SUMÁRIO
1- Introdução. 2- Posicionamento constitucional do lucro e do crédito: as instituições financeiras na ordem econômica. 2.1. Ordem Econômica e Sistema Financeiro. 2.2- O Papel Institucional do Sistema Financeiro. 2.3- Intermediação Financeira, Lucro e Crédito. 3. O Contrato e a nova configuração do Direito Privado no Brasil. 3.1- O Contrato e o Código Civil de 2002. 3.2- O Contrato de consumo e sua relação com a lei 8.078/90. 3.3- A Teoria do Diálogo das Fontes. 4- O Contrato Bancário de fornecimento de crédito e as cláusulas abusivas. 4.1- O Contrato de Crédito Bancário: Conceito, Natureza Jurídica e Objeto. 4.2- Contratos Bancários e Cláusulas Abusivas. 4.3- Juros Bancários: Possibilidade Jurídica e abusividade. 5- Possíveis Soluções Jurídicas contra os Juros abusivos nos Contratos de Crédito Bancário. 6- Considerações Finais.
RESUMO
O objeto do presente artigo é o enquadramento jurídico das taxas de juros bancários na relação de fornecimento de crédito, adotando-se a atual concepção Civil-Constitucional como parâmetro hermenêutico do Direito Privado brasileiro.
1. INTRODUÇÃO
Os bancos são agentes financeiros por excelência. Principais expoentes do sistema capitalista desenvolvem a função de intermediação financeira, atuando como grandes responsáveis pelo movimentar das riquezas na economia, desconcentrando-as, sendo esta, portanto, a sua atividade-fim.
Atividade bancária e crédito são realidades que mantêm interação necessária conduzida por uma relação de dependência, pois, o crédito não poderia cumprir a sua função de fomento ao consumo e às atividades produtivas sem o agente financeiro que o coloque em circulação, nem os bancos conseguiriam lucros tão significativos não fossem as variadas demandas por crédito. O fato é que a cadeia econômica de um país tem no crédito e na atividade bancária dois sustentáculos da sua existência.
O sistema financeiro possui um detalhado e complexo modus operandi, envolvendo todo um aparato legal, econômico, estratégico, contábil e técnico-operacional que, aliado à tecnologia, transforma-o em um sistema de relações e processos internos que levam a obtenção de resultados otimizados, com baixo nível de entropia, ou seja, desempenho máximo dos serviços prestados com a menor probabilidade de caos nos sistemas, acarretando alta lucratividade.
Tal complexidade abrange as mais variadas formas de atuação dos bancos. A que se destaca neste trabalho é a atividade de fornecimento de crédito. É que, hodiernamente, com a expansão das políticas governamentais que favorecem a estabilidade econômica do país, a exemplo da Lei 8.880 de 27 de maio de 1994, que instituiu o Plano Real, das políticas de crédito facilitado com lastro na arrecadação do PIS e do FGTS implementadas pelo Governo Federal por meio, principalmente, da Caixa Econômica Federal para aquisição de imóveis, e da estratégia de empresas financeiras privadas para levar o crédito mais facilmente ao consumo, o que se verifica, exempli gratia, com o crescimento das vendas utilizando-se o cartão de crédito como meio de pagamento[1], o crédito se dissipou. Deixou de ser uma forma de promover a atividade produtiva e virou mercadoria.
O fenômeno do consumismo em larga escala, observado, principalmente, a partir do final do século XX, fez surgir uma espécie de relação social que vincula pessoas a empresas pelo interesse em adquirir as mais variadas espécies de mercadorias. As relações de consumo são um fenômeno moderno, marca maior do mais acentuado grau de desenvolvimento do comércio massificado.
Com o advento da sociedade de consumo, o crédito tem circulado entre as mais diversas camadas sociais levando a um ritmo de dinamismo da economia até então inédito.
O avanço do consumismo pautado no estilo de vida das sociedades contemporâneas que o consagrou como um dos valores a serem atingidos, justificando a ideologia capitalista dominante, gerando expectativas que o consumo do crédito poderia suprir, proporcionou aos bancos um nicho mercadológico a ser explorado.
O consumo em massa é resultado das necessidades criadas pelo mercado, o qual se vale de estratégias de marketing voltadas para incutir nas pessoas a dependência psicológica de produtos e serviços que, em muitos casos, não passam de necessidades superficiais, e estão menos ligadas à funcionalidade pela qual foram adquiridas do que ao íntimo desejo criado em apenas tê-las, restando evidente que o consumismo é uma forma de sentir-se incluído num grupo social que valoriza o ser humano quanto maior for a sua capacidade de possuir.
O crédito é um instrumento a serviço do consumismo e está alicerçado na tendência de crescimento da economia nacional proporcionando aos bancos uma forma rápida de auferir lucros.
Esse encadeamento que envolve agentes financeiros, crédito, consumo e lucro, fez surgir um gênero de relações sociais que se tornaram por demais visíveis aos olhos do Direito por abarcar interesses economicamente opostos: de um lado, as instituições financeiras atuando com o intuito de obter lucro com o fornecimento do crédito, e no outro, o consumidor, necessitando do crédito para obtenção de bens e serviços aos quais, de outra forma, não teria acesso.
Tais relações sociais apresentam, a priori, cunho eminentemente econômico. Entretanto, por despertar pretensões antagônicas o legislador brasileiro, seguindo tendências modernas mundiais, a exemplo do que ocorre na Alemanha, Portugal, Holanda, Estados Unidos, Bélgica, desde 1969, e, no âmbito das Nações Unidas, desde 1985, com a edição da Resolução 39/248, conhecida como “Diretrizes Gerais para a Defesa do Consumidor” [2], elencou-as como relações jurídicas de consumo, outorgando-lhes a proteção do direito do consumidor.
A prática bancária há muito vinha sendo regulada normativamente[3]. Ainda assim, foi a partir da massificação das relações de consumo, como tendência global, que propiciou o aparecimento, com maior intensidade, de algumas práticas abusivas realizadas no ato e na forma de concessão do crédito.
A reiteração das reclamações dos consumidores, materializadas muitas vezes em ações judiciais, fez com que surgisse uma consciência jurídica mais abrangente e voltada para essa nova forma de ilegalidade, caracterizada por cláusulas abusivas constantes dos contratos de fornecimento de crédito.
A mudança de paradigma adotada pela legislação pátria, a partir da Constituição de 1988 e, principalmente, depois da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, inseriu na seara jurídica das relações de consumo de crédito a tendência moderna de proteção à parte hipossuficiente, disponibilizando ao consumidor a proteção necessária para garantir seus direitos nos liames contratuais que travam com os bancos.
De fato, a lei 8.078/1990 inseriu no ordenamento jurídico brasileiro normas atinentes à proteção do consumidor, abrangendo as relações com as instituições financeiras.
Posteriormente, a entrada em vigor do novo Código Civil, inaugurando uma nova fase no que tange ao regramento das relações privadas, agora, então, sob a égide de um novo paradigma do direito contratual que privilegia a função social dos contratos, a boa fé objetiva dentre outros princípios, veio a reforçar o posicionamento a favor da concepção de justiça social entendida também como alicerce do Direito Privado.
Entretanto, a promulgação de tais leis, por si só, não bastou para estancar a abusividade praticada pelos bancos. O aprimoramento da doutrina jurídica consumerista e da jurisprudência brasileiras são essenciais no combate às abusividades. É que, como se pretende demonstrar, o avanço que vem sendo observado no entendimento dos juízes e tribunais, mormente, nos tribunais superiores, aliado à sedimentação de uma doutrina jurídica consumerista voltada para as relações de consumo envolvendo os serviços bancários, e, ainda, o fortalecimento das políticas públicas encarregadas da proteção ao consumidor, são pontos fundamentais para garantir-lhe a proteção jurídica necessária frente às ilegalidades de que é vítima.
A abusividade tem se tornado uma patente nas operações bancárias de fornecimento de crédito. Taxas de juros e tarifas abusivas fazem parte de uma equivocada praxe comercial que favorece os agentes financeiros, rendendo-lhes lucros altíssimos frente, na maioria das vezes, à ruína financeira do consumidor.
Deve-se ressaltar ainda, a fragilidade dos mecanismos e instituições estatais responsáveis pela fiscalização do sistema financeiro, deixando margem para a atuação praticamente livre dos bancos ao fixar juros e tarifas.
O escopo do presente artigo é demonstrar em que consistem as abusividades presentes no ato de concessão de crédito comercial pelos bancos, atinentes à fixação das taxas de juros.
1. POSICIONAMENTO CONSTITUCIONAL DO LUCRO E DO CRÉDITO: AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NA ORDEM ECONÔMICA
Nos tempos contemporâneos, a utilização do crédito alargou-se. Deixou de ser fundamental apenas aos setores produtivos da sociedade e atingiu a grande maioria das pessoas comuns.
O alargamento da procura por crédito foi acompanhado pela intensificação das operações bancárias e, mesmo, pelo aumento da presença dos bancos na vida da sociedade, já que, além das funções tradicionais do crédito (financiar a produção, o que mantinha o crédito vinculado aos setores produtivos), passou-se a consumir crédito para a aquisição de bens e serviços, atingindo-se relações de consumo que abrangem até as camadas sociais de baixa renda.
Desse modo, caracteriza-se o papel dos bancos como instituições responsáveis pela mobilização das riquezas, fazendo-as circular pela sociedade, gerando o dinamismo econômico necessário para qualquer economia de mercado, sendo o crédito a sua faceta mais evidente.
Não fosse fundamental o papel dos bancos, não existiriam instituições do porte do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, com função de, dentre outras, fiscalizar e controlar a atuação das instituições financeiras.
Recorrendo ao ensinamento de FRAN MARTINS (2007, p.497), pode-se conceituar os bancos como
Empresas comerciais que têm por finalidade realizar a mobilização do crédito, principalmente mediante o recebimento, em depósito, de capitais de terceiros, e o empréstimo de importância, em seu próprio nome, aos que necessitam de capital.
Da mesma forma, o crédito justifica sua existência como engrenagem essencial para o crescimento do país, seja incentivando ou ampliando a produção, seja facilitando o consumo.
Pautados no interesse em abranger cada vez mais consumidores, como mola mestra fundamental do capitalismo atual, os agentes financeiros passaram a difundir o crédito como meio mais fácil e eficaz para se chegar onde as condições de renda não são capazes de chegar. O crédito se transformou. Deixou de ser um instrumento de fomento às diversas atividades produtivas e comerciais e passou a ser uma mercadoria.
O consumismo exacerbado, muitas vezes, injustificado, tem cunho eminentemente subjetivo e de conseqüências psicológicas. Propagado pelo estilo de vida contemporâneo, o consumismo é o maior aliado dos interesses comerciais e tem no crédito um elemento para sua efetividade.
Catarina Frade e Sara Magalhães (2006, p. 23), mostram essa faceta psico-social exercida pelo consumismo com vistas ao crédito. Litteris:
Certos tipos de consumos não podem ser descontextualizados ou mesmo conotados como supérfluos na medida em que não constam da lista das prioridades elementares (i.e., orgânicas) do indivíduo. Na vivência social dos indivíduos, esses consumos podem assumir-se como centrais. De um ponto de vista subjectivo, a sua não realização pode acarretar prejuízos relacionados, por exemplo, com a não inclusão num circulo social com repercussões diretas no bem estar psicológico. Assim, um individuo que se encontre inserido num contexto social em que a manifestação de bens materiais seja valorizada e não tiver recursos suficientes que lhe permitam a aquisição desse tipo de bens, encontra no crédito uma via para alcançar esse reconhecimento social.
Importante demonstrar a relação simbiótica entre o hábito de consumir, a necessidade de crédito e o lucro dos bancos, isso porque a tônica da atividade bancária gira em torno da busca pelo lucro nas operações de disponibilização do crédito. Nesse sentido, a tendência contemporânea de incluir um número cada vez maior de consumidores dentro da cadeia de possíveis tomadores de crédito tem se mostrado como de suma importância dentro da estratégia das empresas bancárias, pois, é certo que, quanto maior o volume de dinheiro emprestado, maiores os lucros auferidos. E, como já frisado, o estilo de vida da sociedade pós-moderna consagra o consumo como um dos seus suportes de existência.
