Sumário: 1.0 INTRODUÇÃO;2.0 O ESTADO-NAÇÃO; 2.1 Preliminar histórica; 2.2 Conceito; 2.3 A evolução do estado-nação; 3.0 SOBERANIA; 3.1 Conceito; 3.2 Alguns Pensadores; 3.3 Conceito atual de soberania face à globalização; 3.4 Proteção à soberania; 4. NASCIMENTO DO ESTADO DE DIREITO LIBERAL E DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DE NOÇÃO DE SOBERANIA; 4.1. As liberdades burguesas; 4.1.1 Inglaterra; 4.1.2 Estados Unidos da América; 4.1.2 França; 5.0 ELEMENTOS CARACTERIZANTES DO ESTADO DE DIREITO LIBERAL COMO ESTADO-NAÇÃO; 5.1 O Estado de Direito Liberal; 5.2 Elementos caracterizantes; 6.0 CONCLUSÃO; 7.0 REFERÊNCIAS.
1.0 INTRODUÇÃO
A soberania, antes considerada poder ilimitado do Estado, parece estar intrinsecamente ligada ao poderio econômico. Ela não passa do plano conceitual para o real se não estiver acompanhada de poder econômico.
Obviamente, os Estados sempre interferiram uns na soberania dos outros, invadiram, colonizaram, escravizaram, mas na atualidade a limitação da soberania por meios não bélicos tornou essa interferência muito mais sutil: o Estado é soberano em teoria (por isso é Estado), mas, na prática, gerencia seus assuntos internos e internacionais mais pensando na reação mundial ou de determinados países do que conforme aquilo que poderia fazer enquanto Estado soberano.
O Estado no absolutismo baseou-se na doutrina da monarquia divina, respaldada no direito natural. Os teóricos do absolutismo explicavam a soberania do monarca como direito divino.
Da luta entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca, nasceu a primeira noção de Estado de Direito. Essa luta da liberdade contra o despotismo foi decidida pela Revolução Francesa, iniciada com a Queda da Bastilha (14 jul. 1789).
Esse movimento revolucionário, sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade, trouxe importantíssimas renovações institucionais e possibilitou o surgimento na Europa do primeiro Estado jurídico, guardião das liberdades individuais.
O artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem, contida na Constituição francesa de 03 set. 1791, rezava: “Toda sociedade que não assegura a garantia dos direitos nem a separação de poderes não possui constituição”.
O Estado de Direito correspondeu ao Estado liberal, representativo da liberdade do homem perante o Estado, com esteio na separação de seus poderes.
O esquema de contenção do Estado pelo liberalismo inspirou a idéia dos direitos fundamentais e da divisão de poderes.
A filosofia política do liberalismo, preconizada por John Locke (1632 – 1704), barão de Montesquieu (1689 – 1755) e Immanuel Kant (1724 – 1804), cuidou de salvar a liberdade decompondo a soberana na pluralidade dos poderes. A teoria tripartida dos poderes, como princípio de organização do Estado constitucional, é uma contribuição de Locke e Montesquieu.
A divisão de poderes, na essência uma técnica acauteladora dos direitos do indivíduo perante o organismo estatal, não implicava necessariamente determinada forma de governo, e tanto podia compadecer-se com o Estado democrático como, também, com a monarquia constitucional.
O conceito de liberdade do liberalismo seria correto se os homens fossem dotados de igual capacidade.
Debaixo das pressões sociais e ideológicas do marxismo, o Estado liberal não sucumbiu, mas se transformou no Estado social.
O presente trabalho refere-se à Soberania, Estado-Nação, Estado de Direito Liberal frente à nova ordem mundial: globalização.
2.0 O ESTADO-NAÇÃO
2.1 Preliminar histórica
Inicialmente, a experiência do estado-nação é circunscrita à Europa e às suas projeções coloniais no século XIX, sendo antecipada culturalmente pelos debates intelectuais e político do contexto do Iluminismo, quando houve a gradativa transformação no sentido que se dava à noção de Razão na prática administrativa, que passou da condição de mero cálculo/ratio para aquela de força constituidora das coisas.
Entendida como força constituidora, a Razão operante na dinâmica administrativa do estado-nação transformaria a relação entre poder político e território, pois, dos vários tempos e lugares (tendencialmente autoconstitutivos e relativamente autônomos) em que o território do Estado de Antigo Regime estava dividido, dever-se-ia fazer um único tempo no espaço, o que significou uma completa transformação das relações do poder político central com as múltiplas tradições locais – tanto mais complicada quando consideramos o problema de se estabelecer uma única lei, língua, regra fiscal e preceito político para todo um território.
Desde meados do século XVIII, fisiocratas e liberais defendiam a idéia da necessidade de se facilitar a circulação dos bens num território através da redução, simplificação e uniformização do sistema tributário, devendo-se superar a fragmentação legal e, por extensão, o patrimonialismo do sistema fiscal, pois enxergavam na superação dessa estrutura um meio de estimular o equilíbrio entre as regiões de um Estado, uma vez que aumentaria a reciprocidade das trocas inter-regionais.
Sistematizando tais idéias, Adam Smith (1723-1790), em “A Riqueza das Nações” (obra de 1776), afirmaria que a especialização no trabalho e na produção favoreceria largamente a qualidade e a quantidade na produção de bens; para tanto, uma condição fundamental era que houvesse boas condições para a circulação da produção, pois, havendo isso, o mecanismo do mercado agiria por si mesmo para corrigir o desequilíbrio na distribuição das riquezas de um Estado.
2.2 Conceito
Diante do esquema histórico analisado na página anterior pode-se dizer que o estado-nação[1] é a unidade político-territorial própria do capitalismo. Embora tenha naturalmente pontos de contacto com o império pré-capitalista, dele diferencia-se essencialmente porque a nação busca, no seu território, se constituir em uma sociedade nacional integrada e voltada para o desenvolvimento econômico, enquanto que as oligarquias dominantes nos impérios não sabem o que seja o desenvolvimento econômico, e não buscam integrar econômica e culturalmente suas colônias das quais apenas exigem o pagamento de impostos (Gellner, 1983).
Uma das razões pelas quais se pode ver a globalização como o estágio atual e mais avançado do capitalismo, é o fato de que neste início de século XXI o globo terrestre está totalmente coberto por estados-nação.
