1.1 Breve introdução sobre os princípios
Princípios são normas jurídicas que incorporam valores, apresentando grau de generalidade e de abstração superior ao das regras. Entende-se que, ao incorporar valores, terá havido uma opção da sociedade, que, por si só, já os legitimaria.[1]
A própria palavra princípio remete à idéia de verdades primeiras, aquilo que está no começo de tudo, a base.[2] Dessa significação pode-se extrair que os princípios dão coesão, unidade e imprimem harmonia ao sistema, desempenhando, muitas vezes, o papel de vetores interpretativos.[3]
Nas palavras de Daniel Sarmento: “Os princípios representam as traves-mestras do sistema jurídico, irradiando seus efeitos sobre diferentes normas servindo de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que radicam.”
E prossegue esclarecendo que os princípios “possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais nitidamente os valores jurídicos e políticos que condensam.”[4]
Em função do grau de generalidade e abstração que possuem, os princípios comportam uma série indefinida de aplicações, o que termina por possibilitar que dois ou mais princípios incidam sobre uma mesma situação, por vezes sinalizando em direções opostas. Isso porque, como dito, tais normas incorporam valores e, “como pode haver colisão entre valores, pode, correlatamente, haver colisão entre princípios”.[5] Assim preleciona Jane Reis, recorrendo ao mestre Norberto Bobbio:
As ordens constitucionais contemporâneas ostentam substratos éticos complexos. Já se tornou corriqueiro afirmar que os valores e opções políticas expressados nas Constituições atuais são variados e, muitas vezes, antagônicos, o que faz com que tenham uma tendência natural a colidir. No dizer de Norberto Bobbio, ‘nossos sistemas jurídicos não são sistemas éticos unitários
[...]; eles não se fundam num único postulado ético, ou sobre um grupo de postulados coerentes, mas sistemas com muitos valores e esses são muitas vezes antinômicos entre si’.[6]
Por isso, afirma-se que os princípios possuem uma dimensão de peso, que, diante de um caso concreto, será identificado a fim de que se alcance uma solução de maneira a não sacrificar nenhum dos princípios colidentes, sempre que possível.
Mais uma vez recorremos aos ensinamentos de Daniel Sarmento para melhor explicitar a questão:
[...] os princípios são dotados de uma dimensão de peso. Tal característica revela-se quando dois princípios diferentes incidem sobre determinado caso concreto, entrando em colisão. Nesta hipótese, o conflito é solucionado levando em consideração o peso relativo assumido por cada princípio dentro das circunstâncias concretas presentes no caso, a fim de que se possa precisar em que medida cada um cederá espaço ao outro.
[...]
Há uma ponderação entre os princípios e não a opção pela aplicação de um deles, em detrimento do outro.[7]
1.2 Princípio da unidade da Constituição e inaplicabilidade do método subsuntivo aos conflitos entre princípios constitucionais
A conclusão a que se chegou no tópico anterior impõe-se tendo em vista o princípio da unidade da Constituição. Se a Carta Magna é responsável, enquanto fundamento de validade de todas as normas, por assegurar a coerência interna do ordenamento jurídico de uma sociedade, em que cada parte deve ser compreendida à luz das demais, constituindo um todo coeso, também ela deve guardar tal unidade. Sendo a Constituição o produto dialético do confronto de crenças, interesses e aspirações distintos, deve o seu intérprete buscar sempre harmonizar os diversos dispositivos constitucionais, os quais, em determinado caso concreto, podem se apresentar colidentes.
O princípio da unidade da Constituição foi formulado exatamente em função desta pluralidade de concepções, apresentando-se como decorrência natural da soberania do Estado, face à impossibilidade de coexistência de mais de uma ordem jurídica válida e vinculante no âmbito de seu território.
Portanto, o referido princípio impõe ao intérprete, na resolução de um caso concreto, que olhe para a Lei Fundamental como um todo e procure a solução que apresente a menor restrição possível às normas em confronto, harmonizando suas tensões e contradições. Em tal situação, raramente terão alguma serventia os critérios clássicos de resolução de antinomias, quais sejam, o cronológico, o hierárquico e o de especialidade. Isso porque todos estes métodos buscam excluir uma das normas em confronto para que a outra prevaleça, permitindo que a ela se subsuma a situação concreta analisada.
