Sumário: 1. Intróito: A base principiológica. 2. Acerca dos Direitos Fundamentais. 3. O Neoconstitucionalismo. 4. O Neoprocessualismo. 5. Os Direitos Fundamentais analisados sob a ótica Neoconstitucional e Neoprocessual. 6. Considerações Finais. 7. Referências.
1. Intróito: A base principiológica
Os princípios representam as fontes fundamentais, seja qual for o ramo do direito, de forma a interferir tanto no aspecto de construção como em sua efetivação. No que diz respeito ao campo do Direito do Processual Civil não poderia deixar de ser assim, onde os princípios ali estão engajados, tanto na sua formação como na execução de suas normas. Para o perfeito desencadear dos aspectos filosóficos ou científicos se faz necessária a implicação da base principiológica.
Como ponto de partida, para uma análise mais correta acerca da importância de uma devida verificação em torno dos princípios e, a guisa de melhor compreender o significado da palavra “princípio”, a fim de obter o enquadramento no plano jurídico, é que será necessária a contribuição dos doutrinadores para que se chegue a tal precisão.
Inicialmente, o professor Miguel Reale nos diz que “os princípios são certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”[1]. Canotilho conceitua os princípios como “ordenações que se irradiam e imantam o sistema de normas; começam, por ser a base de normas jurídicas, e podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio”[2].
Pela inteligência das palavras de Clóvis Beviláqua os princípios “são elementos fundamentais da cultura jurídica humana” [3]. Não menos contundente, os ensinamentos trazidos por Orlando Gomes informam que os princípios são entendidos como sendo “diretrizes ou forças propulsoras do desenvolvimento da ordem jurídica” [4]. Como forma de abrilhantar a conceituação em torno do vocábulo jurídico em questão, chega-nos o entendimento desenhado por Celso Antônio Bandeira de Mello falando a respeito dos princípios em geral:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo” [5].
Enfim, não há que se falar em estudo científico do direito sem se ater aos ditames traçados pelos princípios. Tais representam o fundamento que baseia toda uma idéia, um alicerce necessário ao conhecimento, com aspecto legitimador, atingindo até questões culturais e sociais, políticas. Mais precisamente ao campo jurídico do saber, os princípios verdadeiramente servem de “catalisadores”, por assim dizer, ao crescimento da ordem jurídica.
2. Acerca dos Direitos Fundamentais
Quando se trata de analisar a incidência da Constituição nos diversos ramos do Direito, não se pode deixar de admitir que o campo do processo é, de fato, um dos maiores alvos para tal implicação.
Extensas transformações ao longo dos anos têm se estabelecido pelo sistema jurídico no que toca à constitucionalização de todos os procedimentos conhecidos, importando assim informar a respeito das verdadeiras bases dessas inovações. Falar em inovação no Direito é tratar de uma sistematização baseada na Carta Maior, concretizando isso através do mecanismo processual, o qual será estabelecido no estudo em questão.
Não há como escapar ao raciocínio de que, num ponto de vista mais “intimista” do processo, verifica-se atualmente a análise do confrontamento de fundamentos constitucionais, cada qual estabelecido de acordo com o seu parâmetro social, cultural, econômico ou político pré-determinado.
A partir de então, observa-se certa “impaciência” do sistema para com o tempo, onde o atraso confirma a necessidade de se extrapolarem as barreiras das simples garantias técnicas e a necessidade de se alcançar de vez a justiça social e democratizada, tão aclamada, para que de logo seja aplicada.
Nesse sentido, deve-se compreender que para toda transformação há de haver um ponto inicial, algo que não poderia deixar de ocorrer na nova perspectiva da Constituição e do processo; o ponto inicial aqui a ser tratado é justamente aquilo que gira em torno dos princípios e direitos fundamentais, tão explorados por nossa Carta Maior.
Como em toda análise, importa salientar quais são as premissas maiores. É de todos atualmente conhecido que hoje os princípios são necessariamente normas jurídicas, dotados de aplicação imediata e que garantem por si só a efetivação dos direitos fundamentais, vez que isto implica na necessária incidência de toda e qualquer teoria acerca dos direitos fundamentais.