2.3 A evolução do estado-nação
O desenvolvimento econômico é o processo de crescimento continuado da produtividade, da renda por habitante, e dos salários dos trabalhadores que ocorre a partir da Revolução Capitalista em conseqüência do aumento do nível de educação, da acumulação de capital e do progresso técnico. Para que o desenvolvimento econômico se desencadeie, supõe-se a existência de uma acumulação original promovida pelo estado em benefício seja de uma burguesia mercantil, seja de uma burocracia, cujos representantes bem sucedidos se transformam em empresários capitalistas. E supõe também um razoável grau de desenvolvimento do mercado e do dinheiro nessa sociedade.
O mercado é a instituição e o mecanismo que, através da competição, coordena a divisão do trabalho e a alocação dos recursos produtivos. Os mercados existiram antes dos estados nacionais, mas os mercados modernos são socialmente construídos: são organizados e regulados pelos estados-nação a nível nacional e internacional. O dinheiro, finalmente, é a instituição que serve de meio de troca e reserva de valor para que o mercado possa funcionar.
Nesse quadro, o estado é a matriz das demais instituições formais de um estado-nação, e, portanto, do sistema constitucional-legal ou da ordem jurídica, ao mesmo tempo em que se constitui nesse próprio sistema constitucional-legal.
É a matriz, mas, ao contrário do que pode parecer, não é o agente principal. Este papel também não cabe ao indivíduo, como pretende um certo tipo de teoria liberal, nem cabe ao povo em que todos são iguais como a ficção democrática afirma (Rosanvallon), mas à nação ou à sociedade civil na qual os poderes são diferenciados e ponderados. Ao invés de agente, o estado é o instrumento da sociedade nacional na busca dos seus objetivos políticos. Já os mercados e o dinheiro são as duas principais instituições econômicas que viabilizam o objetivo econômico das nações – o desenvolvimento econômico – são instituições reguladas pelo estado a serviço da nação.
Portanto, quando se fala em capitalismo, em nação e em estado-nação, em estado e em mercado, não se está falando de instituições concorrentes, mas de instituições complementares voltadas para os objetivos políticos das sociedades modernas.
É a partir do momento em que as nações se dotam de estados e formam estados-nação que o desenvolvimento econômico se viabiliza. Enquanto os impérios eram a forma por excelência de organização política territorial da antiguidade, os estados-nação o serão nos tempos modernos ou capitalistas.
Enquanto o poder imperial limitava-se a cobrar impostos da colônia, deixando intactas sua organização econômica e sua cultura, os estados-nação estão diretamente envolvidos na competição internacional por maior poder e maiores taxas de crescimento.
Para isso, buscam homogeneizar sua cultura, dotando-se de uma língua comum, para, através da educação pública, poder garantir que padrões crescentes de produtividade sejam compartilhados por toda a população (Gellner, 1993).
Para que a industrialização ocorresse, não bastava que a região estivesse organizada em cidades-estado burguesas, como era próprio do comércio de longa distância que prosperou durante a revolução comercial; foi necessária a formação concomitante dos grandes estados-nação com seus grandes mercados nacionais.
Formados os modernos estados-nação, seus respectivos estados ou regimes políticos assumiram, sucessivamente, três grandes formas históricas. Em uma primeira fase, no Estado Absoluto, os governos estavam formando seus estados nacionais; estavam, portanto, voltados principalmente para a defesa contra o inimigo externo e a manutenção da ordem. Mas mesmo nessa época a preocupação com a economia por parte dos grandes reis mercantilistas foi decisiva para o desenvolvimento econômico dos seus países.
Em seguida, quando aqueles objetivos começaram a ser razoavelmente assegurados nos países mais avançados em sua Revolução Capitalista, a nova classe burguesa logra que o estado deixe de ser aristocrático e absoluto, e entra-se na fase do Estado Liberal que garante os direitos civis ou as liberdades.
No século XIX, falava-se insistentemente em retirar o estado da economia, mas este continuava a ter um papel chave no desenvolvimento econômico. No século XX, quando os pobres e as classes médias finalmente conquistam a democracia, o desenvolvimento econômico e o princípio do império da lei continuam centrais, mas agora define-se uma nova forma de estado, o Estado Democrático e Social que, de um lado, garante o direito de votar e ser eleito e, de outro, passa a ter como objetivo político adicional uma distribuição de renda mais eqüitativa. O estado que Marx conheceu – o Estado Liberal do século XIX – era, sob muitos aspectos, “o comitê executivo da burguesia”. No século XX já não é mais.
O estado, seu aparelho e sua ordem jurídica não são mais a simples forma de exercício do poder pelas classes dirigentes; são também instrumentos de emancipação social (Sousa Santos, 2004).
Os mercados que antes eram locais transformam-se em mercados nacionais, e pouco a pouco começam a ganhar caráter internacional. Conforme assinala Polanyi (1944), não houve nada de natural na passagem dos mercados locais para os nacionais: essa transição ocorreu como o resultado de estratégias políticas nacionais que de um lado institucionalizaram a competição, mostrando o caráter socialmente construído dos mercados, e de outro levaram à formação dos modernos estados-nação.
Através da definição de fronteiras seguras, os estados nacionais modernos estavam criando as condições necessárias para que uma burguesia industrial originária da burguesia comercial se constituísse a partir da revolução industrial inglesa, e passasse a investir e incorporar progresso técnico de forma sistemática e competitiva ao trabalho e aos meios de produção.
Os antigos comerciantes investiam no mercado de longa distância, mas a riqueza que daí provinha era eminentemente instável. Em seguida eles começam a investir em manufaturas, mas seu investimento era ainda limitado, continuando a produção a se organizar de forma tradicional, e os mercados a serem ainda essencialmente de longa distância. Já o investimento na indústria, que ocorre a partir da revolução industrial, envolvia custos pesados que só podiam se justificar no quadro de um grande mercado assegurado pelo respectivo estado-nação. Daí o interesse das burguesias em se associar aos monarcas absolutos na constituição dos primeiros estados-nação.
O desenvolvimento econômico é assim um fenômeno histórico que ocorre no quadro da Revolução Capitalista, relacionado, de um lado, com o surgimento das nações e a formação dos estados-nação, e, de outro, com a acumulação de capital e a incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao próprio capital.
3.0 SOBERANIA
3.1 Conceito
O conceito de soberania sempre causou, e ainda hoje causa, inúmeras divergências.