O crédito, entendido juridicamente, é um direito pessoal de caráter patrimonial. É bem jurídico considerado móvel por disposição legal, conforme o art. 83, III do Código Civil. O crédito comercial bancário enseja a disposição econômica de importâncias para certo tomador que fica incumbido da obrigação de restituir, no futuro, a quantia emprestada, podendo ser acrescida de emolumentos legais, como os juros. Essa é a essência da transferência de riquezas através do crédito: a disponibilidade à vista de quantias, para o seu recebimento posterior, com acréscimos legais que gerem lucro para o agente credor.
2.1. Ordem Econômica e Sistema Financeiro
A supremacia da Constituição se impõe incontestavelmente como princípio basilar do ordenamento jurídico pátrio. De fato, o Estado democrático de Direito se fundamenta logicamente na imperiosidade das normas constitucionais que funcionam como sustentáculo lógico-formal onde todas as espécies normativas de hierarquia inferior buscam validade. Assim sendo, são normas constitucionais, tanto as regras legais positivadas que tratam de direitos e garantias fundamentais, impõem obrigações aos entes políticos, disciplinam as instituições de defesa da ordem democrática, distribui as competências entre os poderes do Estado e regulamentam o sistema tributário, a ordem econômica e financeira e a ordem social, quanto os princípios, explícitos ou não, que também se fazem presentes na Constituição e possuem papel da mesma grandeza no que tange à sua aplicação e vigência no ordenamento jurídico, conduzindo e balizando as interpretações dos operadores do direito, bem como, orientando a própria atividade do legislador.
Flávio Tartuce (2007, p.79) sugere que três princípios constitucionais devem ser originariamente considerados ao se interpretar o Direito Civil, com vistas à publicização das relações privadas de conteúdo econômico, aproximando, dessa forma, aquele ramo do Direito Econômico.
Na visão do citado autor,
o primeiro deles é aquele que visa a proteção da dignidade da pessoa humana, está estampado no art. 1º, III, do Texto Maior (...). A proteção da dignidade humana, a partir do modelo de Kant, constitui o principal fundamento da personalização do Direito Civil, da valorização da pessoa humana em detrimento do patrimônio.
O segundo princípio visa à solidariedade social, outro objetivo fundamental da República, conforme o art. 3º, I, da CF/88, in verbis: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Por fim, o princípio da isonomia, ou igualdade lato sensu, traduzido no art.5º, caput, da Lei Maior, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza(...)”, balizando juridicamente as relações econômicas no sentido de avaliar o peso que cada parte representa no contrato de que fazem parte, buscando sempre a redução das desigualdades, na medida em que tais partes se desigualam.
E, para reafirmar o fundamento constitucional dos direitos protetores das relações privadas de caráter econômico, a exemplo do Direito do Consumidor, que, como será demonstrado, assume típico caráter de Direito Público, atribuindo-lhes os atributos de efetividade e concretude próprio dos direitos fundamentais, o ordenamento passou a reconhecer a eficácia horizontal de tais direitos, conforme o teor do art. 5º, § 1º da Constituição Federal[4].
Nessa linha, os princípios consagrados no texto constitucional que orientam a ordem econômica estão espalhados pela Carta Política e podem vir explícitos, como a determinação do caput do art.170 que fundamenta a ordem econômica na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, ou implícitos, que é o caso da função social dos contratos a exigir que os pactos firmados, como expressão de circulação de riquezas, obedeçam à função social que deve se fazer presente nas relações econômicas.
Passa-se, então, a um breve estudo acerca da principiologia constitucional da ordem econômica.
Com a inauguração da nova configuração do ordenamento jurídico brasileiro a partir de 1988, valores fundados na dignidade da pessoa humana passaram a orientar o desenvolvimento das atividades política, jurídica e econômica do Estado. A valorização do trabalho humano tem intima ligação com a disposição do inciso III do art. 1º da CF[5], pois, reflete antes de tudo, o direito ao trabalho. A atividade econômica deve ser iniciada, desenvolvida e aprimorada pelo trabalho humano, constituindo o direito ao trabalho um dos objetos do Direito Econômico. O Direito do Trabalho rege as questões jurídicas inerentes às relações de trabalho e emprego, garantindo condições, outorgando direitos e atribuindo obrigações aos empregadores, empregados e trabalhadores abarcados pela legislação trabalhista. O Direito Econômico aparece como pano de fundo do desenvolvimento das relações laborais, funcionando como norte para guiar essas relações no caminho trilhado pela Constituição, ou seja, pela via da consagração do trabalho como engrenagem do erguimento das atividades econômicas.
O trabalho humano livre é a justificativa e o próprio modo de ser das relações econômicas, evitando a especulação ou outras formas de levantamento e manejo de riquezas que não sejam fruto das atividades laborais lícitas. É alicerce elencado como valor social dentro da perspectiva axiológica adotada pelo constituinte como fundamento da República (art. 1º, IV, CF).
Já a livre iniciativa desponta como princípio inerente à atividade econômica diretamente concatenada à liberdade de atuar economicamente, de desenvolver atividades produtivas e negociais lícitas sem carecer de tutela específica ou qualquer autorização estatal para tanto.
É a projeção da liberdade individual na esfera das relações econômicas. Inclui a liberdade de iniciar a atividade, desenvolvê-la, contratar, negociar e expandir os negócios e, mesmo, encerrá-la quando for conveniente.
O poder público atua tão somente fiscalizando e, jamais, permitindo ou autorizando a iniciativa privada, salvo nos casos de concessão, permissão ou autorização para contratação de obras e serviços junto ao Estado. Todavia, é necessário frisar que o livre desenvolver de atividades econômicas deve sempre respeitar valores maiores que estão umbilicalmente ligados a essa permissão constitucional de livre iniciativa. Os incisos do art.170 da Constituição constituem um rol de princípios que interagem na órbita em que circula toda ordem econômica, fazendo atuar teleologicamente os valores nele previstos. São fundamentos e ponto de partida tanto da atuação da livre iniciativa privada, quanto do Estado, quando este atua desenvolvendo atividades econômicas, ou quando fiscaliza os meios privados de produção.
No que diz respeito diretamente ao objeto de estudo deste trabalho monográfico, vale ressaltar os incisos que tratam da função social da propriedade e da defesa do consumidor (incisos III e V, respectivamente). É que tais princípios ensejam uma forte presença na função constitucional atribuída às instituições que compõem o sistema financeiro, como se demonstrará adiante.
O sistema financeiro integra a ordem econômica e, portanto, está sujeito ao regramento principiológico a ela inerente. A atuação das instituições financeiras revela o embate que ocorre entre a empresa comercial que busca lucros, como objetivo maior da atividade por elas desenvolvida, e, o objetivo fulcral atribuído pelo Direito, mormente pelo Direito Econômico, a estas instituições que, por serem expoente do atual sistema financeiro, estão compelidas a obedecer os valores presentes nos princípios norteadores da ordem econômica, além de possuírem relevante papel social, pois, atuam como agentes de mobilização de riquezas.
A Constituição Federal tratou do Sistema Financeiro Nacional em apenas um artigo. E o poder constituinte reformador, a partir da Emenda Constitucional nº40/2003, alterou profundamente os ditames que o normatizavam. A emenda transferiu ao legislador infraconstitucional a competência para elaborar, mediante lei complementar, as regras que irão incidir sobre a atividade financeira. Ainda assim, estão veementemente presentes no caput do art.192 os conceitos primordiais que justificam a atuação das instituições financeiras, visto que, todo o sistema deve estar estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país, e a servir aos interesses da coletividade.[6]
A interpretação sistemática de tal disposição em referência aos princípios inerentes à ordem econômica permite concluir que a atividade fim das instituições financeiras não pode se desvincular da finalidade constitucional que visa à efetividade de normas, dentre outras, como as que elencam a função social da propriedade, a defesa do consumidor, e, em última instância, a dignidade da pessoa humana, pois, o papel do sistema financeiro está delineado no art.192 da Constituição Federal e os valores ali referidos são de observância obrigatória, sob pena de se estar desenvolvendo uma atividade que não atende aos fins que justificam a sua existência, quais sejam, promover o desenvolvimento equilibrado do país e servir aos interesses da coletividade.
Acontece que, ignorando tais disposições, verifica-se no Brasil a desvirtuação da atividade fim das instituições financeiras. As práticas comerciais adotadas no cotidiano das transações bancárias aludem a uma realidade já consumada, configurando a busca do lucro como objetivo primordial a ser alcançado, deixando de lado os valores justificadores da atividade financeira, e enaltecendo a fragilidade da fiscalização exercida pelo Estado, e ainda, o flagrante descumprimento do papel institucional previsto no dever-ser jurídico para aquelas instituições. Tema este que será abordado a seguir.
2.2. O Papel Institucional do Sistema Financeiro
A Constituição da República dispõe no seu título VII sobre a ordem econômica e financeira, e, especifica a matéria reservada à atividade financeira no capítulo IV. Por óbvio que o legislador constituinte inseriu a disciplina do sistema financeiro nacional dentro do âmbito da ordem econômica, não apenas pelos liames de fato que ligam as duas áreas – a atividade financeira certamente é espécie do gênero ordem econômica - mas também, pela intenção de submeter o sistema financeiro aos princípios inerentes à ordem econômica.
Isso se explica porque o sistema financeiro desempenha função basilar na economia do Estado, sendo necessário o seu enquadramento em um esquema jurídico que privilegie os valores trazidos pela Carta de 1988, ligando a atividade financeira ao escopo de perfazer a intenção de distribuição de justiça social, por meio da desconcentração das riquezas, sendo tal atividade serviente dos interesses da coletividade.
Daí se extrai o papel institucional do sistema financeiro: desenvolver, por meio das instituições que o compõem, a sua atividade fim, ou seja, a atividade financeira, caracterizada pela atuação na prestação de serviços de intermediação financeira e mobilização de riquezas, disponibilizando os recursos captados aos diversos setores produtivos e ao consumo das pessoas, gerando, desse modo, a desconcentração da riqueza acumulada e depositada em seus cofres por aqueles que dispõem de excedentes financeiros e procuram tais instituições para obter segurança e retorno monetário para a quantia depositada, sendo esta a sua finalidade social. Obviamente, esta atividade busca também um fim econômico, qual seja, a percepção de lucros.
Esse papel institucional está jungido à principiologia constitucional empregada à ordem econômica, e deve orientar toda a atividade financeira. Destarte, os serviços prestados pelas instituições financeiras, em que pese a busca pela lucratividade, deve-se ater aos fins sociais colimados pelo legislador constituinte ao instituir a atividade financeira como conseqüência de uma ordem econômica equilibrada, principalmente, pela vital importância que desempenham na sociedade em que atuam, quando transfere, para setores da coletividade carentes da aplicação de recursos financeiros, as quantias captadas por meio de depósitos. Esse papel adquire suma importância numa economia capitalista de mercado, onde a tendência à acumulação e concentração de riquezas é característica própria desse meio de produção. Entretanto, o Direito, buscando corrigir as distorções em qualquer área de realização humana, inclusive a área econômica, instituiu regras para que se desenvolva o harmônico equilíbrio entre a busca de lucros e a função social de mobilização de riquezas.
Nesse espectro, é válido constatar que, não apenas o legislador constituinte cumpriu seu papel delineando os princípios da ordem econômica e financeira, mas também o legislador ordinário, por meio de diversos diplomas legais, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, do novo Código Civil, que serão tratados mais abaixo, e, em especial, da lei 8.884/1994 que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Tal norma, em seu artigo 1º, parágrafo único, é clara ao atribuir à coletividade a titularidade dos bens jurídicos por ela protegidos. Fica claro que a previsão legal se coaduna com os princípios consagrados na Constituição, permitindo-se concluir, portanto, pela primariedade do papel social da atividade financeira.
2.3. Intermediação Financeira, Lucro e Crédito
Caracterizada a atividade financeira como atividade-fim primordial das instituições financeiras, de acordo com a visão social contida na principiologia constitucional atinente ao sistema financeiro, resta discorrer sobre a atuação concreta de tais instituições no cotidiano das operações bancárias.
Adentrar nesta análise significa ter em mente não apenas a consecução dos objetivos contidos no texto constitucional, mas também, a efetiva orientação do aparato operacional que forma o complexo sistema financeiro para que atue conforme os ditames legais, prevalecendo o caráter social da função das instituições financeiras, para que a vontade da norma se verifique nas relações materiais que unem pessoas, físicas ou jurídicas, aos bancos.