Assim, de acordo com a técnica da subsunção, tendo em vista sua lógica unidirecional (premissa maior – premissa menor), o intérprete:
somente poderia trabalhar com uma das normas, o que importaria na escolha de uma única premissa maior, descartando-se as demais. Tal fórmula, todavia, não seria constitucionalmente adequada: por força do princípio instrumental da unidade da Constituição, o intérprete não pode simplesmente optar por uma norma e desprezar outra em tese também aplicável, como se houvesse hierarquia entre elas.[8]
Neste contexto, o método da ponderação de princípios revela-se como o mais apropriado para solucionar conflitos dessa espécie, podendo ser definida como a “técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais.”[9]
Esclarece Ana Paula de Barcellos:
Ora, além de as técnicas tradicionais de solução de antinomias não serem capazes de resolver essa espécie de conflito, também os elementos clássicos de interpretação – que, ao delinearem o sentido dos elementos normativos em tensão, poderiam superar o impasse – têm aplicação limitada. É fácil entender a razão. Como se acaba de registrar, a definição do próprio sentido e alcance dos enunciados normativos nesses casos depende de escolhas entre valores ou opções políticas em confronto, todos refletidos de forma mais ou menos intensa no sistema constitucional. Ocorre que, em geral, os critérios para essas escolhas não podem ser extraídos facilmente do texto ou do sistema. Qual o fundamento para decidir entre eles, então? O critério teleológico tem pouca utilidade, já que não é possível apurar uma única finalidade com clareza. Os demais elementos, como o lógico e o sistemático, igualmente enfrentam problemas: o mesmo texto e o mesmo sistema fornecem elementos que podem sustentar diferentes conclusões. Diante de hipóteses assim, a subsunção é insuficiente e a ponderação parece ser a única forma de superar o conflito e chegar a uma decisão.[10]
Também nesse sentido posiciona-se Luís Roberto Barroso, ao definir a técnica que ora se propõe como única viável:
A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas.[11]
Entretanto, a utilização da ponderação como forma de resolução de conflitos normativos não é pacífica na doutrina, sendo alvo de diversas críticas. Costuma-se afirmar que a técnica não oferece parâmetros para que se possa verificar a correção da ponderação realizada, o que ensejaria arbitrariedades diante do subjetivismo desmedido a ela inerente. Aduz-se, ainda, que a ponderação comporta uma excessiva imprevisibilidade, ameaçando os direitos fundamentais. E, por fim, argumenta-se que a técnica somente pode ser realizada pelo Poder Legislativo, pois o Poder Judiciário não possui legitimidade para sopesar vantagens e desvantagens, violando o princípio da separação de Poderes.
Vejamos então os métodos propostos em substituição à ponderação.
1.3 Métodos alternativos à ponderação para solução de conflitos entre princípios constitucionais: da sua inconsistência
Em primeiro lugar, a doutrina dos limites imanentes advoga que “cada direito apresenta limites lógicos, imanentes, oriundos da própria estrutura e natureza do direito e, portanto, da própria disposição que o prevê.”[12] Identificados os limites imanentes de cada direito, estaria dissipada a antinomia aparente enfrentada pelo intérprete, eis que a situação apenas aparentemente encontrava-se no âmbito de duas normas, quando na verdade os limites imanentes de uma delas já a havia pré-excluído.
Indicam-se como exemplos as seguintes hipóteses: a possibilidade de realizar sacrifícios humanos ou de casar mais de uma vez face à liberdade religiosa; a permissão para furtar material de pintura ou para matar um ator no palco diante da liberdade artística; não pagar impostos em função do direito de propriedade; o poder de espancar os filhos diante do direito de educar; dentre outros. Nestes casos, o próprio preceito constitucional não resguardaria essas formas de exercício do direito fundamental, ou seja, a própria Constituição excluiria tais situações do âmbito de sua proteção.
Daniel Sarmento, embora admita a técnica da ponderação, afirma que esta somente será utilizada quando estiver de fato caracterizada a colisão entre ao menos dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto, sustentando que “deve o intérprete buscar a demarcação do campo normativo de cada princípio envolvido, para verificar se a hipótese está realmente compreendida no âmbito de tutela de mais de um deles.”[13] Esta verificação se daria através da identificação dos limites imanentes de cada direito, só restando configurado o conflito se a situação concreta se contiver no interior dos limites imanentes de mais de uma norma constitucional.