As definições elaboradas no século XIX, por exemplo, traziam com muito mais freqüência o termo "ilimitada" associado à idéia de soberania. Blackstone definiu soberania como "a autoridade suprema, irresistível, absoluta, ilimitada".[2]
Na atualidade, há os que afirmem que o significado moderno de soberania diz respeito a um "poder independente, supremo, analienável e exclusivo".[3]
Outros afirmam que a soberania é um "poder originário, exclusivo, incondicionado e coativo".[4]
Celso Ribeiro Bastos [5], com muita propriedade, assim discorre sobre soberania:
soberania é a qualidade que cerca o poder do Estado. [...] indica o poder de mando em última instância, numa sociedade política. [...] a soberania se constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. Esta situação é a consagração, na ordem interna, do princípio da subordinação, com o Estado no ápice da pirâmide, e, na ordem internacional, do princípio da coordenação. Ter, portanto, a soberania como fundamento do Estado brasileiro significa que dentro do nosso território não se admitirá força outra que não a dos poderes juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente estranho à Nação intervir nos seus negócios.
3.2 Alguns Pensadores
Jean Bodin (1529-1596) acreditava que no governo justo que se exerce com poder soberano sobre as diversas famílias (a soberania se exerce pelo fato de ditar leis sem o consentimento dos súditos). O Estado não estaria submisso a nenhum poder superior a ele próprio (soberania como vontade juridicamente ilimitada).
Thomas Hobbes (1588-1679) acreditava que os homens, visando obter uma convivência pacífica, submetem-se às leis e a um poder tal que torne a desobediência das normas desvantajosas. Assim, para que a criação do Estado traga segurança, os homens renunciam a seu poder e transferem-no para uma única pessoa, o que lhes incute a obrigação de obedecer a tudo que o detentor do poder ordenar, desde que os demais façam o mesmo. É o chamado "Pacto de União".
Referido Pacto é celebrado entre os súditos e não entre estes e o soberano, o que torna impossível ao soberano quebrar o pacto, já que ele – soberano – não existia antes do acordo e dele não fez parte. Nesse contexto, Hobbes acreditava que a soberania é absoluta, uma vez que houve total transferência dos poderes dos súditos para o soberano, além de ilimitada e irrevogável.
Hans Kelsen (1881-1973) defende que o que faz uma norma superior é o fato de ela ser a fonte na qual as demais se fundam. Assim, se o sistema jurídico é o conjunto de normas, uma norma será soberana, quando ela for a fonte primordial de valor deste sistema.
O sistema jurídico para Kelsen é uno, e por isso é impossível aceitar o dualismo, uma vez que, se aceitar a primazia do direito internacional sobre o direito interno, não existe soberania, mas, por outro lado, se aceitar o contrário, a soberania existe, mas surgem outros tipos de problema. Um deles consiste no fato de que, se o direito interno é superior ao internacional, cada país só será soberano sob sua ótica e, havendo várias ordens de valores igualmente soberanas, torna-se impossível solucionar os conflitos existentes entre normas de ordenamentos diferentes. Por isso Kelsen defendeu o monismo, ou seja, defendeu que a ordem jurídica interna e a ordem jurídica internacional não podem ser separadas, e, em caso de conflito entre normas internas e internacionais, estas últimas devem prevalecer.
3.3 Conceito atual de soberania face à globalização
Uma coisa é certa: boa parte dos autores atuais já fala abertamente sobre a necessidade de se reformular o conceito de soberania, para adaptá-lo à realidade atual, ou, no mínimo, reinterpretá-lo. O que fazer: buscar um novo conceito de soberania ou apenas "moldar" o conceito atual de forma a enxergar nele as características necessárias à soberania nos dias de hoje?
A globalização – e o conseqüente desenvolvimento das telecomunicações e dos transportes convencionais – tem, ao mesmo tempo, unido o mundo numa economia global única e provocado a difusão de todo tipo de informação, com uma rapidez simplesmente impensável há 50 anos.
Parte dessa "informação" que tem circulado mundo afora integra o que se poderia chamar de "produção econômica", ou seja, é fruto do conhecimento e da criação humanos. Os produtos industriais, materiais, palpáveis, estão cedendo parte de seu espaço para as invenções não palpáveis, para a tecnologia, para os chips de computador, enfim, para o capital intelectual.
Em outras palavras, o mundo do trabalho, o qual foi durante séculos dominado pelas forças da indústria, se vê agora diante de produtos e processos que consistem mais em mente do que em matéria.
Assim, o capital intelectual – a inteligência humana – constitui hoje um mercado extremamente importante e tem se mostrado cada vez mais intolerante com as restrições nacionalistas.
Ora, a soberania sempre esteve, em parte, baseada na idéia de territorialidade, já que é o território um dos elementos formadores do Estado. Os limites de uma soberania freqüentemente têm sido definidos por fronteiras geográficas; o controle do território é, ainda hoje, um dos mais importantes elementos da soberania.
Entretanto, diante dessa nova realidade, na qual a revolução da informação torna o controle territorial mais difícil sob certos aspectos, a natureza e a importância da soberania parecem estar a caminho de sofrer modificações.
Os governos soberanos têm, ao longo da História, assumido como prerrogativa fundamental a defesa de seus interesses nacionais através da guerra. Também nesse aspecto a tecnologia da informação influi de forma decisiva. Os Estados Unidos sofreram na pele o enorme poder da televisão, durante a guerra do Vietnã, de frustrar o objetivo americano no sudeste asiático, e reviveram o medo de que isso acontecesse novamente durante a guerra do Iraque. Saber que a guerra produz morte violenta é uma coisa; olhar a carnificina de uma batalha, através de um aparelho de televisão, é outra completamente diferente.
Além disso, quando os recursos naturais eram o fator dominante da produção, a conquista e o controle de território pareciam uma maneira confiável de aumentar o poder nacional. Hoje, a conquista de território raramente vale seu custo para a nação, já que "a guerra e os longos anos de pacificação e repressão quase inevitavelmente destroem e dispersam o capital intelectual, e os recursos materiais que poderiam ser obtidos pela conquista estão declinando em seu valor em todos os lugares".[6]
A informação tem, ainda, o poder de fortalecer ou enfraquecer governos. A globalização e a "democratização da informação" criaram para os governos o seguinte dilema: se o governo mantiver o monopólio da informação, manterá também o controle sobre a população, mas se verá alijado do cenário internacional globalizado; por outro lado, se permitir que a população tenha acesso à informação, perderá um de seus mais poderosos instrumentos de controle. As populações dos mais diversos países estão, com cada vez mais freqüência (e algumas delas pela primeira vez), dizendo aos seus governos o que estes devem fazer por elas; tal seria inimaginável num passado em que apenas uma pequena elite oficial controlava o acesso a todas as informações.