Mobilizar riquezas desconcentrando-as é captar recursos financeiros daqueles que possuem excedentes, alocando-os nos setores produtivos, fomentando, fortalecendo e desenvolvendo as diversas atividades econômicas, visto que, as empresas e as pessoas nem sempre possuem o capital suficiente para iniciar, ou mesmo, alavancar negócios, ou para adquirir bens e serviços. É nesse patamar que os bancos possuem papel de indiscutível importância, pois, ao emprestar dinheiro para tais atividades, ou ainda, para incrementar o consumo, está disponibilizando condições para o desenvolvimento da economia, acarretando mais contratações, maior arrecadação, e, portanto, o progresso do país.
No Brasil, foi registrado no primeiro semestre deste ano, um aumento da procura por crédito bancário destinado a empresas da ordem de 30% em relação a todo o ano de 2007, totalizando um volume de R$ 180,3 bilhões, considerando apenas os quatro principais bancos nacionais[7], e, no ano de 2005, 46% dos empréstimos bancários já eram destinados a consumidores pessoa física[8].
Tal ilustração demonstra o vital papel exercido pelas instituições financeiras. Essa força econômica que se destaca numa economia em desenvolvimento como a brasileira tem no crédito o seu principal componente. É por meio do fornecimento de crédito que os agentes financeiros injetam recursos destinados à produção e ao consumo. Apesar de válida e necessária a análise do fenômeno creditício envolvendo os setores produtivos, enveredar por esse caminho se mostra fora dos objetivos do trabalho, cujo intento maior é abranger a discussão acerca do crédito voltado para o consumo.
Embora seja indispensável para o aquecimento de uma economia de mercado, o consumo do crédito traz dupla conseqüência: se, por um lado, proporciona o acesso a bens e serviços que os rendimentos do trabalho não alcançam, ampliando a capacidade de pagamento através da prorrogação da obrigação assumida para datas futuras, por outro, dá origem a diversas situações caracterizadoras de abusos cometidos pelas instituições que o fornecem, sendo tal fato evidenciado em praticamente todas as transações bancárias de fornecimento de crédito ao consumidor. Ilustra-se tal argumento com a lição de Lafayete Josué Petter (2008, p.332):
(...) o agente econômico, no desenvolvimento de sua atividade econômica, aplicará processos que nem sempre são os mais convenientes aos interesses sociais predominantes e, ao objetivar a maior margem possível entre as receitas para seus produtos ou serviços em comparação com os custos de aquisição e insumos, incorrerá em todos os excessos que lhe sejam consentidos.
A ocorrência de práticas abusivas no ato de concessão do crédito acarreta conseqüências danosas ao direito do consumidor e serão estudadas nos capítulos seguintes, importando agora maior detença nos motivos que ensejam essa atuação abusiva dos bancos quando se trata de conceder crédito.
Preliminarmente, faz-se necessária rápida explanação sobre o spread bancário, e a sua relação com o valor do dinheiro disponibilizado pelos bancos na forma de crédito. Para tanto, cite-se o esclarecedor fragmento extraído do jornal Correio Braziliense:
Spread é um termo em inglês que em sentido amplo significa: extensão, amplitude, envergadura, vão de ponte etc. Em Finanças, o termo spread bancário é a diferença entre a taxa de captação e de aplicação, que fica em poder das instituições financeiras.
No Brasil, o spread é elevadíssimo. Atualmente, os bancos de primeira linha conseguem captar dinheiro com taxas de aproximadamente 19,50% ao ano e emprestam a clientes de primeira linha a 61,20% anuais, com ‘‘spread’’ de 41,70% ao ano. No cheque especial, as taxas médias alcançam 160% ao ano; no crédito pessoal, 84,70%; para compra de veículos, 42%. Quanto maior o spread bancário, maior o lucro dos bancos. Quem toma recursos nessas condições corre sério risco de quebrar; e realmente quebra, elevando a inadimplência.
Os bancos, para compensar essas perdas, cobram taxas de spread elevadas, tornando o crédito no Brasil proibitivo.[9]
O spread funciona como um termômetro informativo da lucratividade obtida nas operações bancárias, visto que, ele relata a taxa de retorno entre o valor cobrado pela captação de recursos e a realocação desses recursos na economia, sob as mais variadas formas de crédito.
A busca por tal lucratividade tem se revelado como um filão utilizado pelas instituições financeiras para alavancar seus resultados, tornando essa a sua função principal, ou seja, impondo à lucratividade das suas operações uma importância maior do que aquela função social reportada no item anterior que é decorrência lógica da interpretação do papel constitucional que justifica a atividade financeira.
Não obstante, existe o necessário retorno ao empreendimento bancário de concessão de crédito. O lucro é vital para qualquer atividade comercial privada. E a aceitação jurídica do lucro tem fundamento constitucional, pois pautado no desenvolvimento econômico como objetivo da República (CF, art. 3º, II e III). Todavia, o que se verifica é a abusividade das taxas de juros cobradas como retorno ao crédito emprestado e das tarifas praticadas como contraprestação pela utilização do aparato operacional bancário. E isso ocasiona um dos distúrbios à ordem econômica previsto legalmente no inciso III do art. 20 da Lei 8.884/1994, qual seja, o aumento arbitrário dos lucros.
Enquanto prevalecia no Estado o pensamento liberal, de intervenção mínima, livre economia de mercado e propriedade privada dos meios de produção, a apreciação jurídica dos fenômenos econômicos, dentre eles o lucro, restava cúmplice dum sistema concentracionista, em que a acumulação da riqueza é premissa fundamental da sua própria existência, propiciando, então, a manutenção de uma ordem jurídica voltada para a garantia de uma pequena classe privilegiada, ou, quando não, indiferente às conseqüências sociais, mormente as desigualdades causadas pela adoção desse modelo.
A ruptura se iniciou com o incremento do Estado social trazido pela Constituição de 1988. O Estado e o Direito passaram a ter espaço para uma maior regulamentação do Econômico, colocando-o sob a égide do Jurídico e abrindo alas para uma nova forma de pensar e interpretar os fenômenos econômicos, agora então, forçosamente tendo que atuar sob a tutela de princípios como a função social da propriedade, a defesa de uma ordem econômica equilibrada, a função social dos contratos, a defesa do consumidor e do meio ambiente, a redução das desigualdades sociais e regionais.
Nesse diapasão, o lucro passou a ter sua função socialmente determinada, sendo então consideradas infrações à ordem econômica as práticas tendentes a afetar os valores contidos naqueles princípios constitucionalmente consagrados.
Práticas comerciais que tendam a maximizar os lucros, arbitrariamente, adotando-se, por exemplo, taxas de juros abusivas, colocadas no bojo de contratos de fornecimento de crédito ao bel prazer da entidade concessora, à despeito da parca regulamentação exercida pelos órgãos constituídos para fiscalizar a atuação dos bancos, são, sem dúvida, atentatórias contra a ordem econômica, tanto em relação aos princípios que a orientam, quanto em relação aos direitos do consumidor, que resultam materialmente prejudicados por força da busca pelo lucro.
Nesse toar, a correlação lucro-crédito resta alvejada pela intenção das instituições financeiras de maximizar os lucros, obtidos de forma arbitrária através da elevação desmedida de taxas de juros e pela cobrança abusiva de tarifas. O crédito, como componente instrumental daquela relação, pois, serve para movimentar o aparato financeiro proporcionando o retorno ao investimento feito através das taxas de juros agregadas ao seu valor inicial, tem seu fundamento econômico ligado mais à lucratividade de cada operação que lhe dá vida do que ao seu papel social, quando deveria funcionar como agente fomentador do consumo. É como preconiza Geraldo de Faria Martins da Costa (2002, p. 10 apud MARQUES, 2006, p.231):
Na economia do endividamento, tudo se articula com crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como “meio de financiar a atividade econômica”. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo, o crédito não é um favor, mas um direito fácil. Direito fácil, mas perigoso. O consumidor endividado é uma engrenagem essencial, mas frágil da economia fundada sobre o crédito.
O entendimento do crédito como importante instrumento de política econômica com vistas ao consumo é de fundamental importância para o modo de pensar o Direito que envolve a Ordem econômica e, também, o Direito Contratual, pois, é pelo contrato que o crédito é formalmente disponibilizado aos consumidores.
O contrato se insere, desse modo, tanto como elemento formal para a circulação de riquezas – caráter econômico – quanto como instrumento de formalização de deveres e direitos, no que tange à sua função privada de cunho obrigacional – caráter social-privado.
O contorno jurídico das relações de consumo de crédito abarcadas pelo direito contratual e pelo direito do consumidor, bem como, as práticas abusivas que se constituem no bojo dos contratos de fornecimento de crédito serão pormenorizadamente estudadas nas linhas seguintes.
3. O CONTRATO E A NOVA CONFIGURAÇÃO DO DIREITO PRIVADO NO BRASIL
A ordem constitucional vigente solidifica a concepção social do Estado, e, portanto do Direito, e traz a lume a necessidade de ruptura com institutos que consagravam um modo de atuar em linha de conformidade principiológica com o Estado liberal.
Tal ruptura pode ser verificada com a presença de institutos garantistas positivados no texto constitucional, a exemplo da adoção da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, consagradores de princípios que tendem ao desenvolvimento da coletividade em face da tradicional ideologia individualista.
Este novo modo de agir e pensar o Direito e o Estado pode ser sentido com maior tenacidade num ramo de relações jurídicas que, até então, pareciam estar ainda concatenadas com o modelo liberal-individualista: as relações entre particulares, caracterizadoras do objeto primário de estudo do Direito Privado, estão em coadunância com a tendência constitucional de adequação ao novo sistema de normas jurídicas que privilegiam a ordem pública e a justiça social, alçando, por conseguinte, as relações privadas à necessária observação de valores trazidos nessa nova configuração do ordenamento, com vistas ao ser humano entendido em sua expressão social.
De acordo com TARTUCE (2007, p. 33),
(...) são tendências do Direito Privado não só a compatibilização do princípio da liberdade com o da igualdade, como também a busca da expansão da personalidade individual de forma igualitária e o desenvolvimento da comunidade mesmo que ao custo de diminuir a esfera da liberdade individual.
O Direito Contratual, sendo expressão de um dos ramos mais importantes do Direito Privado, qual seja, o Direito das Obrigações, constitui-se em um arcabouço normativo que permite a análise e o entendimento do contrato como instrumento de formalização de direitos e deveres, concretizando sua função de permitir a mobilização de riquezas, visando preencher a vontade das disposições constitucionais a respeito da ordem econômica que consagram princípios como a função social da propriedade e a defesa do consumidor, dentre outros elencados no art. 170 da Constituição Federal, consubstanciando o mister de garantir existência digna a todos.
É fundamental entender o contrato como um instrumento de dúplice natureza jurídica: pertence ao Direito Privado, por extrair das relações obrigacionais a sua existência enquanto instituto jurídico, e, por outro lado, pertence também ao Direito Público, ensejando a interpretação contemporânea do contrato como instrumento de mobilização de riquezas, amparado nos ditames da ordem econômica.
O Estado brasileiro está inserido dentro do sistema capitalista, embora sua ordem jurídica tenha privilegiado valores de uma democracia social. A conseqüência jurídica desse arranjo no âmbito do Direito dos contratos, conforme enfatiza Flavio Tartuce (2007, p.43), é que
Não se pode mais analisar o contrato como simples instituto regulatório dos interesses das partes contratantes, já que nele consta o interesse da manutenção desse modelo, perpetuado pelo tempo e pela sua complexidade.
Uma melhor compreensão do tema sugere a abordagem do Direito Contratual e a sua nova interpretação, de acordo com valores de justiça social.
3.1. O Contrato e o Código Civil de 2002
Como fora colocado, a Carta Constitucional de 1988 trouxe uma nova configuração para diversos institutos jurídicos. No que tange ao contrato, tais alterações repercutem na essência do instituto, visto que, a própria maneira de se pensar o Direito fora modificada, passando a noção de justiça social a fazer parte do espírito das regras fundamentais de organização do Estado e, por conseguinte, da normatização das relações entre as pessoas.
A ruptura com o pensamento liberal transformou ontologicamente a estrutura de tradicionais institutos do Direito Privado, sendo inafastável a necessidade de elaborar uma nova abordagem dos princípios que os fundamentam.
Por óbvio, o contrato, que figurava como alicerce consagrador de princípios tipicamente liberais, a exemplo da autonomia da vontade, da força obrigatória dos pactos, dentre outros, teve de ser repensado.