Dessa maneira é que devem ser encarados e analisados os princípios constitucionais, como verdadeiros protetores dos direitos fundamentais. Se for seguida uma lógica de raciocínio em torno destes dois grandes pilares processuais, pode-se dizer com autoridade que os direitos fundamentais são a verdadeira fonte jurídica dos princípios[6]. De logo, seguem os seguintes dizeres acerca dos direitos fundamentais, explicitando-se que:
“[...] cada vez mais nos distanciamos da concepção tradicional, que via os direitos fundamentais como simples garantias, como mero direito de defesa do cidadão em face do Estado e não, como os compreende a mais recente doutrina, como direitos constitutivos institucionais, com ampla e forte potencialização” [7].
Além disso, a questão levantada em comento serve para que se entenda, de forma razoável, qual a maneira que os princípios e direitos fundamentais podem garantir a efetiva tutela jurisdicional aos direitos substanciais. Não é a toa que urgem vozes de esclarecimento, no sentido de que “não mais interessa apenas justificar esses princípios e garantias no campo doutrinário. O importante hoje é a realização dos direitos fundamentais e não o reconhecimento desses ou de outros direitos” [8].
Foi preciso normatizar os princípios para que tais pudessem exercer plenamente o seu papel norteador frente às regras e, inclusive com o condão de, a depender do caso, afastar a incidência destas últimas no caso concreto. Não fosse dessa maneira, importância alguma teriam os princípios para o Direito como um todo, mostrando que o status de norma modifica a concepção em torno deles.
Atendendo à sua função maior de orientar determinado sistema jurídico, os princípios são fundamentados na necessidade de que todo e qualquer direito valorado devem estar pautados na mesma importância de valoração dada aos direitos fundamentais, no intuito de impor a todos os direitos a maior eficácia.
De mais a mais, não se pode deixar de ressaltar que não há apenas um direito fundamental tutelado, onde a possibilidade de haver confronto entre direitos fundamentais é real, cabendo ao próprio juiz analisá-los mediante ao princípio da proporcionalidade para assim resolvê-los adequadamente.
Assim, a imediatidade citada à aplicação dos princípios que elevam os direitos fundamentais traz a conseqüência lógica de fazer com que o legislador elabore regras processuais de acordo com tais premissas.
Não só a isso, mas também quanto à figura do juiz se deve dar nova atenção frente a tal fato, onde o dito efeito de eficácia maior a ser estabelecido no caso concreto, deve ser consolidado pelo juiz ao valorar os direitos em sua própria interpretação, trabalhando com os fundamentos da proporcionalidade e razoabilidade, como também proceder à frente do controle de constitucionalidade. Ainda para este fim, importante enaltecer:
“Assim, o processo deve estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais (dimensão subjetiva) e, além disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais (dimensão objetiva). No primeiro caso, as regras processuais devem ser criadas de maneira adequada à tutela dos direitos fundamentais (daí que, por exemplo, o §5º do art. 461 do CPC permitir ao magistrado a determinação de qualquer medida executiva para efetivar a sua decisão, escolhendo-a à luz das peculiaridades do caso concreto). No segundo caso, o legislador deve criar regras processuais adequadas aos direitos fundamentais, aqui encarados como normas, respeitando, por exemplo, a igualdade das partes e o contraditório”[9].
É dessa forma que os direitos fundamentais relacionam-se com os princípios de forma geral, em que estes realçam a importância daqueles de modo a que em ambas as dimensões – subjetivas e objetivas – sejam respeitadas. A estruturação de um sistema processual baseado neste binômio demonstra a coerência que deve ser imposta ao caso concreto, sempre buscando razoabilidade, proporcionalidade e adequação.
3. O Neoconstitucionalismo
Falar em neoconstitucionalismo é encarar o atual momento do papel constitucional, apresentando as inovações, as explicações e perspectivas em torno do que será considerado como “novo” dentro do plano jurídico hodierno, ou seja, dentro do plano jurídico processual. Com o intuito de consolidar a base para a aplicação do neoconstitucionalismo, atrelando-o ao raciocínio em torno do efeito substancial do contraditório, importa esclarecer suas origens históricas, teóricas e filosóficas, de elementar importância para o estudo em questão[10].