Embora razoável, a doutrina dos limites imanentes não apresenta um nível de subjetividade menor que o da ponderação, pois não há um método específico para determinar esses limites; “sua percepção é considerada quase intuitiva e está relacionada com a evidência desses limites para o senso comum.”[14]
O segundo método apresentado como alternativo à ponderação é o chamado conceptualismo. Tal método nega a existência de conflitos entre direitos fundamentais, afirmando que estes:
devem ser compreendidos não como vetores em oposição, mas de forma integrada, cada qual ocupando um espaço e desempenhando um papel na construção do bem-estar do homem dentro da sociedade. De acordo com essa concepção, cada direito corresponde a um conceito jurídico associado a determinados fins e fruto de uma história. Compreendidos dessa forma, os direitos fundamentais e as exigências coletivas se completam e formam uma unidade lógica, não havendo espaço para conflito.[15]
Por fim, parcela da doutrina defende a adoção da técnica da hierarquização, em que se propõe a construção de uma tabela hierárquica ou de importância entre os enunciados normativos, especialmente os constitucionais. Diante de um conflito, o intérprete disporia de um elemento objetivo para decidir qual das normas deveria ceder, fornecido pelas diferentes posições dos enunciados em disputa na escala hierárquica.[16]
Observa-se, do exposto, que tais teorias, ditas alternativas, não escapam de empregar um raciocínio ponderativo em algum momento, seja na determinação dos limites lógicos de cada conceito, na construção do conceito do direito ou na formulação da escala hierárquica.
O terceiro método, aliás, apresenta ainda um impeditivo: a impossibilidade de se estabelecer uma hierarquia em abstrato entre todas as disposições constitucionais, especialmente entre os direitos fundamentais, porquanto não se dispõe de um fundamento axiológico apto a justificar a hierarquização, além de não ser esta capaz de lidar com diferentes manifestações de um mesmo direito.[17]
Conclui-se, portanto, que as referidas técnicas escamoteiam uma verdadeira ponderação de interesses pautada por juízos morais, não sendo, entretanto, explicitada nas razões da decisão. Neste ponto, a técnica da ponderação mostra-se claramente mais vantajosa, pois, embora sejam inevitáveis os juízos de valor, o método confere transparência ao processo de decisão, ao trazer a lume as apreciações valorativas efetuadas pelo magistrado.[18]
À falta de técnica mais profícua, incumbe à doutrina buscar resolver as imprecisões do método da ponderação passíveis de crítica.[19]
Não há dúvida de que o princípio da motivação das decisões judiciais é um grande aliado nesta luta pela correção das imperfeições da ponderação. Se toda decisão judicial deve ser motivada, com mais razão ainda deve ser aquela que se vale da técnica ora em questão, a fim de que sejam evitados voluntarismos; “é absolutamente indispensável que o julgador exponha analítica e expressamente o raciocínio e a argumentação que o conduziram a uma determinada conclusão, permitindo assim que as partes possam controlá-la.”[20]
Vale transcrever os ensinamentos de Rogério Gesta Leal:
É de tal importância a exigência de observância deste princípio que a Carta Política tem como nula toda e qualquer decisão judicial que se ressente de fundamentação, o que se afigura como um elemento de ampliação da segurança jurídica notadamente social e da cidadania, garantindo-lhe estar consciente das razões pelas quais o Estado está decidindo algo que, direta ou indiretamente, possa lhe atingir. Daí a advertência de Radamés de Sá, ao dizer que ‘garante tal princípio a inviolabilidade dos direitos em face do arbítrio’.[21]
1.4 Ponderação, concordância prática e proporcionalidade
Inicialmente, a ponderação era vista pelos juristas com certo receio, pois se considerava que a técnica não apresentava critérios minimamente objetivos, ao contrário da concordância prática, doutrina alemã cujo principal instrumento é o princípio da proporcionalidade e que visa a harmonizar os bens em conflito, sacrificando-se, de forma mínima, cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição. Posteriormente, contudo, passou-se a identificar ambas as técnicas, pregando-se que “a ponderação deve, sempre que possível, buscar a concordância prática”.[22]
Assim, pode-se definir a ponderação como a:
operação hermenêutica pela qual são contrabalançados bens ou interesses constitucionalmente protegidos que se apresentem em conflito em situações concretas, a fim de determinar, à luz das circunstâncias do caso, em que medida cada um deles deverá ceder ou, quando seja o caso, qual deverá prevalecer.[23]
Logo, se a ponderação é identificada com a concordância prática e esta apresenta como principal instrumento o princípio da proporcionalidade, ao se deparar com um conflito entre princípios deve o intérprete recorrer a este último.
Importante acrescentar a advertência feita pelo jurista alemão Robert Alexy no sentido de que a proporcionalidade não é, na realidade, um princípio, no sentido anteriormente exposto, vez que não pode ser entendida como comando de otimização, como norma cujo cumprimento pode se dar em diferentes graus.[24]
Porém, tendo em vista o fato de tal nomenclatura já estar arraigada em nosso meio jurídico, não vemos problema em continuar a utilizá-la, caracterizando a proporcionalidade como um princípio constitucional instrumental que estabelece uma estrutura de aplicação de outros princípios, desde que se mantenha em mente a observação feita acima.
