Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.
De proêmio, é fundamental analisarmos a origem histórica da denominada Teoria Ultra Vires que emanou no sistema jurídico em torno do século XIX, mediante ação das cortes britânicas, com o escolpo de evitar desvios de finalidade na administração das sociedades por ações, e assim o sendo preservar os interesses de seus investidores, dando-lhes maior proteção jurídica e estabilidade de cunho social.
Essa teoria, sub judice, centrava que qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica, seja por intermédio de seus sócios, bem como por seus administradores de per si, que ultrapassassem os limites do objeto social seria declarado nulo de pleno direito.
É válido salientar que com o transcurso do lapso temporal notou-se, clarividentemente, a insegurança que sua aplicação gerava para terceiros de boa-fé que mantinham relações mercantis com tais sociedades empresariais e, assim, tanto no continente Europeu, mais especificamente na Inglaterra, como nos Estados Unidos, ao decorrer do século XX, foram forçados pelos órgãos judiciais a flexibilizar o rigor inicial da Teoria Ultra Vires.
Pedra angular que nos norteia em relação ao breve estudo apresentado, os atos ultra vires, ou seja, aqueles praticados pelos sócios ou administradores que extrapolavam dos limites do objeto social, com desvio de finalidade ou abuso de poder, passaram de nulos a não oponíveis à pessoa jurídica, mas sim, totalmente oponíveis aos sócios ou administradores que os houvessem praticado.
Em sentido diametralmente oposto, com escolpo de litigar estrategicamente a Teoria Ultra Vires emanou a Teoria da Aparência que possui por escolpo único e sui generis de proteger o terceiro de boa-fé que pactua com a sociedade. Por essa última teoria, o terceiro, que de modo justificável desconhecia as limitações do objeto social ou dos poderes do administrador ou do sócio que negociou tem o direito de exigir que a própria sociedade cumpra o contrato. Posteriormente a sociedade pode regressar contra o administrador ou sócio que agiu de modo ultra vires.
Nesse diapasão, esse panorama jurídico acima explicitado de forma relata e sucinta modificou-se, substancialmente, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, que regulamentou na forma de norma positivada no ordenamento jurídico pátrio a ultrapassada Teoria Ultra Vires nos seguintes dispositivos, in verbis: "Art. 47 - Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo."
Interpretando-se o artigo 47 do Código Civil de 2002, conclui-se que a contrário sensu infere-se que os atos dos administradores praticados fora dos limites estabelecidos no contrato social jamais obrigam a pessoa jurídica.
Nessa mesma seara de pensamento , reza o artigo 1015 do Novo Código Civil, in verbis: "Art 1.015.(...) Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade."
O sustentáculo de fundamentação de tal tema encontra-se elencado nas disposições legais do artigo 1.015 do Novo Código Civil de 2002 e reforçado no suso mencionado artigo 47 também do mesmo diploma legal.
Exponencialmente relevante constar que as normas civilistas positivadas possuem por finalidade última transferir ao terceiro, que contrata com a sociedade, a responsabilidade em tomar todas as providências legais e cautelas devidas no que concerne ao exame derradeiro do contrato social como um todo e do objeto social em elevada carga axiológica, bem como a verificação de todos os poderes conferidos pela sociedade ao sócio ou administrador que em nome dessa faz negócios jurídicos.
Destarte, é considerado intuitivo que tais cautelas exigem elevado conhecimento de ordem técnica, dispêndio de um elevado lapso temporal e formalidades que não se coadunam com incomensurável parte das práticas massificadas do comércio em si, bem como da indústria e de todos os seus serviços prestados, especialmente no que tange às relações de cunho consumeiristas.
Outrossim, inaugurada a distinção entre a positivação da Teoria Ultra Vires e a majoritária doutrina e jurisprudência da Teoria da Aparência, é de suma relevância atentar a um ponto isonômico em favor da segurança jurídica nos negócios entre a sociedade e os terceiros de boa-fé.
Nessa mesma seara de pensamento, é válido salientar que, o enunciado propõe aos juízes competentes uma forma de amortizar a aplicação da Teoria Ultra Vires, tendo por norte proteger o terceiro de boa-fé, fazendo a este menos exigências quanto às cautelas devidas e permitindo que a sociedade ratifique o negócio ou ato realizado com extrapolação de poderes pelo seu representante. De qualquer modo, se a sociedade não confirmar o negócio, fica o sócio ou administrador pessoalmente responsável perante o terceiro contratante.
Clarividentemente, é irrefutável que as sociedades assumam as obrigações de todos os seus atos ora praticados por seus sócios ou administradores perante terceiros, e, quando for o caso, tomem as medidas judiciais cabíveis em face do sócio ou administrador que não respeitou o contrato social ou as decisões e limitações societárias.
É de certo mais aceitável e lógico, que se atribua à sociedade e não aos terceiros de boa-fé, especialmente aos consumidores hipossuficientes, as drásticas consequências da culpa in vigilando ou in eligendo pela prática de negócios jurídicos que não estejam consagrados no contrato nem no objeto social, respeitando sempre a boa-fé das partes pactuantes que não podem ser eivadas a erros sob argumentos desarrazoados e impróprios.
Conclui-se, maximamente que, o tema Os Atos Ultra Vires no Novo Código Civil é assunto de ordem polêmica e vastamente contemporânea já que a inserção da Representação no ordenamento legislativo brasileiro possui repercussões demasiadas no cotidiano para os sujeitos das relações consumeiristas, sub judice. Apenas o tempo e a evolução jurisprudencial dos nossos ilustres Tribunais poderá confirmar o acerto ou não da positivação da Teoria Ultra Vires no Direito Civil Pátrio.
Por fim, conclui-se o tema em análise sob a conceituação que os Atos Ultra Vires, sub judice, são aqueles realizados com excesso de poder ou com poderes insuficientes por seu representante legal. Haja vista, se há a presença da representação, este ato deve ser cunhado por limites sumamente estruturados para que o dominus negotii não se vincule simplesmente por ser fato inconsciente o que é condição existencial dos negócios jurídicos e da culpa que gera responsabilidade civil na esfera jurídica.
AUTORES COLABORADORES: MARINA VANESSA GOMES CAEIRO
LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON
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