poderá constar também na petição inicial, como meio de coerção, o requerimento da prisão civil do depositário infiel. É preciso anotar que as considerações que serão feitas sobre a prisão civil do depositário infiel só terão relevância para os que não adotam o entendimento do Supremo Tribunal Federal, já que este tipo de prisão não é admitido no Direito brasileiro. A este tema voltaremos mais adiante.
A prisão civil não é pena, mas meio de coerção que busca a efetiva restituição da coisa depositada.
Para o professor Misael Montenegro Filho (2010, p.217): “a cominação da pena prisional não é automática, não podendo ser imposta de ofício pelo magistrado”. Compartilhando dessa corrente THEODORO JUNIOR apud MONTENEGRO FILHO (2009, p. 217) com o seguinte ensinamento:
como faculdade da parte que é, o juiz não pode ex officio decretar a prisão do depositário infiel. Terá de aguardar a provocação de depositante, que tanto poderá ocorrer na petição inicial como na fase ulterior do processo, como por exemplo,após a frustração do mandado de entrega expedido por força da sentença. O pedido, em sentido técnico, na ação de depósito é o de restituição da coisa depositada. A prisão é apenas um dos instrumentos manipuláveis, na fase executória do procedimento, para atingir-se o desiderato da prestação jurisdiciona.
Também de acordo com o ensinamento de THEODORO JÚNIOR está o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entendendo que o requerimento da prisão civil, não sendo feito na inicial, poderá ser feito depois do não cumprimento de mandado de execução de sentença condenatória.
Em sentido contrário, entendo que só caberá a decretação da prisão civil na ação de depósito se esta for requerida na inicial, não podendo o autor, a qualquer tempo da ação requisitá-la nem poderá ser decretada ex officio pelo magistrado, está a lição de Ernane Fidélis dos Santos[6].
Não sendo feito o requerimento da prisão esta não poderá ser decretada, pois implicaria em julgamento extra petita, não sendo admitida a atividade jurisdicional fora dos limites do pedido. A prisão civil não é indispensável à ação de depósito, tratando-se de mera faculdade do credor.
Oferecida a contestação, acompanhada ou não do depósito, o procedimento se converte em ordinário. O réu poderá contestar o pedido do autor (art.902, II do CPC) sendo cabível a alegação de qualquer matéria defensiva. As matérias tratadas no art.902, § 2, do CPC, são exemplificativas, podendo o réu apresentar outras espécies de resposta, como por exemplo, a reconvenção.
3.7. COMPETÊNCIA
Tratando-se de ação de natureza pessoal, é competente o foro domicílio do réu (art.94, CPC). As partes, através do contrato, poderão estipular foro diverso, modificando o estabelecido no art.94 do CPC. Segundo o professor Montenegro Filho(2010, p.216), trata-se de competência meramente relativa.
4. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL
Uma das características mais acentuadas do procedimento especial da ação de depósito é a possibilidade de prisão civil, caso o depositário não restitua a coisa ao depositante. A prisão civil encontra-se prevista no art.652 do CC de 2002, não podendo ser excedente. É uma das modalidades de prisão civil por dívida admitida pela Constituição Federal, como se vê pela leitura do inciso LXVII do art.5.
Como já foi dito, a prisão civil não é fundamental ao procedimento da ação de depósito, tratando-se de mera faculdade do credor. Da leitura do art.902 do CPC extrai-se que não se trata de prisão-pena, mas um meio de coerção destinado a constranger o depositária para que restitua o bem ao depositante. Para ser decretada é necessário a existência de um pedido, não podendo o juiz decretá-la de ofício, pois configuraria julgamento extra petita.
Feito o requerimento da prisão na petição inicial, o juiz na sentença de procedência, determinará ao depositário que restitua a coisa, sob cominação de prisão. Caso o depositário não restitua a coisa, será decretada sua prisão. Nesse momento será decretado também o tempo de duração da prisão, não excedente de um ano. Caso a coisa seja devolvida ao depositante e estando o réu preso, será concedida imediatamente a sua soltura.
Existe uma grande discussão na doutrina e jurisprudência a respeito da possibilidade de prisão civil do depositário infiel.
De acordo com o § 2º do art. 5 da CF, os direitos e garantias expressos não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais. Para DALARI apud PIOVESAN (2009, p.52):
Essa norma constitucional, concebida precipuamente para disciplinar situações no âmbito interno do País, pode e deve ser vista, se associada ao inciso II do art.4, como instrumento que procura dar coerência à sustentação do princípio constitucional de relações exteriores em pauta e que, por isso mesmo, possibilita ao Brasil intervir no âmbito da comunidade internacional não apenas para defender a assunção de tal princípio, mas também para, em um estágio já mais avançado, dar-lhe materialidade efetiva.