Vertendo para o ordenamento infraconstitucional a tendência de adequação dos valores de justiça social para as normas jurídicas, o Código Civil de 2002 introduziu, na seara das relações privadas, essa nova concepção social de institutos que se desvinculam da noção liberal do pensamento jurídico que, até então, permeava o Direito Civil.
A mudança foi, inclusive, além dos liames principiológicos e, pode ser observada através de regras positivadas no código, a exemplo do artigo 421 que alude à necessária observância da função social dos contratos como parâmetro necessário para se exercitar a liberdade de contratar.
Ensina Wladimir Alcibíades Cunha (2007, p.72),
a nova concepção social dos contratos requer a presença dos princípios sociais dos contratos, nomeadamente o princípio da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da equivalência material das prestações contratuais, diversos dos princípios liberais clássicos da liberdade contratual, da força obrigatória e da relatividade endógena dos efeitos do contrato, todos derivados da autonomia da vontade.
E ainda,
há de se atentar que, em face do princípio da solidariedade social, estampado em seu art.3º, I, e em atenção à diretiva que determina que a ordem econômica tem por propósito assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, contida em seu art.170, a Constituição Federal de 1988 não é concordatária com a existência de contrato baseado tão-só na autonomia da vontade[10].
Pode-se concluir, portanto, pela mitigação dos princípios contratuais clássicos baseados na liberdade contratual e na autonomia da vontade. Não obstante, não se deve entender que tais princípios restem ultrapassados, ou, devam ser afastados da inteligência que se deve fazer ao se interpretar o contrato. Acontece é a necessidade de adaptação dos princípios liberais ao novo modelo consagrador do entendimento da concepção social dos contratos.
A vontade ainda persiste como elemento de maior importância para o instituto do contrato. De fato, a vontade livre e manifestada sem vícios é a base fundamental para qualquer negócio jurídico válido. Mas isso não deve ser entendido mais, como algo absoluto, ou seja, a pura manifestação livre e lícita da vontade não garante que as cláusulas contratuais estejam em conformidade com a nova linha principiológica adotada para informar o contrato, pois, é necessário também que as vontades sejam justas e privilegiem valores sociais.
Desse modo, princípios como o da função social do contrato, tomam corpo e importância dentro dessa nova abordagem, ilustrada, inclusive, em diversos dispositivos do novo Código Civil. Os contratos devem ser interpretados de acordo com a finalidade social em que são concebidos, buscando-se afastar prestações desiguais e onerosidade excessiva a qualquer das partes contratantes,
equilibrando a relação em que houver a preponderância da situação de um dos contratantes sobre a do outro. Valoriza-se a equidade, a razoabilidade, o bom senso, afastando-se o enriquecimento sem causa, ato unilateral vedado expressamente pela própria codificação emergente, nos seus arts. 884 a 886[11].
A relativização do principio da autonomia da vontade frente aos novos parâmetros hermenêuticos de compreensão do contrato, está prevista inclusive, como orientação jurídica adotada, por exemplo, na consolidação do entendimento deste instituto prevista no Enunciado nº 23 aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho de Justiça Federal, cujo teor é o seguinte:
A função social do contrato, prevista no art.421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz a atuação desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana[12].
A função social do contrato também pode ser encarada como conseqüência, na ordem privada, do princípio da função social da propriedade, visto que, é decorrência lógica deste. Ora, se o contrato é um instrumento que serve para a mobilização de riquezas através da assunção mútua de direitos e obrigações entre as partes de determinado negócio jurídico, parece correto concluir que um dos fins sociais a que se destina é viabilizar juridicamente a transmissão da propriedade. Tal transação não pode descartar o fim social não apenas do contrato, quando este envolve a propriedade como seu objeto, mas também, a destinação social da propriedade, pois, esta é concebida em conformidade com a Constituição, desde que, desempenhe sua função social. Um contrato de compra e venda, verbi gratia, não pode abarcar disposições acerca de uma propriedade privada que esteja voltada para fins ilícitos, porque estaria contemplando um objeto, do mesmo modo ilícito, e seria, portanto, um ajuste maculado por uma função anti-social. É o que constata Wladimir Alcibíades Cunha (2007, p.82):
Deve-se ter em mente que não haveria qualquer sentido em a Constituição Federal atribuir função social à propriedade e não fazê-lo ao meio de aquisição da propriedade, ao meio de circulação das riquezas.
Concluindo a abordagem sobre a noção que se deve ter a respeito do princípio da função social do contrato na nova roupagem dada a ordem jurídica privada tanto pela Constituição, quanto pelo Código Civil, é válido citar a lição de Fernando Noronha:
Com relação aos contratos, o interesse fundamental da questão da função social das obrigações está em mostrar que a liberdade contratual (ou, mais amplamente, a autonomia privada), não se justifica, e deve cessar, quando afetar valores maiores da sociedade, supracontratuais, e, além disso e agora no âmbito estritamente contratual, também deve sofrer restrições quando conduzir a graves desequilíbrios entre os direitos e obrigações das partes, que sejam atentatórios de valores de justiça, que também têm peso social. É isto que se pretende significar quando se diz que nos contratos o interesse do credor tem de ser legítimo, para ser digno de tutela jurídica[13]
Ao lado da função social do contrato, o princípio da boa-fé objetiva vem previsto no art.422 do Código Civil e constitui o segundo parâmetro de exegese obrigatória ao se interpretar contratos. O código exige das partes contratantes que se observe, tanto na conclusão, quanto na execução dos contratos, os princípios da probidade e boa-fé.
GONÇALVES (2006, p.35) assim descreve o princípio em comento:
a boa-fé que constitui inovação do Código de 2002 e acarretou profunda alteração no direito obrigacional clássico é a objetiva, que se constitui em uma norma jurídica fundada em um princípio geral do Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de boa-fé nas suas relações recíprocas. Classifica-se assim, como regra de conduta.
A boa-fé objetiva é paradigma que aduz a um comportamento material atribuído às partes de um contrato que devem prezar pela lealdade de proceder em relação às obrigações que assumem, ao comportamento probo para com a outra parte e à idoneidade de conduta para o fiel cumprimento legal e justo das disposições contratuais.
É também cláusula geral que concorre para atribuir eficácia e legitimidade ao contrato, bem como, conferir-lhe a pecha de antijuridicidade, caso não seja observada.
A boa-fé objetiva, portanto, além de cânone interpretativo-integrativo, funciona como norma limitadora ao exercício de direitos subjetivos e como norma de comportamento nos contratos tendentes à criação de deveres jurídicos. Além disso, traz consigo deveres anexos a serem observados pelos contratantes, quais sejam: a) dever de proteção ou de cuidado, cujo conteúdo se volta para a proteção e preservação da integridade física, moral, pessoal, bem como, à integridade patrimonial do co-contratante; b) o dever de informação ou de prestar esclarecimentos, estampado inclusive em diversas passagens do CDC[14]; e c) o dever de cooperação, no sentido de manter fiel colaboração com a outra parte para a execução do contrato, conforme o paradigma da lealdade.
“A não observância desses deveres anexos deverá importar, em termos de dogmática obrigacional, em inadimplemento, ainda que parcial, do contrato”[15].
Para ilustrar o entendimento supra, cite-se o Enunciado nº 24, emitido na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa[16].
Para a perfeita compreensão da nova modelagem trazida pela concepção social dos contratos à interpretação das relações jurídicas privadas é necessária a análise de outro princípio que surge como decorrência lógica da interação entre a função social do contrato e a boa-fé objetiva: é o princípio da equivalência material das prestações contratuais.
A correlação entre o princípio da função social e o da equivalência material pressupõe a observância de duplo aspecto: externamente, exige-se o respeito a interesses coletivos eventualmente associados ao contrato, visto que, de outro modo, a função social estaria prejudicada caso se permitisse o abuso de direitos subjetivos em nome do respeito às clausulas avençadas, e, internamente, no âmbito do contrato, a troca econômica deverá se realizar de forma justa e equilibrada.
O princípio da equivalência material das prestações contratuais ganha especial relevo para o objeto deste trabalho, pois, ele supõe o reconhecimento da posição de vulnerabilidade da parte contratual mais combalida economicamente, em prol de um ajuste onde haja perfeito equilíbrio entre o que se assume como obrigação e o que se aufere como vantagem ou direito.
Acrescenta Paulo Luiz Netto Lôbo (2002, p.18 apud CUNHA, 2007, p. 99):
O princípio da equivalência material busca preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após a sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes (...).
Como pôde ser observado, os aspectos apresentados neste tópico convergem para uma teoria contratual que privilegia o entendimento acerca de um instituto modificado e assentado num Direito Privado também modificado para atender os liames constitucionais que confabulam uma ordem jurídica mais justa e cercada por valores onde o que se pretende é atender, cada vez mais, interesses gerais, privilegiando a coletividade e, portanto, as noções de bem comum e justiça social.
Nesse espectro, é fundamental o enquadramento das relações de consumo como sendo também amparadas por essa nova concepção social. Os contratos bancários de fornecimento de crédito não escapam desse modelo e, apesar de se situarem no âmbito do Direito do Consumidor, é indubitável que os novos princípios aqui tratados a eles se aplicam com inteireza.
3.2. O Contrato de Consumo e sua Relação com a Lei 8.078/90
Como dito, o contrato é o principal instrumento jurídico utilizado no ato de concessão do crédito. É também, o mais importante instituto do Direito Privado. Portanto, para justificar uma normatização correta e justa das relações de consumo do crédito, faz-se mister que se entenda o novo paradigma que deve ser adotado pela ciência jurídica quando interpretar os contratos, visando uma concepção atual do novo Direito Privado que refaz o seu pano de fundo, deixando de lado as premissas liberais que inauguraram a sua existência moderna, para vestir a roupagem do Estado social, como nova diretriz de sua atuação no sentido de, mesmo no campo da autonomia da vontade, garantir a realização de valores superiores como a justiça social. HABERMAS (1992, p.120) ilustra essa idéia: “Certamente o direito privado passa por uma reinterpretação, quando da mudança de paradigma do direito formal burguês, para o direito materializado do Estado social”.
Reforçando e complementando as disposições constitucionais, vem à tona, no ano de 1990, a lei 8.078, nomeada Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - CDC. Tal norma ficou consagrada como um microssistema jurídico dotado de uma força principiológica que tem o mérito de solidificar o entendimento dessa nova configuração social do Estado. É que o CDC incorpora regras e princípios orientadores de uma vontade legislativa que amplia o modo social de atuar do Direito, pautado especificamente na defesa do consumidor, e revela a intenção de privilegiar a parte hipossuficiente da relação econômica de consumo.
Em que pese se tratar de norma de ordem pública e de interesse social[17] recai seu regramento sobre as relações privadas de consumo e, portanto, sua devida inclusão como tema deste capítulo. Mudanças significativas foram trazidas pelo Código.
Passou-se a tratar como presunção absoluta a vulnerabilidade do consumidor[18], relacionar a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico[19], além de garantir ao consumidor direitos básicos como a educação e divulgação sobre o consumo adequado de produtos e serviços, proteção contra publicidade enganosa e abusiva, possibilidade de modificação de cláusulas abusivas, além de outros dispositivos protetivos constantes do art. 6º.
Além da vulnerabilidade, a
hipossuficiência contratual constitui um plus, um algo a mais, que traz mais um benefício ao consumidor: a possibilidade de pleitear, no campo judicial, a inversão do ônus da prova, conforme prevê o art.6º, VIII, da Lei 8.078/90[20].
Ademais, a lei consumerista incorporou todo um capítulo destinado à proteção contratual auferida ao consumidor. Trata-se do capítulo VI, cujas disposições possuem o forte caráter teleológico de outorgar ao instituto do contrato uma feição de instrumento que funcione como materializador de disposições justas e pautadas na boa-fé objetiva.
MARQUES, BENJAMIN E MIRAGEM (2006, p.125), defendem que a “boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais”. Tal princípio aparece com contornos bem definidos nas disposições do capítulo referido. Por ele, exige-se no contrato de consumo o máximo de respeito e colaboração entre as partes, devendo aquele que atua com má-fé ser penalizado por uma interpretação a contrario sensu, ou por sanções que estão previstas no próprio código.
No tocante ao objeto de estudo deste trabalho, a relação de consumo de crédito passou a ser especificamente albergada como hipótese de incidência das normas consumeristas, por força da disposição do parágrafo 2º, art. 3º, cuja transcrição literal se faz necessária:
Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
O foco protecionista do código referente ao consumo do crédito abriu margens ao entendimento dos Tribunais Superiores acerca da sua incidência sobre as instituições financeiras. O Superior Tribunal de Justiça, desde a edição da Súmula 297[21] e o Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591/DF[22], entendem aplicável o CDC aos bancos.