Segundo o aspecto histórico, é sabido que a característica de democratização no ordenamento jurídico constitucional pátrio passou por algumas etapas até chegar à sua consolidação na Constituição Federal de 1988, onde de uma vez por todas se fortaleceu definitivamente. Apesar dos períodos de crises econômicas, sociais e políticas vividas em todo o século XX, o refúgio oferecido pela Constituição brasileira foi fundamental para a redescoberta do sentido de democracia e paz social vislumbradas[11].
Já no que diz respeito ao aspecto teórico da construção do neoconstitucionalismo, segue a classificação feita por Luiz Roberto Barroso quando divide o elemento teórico em três linhas: o reconhecimento de força normativa à Constituição, o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional e a expansão da jurisdição constitucional[12]. Assim, o estudo do aspecto teórico ligado à idéia do efeito substancial do contraditório se torna fundamental para informar a respeito dos dois primeiros aspectos citados. Neste desiderato, concernente ao elemento do emprego de força normativa à Constituição vale dizer o seguinte:
“Afirmar que normas constitucionais têm força normativa é reconhecer que a Constituição não é apenas uma carta de intenções políticas, mas que está dotada de caráter jurídico imperativo. Se a Constituição vale como uma lei, as regras e princípios constitucionais devem obter normatividade, regulando jurídica e efetivamente as condutas e dando segurança a expectativas de comportamentos” [13].
É nessa linha de raciocínio que se confirma o desligamento do pensamento tradicional acerca da Constituição, a qual se resumia numa simples carta de intenções políticas e sem valor social efetivo, sem força e segurança democrática. Não menos importante, o elemento da nova dogmática da interpretação constitucional nos eleva a um patamar de análise dos princípios mais incisiva, onde aqui se estabelece a premissa da prevalência interpretativa dos princípios sobre as regras.
Por esta premissa é que, se pode concluir como sendo a solução mais adequada ao caso concreto a prevalência ora citada ocorrendo de forma contrária, ou seja, que pela teoria dos princípios se trabalha com a questão do melhor ajuste às soluções socialmente legitimadas. Em outros dizeres, torna-se clarividente que através da utilização dos princípios se pode melhor aplicar e alicerçar os direitos fundamentais, pacificando um eventual conflito entre eles, trazendo mais para perto a Constituição no intuito de que melhor se adapte ao caso concreto.
Ademais disso, convém consolidar o significado do neoconstitucionalismo sob o ponto de vista do aspecto filosófico propriamente dito. Neste aspecto, a sustentação do fundamento neoconstitucional gira em torno da tão aclamada normatização dos princípios frente às regras, estendendo sua efetivação e eficácia. Corrobora tal raciocínio o simples fato de que nada teria de serventia ao mundo dos direitos fundamentais se não fossem oferecidos aos princípios carga normativa suficiente, com imediata aplicação, onde um prepondera sobre o outro. Por esta razão, caminha juntamente o seguinte exemplo sobre tal aspecto e sua aplicação prática:
“Desta maneira, constitui verdadeira peça de museu o artigo 126 do Código de Processo Civil ao asseverar que o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei e que no julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito” [14].
Absorve-se de tais citações e exemplificações que tudo dependerá do caso concreto, em linhas gerais, do que de fato possa vir a ocorrer. Depende de uma harmonização da aplicação real daquilo que a Constituição verdadeiramente quer e por meio do processo judicial, onde os princípios se apresentam como sendo a melhor opção.
4. O Neoprocessualismo
Buscando melhor compreensão em torno do estudo apresentado é importante tratar da atual relação entre Constituição e Processo. É com base na Carta Maior que se poderá estabelecer corretamente, de forma direta ou não, quais os verdadeiros pontos chaves para o entendimento dos fenômenos jurídicos em torno da relação processo-constitucional. As primeiras palavras em torno do estudo constitucional mostram a insurgência do elemento constitucional do processo em seu nascimento no nosso sistema, elucidando da seguinte maneira:
“[...] foi de muita relevância o florescer do estudo das grandes matrizes constitucionais do processo. O direito processual constitucional, como método supralegal de exame dos institutos do processo, significou sua análise a partir de dado externo, qual seja o sistema constitucional, que nada mais é do que a resultante jurídica das forças político-sociais existentes na nação” [15].
Dessa maneira, muitos foram os que dispuseram caminho para que a possibilidade de entrosamento entre Constituição e Processo ocorresse. Não obstante tal aclamação estar sendo mais efetiva nesses últimos anos, “desde cedo houve clima para os estudos constitucionais do processo” [16].