A doutrina alemã, berço do princípio da proporcionalidade, o decompôs em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Para que uma medida seja considerada proporcional, deve obrigatoriamente ultrapassar estas três fases, analisadas nessa ordem por razões práticas.
O subprincípio da adequação ou idoneidade exige que a medida emanada do Poder Público seja apta a atingir os fins que a inspiraram, ou seja, examina-se a idoneidade da medida para a consecução da finalidade perseguida pelo Estado.[25]
Já o subprincípio da necessidade impõe que o Poder Público adote sempre a medida menos gravosa possível para alcançar determinado objetivo; incumbe, pois, ao intérprete verificar se existe ou não outra medida menos gravosa aos direitos e interesses da coletividade.
Sublinhe-se que eventuais meios menos gravosos de se alcançar a finalidade perseguida somente poderão ser considerados se igualmente eficazes em seu intento. Veja-se o que diz a propósito Jane Reis:
[...] a aferição do atendimento ao requisito da necessidade opera-se em duas fases: primeiro, o intérprete deverá examinar se os meios cogitados são igualmente idôneos ao adotado pelo legislador e, em seguida, deverá perquirir se algum desses meios alternativos afeta os direitos fundamentais em menor escala.[26]
Por fim, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito determina a análise da relação custo-benefício ao se adotar a medida restritiva, ou seja, o ônus imposto por ela deve ser inferior ao benefício gerado. Deve o intérprete comparar os efeitos negativos e positivos da medida, ponderando, de um lado, interesses protegidos com a sua adoção e, de outro, bens jurídicos restringidos ou sacrificados com ela. Cabe a ele, portanto, eleger o lado para o qual a balança deve pender, determinando se o atendimento à finalidade buscada pela medida restritiva compensa os prejuízos que desta advenham para os direitos fundamentais. Inevitavelmente haverá neste processo certa dose de subjetivismo, razão pela qual se deve evitar a substituição da ponderação realizada pelo legislador por aquela efetuada pelo órgão judicial. Contudo, como já aduzido, nem sempre, senão na maior parte das vezes, será possível dispensar esta última.
Vale transcrever mais uma vez as observações de Jane Reis:
Essa comparação tem por objeto, de um lado, o direito fundamental restringido e, de outro, o direito fundamental ou princípio constitucional cuja realização é buscada por meio da medida restritiva.
[...] Primeiramente, cabe ao intérprete identificar a intensidade da restrição ao direito fundamental. Em segundo lugar, deverá ser determinada a importância da realização do princípio antagônico ao direito, que fundamenta a restrição. E, por fim, caberá verificar se a importância da realização do fim perseguido é apta a justificar a intervenção no direito fundamental.[27]
Lembre-se ainda que, ao optar por um dos princípios, o intérprete não está rechaçando o outro do sistema e, preferencialmente, nem mesmo do caso concreto analisado, já que, por possuírem uma dimensão de peso, podem ser aplicados em maior ou menor grau.
Nesse sentido manifesta-se o douto jurista Ronald Dworkin, citado por Leonardo de Faria Beraldo:
O aplicador do Direito opta por um dos princípios, sem que o outro seja rechaçado do sistema, ou deixe de ser aplicado a outros casos que comportem sua aceitação. Ou seja, afastado um princípio colidente, diante de certa hipótese, não significa que, em outras situações, não venha o afastado a ser aproximado e aplicado em outros casos. As testilhas entre princípios não os excluem da ordem jurídica, apenas os afastam diante de situações que comportem diferentes soluções, segundo o peso e a importância dos princípios considerados à aplicação do direito.[28]
Como dito, os princípios devem, preferencialmente, ser harmonizados, preservando-se a influência de ambos sobre a situação, embora em graus distintos. Contudo, haverá hipóteses em que referida harmonização, a despeito de todo o esforço empregado pelo intérprete, revelar-se-á absolutamente inviável. Nestes casos, um dos princípios em confronto deverá ceder espaço ao outro, sempre com a ressalva de que não será expelido da ordem jurídica, e sim afastado naquele caso concreto.