Mas o aspecto de maior relevo para este estudo diz respeito à previsão legal de combate às cláusulas abusivas nos contratos de consumo. O código reservou toda uma seção para dispor, mediante um bem construído sistema de nulidades e um rol meramente exemplificativo de tais cláusulas, a respeito deste intrincado aspecto contratual: a elaboração de cláusulas que visam fazer prevalecer, em favor das instituições financeiras, situações que configuram abuso envolvendo práticas bancárias de fornecimento de crédito, objetivando um lucro desmedido e arbitrário.
A relação entre os contratos bancários e as cláusulas abusivas será tratada com mais detalhes no próximo capítulo; por ora, vale apenas ressaltar este festejado aspecto da lei consumerista: elencar em seu regramento a possibilidade de, inclusive, pleitear o pronunciamento judicial pela nulidade das cláusulas consideradas abusivas, privilegiando os princípios da boa-fé objetiva, da vulnerabilidade do consumidor e da equivalência material das prestações contratuais.
Cite-se, nesse viés, o entendimento de Wladimir Alcibíades Cunha (2007, p.100) acerca da relação entre a equivalência material e a revisão judicial:
associando equivalência material e revisão contratual, o art. 6º, inciso IV, prevê, como um dos direitos básicos do consumidor, a proteção contra clausulas e práticas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. De igual modo, o inciso V do mesmo artigo, por sua vez, elenca a possibilidade de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
É inevitável, portanto, a intelecção de que a relação econômica de consumo de crédito, estampada nos contratos bancários de fornecimento de crédito, adquire a feição jurídica de relação de consumo, sendo abarcada pela aplicação da lei consumerista. Também, é forçoso concluir que os princípios contratuais supra analisados, mesmo que pertencentes a um ramo jurídico diverso do Direito do Consumidor, devem ser observados por sua íntima ligação com o instituto do contrato, independente do tipo de relação que este formalize.
Para materializar essa comunicação axiológica que une os diversos princípios informadores do contrato, será utilizada a teoria do diálogo das fontes, do alemão Erik Jayme.
Por derradeiro, frise-se que a adoção de sistemas de proteção jurídica do consumidor, fundados no reconhecimento de seus direitos fundamentais e em mecanismos instrumentais adequados para fazê-los valer, constitui a base para a consecução da justiça contratual e, por conseguinte, do respeito à dignidade do ser humano enquanto busca o acesso ao consumo para a satisfação de suas necessidades vitais.
3.3. A Teoria do Diálogo das Fontes
A idéia de constitucionalização do Direito Privado ganhou força com a promulgação da atual Carta Magna e lançou bases para que se repensasse o Direito como um todo. De fato, a tendência de alargamento dos princípios de maior conotação social para uma atuação mais efetiva nas relações sociais, sejam ou não jurídicas, proporciona uma conexão axiológica entre as várias manifestações de institutos jurídicos que vigem para trazer maior conformidade legal e justiça social para as pessoas.
Respeitante ao contrato, tal conexão com vistas a uma atuação social deste instituto pode ser flagrantemente sentida ao se analisar os princípios contratuais sobre a perspectiva de sua incidência: ora incide nas relações privadas comuns, ora nas relações de consumo.
O contrato é, portanto, uma via de comunicação formal que materializa relações jurídicas abrangidas por princípios sociais inerentes a ramos jurídicos diversos.
A concepção de que é possível a interação de tais princípios vem definida pela teoria do diálogo das fontes de Erik Jayme, trazida para o Brasil pela professora Claudia Lima Marques.
O fundamento filosófico para a utilização da teoria vem assim resumido pela docente gaúcha (MARQUES, 2006, p.39):
Segundo Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a narração, o que Jayme denomina de “le retour des sentiments”, sendo o Leitmotiv da pós-modernidade a valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos, manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o “double coding”, e onde os valores são muitas vezes antinômicos.
O Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 sustentam uma fonte de comunicação principiológica que aproxima as duas normas, quando se trata da teoria contratual.
Existe um caráter de complementaridade entre ambos, no que concerne aos contratos. É necessário elencar algumas premissas[23] para o entendimento do diálogo entre as normas com vistas à proteção jurídica do consumidor.
A primeira premissa diz respeito à impossibilidade do diálogo das fontes trazer para o consumidor uma situação de desvantagem em relação a um caso em que o CDC fosse aplicado isoladamente.
A segunda premissa versa sobre o caráter de norma de ordem pública e de interesse social próprio do CDC e alerta que o Código Civil atual também possui normas de ordem pública, mormente aquelas que mantêm relação com o princípio da função social dos contratos.
A terceira premissa lembra os metacritérios comuns para a solução de antinomias que porventura possam existir, quais sejam: o critério da hierarquia, o critério da especialidade e o critério cronológico.
A quarta e última premissa destaca que não se deve olvidar da aplicação dos princípios constitucionais, principalmente, aqueles que visam à proteção da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade social.
Flavio Tartuce (2007, p.88) traz um exemplo bastante prático e ilustrativo do diálogo das fontes numa aplicação interativa do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. Litteris:
Podemos imaginar a possibilidade de se aplicar tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor na formação de um negócio jurídico patrimonial. Imaginemos o caso de uma compra de bem de consumo realizada pela Internet. Ora, para esse caso serão aplicadas tanto as regras previstas para formação do contrato constantes do Código Civil (arts. 426 a 435) quanto as regras prevista para a oferta constantes do Código de Defesa do Consumidor (arts. 30 a 38).
Existe inclusive orientação do Conselho da Justiça Federal prevendo a aplicação do diálogo normativo entre os dois códigos. Tal orientação vem no texto do Enunciado nº 167 elaborado na III Jornada de Direito Civil:
Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos[24].
O que se pretende com a aplicação interativa das disposições dos dois Códigos a respeito dos contratos é oferecer ao consumidor uma maior proteção jurídica contra práticas e cláusulas abusivas.
A teoria contratual fica, portanto, fortalecida no que concerne ao seu intuito protetivo da parte economicamente mais vulnerável.
A análise que segue investigará de que forma o instituto do contrato vem sendo utilizado pelas instituições financeiras que se utilizam de cláusulas abusivas no cerne dos pactos de fornecimento de crédito com o escopo de auferir lucros desmedidos, ferindo, desse modo, a corrente principiologia informadora da atual teoria social dos contratos.
4. O CONTRATO BANCÁRIO DE FORNECIMENTO DE CRÉDITO E AS CLÁUSULAS ABUSIVAS
Depois de analisadas as circunstâncias constitucionais e legais que orbitam em torno do lucro, do crédito e do contrato, passa-se a percorrer o estudo das cláusulas abusivas presentes nos contratos de crédito bancário.
4.1. Contrato de Crédito Bancário: Conceito, Natureza Jurídica e Objeto
O crédito para o consumo é ofertado por todos os bancos comerciais. Pode assumir várias formas, a exemplo da abertura de crédito, do cheque especial, do crédito pessoal, das diversas formas de financiamento, enfim, existe um amplo leque de opções para os tomadores do crédito terem acesso a essa mercadoria que é também uma das âncoras do sistema bancário quando se trata de auferir lucro.
A forma tradicionalmente utilizada para formalizar a disponibilização do crédito é o contrato.
O contrato bancário de fornecimento de crédito é, portanto, um instrumento formal onde estão previstas as disposições acerca do negócio jurídico em que a instituição financeira credora disponibiliza um valor (o crédito), mediante condições para pagamento parcelado ou rotativo, com acréscimos de juros pela utilização do capital, tarifas pela prestação do serviço, além da previsão de encargos por força da mora. São previstas também as obrigações da parte tomadora (o consumidor), dispondo sobre a data para o pagamento das parcelas, inadimplemento e o foro para a discussão de possíveis pelejas jurídicas em torno do contrato.
O tipo de crédito objeto deste estudo é o que se conhece como mútuo feneratício e vem previsto na redação do artigo 591 do Código Civil de 2002[25]. A destinação econômica é fundamental para delinear essa figura monetária, uma vez que, o valor contratado é crédito, ou seja, quantia disponibilizada sob a forma de uma obrigação jurídica de dar, assumida pela instituição financeira e uma obrigação futura de restituir, a cargo do consumidor tomador. Economicamente, o crédito é
toda operação monetária pela qual se realiza uma prestação presente contra a promessa de uma prestação futura. Marca o crédito, por conseguinte, a existência de um intervalo de tempo entre uma prestação e uma contraprestação correspondente (RIZZARDO, 1997, p.162).
Portanto, o contrato que formaliza a concessão do crédito é bilateral, oneroso, podendo ser comutativo, caso as prestações sejam pré-fixadas, de trato sucessivo e, por sua natureza jurídica, é contrato de adesão. Há, ainda, quem entenda o contrato de crédito bancário como contrato cativo de longa duração, pois envolve serviços cuja finalidade é preservar o status do consumidor e de sua família, bem como os atributos da segurança, concessão de crédito, moradia, saúde e educação qualificada. Cláudia Lima Marques (1999, p.68), ensina
(...) a catividade há de ser entendida no contexto do mundo atual, de indução ao consumo de bens materiais e imateriais, de publicidade massiva e métodos agressivos de marketing, de graves e renomados riscos na vida em sociedade, e de grande insegurança quanto ao futuro.
Na verdade, o contrato bancário de fornecimento de crédito é espécie do gênero contrato de adesão. Acontece que a massificação das relações bancárias de venda de crédito exige uma forma hábil e rápida que padronize o instrumento negocial para garantir o máximo de agilidade na hora de comercializá-lo.
A contratação de crédito bancário voltado para o consumo é, atualmente, feita por via do contrato de adesão. E essa é uma circunstância fundamental para o entendimento da ocorrência de abusividades inseridas nesses contratos, principalmente, em relação à taxa de juros.
4.2. Contratos Bancários e Cláusulas Abusivas
Como dito, o contrato de crédito bancário assume a forma do contrato de adesão. E essa é a principal premissa que passa a fundamentar a construção teórica que, a partir de agora, será feita acerca das abusividades presentes em tais contratos.
O contrato de adesão é tratado normativamente tanto pelo Código Civil (arts. 423 e 424), quanto pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 54). A lei civil traça regras atinentes à interpretação do contrato de adesão sinalizando que, havendo cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente e considera nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Já a lei consumerista determina não apenas o modo de exercer a exegese das disposições contratuais, como também, define o que é este tipo de contrato. Assim,
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo[26].
O que se extrai do espírito de ambas as leis ao se reportar à intenção de proteger o consumidor que adere a essa forma de contratação é a admissão de que existe um contrato pré-formulado, contendo a vontade de uma empresa ocupante de uma posição econômica, jurídica e tecnicamente mais forte, que se utiliza da permissão legal que dá existência a esse tipo de contrato para alcançar uma grande quantidade de consumidores de seus produtos e serviços.
Custódio da Piedade Ubaldino Miranda (2002, p.95), reconhecendo a prática tendenciosa caracterizadora da contratação via adesão, esclarece os dados que a compõem:
A pré-formulação de cláusulas que caracterizam certo tipo contratual e disciplinam de modo uniforme e de forma mais ou menos exaustiva a relação jurídica que, com base nesse tipo, irá estabelecer-se entre os contratantes. Um deles, o formulador do contrato, é, em regra, uma empresa ou um grupo de empresas de porte, assessorado por um corpo de profissionais de alta competência, que têm a responsabilidade de forjar o conteúdo contratual; uma vez fixado esse conteúdo, o instrumento contratual fica a disposição de quem quer que deseje contratar.
A prática bancária contempla uma cotidiana contratação por via deste tipo contratual e enseja lesões aos consumidores do crédito, pois, a principal característica comum à contratação adesiva é a impossibilidade de o consumidor não discutir as cláusulas do pacto a que está aderindo.
Nesse cotejo, é fácil incluir e manter no bojo dos contratos de adesão cláusulas que contemplam disposições abusivas e, portanto, ilegais, uma vez que, as empresas financeiras são cientes de que não há, no momento da contratação, outro ato de disposição por parte do consumidor que não seja aderir ou não; ou seja, a vontade contratual da parte hipossuficiente resta tolhida.