O Pacto de San José da Costa Rica, aderido pelo Brasil em 1992, determina em ser art.7, n. 7, que a prisão civil é exclusividade do devedor de alimentos. O Brasil também ratificou o Tratado Internacional dos Direitos Civis e Políticos. A partir de 2008, o Supremo Tribunal Federal passou a considerar que o Pacto de San José da Costa Rica tem status de norma constitucional. De acordo com o professor NEVES (2009, p.1216), o status normativo dos tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional que com ele conflite. O STF, portanto, decidiu pela impossibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel.
É o que se observa na jurisprudência da Corte Suprema Brasileira, in verbis:
Informativo nº 0418
Período: 30 de novembro a 4 de dezembro de 2009.
Corte Especial
REPETITIVO. PRISÃO CIVIL.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 7º, § 7º, vedou a prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese do devedor de alimentos. Contudo, a jurisprudência pátria sempre admitiu a constitucionalidade do art. 5º, LXVII, da CF/1988, o qual prevê expressamente a prisão do depositário infiel. Isso em razão de o referido tratado internacional ter ingressado em nosso ordenamento jurídico na qualidade de norma infraconstitucional, porquanto, com a promulgação da Constituição de 1988, inadmissível seu recebimento com força de emenda constitucional. A edição da EC n. 45/2004 acresceu ao art. 5º da CF/1988 o § 3º, estabelecendo novo panorama nos acordos internacionais relativos a direitos humanos em território nacional. A CF/1988, de índole pós-positivista e fundamento de todo o ordenamento jurídico, expressa, como vontade popular, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados, municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária. O Pretório Excelso, realizando interpretação sistemática dos direitos humanos fundamentais, promoveu considerável mudança acerca do tema em foco, assegurando os valores supremos do texto magno. O órgão pleno da Excelsa Corte, por ocasião do histórico julgamento do RE 466.343-SP, Relator Min. Cezar Peluso, reconheceu que os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordinária, ostentando status normativo supralegal, o que significa que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade, máxime em face do efeito paralisante dos referidos tratados em relação às normas infralegais autorizadoras da custódia do depositário infiel. Dessa forma, no plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade. Precedentes citados do STF: RE 253.071-GO, DJ 29/6/2001; RE 206.482-SP, DJ 5/9/2003; HC 96.772-SP, DJe 21/8/2009; do STJ: RHC 26.120-SP, DJe 15/10/2009; HC 139.812-RS, DJe 14/9/2009; AgRg no Ag 1.135.369-SP, DJe 28/9/2009; RHC 25.071-RS, DJe 14/10/2009; EDcl no REsp 755.479-RS, DJe 11/5/2009; REsp 792.020-RS, DJe 19/2/2009, e HC 96.180-SP, DJe 9/2/2009. REsp 914.253-SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2/12/2009. (grifo nosso).
Assumindo posição isolada na doutrina está o ensinamento de CÂMARA (2009, p.308), entendendo, ainda hoje, ser possível a decretação da prisão civil do depositário infiel.
Com a Emenda Constitucional n.45, houve a inserção no art.5 da Carta Magna, do § 3, dispondo que: ”Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Na visão do professor, tal disposição não poderá retroagir para atribuir tal eficácia a tratados que foram anteriormente ratificados, sem que estes se submetam ao procedimento legislativo em vigor. Portanto, tais tratados têm status infraconstitucional, não podendo modificar a vontade do poder constituinte.
O que prevalece no Direito Brasileiro é a posição assumida pela Corte Suprema, não sendo admitida a prisão civil do depositário infiel.
5. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA
5.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS
A alienação fiduciária trata-se de instituto de direito material. Dispõe o art.1.361 do CC, com a seguinte redação: “Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.” Por meio do contrato de alienação fiduciária o alienante (também chamado de credor fiduciário) da coisa móvel infungível, guarda a posição de proprietário da coisa até que o devedor fiduciário efetue o pagamento integral do bem em seu valor (MONTENEGRO FILHO, 2010, p.221). O devedor fiduciário pode usar a coisa, desde que zele pela sua conservação, se comprometendo a entregá-la caso não haja o pagamento da dívida. O devedor assume a posição de possuidor direto da coisa.
Feito o pagamento total do preço, o devedor fiduciário passa a ser proprietário da coisa móvel infungível.
5.2. INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR FIDUCIÁRIO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
Comprovada a mora ou inadimplemento do devedor, poderá o credor ingressar com ação de busca e apreensão, processualmente regulada pelo Decreto-lei n. 911/69.
De acordo com o art.3 do referido Decreto-lei, a ação de busca e apreensão, é o procedimento especial adequado para a obtenção de tutela jurisdicional em favor do credor de contrato de alienação fiduciária em garantia, nos casos de mora ou inadimplemento do devedor.