Assim se posiciona Ana Paula de Barcellos:
É necessário reconhecer que haverá hipóteses em que, depois de percorridas as etapas anteriores da ponderação, simplesmente não será possível obter qualquer harmonização dos elementos em disputa: um afastará totalmente o outro e será preciso escolher entre eles. A não incidência em nenhuma medida de um enunciado válido e pertinente em determinado caso, não afastado por qualquer das exceções admitidas pela ordem jurídica, constitui uma quebra de sistema e deve, tanto quanto possível, ser evitada. De toda sorte, quando se tratar de um resultado inevitável, o processo de ponderação continuará a ser uma ferramenta importante de ordenação e fundamentação de escolha entre as soluções propugnadas pelos enunciados conflitantes.[29]
1.5 Ponderação ad hoc X Ponderação abstrata
Como visto até agora, a ponderação de princípios deve ser realizada diante de um caso concreto, quando se constatar um conflito entre interesses igualmente protegidos pelo ordenamento. Isto porque, como ensina Robert Alexy, citado por Daniel Sarmento, não há, a priori, uma hierarquia entre os princípios; a prevalência de cada um deles na solução do problema jurídico dependerá das circunstâncias específicas do caso analisado. Ao contrário das regras, que incidem sob a forma do ‘tudo ou nada’, os princípios podem ser afastados em razão da sua ponderação com outros princípios.[30]
Filiando-se à posição de Alexy, o professor Daniel Sarmento opõe-se à hierarquização dos princípios constitucionais, afirmando que o resultado de tal operação é o:
total amesquinhamento das normas constitucionais reputadas de hierarquia inferior, que se tornam ‘letra-morta’ sempre que confrontadas com outras que tenham sido situadas, pelo gosto do intérprete, em um plano mais elevado.[31]
Afigura-se-nos acertada esta posição, porém cumpre esclarecer que a hierarquização não se confunde com a ponderação abstrata – definitional balancing –, a qual se contrapõe à chamada ad hoc balancing. Esta descreve a ponderação levada a cabo pelo juiz no caso concreto, livremente, isto é, independentemente de qualquer parâmetro ou standard anterior e abstrato que o vincule; o aplicador é guiado pelo bom senso. Já aquela é empreendida de modo desvinculado de casos concretos; estabelecem-se critérios para a compatibilização de princípios constitucionais potencialmente colidentes.[32]
Assim, se a hierarquização deve ser repudiada, o mesmo não se pode dizer, a nosso ver, da ponderação abstrata. Reputamos desejável que a ponderação desenvolva-se também antes do surgimento do caso concreto, em abstrato ou preventivamente, por meio da discussão de casos hipotéticos ou passados, de maneira que o juiz, ao se defrontar com casos reais, tenha balizas pré-fixadas,[33] embora nem sempre os parâmetros concebidos em abstrato possam solucionar adequadamente um conflito normativo concreto. Ao menos o magistrado contará com um conjunto de standards, cabendo-lhe justificar eventual inadequação destes, ou a necessidade de algum tipo de adaptação, em uma situação específica.[34] Consideramos ser este um eficaz mecanismo contra o subjetivismo inerente ao processo de ponderação, reduzindo a possibilidade de ocorrerem arbitrariedades.
[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei?. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.. p. 58.
[2] Ibid. p. 57.
[3]MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Relativização da coisa julgada. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 347.
[4] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000. p. 42.
[5] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 80.
[6] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 222.
[7] SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 45.
[8] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 357.
[9] BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 23.
[10] Ibid. p. 34-35.
[11] BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 358.
[12] BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 59.
[13] SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 100.
[14] BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 61.
[15] Ibid. p. 64-65.
[16] Ibid. p. 66.
[17] Ibid. p. 72.
[18] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit. p. 279.
[19] BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 55.
[20] BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 365.
[21] LEAL, Rogério Gesta. As garantias constitucionais do processo no Brasil. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 448.
[22] BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 84.
[23] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit. p. 261.
[24] Ibid. p. 322. Cf., por todos, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 64: “A doutrina tem aludido com freqüência àquele que se poderia chamar de princípio dos princípios e que é, na verdade, uma regra para se lidar com os demais princípios: princípio da proporcionalidade.”
[25] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit. p. 324-325: “É imperioso, assim, que a restrição ao direito atenda a dois requisitos: em primeiro lugar, que vise a atingir um fim constitucionalmente legítimo; e em segundo lugar, que consubstancie um meio instrumentalmente adequado à obtenção desse fim.”
[26] Ibid. p. 339.
[27] Ibid. p. 346.
[28] BERALDO, Leonardo de Faria. A relativização da coisa julgada que viola a Constituição. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 127.
[29] BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 138-139.
[30] SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 46-47.
[31] Ibid. p. 39.
[32] Ibid. p. 109-110.
[33] BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 147.
[34] Ibid. p. 152.
Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WOLFF, Tatiana Konrath. Juízo de proporcionalidade entre princípios constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul 2010, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20464/juizo-de-proporcionalidade-entre-principios-constitucionais. Acesso em: 22 nov 2024.
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