Tomando por base as inovações já explicitadas anteriormente, no que diz respeito ao fator neoconstitucional, não poderia deixar de ser a Constituição o elemento chave do neoprocessualismo. Oriundo das transformações feitas no campo constitucional, o neoprocessualismo evidencia a aplicação dos vetores normativizantes aos sujeitos processuais no campo do processo. Hodiernamente, o estudo constitucionalizado do processo está preponderante e fundamentado. Torna-se importante a título de exemplificação os dizeres ao esclarecimento de critérios que tratam de tal relação existente entre processo e Constituição, na seguinte sistemática:
“A relação entre a Constituição e o processo pode ser feita de maneira direta quando a Lei Fundamental estabelece quais são os direitos e garantias processuais fundamentais, quando estrutura as instituições essenciais à realização da justiça ou, ainda, ao estabelecer mecanismos formais de controle constitucional. Por outro lado, tal relação pode ser indireta, quando, tutelando diversamente determinado bem jurídico (por exemplo, os direitos da personalidade ou os direitos coletivos ou difusos) ou uma determinada categoria de sujeitos (crianças, adolescentes, idosos, consumidores etc.), dá ensejo a que o legislador infraconstitucional preveja regras processuais específicas e para que o juiz concretize a norma jurídica no caso concreto” [17].
Neste diapasão, ainda soma-se o entendimento que ratifica a questão:
“Realmente, se o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica, mas, sim, como instrumento de realização de valores e especialmente de valores constitucionais, impõe-se considerá-lo como direito constitucional aplicado” [18].
A Constituição tem poder de efetividade evidente, onde o processo é o instrumento que também confirma os direitos nela existente. Não poderia deixar de ser assim, tendo em vista que a Constituição é a “protagonista” do nosso sistema jurídico hierárquico, onde tudo o mais gira em torno dela, dependendo de sua legitimação e anuência. Sucede que, a questão a ser discutida aqui é movida pela novel apresentação ao mundo jurídico, do avanço necessário ao rompimento das barreiras tradicionalmente impostas. A mudança sugere implicações diretas ao binômio Constituição-processo.
A partir de então, tudo o que já foi analisado a respeito da força normativa principiológica, das novas perspectivas relacionadas à exegese constitucional, se torna elementar para a melhor compreensão do fator neoprocessual. A favor da relevância aclamada pelo processo sob o ponto de vista constitucional, pondera-se ainda:
“E por surgir o processo como instrumento para a segurança constitucional dos direitos, deve ser ele plasmado de forma adequada, sendo uma espécie de processo natural e devendo o procedimento ser modelado segundo as formalidades definidas por lei nacional” [19].
A interferência das mudanças constitucionais incidiu de forma direta no âmbito do processo, que volta agora a ser visualizado a partir de um ponto de vista constitucional, onde agora o campo processual passa a ser o ambiente da aplicação efetiva das mudanças trazidas pelo neoconstitucionalismo.
Os sujeitos processuais, neste plano sistematizado, passam a ter a responsabilidade de manusear e trabalhar com cláusulas gerais, princípios, controle de constitucionalidade e tudo o mais que seja eficaz ao alcance do melhor direito. Tomando por base tais informações, estabelece-se como vetor principal a premissa de que o estudo processual não pode abster-se da aferição dos princípios correlatos e inerentes, quais sejam os próprios princípios constitucionais, salvaguardados em texto constitucional, apoiado nos direitos fundamentais.
Com efeito, não se vislumbra o fator neoprocessual sem visualizar no campo prático e o que tal inovação representa, sendo que, certamente, tais mudanças provocam e provocarão intensas reflexões acerca dos ditames processuais em nosso sistema.