Apesar disso, a verdade é que a única forma de se prosperar na economia atual é fazer parte dessa "rede global de economia" criada pela globalização, o que, por sua vez, só pode ser feito se os Estados permitirem a seus cidadãos o livre uso da rede de comunicações mundial, já que é através dessa rede de comunicações que o dinheiro, o capital, parte dos produtos e serviços e do intelecto humano circulam atualmente. Em outras palavras, uma nação só conseguirá prosperar se seu governo ceder o controle sobre o fluxo de informações.
Isso traz uma outra questão, qual seja, no mundo atual tem ficado cada vez mais difícil impor a soberania sobre a informação, porque ela própria e os caminhos pelos quais ela viaja, inclusive o próprio céu, são comumente compartilhados. O soberano pode, a um custo enorme, fechar seus circuitos telefônicos internacionais ou atirar em qualquer um que seja pego com um aparelho de fax, um rádio ou uma antena parabólica; entretanto, ele não pode ter sucesso completo, pois, quando tiver terminado, será o governante de um país pobre e completamente inexpressivo.
Nesse contexto, a tendência atual é no sentido de que o Estado não pode tomar qualquer decisão que lhe aprouver, simplesmente levando em consideração os benefícios que lhe trará; atualmente, ao contrário, o Estado soberano parece dever cada vez mais satisfações no que concerne às suas decisões, satisfações estas devidas não só à sua população, mas também a outros Estados soberanos e a órgãos internacionais. O poder de julgar sem ser julgado – que integra o poder soberano – vem diminuindo consideravelmente.
Na prática, o que vem ocorrendo é que o poder de "julgar sem ser julgado" de um Estado soberano mostra-se diretamente proporcional à sua força no comércio internacional e para aqueles que não possuem grande força comercial em nível internacional, a única forma de não perecer economicamente é cooperando com outros governos na elaboração de acordos internacionais.
A globalização, que provoca o desenvolvimento da tecnologia, a expansão das comunicações e o aperfeiçoamento do sistema de transportes, tem permitido a integração de mercados em velocidade avassaladora e tem propiciado uma intensificação da circulação de bens, serviços, tecnologias, capitais, culturas e informações em escala planetária. Isso tudo provocou, no entender de (JOSÉ EDUARDO FARIA, 1999) a desconcentração, a descentralização e a fragmentação do poder.
Essa intensificação da interdependência em escala mundial desterritorializa as relações sociais, e a multiplicação de reivindicações por direitos de natureza supranacional relativiza o papel do Estado-nação, que tem como uma de suas características principais a territorialidade. Há algumas décadas, ficava bem mais evidente a situação de um Estado que deixava de ser soberano após ter seu território invadido e ser subjugado por outro Estado. Hoje, para controlar um país, não se tem só a opção de enviar exércitos e ocupar o território, mas, ao contrário, pode-se controlar a economia do país e modificar os valores culturais dos habitantes, através dos meios de comunicação. Dessa forma, a perda ou a mitigação da soberania ocorre de forma muito mais sutil, mais camuflada.
Essas relações cada vez mais estreitas a que a globalização obriga trazem como conseqüência a perda da essência da soberania nacional, e parece que a preservação dessas soberanias – mesmo que o conceito de soberania seja modificado – depende da garantia, pelos Estados, de seu crescimento e fortalecimento político e, sobretudo, econômico.
3.4 Proteção à soberania
Para proteger a soberania, Paulo Napoleão Nogueira da Silva (FORENSE, 2000) defende que o Estado tem a opção de se associar, criando uma entidade ou um contexto jurídico-político que seja forte o suficiente para resistir às investidas desnacionalizadoras.
Segundo esse autor, tal associação implicaria em uma parcial cessão de soberania que aumenta o grau desta em relação a terceiros, isto é, àqueles que não sejam membros da associação. Uma cessão apenas aparente, portanto, entre os que compõem e integram a associação, para expandir o potencial de autoridade nacional de cada um deles em face do ‘exterior’ e, mais exatamente, em face do mercado globalizado.
Nesse sentido, entende o autor, que alguns conceitos tradicionais - dentre eles o de soberania - já parcialmente superados devido à nova realidade universal, devem ser revistos. No caso específico da soberania, ele defende que deve ser agregado um novo elemento, o de sua cessão parcial interna, o qual levará a um aumento do grau de eficácia da soberania do conjunto de países que integram o grupo, em relação ao restante do mundo.
Ainda segundo ele, o mercado globalizado tende a fazer com que as necessidades econômicas impulsionem os sistemas políticos a se organizarem em direção a formas globalizadas ou, no mínimo, "em macroformas estatais".
Na verdade, a interpretação do conceito de soberania deve sofrer uma flexibilização para viabilizar o movimento integracionista atual, vez que as definições clássicas de soberania já não prevalecem no Estado de Direito imposto pela nova ordem mundial.
Ives Gandra da Silva Martins (PIONEIRA, 1998) também compartilha da idéia de que o perfil do Estado está mudando. Segundo ele:
[...] do Estado Clássico surgido do constitucionalismo moderno, após as Revoluções Americana e Francesa, para o Estado Plurinacional, que adentrará o século XXI, há um abismo profundo. [...] em outras palavras, o Estado Moderno está, em sua formulação clássica de soberania absoluta, falido, devendo ceder campo a um Estado diferente no futuro. [...] n a União Européia, o Direito comunitário prevalece sobre o Direito local e os poderes comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas, criando uma autêntica Federação de países. [...] nada obstante as dificuldades, é o primeiro passo para a universalização do Estado, que deve ser "Mínimo e Universal". [...] a universalização do Estado, em nível de poderes decisórios, seria compatível com a autonomia dos Estados locais, aceitando-se a Federação Universal de países e eliminando-se a Federação de cada país, que cria um poder intermediário que, muitas vezes, se torna pesado e inútil.
Também Manoel Gonçalves Ferreira Filho[7] defende a idéia da superação do Estado-Nação, com a conseqüente necessidade de associação entre os Estados, e da necessidade de revisão da soberania. Escreve referido autor:
ainda prevalece, nos dias que correm, o modelo de Estado-nação, juridicamente e politicamente construído com base na idéia de soberania. Sem embargo da denúncia dos juristas mais alertas, [...] os Estados contemporâneos ainda se pretendem soberanos. É o caso do Brasil, do qual um dos fundamentos, o primeiro, segundo a Constituição de 1988, art. 1º, I, é a "soberania". Este modelo, surgido no final da Idade Média, está, certamente, com seus dias contados.
Para esse autor, uma real soberania em favor dos Estados-nação é inviável, já que soberania significa um poder que não reconhece outro a ele superior, seja no plano interestatal (independência), seja no plano interno (supremacia).