Não sendo encontrado o bem alienado fiduciariamente ou não estando ele na posse do devedor, é licito ao credor requerer a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito (art.4 do Decreto-lei n.911/69). Quando for feito o requerimento o demandado será citado, não mais para ação de busca e apreensão, mas para ação de depósito.
Sobre o tema da prisão civil do devedor no caso de alienação fiduciária em garantia divergem doutrina e jurisprudência[7]. Mais uma vez é preciso ressaltar que de acordo com e entendimento do Supremo Tribunal Federal, só é admitida a prisão civil do devedor de alimentos. O legislador do Decreto-lei 911/69, equiparou o devedor da alienação fiduciária em garantia ao depositário. O regime constitucional anterior admitia a prisão civil por dívida do devedor de alimentos e do depositário infiel. Admitia-se a equiparação de certos devedores ao depositário infiel, através de lei ordinária. A Constituição Federal vigente não admite tal equiparação.
O devedor na alienação fiduciária em garantia não pode ser visto como depositário, já que o depositário não pode- salvo expressa autorização do depositante- usar a coisa que lhe foi confiada. No contrato de depósito os riscos da coisa correm por conta do proprietário (res perit domino), já na alienação fiduciária em garantia os riscos da coisa correm por conta do devedor, ainda que o perecimento tenha ocorrido por motivo de caso fortuito ou força maior.
Como se vê, não há depósito na alienação fiduciária em garantia, excluindo, portanto a possibilidade de decretação de prisão, ao menos como meio de coerção previsto no Decreto-lei n.911/69.
6. SENTENÇA E EXECUÇÃO
Após a instrução probatória, quando for necessária, poderá o juiz extinguir o processo por força do art. 329 do CPC, ou proferir o julgamento imediato do mérito, com base no disposto no art. 330 do CPC. Se o processo for extinto sem resolução do mérito ou for improcedente o pedido, nada haverá de especial na sentença. Porém, sendo o pedido procedente, a sentença deverá conter especificidades.
O pedido feito na demanda é o de restituição da coisa depositada, podendo vir acompanhado do requerimento de cominação de prisão civil do devedor.
Há divergências na doutrina quanto à natureza da sentença. Na lição do professor CÂMARA (2009, p.308), “a sentença que julga procedente o pedido é condenatória, já que impõe ao vencido o cumprimento da obrigação de restituir a coisa depositada”. Não há necessidade de instauração de um novo processo (o executivo), para que possa ser efetivada a determinação contida na sentença. Trata-se, repetindo, de um processo sincrético, onde se identificará duas fases: uma cognitiva e uma executiva. Portanto a execução se dará como uma segunda fase desse processo, não havendo necessidade de instauração de um novo processo. Há quem entenda ser a sentença executiva lato sensu[8].
É importante ressaltar que a sentença na ação de depósito não coloca termo ao processo, nem mesmo no primeiro grau de jurisdição. Merece transcrição o conceito de sentença proferido por CÂMARA (2009, p.309), para quem: “Sentença é o provimento jurisdicional que põe termo ao ofício de julgar do magistrado, resolvendo ou não o mérito da causa”. Quando proferida a sentença, encerra-se o ofício de julgar do magistrado.
De acordo com o art.904 do CPC, julgado procedente o pedido do autor, o juiz expedirá mandado, para que no prazo de vinte e quatro horas, seja entregue a coisa ou o seu equivalente em dinheiro. Tal sentença é impugnável por meio de apelação com efeito suspensivo, não podendo o juiz, neste caso, expedir de imediato o mandado mencionado pelo art.904 do CPC.
Transitada em julgado a sentença, ou recebido o recurso sem efeito suspensivo, poderá ser expedido o mandado de entrega da coisa. Expedido o mandado e intimado o depositário, terá este vinte e quatro horas para restituir a coisa ou o seu equivalente em dinheiro. A entrega do equivalente em dinheiro só será feita quando for impossível a restituição in natura da coisa depositada, desde que essa impossibilidade não decorra de caso fortuito ou força maior.
Descumprindo tais hipóteses, poderá o juiz decretar sua prisão, por prazo que não excederá a um ano. A prisão se será concedida se for requerida pelo autor, não podendo o juiz decretá-la de ofício.
A prisão é apenas um meio coercitivo e não meio de garantia da satisfação do direito do autor. Poderá o depositante nos moldes do art.905 do CPC, ainda que tenha havido a prisão civil do depositário, requerer a busca e apreensão da coisa depositada.
Sendo a coisa entregue ao depositante, por força do mandado de busca e apreensão ou entregue voluntariamente pelo réu, será o réu solto (se estava preso), sendo-lhe restituído depósito que eventualmente tivesse feito.