Por este raciocínio é que serve, para o esclarecimento acerca dos fundamentos exemplificadores do neoprocessualismo, a construção de que “o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF, significa o direito à ordem jurídica justa” [20]. Ora, neste caminho é que importa complementar a questão, entoando a respeito dos direitos fundamentais dentro do contexto criado, no seguinte sentido:
“Assim, a designação acesso à justiça não se limita apenas à mera admissão do processo ou à possibilidade de ingresso em juízo, mas, ao contrario, essa expressão deve ser interpretada extensivamente, compreendendo a noção ampla do acesso à ordem jurídica justa, que abrange: i) o ingresso em juízo; ii) a observância das garantias compreendidas na cláusula do devido processo legal; iii) a participação dialética na formação do convencimento do juiz, que irá julgar a causa (efetividade do contraditório); iv) a adequada e tempestiva análise, pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no processo (decisão justa e motivada); v) a construção de técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos materiais (instrumentalidade do processo e efetividade dos direitos)”[21].
Diante da questão em comento, a compreensão em torno de um processo ideal mistura-se ao entendimento de se haver uma contemplação das principais garantias do processo, como por exemplo, um contraditório efetivo, a ampla defesa, da ação, da igualdade em todos os seus aspectos, etc. Neste passo é que “o direito ao processo justo é sinônimo do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada”[22]. É por este entendimento que se pode alcançar o raciocínio em torno do fator conseqüencial dessas mudanças trazidas ao processo:
“[...] o processo distancia-se de uma conotação privatística, deixando de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para a realização da justiça, que é um valor eminentemente social” [23].
Justamente quanto ao aspecto de publicidade do processo é que recaem as principais mudanças aduzidas até o momento, onde se observa a consolidação do caráter democrático processual jurisdicional, extrapolando aos limites do desejo dos indivíduos puramente em torno da lide.
O próprio surgimento do mecanismo da tutela antecipada mostra o avanço da técnica processual, rompendo com a clássica visão do processo, onde os direitos substancialmente deduzidos fazem parte de um novo rol no sistema por uma técnica mais adequada, sendo que agora o juiz não é mais encarado como mero revelador da verdade, amparado pela soma entre acontecimentos e lei. Dentro ainda dessa perspectiva de mudanças, há de se pontuar que para o nascimento do neoprocessualismo vetores importantes se sucederam com o passar dos anos, v.g., como nos mostram os dizeres a seguir:
“Fatores como a circunstância do Código Civil ter deixado de ser o centro do ordenamento jurídico, o surgimento dos microssistemas (Estatuto da Criança e do Adolescente, Código do Consumidor, Estatuto do Idoso etc.), o fenômeno da constitucionalização dos direitos materiais e processuais fundamentais, a crescente adoção da técnica legislativa das cláusulas gerais e o aumento dos poderes do juiz explicam o surgimento do neoprocessualismo” [24].
Dentre o rol de desafios a serem encarados pela perspectiva neoprocessual está aquele “imposto pela constitucionalização das garantias processuais fundamentais” [25], no momento de atrelar a instrumentalidade processual baseada na visão dos direitos fundamentais com o garantismo. Apesar de se propor através da instrumentalidade do processo os mecanismos importantes para a prestação de uma técnica processual efetiva e célere, o “muro” a ser derrubado é o da impossibilidade de se entrosar tal raciocínio com os direitos e garantias individuais, no processo civil, do demandado, essência maior do garantismo.
Aliás, é de todo conhecido que o garantismo tem fundamento maior o de que não se fala em garantia sem se falar em direitos fundamentais. Inclusive, segundo Luigi Ferrajoli, “a teoria do garantismo não se aplica exclusivamente ao direito penal” [26], mostrando assim que a idéia democrática do garantismo é verdadeiramente ampla e não restrita. Não obstante os excessos garantistas devidamente apontados – como exemplo de garantia do contraditório prévio mesmo nas questões de antecipação de tutela, quando se trata de urgência de pedido – no campo processual civilista, “fere o garantismo, por exemplo, as decisões que intervém o ônus da prova, na sentença, ensejando sentenças surpresas, que ferem a garantia do contraditório, inviabilizando a ampla defesa do fornecedor em juízo” [27].
Diante de tudo, com efeito, acerca do neoprocessualismo e do neoconstitucionalismo, dentre as questões de instrumentalidade processual e seus benefícios de técnica, aliado ao garantismo e à possibilidade de conjugação à modernização processual proposta pela instrumentalidade referida, sempre se buscará como referência maior o tão aclamado princípio da proporcionalidade para a resolução dos conflitos no caso concreto.