Evidentemente, não no plano do Direito mas sim no das realidade, tal soberania pressupõe uma superioridade de força. Ou, ao menos, uma força suficiente para dissuadir as pretensões estrangeiras, pra impor-se a qualquer grupo interno rival. Ora, se esta supremacia interna é conservada pelos Estados-nação – embora muitos sejam ameaçados por grupos revolucionários, como as guerrilhas marxisantes ou religiosas – no plano externo ela desapareceu, salvo quiçá para os Estados Unidos. Assim, o imperativo de segurança obriga os Estados-nação a agregarem-se em unidades maiores, mais fortes, inclusive para assegurarem a própria sobrevivência. De novo são exemplo disto os Estados-nação europeus. Por tudo isto, parece previsível a superação dos Estados-nação. Não desaparecerão, mas virão a associar-se (ou integrar-se) formando ente novo.
A associação parece ser uma saída que, na prática, realmente protege os Estados, que, juntos, têm mais poder econômico, militar, político, etc. O problema é que, para associarem-se, os Estados devem abrir mão de uma parte de sua soberania, o que leva, obrigatoriamente, à revisão do conceito atual de soberania, ou, ao menos, a uma reinterpretação, mais adequada à realidade atual.
Na verdade, a soberania dos outros Estados deve ser também um fator de limitação da soberania, ou seja, o Direito Internacional deve tornar, de certo modo, a soberania do Estado ainda mais relativa.
A vida da comunidade internacional, já foi dito, exige que o Estado moderno se acomode aos supremos interesses da humanidade, sendo obrigado, muitas vezes, em nome da paz e do bem comum internacional, a modificar até mesmo sua própria legislação constitucional. O Estado não pode renegar sua qualidade de participante da atual comunidade de Estados, da mesma forma como a comunidade internacional deve respeitar os direitos dos Estados componentes.
Outro aspecto que não deve deixar de ser mencionado é o relativo aos limites da soberania, no que se refere a dois assuntos especiais, os quais vêm provocando as maiores interferências na soberania de um Estado: questões relacionadas aos direitos humanos e ao direito ambiental.
Embora o princípio de não-interferência nos assuntos internos de um poder soberano seja um dogma da legislação internacional, sempre que há um problema envolvendo violação de direitos humanos e destruição do meio ambiente, a opinião pública – que tudo acompanha, simultaneamente, pelos meios de comunicação – acaba pressionando os outros países para que interfiram e resolvam o problema. Tem-se, inclusive, questionado o conceito do que seriam "assuntos internos" e vem-se construído um argumento no sentido de que a comunidade internacional tem a "obrigação" de intervir em defesa dos direitos humanos em qualquer lugar do mundo.
Essa idéia é impulsionada, sem dúvida, pela revolução da informação, que traz seres humanos que sofrem a milhares de quilômetros de distância para dentro das salas do mundo todo. Além disso, a poluição não respeita os limites territoriais do Estado, o ecossistema global é interligado, interdependente, e a destruição de uma floresta não prejudica apenas o ecossistema em cujo território está inserido, mas os povos de todo o globo.
Por outro lado, tal tipo de intervenção confronta-se de forma irremediável com o conceito tradicional de soberania, o qual, conforme já foi dito, pressupõe que a última palavra nos assuntos internos seja sempre a do Estado soberano, sem interferência de outros Estados.
Levando-se em consideração que o Estado, e, por conseguinte, a soberania, devem existir em prol do bem comum, é que se pode partir para uma justificativa das interferências, de um Estado em outro, que vêm acontecendo quando direitos humanos são desrespeitados ou o meio-ambiente é prejudicado.
Diante de tudo isso, boa parte dos autores atuais entende que há necessidade de se repensar o conceito de soberania, para que se possa adequá-lo a um mundo altamente globalizado e interdependente.
4. NASCIMENTO DO ESTADO DE DIREITO LIBERAL E DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DE NOÇÃO DE SOBERANIA
4.1. As liberdades burguesas
O Estado Liberal – também definido como uma espécie de terceiro desdobramento do Estado Moderno – tem três fases históricas assim determinadas:
a) a primeira fase remonta à Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra. Neste primeiro momento, o que se reivindicava mais especialmente eram os direitos individuais. Logo em seguida, com a chegada da Primeira Revolução Industrial, em 1750, o próprio capitalismo conhece um salto – agora em direção à fase industrial. Este desenvolvimento industrial – em sua fase embrionária, limitada à indústria têxtil inglesa - também propiciou ou estimulou tanto a Revolução Americana, de 1776, quanto a famosa Revolução Francesa de 1789 – esta mais burguesa do que a americana.
b) a segunda fase se inicia com a Segunda Revolução Industrial, a partir de 1850. Este é o grande salto tecnológico, político e econômico no interior do próprio capitalismo. A partir de então, o capitalismo industrial não conhecerá mais limites jurídicos, geográficos, políticos ou morais. Esta fase perdurou até as primeiras décadas do século XX ou meados doEstado do Bem-Estar Social –limitado à experiência européia. século, por volta dos anos 50-60, quando entra em cena o
c) a terceira fase, a mais recente do Estado Liberal, corresponde aos dias de hoje, que resultou da mistura do neoliberalismo com a globalização. Atualmente, em oposição aos modelos anteriores, os Estados nacionais procuram desmantelar a rede de direitos que foi construída ao longo do século XX. Da mesma forma, a soberania construída a duras penas com a formação de uma referência nacional (também diz-se identidade nacional) entra em colapso.
Nas fases iniciais, o Estado Liberal tinha como marca a proposta da liberdade, num sentido bem preciso da liberdade, pois a luta pelas liberdades individuais não passava da defesa das liberdades individuais na vigência das ordens econômicas. Isto é, a chamada liberdade negativa (só fazer o que a lei não proíbe) punia veementemente a crítica à estrutura social que nascia com a ordem capitalista.
As fases iniciais do Estado Liberal correspondiam ao implemento econômico dode incremento desse processo de crescimento econômico. É como se dissesse que não havia liberdade fora da área econômica, por exemplo, não havia liberdade para questionar a propriedade privada. capitalismo e os direitos individuais não passavam
4.1.1 Inglaterra
No sentido jurídico, o Estado Liberal tem suas bases no chamado 2º Bill of Rights (1689), uma declaração de direitos individuais imposta pelo Parlamento à Coroa, na Inglaterra. Na verdade, o processo histórico que constituiu o Estado Liberal tem início em 1215 (este seria o primeiro Bill of Rights), com a Carta de Direitos e as cobranças dirigidas ao Rei João Sem Terra. O que se requeria, já em 1215, era a prevalência do Princípio da Liberdade Individuala fim de que, por exemplo, os cidadãos ingleses protestantes tivessem o direito de portar armas, para defender a si e as garantias constitucionais.