Importante, e por isso transcrito literalmente, o ensinamento de Wladimir Alcibíades Cunha (2007, p.127):
Com efeito, estando de posse do poder contratual, as empresas utilizam-se dos contratos de adesão para diminuir seus riscos, aumentar seus lucros, aumentando ainda mais a sua força econômica em comparação com a dos contratantes, o que fazem por meio da mais variada sorte de expedientes, formais e materiais.
Em termos formais, os contratantes fortes desequilibram o contrato por intermédio de termos contratuais imprecisos ou ambíguos, termos contratuais intencionalmente técnicos, letras diminutas, ausência de destaque dos ônus dos contratantes etc.
Mas o principal está em termos materiais: aqui os contratantes fortes agem por meio de estipulação de cláusulas contratuais que, elevando a sua posição e agravando a situação do contratante mais fraco, rompem o equilíbrio contratual, o que se coloca em frontal confronto aos princípios da boa-fé objetiva e da equivalência material das prestações contratuais. Em outras palavras, estipulam cláusulas contratuais que oneram excessivamente as prestações devidas pelos aderentes ou estipulantes; estipulam, enfim, cláusulas abusivas.
A título de ilustração acerca da proteção da parte vulnerável da relação de consumo do crédito, pode-se citar a recente promulgação da Lei 11.785/2008 que alterou o Código de Defesa do Consumidor, na seção que trata do contrato de adesão, para que sejam utilizadas na confecção do contrato caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não seja inferior ao corpo doze.
As cláusulas abusivas são um fenômeno que encontra no contrato de adesão um solo fértil para que floresçam. No caso específico dos contratos de crédito bancário, a análise que segue recairá sobre a abusividade no tocante aos juros praticados na relação de fornecimento de crédito.
4.3. Juros Bancários: Possibilidade Jurídica e Abusividade
Questionar as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras na concessão de crédito, tendo como pano de fundo as possibilidades jurídicas previstas em diversos diplomas legais que atuam como limites aos valores atualmente praticados, bem como, apontar as abusividades presentes em tais taxas é uma tarefa paradoxal, porque, em que pese a flagrante existência de taxas abusivas e de diversas regras legais proibindo tal abuso, o Supremo Tribunal Federal[27] e o Superior Tribunal de Justiça[28]admitem entendimentos que vão de encontro ao sistema de proteção ao consumidor. É o que se pretende demonstrar adiante.
Primeiramente, é necessário classificar teoricamente as categorias de juros legalmente previstas. Os juros bancários podem ser remuneratórios ou compensatórios, ou moratórios.
Os juros remuneratórios são aqueles destinados a remunerar o capital empregado numa operação financeira de crédito. São os frutos do capital.
Juros moratórios são os empregados nos casos de inadimplemento, ou seja, no caso de atraso no pagamento de uma prestação.
Há ainda os juros legais, que são fixados e exigidos por lei.
Por fim, devem-se citar também os juros convencionais que são fixados pela vontade das partes num contrato.
Os juros remuneratórios são os que vão remunerar o capital empregado pelo banco. Esse tipo de juros tem limitação vinculada às disposições do Decreto nº 22.626/1933, que se encontra em vigor, conhecido como “Lei da Usura”, ainda constituindo a principal norma relacionada à imposição de limites para taxas de juros. Assim, já no seu artigo 1º o decreto afirma: “É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal”.
Mais recentemente, o Código Civil também trouxe disposição acerca da possibilidade jurídica para fixação de juros. Tal regra se encontra no já citado art. 591: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Como se percebe, o artigo faz referência ao mandamento contido no art. 406, verbis:
Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Essa ligação entre os dois dispositivos enseja a interpretação sistemática para que se conclua sobre a correta aplicação das restrições legais aos juros remuneratórios, uma vez que, o art. 406 trata dos juros moratórios.
Preliminarmente, cumpre discorrer sobre o entendimento do conceito de “taxa legal”, pois, é a partir da verificação da taxa legal que se terá um parâmetro comparativo que servirá para apontar a abusividade dos juros bancários praticados.
Doutrina e jurisprudência atuais se dividem sobre qual a taxa legal a que se refere o artigo. Para alguns, trata-se da taxa SELIC[29], valendo deixar consignado o entendimento de Mario Luiz Delgado (2003, apud FIUZA, 2003, p. 363), para quem seria mais coerente “a aplicação da taxa SELIC até mesmo para que se atenda à intenção do legislador no sentido de reduzir o inadimplemento contratual, penalizando com mais rigor o devedor moroso”. A esse entendimento também se filia Arnoldo Wald.
Para outros, a exemplo de Flavio Tartuce (2007, p.379), a taxa legal é aquela prevista para o pagamento do crédito tributário e está determinada no parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional[30]. Desse modo, a taxa legal não poderá ser superior a 1% (um por cento) ao mês, ou 12% (doze por cento) ao ano.
Este último posicionamento é que está em coadunância com os princípios e regras inerentes aos limites e possibilidades impostos à fixação das taxas de juros.
Assim sendo, os juros remuneratórios possuem como limite o “dobro da taxa legal”, conforme previsto no Decreto 22.626/1933, assumindo, portanto, o teto de 2% (dois por cento) ao mês, ou, 24% (vinte e quatro por cento ao ano).
No tocante aos juros moratórios, a clara disposição do art. 406 do Código Civil já confere imediata inteligência da norma no sentido de adotar a taxa de 1% (um por cento) ao mês. Solidificando tal entendimento, foi prolatado o Enunciado nº 20, na I Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, cujo teor merece inteira transcrição:
A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês. A utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque o seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, §3º da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano.
Como esclarece Flavio Tartuce, este Enunciado vem sendo utilizado em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça[31]:
Recurso Especial – Taxa Selic – Ilegalidade – Juros de mora de 1% ao mês, contados a partir do trânsito em julgado - Determinando a lei, sem mais esta ou aquela, a aplicação da Taxa SELIC em tributos, sem precisa determinação de sua exteriorização quântica, escusado obtemperar que mortalmente feridos se quedam os princípios tributários da legalidade, da anterioridade e da segurança jurídica. Fixada a Taxa SELIC por ato unilateral da Administração, além desses princípios, fica também vergastado o princípio da indelegabilidade de competência tributária. Se todo tributo deve ser definido por lei, não há esquecer que sua quantificação monetária ou a mera readaptação de seu valor, bem como os juros, devem ser, também, previstos por lei. ‘A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano’ (Enunciado 20, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal).
Recurso especial. Fazenda nacional. Empréstimo compulsório sobre aquisição de combustíveis. Repetição de indébito. Taxa selic. Ilegalidade. Substituição pelos juros de mora de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado.
Determinando a lei, sem mais esta ou aquela, a aplicação da Taxa SELIC em tributos, sem precisa determinação de sua exteriorização quântica, escusado obtemperar que mortalmente feridos de frente se quedam os princípios tributários da legalidade, da anterioridade e da segurança jurídica.Fixada a Taxa SELIC por ato unilateral da Administração, além desses princípios, fica também vergastado o princípio da indelegabilidade de competência tributária.
"A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano"
(Enunciado 20, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal)
Afastada a aplicação da Taxa SELIC, deve incidir, em substituição, a correção monetária pelos coeficientes oficiais, pois esta representa apenas a atualização do valor real do débito, corroído pela inflação.
Não obstante o entendimento deste subscritor no sentido de que devam incidir os juros de mora a partir dos recolhimentos indevidos, in casu, manifestou-se expressamente o Tribunal de origem pela sua aplicação apenas a partir do trânsito em julgado. Na ausência de recurso da contribuinte, então, este deverá ser o dies a quo para sua incidência.[32].
Tributário. Recurso especial. Alínea "c". Contribuição Previdenciária. Compensação. Lançamento por homologação. Taxa selic. Ilegalidade. Juros de mora 1% ao mês a partir de janeiro de 1996. Divergência jurisprudencial conhecida.
Determinando a lei, sem mais esta ou aquela, a aplicação da Taxa SELIC em tributos, sem precisa determinação de sua exteriorização quântica, escusado obtemperar que mortalmente feridos se quedam os princípios tributários da legalidade, da anterioridade e da segurança jurídica. Fixada a Taxa SELIC por ato unilateral da Administração, além desses princípios, fica também vergastado o princípio da indelegabilidade de competência tributária. Se todo tributo deve ser definido por lei, não há esquecer que sua quantificação monetária ou a mera readaptação de seu valor, bem como os juros, devem ser, também, previstos por lei.
"A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano".
(Enunciado 20, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal)[33].
Inobstante o entendimento acima firmado, a matéria ainda é controversa. E, mesmo no Superior Tribunal de Justiça, o tratamento jurídico que vem sendo dado por esta corte aos juros bancários pode ser tido como um leniente permissivo para prática abusiva relacionada à fixação de juros que vão de encontro aos paradigmas legais até aqui elencados.
É que, desde 12.03.2003, no julgamento do Recurso Especial 407.097/RS, a Segunda Seção daquela corte entendeu cabível a aplicabilidade da cláusula contratual que previa juros remuneratórios de 10,90% ao mês,
ou seja, a cobrança de juros de acordo com os índices fixados pelos agentes financeiros, sem qualquer limite, senão a taxa média de mercado, não permitindo a revisão do contrato pelo Estado-juiz, salvo quando o consumidor comprovar que o banco está cobrando juros abusivos em comparação com os juros cobrados de outro consumidor[34].
Este entendimento – a média de mercado como parâmetro – tem sido mantido pelo STJ desde então, e vem provocando críticas por parte da doutrina, relacionadas ao privilégio dado aos bancos para que sejam fixadas taxas de juros em desconformidade com o escopo normativo das leis que se aplicam à matéria. De fato, deixar ao livre alvedrio dos bancos a fixação dos juros é dar carta branca para uma abusividade injustificável, visto o poder econômico já exercido pelas instituições financeiras ao se utilizar do contrato de adesão para firmar a sua vontade no ato de fornecer crédito. E mais: a defesa do consumidor resta prejudicada, posto que, há direta agressão ao princípio da boa-fé, já que, não é idôneo, nem mesmo leal, a fixação de altas taxas de juros estabelecendo uma média de mercado, conseqüentemente, também elevada. Fere o princípio da função social dos contratos por auferir ao contrato de crédito bancário uma posição de instrumento que veicula injustiças ao consumidor, que arcará com prestações elevadas em retribuição ao dinheiro que tomou emprestado; e, por fim, transgride o princípio da equivalência material das prestações contratuais, pois, designa contraprestações díspares, de um lado, acarretando uma obrigação por demais onerosa ao consumidor, de outro, ao banco é dado fixar livremente o valor dos juros.
Outro aspecto que também atua contrariamente ao interesse do consumidor é a necessidade deste ter de demonstrar a abusividade dos juros praticados em comparação a outros contratos símiles. Explique-se: o consumidor que se sentir prejudicado pela elevada taxa de juros deverá, para que sua revisional seja aceita, juntar aos autos outro contrato, de mesma natureza, onde demonstre que foi fixada taxa de juros menor do que a que está sendo questionada. Isso desconfigura o instituto de inversão do ônus da prova, previsto no Código de Defesa do Consumidor[35]. Ora, transferir para o consumidor o ônus de levar ao conhecimento do Tribunal um contrato de terceiro é exigir esforço além da sua atuação processual, posto que, é mais fácil para o banco juntar aos autos um contrato similar que pode ser facilmente encontrado em grande quantidade nos seus arquivos.
A inversão do ônus probatório, nesses casos, facilita a defesa do consumidor. E, a contrario sensu, a manutenção do corrente entendimento resulta em prejuízo processual que dificilmente será superado pela parte hipossuficiente.
Cite-se, inclusive, a disposição do Código Consumerista acerca da inversão do ônus da prova, classificando-a como nula quando resulte em prejuízo para o consumidor[36].
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, já possuiu em seu corpo de ministros, aqueles que entendem de modo diverso, salientando a posição privilegiada das instituições financeiras. Para ilustrar, segue voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, no julgamento do Recurso Especial 466.979/RS:
O entendimento que hoje predomina na Segunda Seção é francamente favorável à cobrança dos juros de acordo com os índices fixados pelos bancos, sem outro limite senão a taxa média de mercado e sem possibilidade de sua revisão pelo juiz, salvo quando o mutuário comprovar que o banco está cobrando dele mais do que cobra de outro, em situação similar. Como dificilmente ocorrerá tal hipótese (e, caso ocorra, implique em indevida transferência ao mutuário da carga da prova do abuso, a ser feita possivelmente em pericia de difícil e onerosa realização), o resultado prático daquele julgamento é a liberação dos juros, sejam remuneratórios, sejam moratórios, sem nenhum controle efetivo. Controle administrativo não existe, pois não se reconhece limite imposto pela autoridade administrativa, e o controle judicial fica agora condicionado a uma prova irrealizável, ou de difícil realização[37].