Isto possibilitará a real e devida aplicação da solução para os casos que envolvam conflitos entre direitos fundamentais eventualmente aclamados, deixando de lado posicionamentos intolerantes e arcaicos ao entendimento neoprocessual e neoconstitucional, ambos representando um verdadeiro avanço.
5. Os Direitos Fundamentais analisados sob a ótica Neoconstitucional e Neoprocessual
O já oferecido no estudo em questão pontua a cada momento a importância dos direitos fundamentais na aplicação do melhor direito em nosso sistema.
Constitucionalizando todas as bases para a aplicação de um processo moderno e adequado, consoante ao já disposto acerca da nova visão sistemática do nosso ordenamento, mister se faz entender um pouco mais acerca dessa relação fundamental para a aplicação dos princípios constitucionais na esfera processual, mais especificamente, o principio constitucional da garantia ao contraditório devido em seu aspecto substancial para o processo civil.
Efetividade e Segurança Jurídica[28]. Estas são as palavras norteadoras para a hermenêutica a ser desenvolvida em torno da análise dos direitos fundamentais inserta na perspectiva neoconstitucional e neoprocessual. A partir do momento em que se estabelece a meta de tornar efetivas as garantias individuais consagradas constitucionalmente, não se afasta a responsabilidade de se abarcar também no rol de intenções a segurança jurídica adequada.
No entanto, parece ser um pensamento recorrente em nosso quadro de sistema jurídico-processual que determinados atos processuais possam ser suprimidos em favor de uma celeridade inexplicável e desajustada, entrando em choque com o ideal maior a ser protegido. O que se quer dizer é que ao estabelecer como premissa importante para a efetivação dos direitos fundamentais a aplaudida garantia dos direitos individuais, constitucionalmente protegidos, está se afirmando que para se chegar ao ponto chave é necessário que os atos demandados dentro de um processo sejam respeitados de forma a não se permitir que nada esteja escondido, relevando a tal efetividade e segurança jurídica.
Com muita propriedade é que se pode afirmar que “suprimir, assim, as formalidades processuais pode constituir ‘ofensa a garantia constitucional da segurança dos direitos e da execução das leis federais’” [29]. Importa para o tema em foco apresentar que, por exemplo, na perspectiva do Princípio do Contraditório em seu aspecto substancial, a relação que entoa maior relevância é a de que, dentro do plano dos direitos fundamentais, deva-se salientar a importância da questão principiológica para dentro do processo, como forma de efetivar os direitos fundamentais concernentes aos casos concretos, princípios estes oriundos de consagração constitucional.
Tal idéia é facilmente absorvida pelo nosso sistema pátrio, que na sua Carta Maior vê expressamente a abordagem feita aos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração. Para tornar preenchido de valor caso em questão, segue o texto da nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, no §1º que claramente informa:
Art. 5º. Omissis
[...]
Parágrafo 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata[30].
Somando-se à isso, preconiza-se acerca dos direitos fundamentais:
“Por um lado, principalmente em matéria processual, os preceitos consagradores dos direitos fundamentais não dependem da edição de leis concretizadoras. Por outro, na Constituição brasileira, os direitos fundamentais de caráter processual ou informadores do processo não tiveram sua eficácia plena condicionada à regulação por lei infraconstitucional” [31].
O que de mais importante se deve enaltecer é que justamente no “colo” dos direitos fundamentais é que a questão principiológica encontra seu alimento fundamental, sua fonte de existência. Além do mais, são cada vez mais distantes as concepções clássicas acerca do pensamento que norteava o caminho dos direitos fundamentais, como sendo meras garantias.
Os fundamentos e conceitos que hoje se podem retirar dos princípios são fundamentais ao seu papel frente ao neoprocessualismo e ao neoconstitucionalismo, revelando-se um direito dotado de supremacia, de principiologia e de normatividade. Assim é que se vislumbra a oportunidade de, no estudo dos direitos fundamentais aplicados ao processo e à constitucionalização do mesmo, mostrar que apesar de todo um aparato de rigor existente no sistema processual, os direitos fundamentais abarcam a chance de oferecer ao sistema uma mudança substancial ao fato concreto a partir dos citados parâmetros.
Com efeito, assume-se uma postura de que “mesmo a regra jurídica clara e aparentemente unívoca pode ser transformada em certa medida, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, por valorações e idéias do próprio juiz” [32].