Desse modo, vê-se que a Monarquia Constitucional seria limitada pelo Parlamento (a burguesia chegava ao Estado), e esta relação política configuraria a soberania popular nos moldes burgueses. Neste momento, são três as Declarações de Direitos (1679 – 1689 – 1701) que assinalam as vitórias burguesas no Parlamento.
No limiar do século XVIII, está formada a base do princípio da monarquia dedireito legal, e instaura-se a Monarquia Constitucional. Os direitos do monarca passam a ser definidos pela ordem legal e, portanto, a soberania será regulada/controlada pela lei. No entanto, vejamos em síntese o que dizia o Bill of Rights:
a) o Rei não pode, sem consentimento do Parlamento, cobrar impostos, ainda que sob a forma de empréstimos ou contribuições voluntárias.
b) ninguém poderá ser perseguido por ter-se recusado a pagar impostos não autorizados pelo Parlamento.
c) o Rei não poderá instituir jurisdições excepcionais, civis ou militares.
d) o Rei não poderá alojar militares em casas civis (Poder Civil – Locke).
e) todos terão direito a um julgamento imparcial.
4.1.2 Estados Unidos da América
Nos EUA, a experiência liberal com imensa participação popular , acabou por se afirmar de modo mais característico e, por isso, houve reflexos por todo o mundo nos anos que se seguiram. O documento de maior impacto inicial foi a Declaração da Virgínia (1776), ao que se seguiu a Constituição Federal (1787) e as demais Constituições estaduais. Seus principais dirigentes ou intelectuais passaram para a história com o nome de Os Federalistas: sua principal ideologia, dentro dos limites do próprio liberalismo econômico, era: "liberais pela insurreição". Para se ter uma idéia clara do espírito de liberdade que dirigia a Revolução Americana, também basta reler o preâmbulo da própria Constituição[8] (a mesma que se encontra em vigor hoje).
4.1.3 França
Na França, que já vinha nas pegadas da experiência americana, o sentido propriamente burguês da revolução liberal se fez bem intenso, como se pode verificar a partir dos seus principais eixos ou itens de consecução.
Propostas da Revolução Francesa:
- Todo governo que não provém da vontade nacional é tirania: usurpação do poder.
- A luta contra a monarquia se intensifica, seguindo-se do período jacobino.
- A nação é soberana (una, indivisível, inalienável e imprescritível).
- O Estado é precário e artificial, um pacto voluntário (deve servir ao homem).
- Portanto, o Estado é uma ficção jurídica.
- O Estado Liberal deve praticar o absenteísmo.
- O pacto social e político se rompe quando uma das partes viola suas cláusulas.
- A Assembléia Nacional representa a maioria = vontade geral.
- A legitimidade do governo advém do consentimento popular.
- O governo não intervirá nas relações privadas.
- O poder é limitado por uma Constituição escrita.
- O poder regula-se pela tripartição dos poderes e pelas declarações de direitos humanos.
- A lei expressa a vontade da maioria – contra injustiças.
Rousseau foi o pensador de referência desse processo revolucionário (a partir doO Contrato Social) e o documento guia da Revolução Francesa foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. livro
A Declaração é clara ao se pronunciar em favor dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem. O alcance universal e a promoção global dos direitos do homem (dos direitos humanos) tornam a Revolução Francesa mais universalista do que a americana. Não foi à toa e nem é um mero detalhe que a elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e dodedo que o colono ou o miliciano americano, ainda muito limitado às suas próprias aspirações. Porém, as limitações de base do pensamento liberal Cidadão tenha se dado na França, porque este é o espírito jurídico realmente universalista que se encontrava presente na época. Neste sentido, o burguês francês foi mais cosmopolita e pensamento político mais refinado estavam presentes e claras:
- A liberdade negativa será definida no que toca ou alcança ao outro.
- Liberdade é poder fazer tudo que não seja definido como crime.
- A liberdade é formal: "Todos são iguais perante a lei".
- Não há igualdade de fato ou igualdade real - econômica.
- As diferenças entre plebeus e burgueses são evidentes.
Porém, sob forte influência igualitária, foram proclamados os direitos de todos, os direitos humanos. Em seu nascimento já grandioso, os direitos humanos eram declarados inatos; inalienáveis; irrenunciáveis; imprescritíveis; anteriores, independentes e superiores ao Estado.
Já a partir de 1791, com a proclamação da Primeira Constituição Francesa, todos os documentos jurídicos e liberais passaram a consagrar a mesma orientação jurídica, limitada à liberdade negativa, e mais especialmente quando confrontados os interesses individuais e a participação do Estado. Para o Estado liberal, então, o melhor seria adotar a posição deEstado de Direito Indiferente. observador, distante, como que presente apenas para coibir os excessos contra a ordem econômica. Portanto, esse distanciamento ajudaria a definir um
5.0 ELEMENTOS CARACTERIZANTES DO ESTADO DE DIREITO LIBERAL COMO ESTADO-NAÇÃO
5.1 O Estado de Direito Liberal
O Estado de Direito Liberal institucionalizou-se após a Revolução Francesa dedo século XVIII, constituindo o primeiro regime jurídico-político da sociedade que materializava as novas relações econômicas e sociais, colocando de um lado os capitalistas (burgueses em ascensão) e do outro a realeza (monarcas) e a nobreza (senhores feudais em decadência). 1789, no fim
A Revolução de 1789 foi uma revolta social da burguesia, inserida no Terceiro Estado francês, que se elevou do patamar de classe dominada e discriminada para dominante e discriminadora, destruindo os alicerces que sustentavam o absolutismo (antigo regime), pondo fim ao Estado Monárquico autoritário.
O lema dos revolucionários era: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", que resumia os reais desejos da burguesia: liberdade individual para a expansão dos seus empreendimentos e a obtenção do lucro; igualdade jurídica com a aristocracia visando à abolição das discriminações; e fraternidade dos camponeses e sans-cullotes com o intuito de que apoiassem a revolução e lutassem por ela.
5.2 Elementos caracterizantes
As seguintes características básicas do Estado Liberal são assim definidas: não intervenção do Estado na economia, vigência do princípio da igualdade formal, adoção da Teoria da Divisão dos Poderes de Montesquieu, supremacia da Constituição como norma limitadora dode direitos individuais fundamentais. poder governamental e garantia
Nesse contexto, a classe burguesa emergente detinha o poder econômico, enquanto que o poder político estava sob o domínio da realeza e da nobreza. Logo, percebe-se que o princípio da não intervenção do Estado na economia, defendido pelo Estado Liberal, foi uma estratégia da burguesia para evitar a ingerência dos antigos monarcas e senhores feudais nas estruturas econômicas da época, garantindo a liberdade individual para a expansão dos seus empreendimentos e a obtenção do lucro.