Ao manter tal posicionamento, ou seja, deixar a cargo dos bancos a fixação das taxas de juros, pela adoção da média de mercado, o STJ torna vazias as disposições do Decreto 22.626/1933, do Código Civil, e da Lei 1.521/1951, uma vez que, todas fazem referência à necessária vinculação dos juros aos limites estabelecidos pela taxa legal do art. 161, §1º do Código Tributário Nacional.
O Supremo Tribunal Federal também mantém entendimento sobre a fixação das taxas de juros contrário à linha da defesa do consumidor. É o que se conclui pela análise da Súmula 596:
As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
A história das constituições brasileiras mostra que havia uma tradição no pensamento jurídico quanto ao tratamento dado aos juros. O país sempre se preocupou com a prática abusiva dos bancos e com a forma usurária de se capitalizar os juros. A edição do decreto supra mencionado se deu na era do governo Vargas e, posteriormente, a própria Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 previa no parágrafo único do artigo 117: “É proibida a usura, que será punida na forma da lei”[38]. As Constituições de 1937[39] e de 1946[40] mantiveram a repressão à usura. Inclusive, foi no âmbito da ordem constitucional de 1946 que fora editada a lei 1.521/1951, conhecida como “Lei da Economia Popular”, que, dentre outras disposições, prevê como crime contra a economia popular cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei[41]. Saliente-se que as disposições desta lei referentes aos limites à taxa de juros, bem como, à tipificação criminosa das condutas ali previstas encontram-se em pleno vigor.
Entretanto, sob a égide do regime militar, foram outorgadas a Constituição Federal de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 e ambas trataram de extirpar da ordem constitucional a repressão à prática abusiva de juros.
Por fim, em 15.12.1976, o Supremo Tribunal Federal, ignorando a cultura anti-usura dominante no ordenamento jurídico pátrio, sedimentou o entendimento na Súmula 596.
De pronto, há de se destacar a defasagem do entendimento da Corte Maior e a necessidade de revisão da referida Súmula.
Para ilustrar o presente argumento, cite-se o magistério de Flavio Tartuce (2007, p.380):
Assim, não há dúvidas, o posicionamento constante da Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal deve ser revisto, inclusive pelo teor do recente julgamento desse Tribunal quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos bancos.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2004, p.323) também se posicionam a respeito da revisão da Súmula:
Falar sobre a aplicação de juros na atividade bancária é adentrar em um terreno explosivo. De fato, fizemos questão de mostrar como a disciplina genérica do instituto, bem como as peculiaridades encontradas em uma relação jurídica especial, como a trabalhista, em que o próprio ordenamento reconhece as desigualdades dos sujeitos e busca tutelá-los de forma mais efetiva, reconhecendo que, mesmo ali, ainda é observada, no final das contas, a regra geral. Isso tudo para mostrar que “há algo de podre no reino da Dinamarca” quando se fala da disciplina dos juros bancários no Brasil. Tal jocosa afirmação se dá pela circunstância de que, lamentavelmente (grifo nosso), o Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula 596, firmou entendimento no sentido de que ‘as disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional’. Em nosso entendimento, sob o argumento de que a atividade financeira é essencialmente instável, e que a imobilização da taxa de juros prejudicaria o desenvolvimento do país, inúmeros abusos são cometidos, em detrimento sempre da parte mais fraca, o correntista, o depositante, o poupador.
E não é só a taxa de juros a causa de abuso. A forma com que os bancos capitalizam os juros também gera prejuízos financeiros ao consumidor, além de caracterizarem o anatocismo.
Define-se anatocismo como sendo
a prática da capitalização dos juros, de sua cobrança em percentuais excessivos e, enfim, de toda operação contábil que, nos contratos pactuados entre bancos e clientes, venha a impor em detrimento destes e benefício daqueles encargos por demais onerosos (GARCIA, 2002, p.95).
A prática do anatocismo é proibida pela nossa legislação que autoriza apenas a capitalização dos juros ao capital. Para melhor compreender como se verifica a ilegalidade no anatocismo, é necessário entender como funcionam os regimes de capitalização dos juros.
Existem dois tipos de regimes capitalização de juros: os que se utilizam dos juros compostos e o dos juros simples.
No regime dos juros compostos o juro formado em cada período de capitalização é incorporado ao capital inicial, essa totalização de “capital + juros” (montante), passa a render juros no período seguinte, Ou seja, juros sobre juros. No caso dos juros moratórios a prática é ainda mais tenebrosa, visto que, passam eles a incidir sobre o montante, resultando em juros sobre “juros sobre juros”.
Eis o anatocismo.
Na capitalização dos juros simples, o capital rende juros num período, mas o montante gerado serve apenas para apurar a dívida desse período, não acumulando para o período seguinte, quando apenas o capital inicial será novamente capitalizado pela taxa de juros fixada. Desse modo os juros rendem apenas num período nunca aumentando o montante para o período seguinte.
O problema é que todas as operações bancárias lançam mão do sistema de capitalização dos juros compostos, utilizando-se da determinação do artigo 5º da medida provisória n° 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, que "dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro nacional, consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências"[42]. E, ao arrepio do artigo 591 do Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados (Recursos Especiais nº 890460/RS e 821357/RS), entendeu possível a capitalização mensal dos juros mesmo depois da vigência do Código Civil de 2002. A propósito, cite-se a notícia da página do Tribunal na internet, publicada sob a epígrafe “Novo Código Civil não rege capitalização de juros nos contratos bancários”:
“As instituições bancárias podem capitalizar juros por períodos inferiores a um ano, ainda que o contrato de financiamento tenha sido firmado após a vigência do novo Código Civil, a partir de janeiro de 2003. As Turmas julgadoras que compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar em dois recursos especiais sobre o tema, decidiram que a nova lei não revogou nem modificou a lei anterior que disciplina os contratos do Sistema Financeiro Nacional no que diz respeito à limitação de juros (grifo nosso). Por isso, em contratos a partir de 30 de março de 2000, vale o artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, que afasta a imposição do limite anual à capitalização de juros, não se aplicando o artigo 591 do Código Civil.
A capitalização de juros corresponde à prática mediante a qual juros são calculados sobre os próprios juros devidos em contratos de empréstimos ou financiamentos bancários, por exemplo. Com a orientação amplamente majoritária fixada pela Terceira e pela Quarta Turma, em termos práticos, esse passa a ser o entendimento pacificado que deverá prevalecer nos julgamentos futuros sobre o tema que venham a ocorrer na Segunda Seção do STJ.
No julgamento mais recente (REsp 890.460), a Quarta Turma atendeu a recurso do banco ABN Amro Real S.A. para que valesse a regra pactuada em contrato, de capitalização de juros mensal, para um financiamento firmado em 30 de outubro de 2003. O voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior, foi seguido por unanimidade naTurma.
Os ministros entenderam que, “mesmo para os contratos de agentes do Sistema Financeiro Nacional celebrados posteriormente à vigência do novo Código Civil, que é lei ordinária, os juros remuneratórios não estão sujeitos à limitação, devendo ser cobrados na forma em que ajustados entre os contratantes”. Isso quer dizer que prevalece a regra especial da medida provisória que admite a capitalização mensal. A posição do STJ reformou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) sobre o tema, anteriormente aplicada ao caso em análise[43].
Mais uma vez esta Corte Superior engendra um entendimento contrário aos interesses dos consumidores e aos princípios e regras legais que regem a matéria deixando margem à continuação das práticas abusivas em relação aos juros bancários.
5. POSSÍVEIS SOLUÇÕES JURÍDICAS CONTRA OS JUROS ABUSIVOS NOS CONTRATOS DE CRÉDITO BANCÁRIO
Após expostas essas breves considerações sobre as abusividades presentes nos contratos de crédito bancário atinentes aos juros, cumpre discorrer sobre os mecanismos jurídicos de tutela dos direitos do consumidor contra tais abusos.
Recorrer ao Poder Judiciário ainda é a melhor opção de que deve se socorrer o consumidor para efetivar seus direitos contra os abusos dos bancos. As soluções em âmbito administrativo podem ensejar a ineficácia de se tentar equacionar os problemas relativos aos juros extorsivos e à cobrança indevida de tarifas. Destarte, resta ao consumidor levar ao conhecimento do Estado-juiz os engodos de que é vítima.
As ações revisionais são as mais utilizadas para questionar a legalidade dos juros, bem como, são instrumentos eficazes para se conceber a redução das taxas, ou mesmo a resolução do contrato.
Importante previsão legal a favor do consumidor está no artigo 51 do Código Consumerista:
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.
É de cabedal importância a previsão de nulidade para a abusividade que afronta à boa-fé, pois, por se tratar de um princípio, a quebra da boa-fé objetiva alcança uma quantidade maior de disposições contratuais. Além disso, por se tratar de nulidade absoluta, o rol deste artigo 51 contém regras indisponíveis à vontade das partes. O reforço a tal argumento tem fulcro no entendimento doutrinário de que nulidade é a conseqüência jurídica atribuída a uma disposição violadora de uma norma de caráter público (CDC, art. 1º). Diferenciando-se, desse modo, da anulabilidade que é a sanção aplicada à violação de norma em que se tutela interesse particular.
Dentre as características das nulidades destaca-se a insanabilidade, a alegação por qualquer interessado, inclusive mediante a decretação ex officio pelo juiz, com efeito ex tunc, dispensa de ação específica para ser reconhecida, imprescritibilidade e impossibilidade de produzir efeitos. Apesar do Código de Defesa do Consumidor não fixar prazo para o exercício do direito de ação que vise à anulação de cláusula abusiva, no âmbito do processo civil, por se tratar de norma de ordem pública, não ocorre preclusão, podendo a nulidade ser questionada em qualquer grau de jurisdição[44].
Em se tratando de revisão contratual, as cláusulas abusivas não guardam ligação com a teoria da imprevisão, ou mesmo, com a teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico, que são causas de revisão do contrato por fatos supervenientes. Na lição de Cristiano Heineck Schmitt (2006, p.84):
O que geralmente se verifica com as cláusulas abusivas é que, pelo fato de a sua abusividade ser potencial, abstrata, ferindo direitos ou impondo obrigações para o futuro, a lesão ao consumidor somente é verificada quando iniciada a execução do contrato. A identificação de uma cláusula abusiva a partir da interpretação do contrato é como “a fotografia atual de um fato já existente.
Em que pese a previsão de nulidade absoluta, ou de pleno direito, do caput do artigo 51, cabe ressaltar que o juiz pode, aplicando interpretação integrativa e apoiado nos artigos 6º, V[45] e 51, §2º[46] do mesmo código, modificar ou revisar cláusula contratual, privilegiando o princípio da conservação dos contratos, desde que, o resultado de tal artifício não resulte eficácia de uma cláusula contrária aos interesses do consumidor (CDC, art. 47)[47].
A idéia de sanação de nulidade absoluta, decorrente do art. 51 do CDC, não é a regra, mas, sim, uma esparsa exceção, representada quase que exclusivamente pelo art. 208 do CC/1916. O §2º do art. 51 do CDC impõe que se esgotem os esforços de integração, em relação aos efeitos do negócio, dispondo o juiz, no caso de normas supletivas (Código de Defesa do Consumidor e legislação correlata) e dispositivas (vontade das partes), bem como podendo proceder à mencionada análise do contexto contratual, a fim de ajustar o conteúdo negocial à vontade expressada pelo consumidor, com observância do princípio da boa-fé. O referido dispositivo legal consubstancia um processo de restauração da vontade legítima do consumidor prejudicado pela cláusula abusiva e consagra o ‘princípio da manutenção do contrato’, sem a presença da cláusula abusiva, com fundamento na função social desempenhada pelo contrato dentro da sociedade, orientando a relação obrigacional, realizando a distribuição equitativa dos direitos e deveres das partes contratantes (SCHMITT, 2006, p.141).
Seja como for, optando o juiz pela decretação da nulidade absoluta, ou, modificando o conteúdo da cláusula para lhe dar eficácia harmonizada com a função social de promover equilíbrio contratual, é importante a disposição do Código acerca das cláusulas abusivas por instituir uma forma direta de controle da legalidade das disposições contratuais.