Relacionando os direitos fundamentais à questão principiológica é de se respaldar que tal entrosamento é mais evidente quando o juiz se coloca diante do fato a ser decidido. Vale dizer, ao encarar o fato concreto e a forma de aplicar o direito, o juiz se depara com uma situação de ter que basear suas valorações num suporte constitucional de amplitudes globais, para aplicar aquilo que de melhor favoreça à existência dos direitos fundamentais.
Por este passo é que “a participação no processo para a formação da decisão constitui, de forma imediata, uma posição subjetiva inerente aos direitos fundamentais, portanto é ela mesma o exercício de um direito fundamental” [33]. A partir de então, “tal participação, além de construir exercício de um direito fundamental, não se reveste apenas de caráter formal, mas deve ser qualificada substancialmente” [34].
6. Considerações Finais
Como enfaticamente salientado, o caso concreto é o parâmetro para a aplicação dos direitos fundamentais – normatizados, principiológicos e supremos – onde tudo o mais constitucionalizado rodeia e permeia para o fim do melhor direito, dependendo de “à vista do caráter essencialmente principiológico dos direitos fundamentais, que só se pode determinar o que se entende por processo justo levando-se em conta as circunstâncias peculiares do caso” [35]. Os direitos fundamentais apontam para a substancialização do processo e de suas ferramentas. A atividade exercida dentro do processo já expressa a utilização de um direito fundamental, onde considerá-los meras garantias já não mais vence.
Entender a importância dos direitos fundamentais é compreender que não se está levantando a bandeira da supremacia de uma esfera sobre a outra, do direito processual sobre o material, pelo contrário, que possam ser completares entre si. Além do mais, é através de tais direitos que se pode falar de boa-fé objetiva e lealdade processual, princípios e fatores de tamanha importância para a consolidação daquilo que fora inicialmente apresentado: efetividade e segurança jurídica.
7. Referências
BEVILAQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas: RED Livros, 1999.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Saraiva. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. In: DIDIER JR, Fredie (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991.
DIDIER, Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008.
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: DIDIER JR, Fredie (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.
[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.48.
[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 45.
[3] BEVILAQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas: RED Livros, 1999, p. 43-47.
[4] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 50.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 27-28.
[6] DIDIER, Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 24.
[7] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: DIDIER JR, Fredie (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 232.
[8] OLIVEIRA, 2008, p. 230.
[9] DIDIER, 2008, p. 29.
[10] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. In: DIDIER JR, Fredie (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008, p.2008, p. 141.
[11] CAMBI, 2008, p. 141.
[12] BARROSO, 2005 apud CAMBI, 2008. p. 143.
[13] CANOTILHO, 1995 apud CAMBI, 2008. p. 143.
[14] CAMBI, 2008, p. 142.
[15] GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998, p. 7.
[16] GRINOVER, loc. cit.
[17] CAMBI, 2008, p. 139.
[18] OLIVEIRA, 2008, p. 230.
[19] GRINOVER, 1998. p. 7.
[20] WATANABE, 1988 apud CAMBI, 2008. p. 157.
[21] CAMBI, 2008, p. 157.
[22] COMOGLIO, 1995 apud CAMBI, 2008. p. 157.
[23] MOREIRA, 1989 apud CAMBI, 2008. p. 157.
[24] CAMBI, 2008, p. 161.
[25] Ibid., p. 166.
[26] FERRAJOLI, 2001 apud CAMBI, 2008. p. 167.
[27] FERRAJOLI; FERRI; TARUFFO, 1995 apud CAMBI, 2008, p. 168.
[28] OLIVEIRA, 2008, p. 229.
[29] MENDES, 1899 apud OLIVEIRA, 2008, p. 229.
[30] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Saraiva. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 10.
[31] OLIVEIRA, 2008, p. 232.
[32] OLIVEIRA, 2008, p. 234.
[33] CANOTILHO, 1991 apud OLIVEIRA, 2008. p. 236.
[34] Ibid., p. 236.
[35] OLIVEIRA, 2008, p. 236.
Advogado em Itabuna/BA, graduado pela União Metropolitana de Educação e Cultura - UNIME
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HORA, Rodrigo Santos da. A principiologia como base fundamental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2010, 01:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21335/a-principiologia-como-base-fundamental. Acesso em: 22 nov 2024.
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