Dessa forma, os capitalistas em ascensão tinham liberdade para ditar a economia a seu favor, através da prática da auto-regulação do mercado, a qual está sendo bastante utilizada atualmente, por meio do surgimento do Estado Neoliberal. Pregava-se a mínima intervenção do Estado na economia, criando a figura do "Estado Mínimo", defendendo a ordem natural da economia de mercado, com o escopo de expandir seus domínios econômicos.
Outra característica do Estado Liberal é a defesa do princípio da igualdade, uma das maiores aspirações da Revolução Francesa. Porém, é preciso observar quais os fatores que influenciaram a burguesia em ascensão a pregar a aplicação de tal princípio. Ressalte-se que a igualdade aplicada é tão-somente a formal, na qual se buscava a submissão de todos perante a lei, afastando-se o risco de qualquer discriminação. Logo, sob o manto de tal fundamento, todas as classes sociais seriam tratadas uniformemente, pois as leis teriam conteúdo geral e abstrato, não sendo específicas para determinado grupo social.
Trata-se de outra tática da burguesia, pois se sabe que o sistema feudal possuía uma estrutura estamental ou de ordens, isto é, era composto por várias classes sociais, a que correspondiam diferentes ordenamentos jurídicos. Essa pluralidade de textos legais vigentes representava que a lei e a jurisdição eram distintas, variando conforme o grupo social dode privilégios, enquanto a burguesia era discriminada. destinatário da norma. Tal situação acabava fazendo com que a realeza e a nobreza tivessem uma série
Percebe-se, pois, que esse grande número de ordenamentos jurídicos gerava temor à classe burguesa, pois temia que a nobreza, ainda detentora do poder político, continuasse implementando leis que conferissem privilégios apenas à sua casta.
Então, os capitalistas idealizaram a criação de um único ordenamento jurídico, defendendo a igualdade formal, no qual todos eram iguais perante a lei, que possuía conteúdo geral e abstrato, aplicando-se indiscriminadamente a todos os grupos sociais, não permitindo o estabelecimento de prerrogativas para determinada classe em detrimento das outras, surgindo o conceito de Estado de Direito e a figura da Constituição, que passava a limitar os poderes doEstado Monárquico. governante, visando conter seus arbítrios, que preponderavam no
No tocante à Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, adotada pelo Estado Liberal, José de Albuquerque Rocha (MALHEIROS, 1995) observa que o objetivo de Montesquieu ao idealizar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, era preservar os privilégios da sua própria classe, a nobreza, ameaçada tanto pelo rei, que almejava recuperar sua influência nacional, quanto pela burguesia, que dominando o poder econômico, intentava o poder político. Elaborou, então, sua teoria que repartia o poder entre a burguesia, nobreza e realeza, afastando, deste modo, a possibilidade da burguesia em crescimento ser a sua única detentora.
Desta feita, o Estado de Direito criou a figura do direito subjetivo público, isto é, a possibilidade do cidadão, sendo o titular do direito, ter a faculdade de exigi-lo (facultas agendi) em desfavor do Estado, regulando a atividade política, situação que não era prevista no Absolutismo, no qual apenas estabelecia direito subjetivo dos indivíduos nas suas relações recíprocas, isto é, o cidadão podia exigir o cumprindo de uma obrigação pactuada com outro cidadão, mas não em face do Estado.
Desta forma, o Estado de Direito, ao passar a impedir o exercício arbitrário dodireito público subjetivo dos cidadãos, reconhece, constitucionalmente, e de uma forma mínima, direitos individuais fundamentais, como a liberdade (apregoada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual foi mantida como preâmbulo da Constituição Francesa de 1791), consoante os ensinamentos de poder pelo governante e garantir o Norberto Bobbio, assim delineados:
na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio invioláveis.
Assim, o Estado Liberal cria os chamados "direitos de primeira geração", que decorrem da própria condição de indivíduo, de ser humano, situando-se, desta feita, no plano do ser, de conteúdo civil e político, que exigem do Estado uma postura negativa em face dos oprimidos, compreendendo, dentre outros, as liberdades clássicas, tais como, liberdade, propriedade, vida e segurança, denominados, também, de direitos subjetivos materiais ou substantivos.
É preciso ressaltar que tais direitos exigiam do Estado uma conduta negativa, isto é, uma omissão estatal em não invadir a esfera individual do nacional, que deixou de ser considerado mero súdito, elevando-se à condição de cidadão, detentor de direitos tutelados pelo Estado, inclusive contra os próprios agentes estatais. Ao lado dos direitos subjetivos materiais, criaram-se as garantias fundamentais( direitos subjetivos processuais ou adjetivos ou formais ou instrumentais), visando, efetivamente, assegurar os direitos substantivos, como, p.ex., o habeas corpus, que tem o escopo de assegurar o direito à liberdade.
6.0 CONCLUSÃO
Considera-se Estado-nação quando um território delimitado é composto por um governo e uma população de composição étnico-cultural coesa, quase homogênea, sendo esse governo produto dessa mesma composição. É a unidade político-territorial própria do capitalismo. Embora tenha naturalmente pontos de contacto com o império pré-capitalista, dele diferencia-se essencialmente porque a nação busca, no seu território, se constituir em uma sociedade nacional integrada e voltada para o desenvolvimento econômico.
Uma das razões pelas quais se pode ver a globalização como o estágio atual e mais avançado do capitalismo, é o fato de que neste início de século XXI o globo terrestre está totalmente coberto por estados-nação.
É possível notar que, ao longo do tempo, apesar de não se chegar a um conceito unânime de soberania, mudanças vêm ocorrendo no que diz respeito às características da soberania no mundo fático.
Uma das mudanças que se pôde observar é com relação aos limites da soberania. Referida mudança parece dever-se ao fato de que, se antes já havia autores que não aceitavam o caráter ilimitado da soberania, hoje a tendência que as relações entre os países vêm mostrando, de uma interdependência – principalmente econômica – cada vez maior, devido, por sua vez, à globalização da economia e ao desenvolvimento e democratização dos meios de transporte e comunicação, vem aumentando o número de defensores da limitação da soberania.
Além da interdependência econômica, outros fatores têm contribuído sobremaneira para a redefinição do conceito de soberania: o agrupamento dos países em blocos, os direitos humanos e o meio-ambiente.