Poderá o autor desistir de receber a coisa depositada, como por exemplo, quando a coisa não for encontrada ou verificando-se impossível sua entrega in natura. Nestes casos, com base na sentença condenatória, que deverá conter o valor da coisa depositada, será possível ajuizar demanda executiva, que dará inicio a uma fase de execução por quantia certa de acordo com a redação do art. 310 do CPC, que será complementar do mesmo processo em que foi proferida a sentença.
7. CONCLUSÃO
De todo o exposto extrai-se que a ação de depósito é o meio processual adequado para satisfazer a pretensão do autor, que nesse caso trata-se da restituição da coisa. A principal finalidade de tal ação é a obrigação do depositário de devolver a coisa ao depositante. A ação de depósito é uma típica demanda de conhecimento, já que é essa fase que prevalece no processo, sendo que tal ação é direcionada à certificação do direito do autor.
Em relação à prisão civil do depositário infiel, já decidiu o Supremo Tribunal Federal pela sua não aplicação. O Pacto de San José da Costa Rica, aderido pelo Brasil em 1992, proíbe a prisão civil do depositário infiel. Tal pacto possui status de norma constitucional, tornando-se inaplicável a legislação infraconstitucional que com ele conflite. Fica, portanto, vetada a prisão civil por dívidas do depositário infiel, mantendo-se a do devedor de alimentos.
A equiparação do devedor da alienação fiduciária em garantia com o depositário não é permitida. A Constituição Federal não permite tal equiparação, já que o devedor na alienação fiduciária em garantia não pode ser visto como depositário, uma vez que ao depositário não é permitido usar os bens, devendo somente zelar por sua guarda.
Quanto à sentença, trata-se de sentença condenatória, já que impõe ao vencido o cumprimento da obrigação, não havendo necessidade de instauração de um novo processo, o executivo, para que possa ser efetivada a determinação contida na sentença.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2009, v.III.
FERREIRA, Múrcio Kleber Gomes. Decretação de prisão civil pelo juiz, sem pedido na inicial da ação de depósito. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=837. Acesso em 01/06/2010.
GOLFETTO, Bruno César de Oliveira. Da Ação de Depósito e o Processo Judicial Tributário.http://www.forumjuridico.org/topic/9968-da-acao-de-deposito-e-o-processo-judicial-tributario. Acesso em 02/06/2010.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v.III.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Método, 2009.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
[1] Esta é a posição do professor Silva apud Câmara (2009, p.296).
[2] Entende desse modo: Couto e Silva; Furtado Fabríci; Baptista da Silva; Nélson Hanada apud Câmara (2009, p.297).
[3] Acórdão 2 Grupo TAPR, embargos infringentes n. 105.014-6/01, rel. designado Juiz Rabello Filho, in RT759/388; 3. Turma do STJ, REsp n.109654/GO, rel,. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; 5. Turma do STJ, Recurso em Habeas Corpus n.7119/SP, rel. Min. Edson Vidigal, apud Câmara (2009, p.297).
[4] Fidélis dos Santos apud Camara (2009, p.297).
[5]Marinoni-Mitidiero; Fidélis dos Santos apud Neves (2009, p.1213).
[6] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=837, Múrcio Kleber Gomes Ferreira, Decretação de prisão civil pelo juiz, sem pedido na inicial da ação de depósito. 01/06/2010.
[7] Admite a prisão civil do devedor da alienação fiduciária FERREIRA FILHO apud CÂMARA (2009, p.305). Contra, não admitindo tal prisão, AZEVEDO apud CÂMARA (2009. p.305). Na jurisprudência, admite a prisão civil neste caso o STF, como se vê, por exemplo, no acórdão proferido no HC 77616/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 22/9/1988. Posteriormente o STF reafirmou esse entendimento: RE 345345/SP. Rel. Sepúlveda Pertence, j. 25/2/2003. O STJ também já admitiu a prisão civil do devedor na alienação fiduciária, como se vê no REsp 164858/SP, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, onde se afirma ser este o entendimento do Órgão Especial daquela Corte. Posteriormente, porém, a 4. Turma do STJ alterou seu entendimento sobre o tema, passando a não mais admitir a prisão civil nesta hipótese, como se vê pelo acórdão proferido no REsp 196058/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 23/2/1999. Esse entendimento continua a prevalecer no STJ: HC 62349/DF, rel. Min. Massami Uyeda, j. 7/11/2006 apud CÂMARA (2009, p.305-306).
[8] Furtado Fabrício; Baptista da Silva apud CÂMARA (2009, p.308).
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Laura Vieira da S. Da ação de depósito e prisão civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2010, 01:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20161/da-acao-de-deposito-e-prisao-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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