Pode-se dizer que a soberania apresenta dois aspectos: o interno e o externo. O primeiro reflete a vontade soberana do Estado, quer dizer, a vontade que predomina sobre a dos indivíduos e grupos sociais existentes em seu território. É o "direito de mandar". O segundo aspecto, a seu turno, refere-se à vontade independente do Estado, ou seja, a vontade que não permite que o Estado se subordine, total ou parcialmente, à vontade de outros Estados. Na prática, entretanto, tem-se percebido que o Estado não possui vontade inquestionável e ilimitada para se relacionar com outros países, e tampouco tem o poder de decidir o que quiser com relação à sua população.
Pode-se argumentar, com relação aos limites da soberania, que esta não se ferirá, desde que as limitações, a interdependência, ocorram devido à vontade do Estado, a acordos espontâneos que ele faz com outros Estados soberanos. Ora, mesmo que o Estado concorde com os limites à sua soberania, há considerações a fazer.
A rede mundial de relações tem se fechado de tal forma que é difícil dizer que a decisão do Estado de limitar sua soberania em prol de relações com outros Estados se dê de forma completamente espontânea. Para tanto, deve-se trabalhar com hipóteses completamente teóricas, sem levar em conta as pressões que, na prática, ocorrem sempre que um Estado tem que tomar uma decisão que interfira de alguma forma naquilo que outros Estados desejam. Isto porque, na prática, muitas vezes o Estado precisa pensar no que "os outros Estados vão pensar", antes de tomar decisões "soberanas".
Quanto a evolução do Estado de Direito Liberal pode-se dividi-lo em fases: a primeira fase do Estado Liberal tem como marcos a Constituição dos Estados Unidos da América (1787) e a Revolução Francesa (1789). A partir de então, o modelo liberal pregado por uma burguesia emergente e revolucionária foi adotado por vários países, e consagrado sem suas respectivas ordens constitucionais.
Esse modelo de Estado Liberal se caracterizava pela previsão constitucional dos direitos individuais, dentro os quais se destacava a proteção à propriedade privada. A realização desses direitos individuais se dava a partir de um não-agir do Estado, ou seja, tais direitos seriam como uma garantia do cidadão contra um comportamento positivo do Estado.
O Estado não deveria intervir no domínio econômico, em uma clara adoção do modelo liberal clássico pregado pela teoria de Adam Smith (1723-1790). Logo, o Estado se omitia perante problemas sociais e econômicos. Inclusive, não existiam direitos sociais e econômicos, nem no texto constitucional, nem na legislação infraconstitucional.
Como não poderia deixar de ser, a insatisfação advinda das crescentes desigualdades econômicas gerou uma reação. Surgiram então algumas das principais idéias políticas do século XIX, como o liberalismo autêntico (que percebe que a falta de regulamentação favorece apenas aos conservadores) e o socialismo, em suas diversas facetas (socialismo cristão; socialismo utópico; socialismo científico; socialismo democrático; socialismo reformista).
A influência causada por essas reações e idéias acabou por propiciar o surgimento da segunda fase do Estado Liberal. Algumas características da fase anterior permaneceram vivas, como a limitação do poder estatal e a consagração dos direitos fundamentais.
A terceira fase do Estado Liberal já pode ser considerada como uma espécie de ponte entre o Estado Liberal e o Estado Social, que nasceu a partir das Constituições Mexicana (1917) e Alemã (1919), após a Primeira Guerra Mundial, mas que ganhou força após o término da Segunda Grande Guerra.
Nessa terceira fase, o Estado Liberal conserva algumas de suas características essenciais, como a limitação do poder estatal e a garantia dos direitos individuais. Os direitos políticos, concebidos na segunda fase, continuam consagrados, nos termos do sufrágio universal masculino. Todavia, essa fase é marcada por profundas mudanças. Afinal, a partir da mencionada influência dos movimentos trabalhistas e socialistas, o Estado volta seus olhos para as reivindicações populares. Surgem os direitos sociais e econômicos.
A França pode ser considerada pioneira em termos de direitos sociais dentro do contexto europeu. Afinal, desde 1870 esse país já possuía uma legislação infraconstitucional de natureza trabalhista.
Contudo, deve ser ressaltado que, nessa terceira fase, apesar do avanço representado pelo surgimento dos direitos sociais e econômicos, tais direitos permaneceram no plano infraconstitucional. As Constituições permaneceram como textos quase que inteiramente políticos, sem que houvesse menção à possibilidade de intervenção na economia ou uma preocupação para com as questões de caráter social.
Conforme anteriormente mencionado, a terceira fase terminou após o fim da Primeira Guerra Mundial, quando o modelo de Estado Liberal foi substituído pelo Estado Social.
REFERÊNCIAS
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__________. O Futuro da Democracia – Uma Defesa das Regras do Jogo. Trad. Brasileira dede Janeiro, Paz e Terra, 1986. Marco Aurélio Nogueira. 2ºed., Rio
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WRISTON, Walter B. O Crepúsculo da Soberania: como a revolução da informação está transformando o nosso mundo. São Paulo: Makron Books, 1994.
[1] Segundo o Wikipédia, chama-se estado-nação quando um território delimitado é composto por um governo e uma população de composição étnico-cultural coesa, quase homogénea, sendo esse governo produto dessa mesma composição
[2] PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria Democrática do Poder: Teoria Democrática da Soberania. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 97, 3ed, vol.2, 1997, p. 6
[3] FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, p. 17, 1999.
[4] PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria Democrática do Poder: Teoria Democrática da Soberania. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 17, 3ed., vol.2, 1997
[5] . MARTINS, Ives Gandra (Coord.), O Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 165.
[6] WRISTON, Walter B. O Crepúsculo da Soberania: como a revolução da informação está transformando o nosso mundo. São Paulo: Makron Books, 1994, p 33.
[7] MARTINS, Ives Gandra (Coord.), O Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 102-113.
[8] Preâmbulo: "os homens foram criados iguais; com direitos inalienáveis – como à vida, liberdade e felicidade; os governos devem defender esses direitos, porque foram formados pelo consentimento dos governados; o povo pode invocar o direito à insurreição, contra toda forma de governo que atente contra tais direitos, garantias e liberdades".
Advogado e Mestre em Direito Empresarial.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CREPALDI, Joaquim Donizeti. Direito da integração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 ago 2010, 01:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20787/direito-da-integracao. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Erick Labanca Garcia
Por: Erick Labanca Garcia
Por: ANNA BEATRIZ MENDES FURIA PAGANOTTI
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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