Todavia, o controle de legalidade via ajuizamento de revisionais não é o único a que se deve fazer menção na luta contra as abusividades. É função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”[48]. Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisível. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma relação jurídica.
Entretanto, percebe-se a pouca atenção dispensada pelo Ministério Público em face da atuação em prol dos direitos e interesses atingidos pelas ilegalidades contra as garantias consumeristas oriundas da ordem econômica. Afirma Lafayete Josué Petter (2008, p. 345):
Em face da transindividualidade de tais direitos, é dever do Ministério Público e das associações legitimamente constituídas desenvolverem considerável esforço para tornar a vida real mais próxima do discurso normativo. A constatação da história é reveladora das poucas iniciativas do Parquet no trato de tais questões e, reflexamente, uma certa inoperância da prestação judicial no respeitante ao assunto – atualmente já com honrosas exceções – dão mostra de que a inspiração liberal oitocentista muito nos influenciou e, ainda, infelizmente, influencia, precisando a todo modo ser exorcizada.
Percebe-se que os direitos dos consumidores lesados por cláusulas abusivas de contratos bancários enquadram-se na categoria dos direitos coletivos e, portanto, podem ser objeto de inquérito civil e ação civil pública.
Em sede constitucional, toda a discussão gerada em torno da alusão às cláusulas que fixam taxas de juros e tarifas abusivas poderia ser evitada caso já tivessem sido editadas as leis complementares a que se refere o artigo 192 da Carta Política normatizando por completo todas as questões intrínsecas ao Sistema Financeiro Nacional.
Nesse caso, é possível vislumbrar o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O referido artigo contém norma de eficácia limitada, e, por tratar de assunto tão importante quanto abrangente, não merece passar tanto tempo sem que o legislador infraconstitucional lhe dê a devida atenção. As questões inerentes ao Sistema Financeiro, pela falta das leis complementares exigidas pela Constituição, continuam carecendo de um plexo normativo que lhe dê efetividade. E é exatamente para se evitar a inefetividade daquela previsão constitucional que se coloca como uma possível e urgente solução o ajuizamento da ação aqui tratada.
A omissão normativa ora elencada atinge não apenas os direitos do consumidor decorrentes de relação creditícia com as instituições financeiras, mas também, de todas as relações jurídicas que estão pautadas em fatos econômicos e financeiros envolvendo aquelas instituições e as conseqüências desta falta de normatização ressoam no Direito Constitucional, Direito Financeiro, Direito Econômico, Direito Civil e até no Direito Ambiental.
Por fim, na relação específica com o Direito do Consumidor, há de se entender que a edição de leis complementares que disponham sobre o Sistema Financeiro Nacional de modo exaustivo, prevendo regras e limites para a atuação dos agentes financeiros, fixando, por exemplo, normas claras e em coadunância com a defesa do consumidor a respeito da fixação das taxas de juros, reforçariam um aprimoramento da cultura consumerista relativa aos direitos do consumidor bancário, além de formar um complexo normativo que serviria de referência para se adequar a atividade financeira que, hoje, não encontra amarras para atuar, procurando evitar, desse modo, a ocorrência de abusividades nas relações de fornecimento de crédito.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de uma atividade vital para a economia e para a sociedade do país, a atividade financeira de fornecimento de crédito requer uma maior atenção dos juristas, sejam doutrinadores, juízes, advogados, enfim, todos os que operam os direitos do consumidor, bancário e econômico, visando o fortalecimento da parte hipossuficiente na relação econômico-jurídica de fornecimento de crédito, bem como, a inibição das ilegalidades praticadas nestas relações.
A análise aqui retratada é parte de um esforço moderno de adequação da atividade capitalista ao modo social de se pensar a sociedade com vistas a uma maior efetividade da justiça.
Para tanto, é necessário recorrer a uma atuação mais efetiva das normas jurídicas, partindo-se dos princípios e regras constitucionais que, a partir da promulgação da recente Carta, inaugurou no Brasil o Estado democrático de Direito, e, por que não dizer, um Estado de Direito social. O ordenamento jurídico infraconstitucional deve se adequar aos parâmetros traçados na Lei Maior acerca desse novo modo social de atuar, o que já se observa em leis protetivas, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor e do Novo Código Civil.
Entretanto, é necessário frisar que o espírito de justiça social reproduzido pelas normas citadas deve-se fazer também presentes na consciência daqueles que são responsáveis pela forma última e maior de dizer o direito: nesse sentido, ficou demonstrado que tarda a ser adotada uma reformulação do entendimento das duas cortes maiores do país, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, no tocante à interpretação a ser dada aos princípios e regras legais que abarcam as relações creditícias entre bancos e consumidores. Reformar o entendimento das posições jurisprudenciais, sumuladas ou não, para adaptá-las à nova realidade daquelas relações, atualizando entendimentos já ultrapassados e garantindo ao consumidor tutela efetiva dos seus direitos é algo não apenas urgente, mas também, necessário.
O entendimento jurisprudencial é o maior responsável pela sedimentação de uma cultura jurídica não apenas em harmonia com a defesa do consumidor, mas também, com o Estado social.
Falar em limitações a atuação das instituições financeiras ainda é adentrar em um terreno perigoso, pois, é patente que a força de tais instituições apresenta no poder econômico um trunfo ainda capaz de influir nas esferas políticas de decisão.
Nesse sentido, é de se aclamar as ponderações doutrinárias recentemente construídas, a exemplo da adequação para o Direito brasileiro da teoria do diálogo das fontes, para trazer ao universo jurídico a necessária conscientização de que o Direito é a principal ferramenta de que dispõe a sociedade para fazer frente aos interesses escusos que assolam as camadas políticas do país. De fato, a atuação jurídica voltada para o povo deve fazer parte de uma luta para que as discussões teóricas e acadêmicas não restem afastadas da realidade. E o Direito é a ponte entre o legitimamente justo e o eticamente correto, uma vez que, o cenário político do país, colhendo o descrédito de escândalo após escândalo parece colocar em contradição a política e o povo:
Quem é o povo, e onde está o povo, nessa forma de organização em que o político é objeto e não sujeito, e se viu privado, pela extorsão política, da titularidade de suas faculdades soberanas? Ninguém sabe responder (BONAVIDES, 2003, p. 26).
Por entender que o campo das relações econômicas é fértil terreno para o florescimento de distorções causadas pelo interesse de poucos, que manipulam a máquina estatal em prol da manutenção desse status quo, onde o privilégio é algo a ser mantido mesmo que ao custo de grandes mazelas sociais, é também o principal baluarte para que se possa falar em justiça social, pois, não há que se pensar o justo sem a igualdade, e esta deve conter não somente a igualdade jurídica – perante a lei – mas a igualdade econômica, que oferece condições para o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.
Nesse sentido, os objetivos propostos foram atingidos ao se demonstrar que a atividade financeira possui um papel primordial na organização do Estado, papel esse representado pela sua atividade-fim, qual seja, distribuir e mobilizar, por meio do crédito, a riqueza que se apresenta concentrada aos bancos.
Restou esclarecido que o consumo do crédito é uma faceta contemporânea da sociedade capitalista e que é papel do Direito albergar a parte hipossuficiente da relação de consumo, efetivando, por meio de normas jurídicas protetivas, direitos oriundos de relações econômicas.
Foram discutidas as novas disposições principiológicas e legais surgidas, principalmente, a partir da Constituição de 1988 e, depois, com o avento do Código de Defesa do Consumidor e do Novo Código Civil, que introduziram no ordenamento jurídico pátrio, novos princípios e regras referentes a um novo modelo de Estado, mais voltado para a efetivação da justiça social, pautado na dignidade da pessoa humana.
Cumprido também o objetivo de elencar as principais abusividades presentes nos contratos de crédito bancário, atinentes a taxa de juros. Aqui, foram analisados os tipos de juros praticados, discorrendo sobre os limites e as possibilidades legalmente permitidos, e seu regime de capitalização; foram apontadas as práticas abusivas adotadas pelas instituições financeiras, que utilizam taxas bem superiores às previstas em lei.
Por derradeiro, espera-se que o intento maior deste trabalho - abordar um aspecto jurídico relevante, qual seja, expor uma relação econômica viciada por abusividades que colaboram para a manutenção de privilégios, e ainda, apontar algumas soluções pertinentes à satisfação dos direitos da parte hipossuficiente daquela relação, inclusive com a atuação institucional e processual do Ministério Público – possa ter colocado significativos argumentos no desenvolver de uma linha de pensamento jurídico que, em coadunância com a noção de realização de justiça social na ordem econômica, possa favorecer a redução do desequilíbrio proporcionado pela atuação das instituições financeiras, bem como, contribuir para o fortalecimento de uma cultura jurídica voltada para a efetivação dos direitos do consumidor de crédito.
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[1] Extraído de http://www.abevd.org.br/htdocs/index.php?noticia_id=150&secao=noticias, acessado em 24/10/08.
[2] Extraído de http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3251, acessado em 25/10/2008.
[3] O tema da regulação dos institutos da atividade bancária possui sua origem remontada ao tratamento dispensado de forma indireta pelo decreto-lei nº 22.626, de 7 de abril de 1933, com o intuito de reprimir a usura. José Batista de Almeida refere o seguinte: “De lá para cá, passando pela Constituição de 1934, surgem as primeiras normas constitucionais de proteção à economia popular (arts. 115 e 117). O Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, e depois o de nº 9.840, de 11 de setembro de 1946, cuidaram dos crimes contra a economia popular, até hoje vigente. É de 1962 a Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico (nº 4.137), que reflexamente beneficia o consumidor, além de haver criado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, na estrutura do Ministério da Justiça (...). Com a lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, passaram a ser punidos os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, denominados ‘crimes do colarinho branco’”(A Proteção Jurídica do Consumidor, 6ª Ed., Saraiva).
[4] CF, art. 5º, §1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
[5] Art. 1º,III, CF: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.
[6] Art.192, CF
[7] Extraído de http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080818/not_imp225901,0.php, acessado em 16/10/2008.
[8] Extraído de http://www.akatu.org.br/central/noticias/2005/11/1220/, acessado em 19/10/2008.
[9] Extraído de http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020506/gui_mgu_060502_60.htm, acessado em 22/10/2008.
[10] Op. cit., p.73.
[11] TARTUCE, 2007, p. 240.
[12] Disponível em http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf, acessado em 18/11/2008.
[13] NORONHA, 1994, apud TARTUCE,2007, p.285.
[14] CDC, art. 30: Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
CDC, art. 31: A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
CDC, art. 46: Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
[15] CUNHA, 2007, p.94.
[16] Disponível em http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf, acessado em 18/11/2008.
[17] CDC, art. 1º: O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
[18] LISBOA, 2001, p. 85 apud TARTUCE, 2007, p. 110.
[19] CDC, art. 4º, III.
[20] TARTUCE, 2007, p. 114.
[21] Súmula 297 STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
[22] Ementa da ADIN 2591/DF, disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp, acessado em 17/10/2008.
[23] TARTUCE, 2007, p. 87.
[24]Disponível em http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf. Acessado em 18/11/2008.
[25] CC, art. 591: Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
[26] CDC, art. 54, caput.
[27] STF, Súmula 596: “As disposições do decreto 22.626/33 (Lei da Usura) não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional”.
[28] STJ, REsp. 407.097/RS: “Os juros bancários cobrados na vigência contrato, somente poderão ser considerados abusivos em relação à taxa média de mercado”.
[29] A descrição de Taxa SELIC pode ser extraída do seguinte excerto divulgado pelo Banco Central do Brasil: “É a taxa apurada no Selic, obtida mediante o cálculo da taxa média ponderada e ajustada das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e cursadas no referido sistema ou em câmaras de compensação e liquidação de ativos, na forma de operações compromissadas. Esclarecemos que, neste caso, as operações compromissadas são operações de venda de títulos com compromisso de recompra assumido pelo vendedor, concomitante com compromisso de revenda assumido pelo comprador, para liquidação no dia útil seguinte. Ressaltamos, ainda, que estão aptas a realizar operações compromissadas, por um dia útil, fundamentalmente as instituições financeiras habilitadas, tais como bancos, caixas econômicas, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários e sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários”. Disponível em http://www.bcb.gov.br/?SELICDESCRICAO, acessado em 20/11/2008.
[30] CTN, art. 161, §1º: Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
[31]STJ, Acórdão: REsp 432823/BA (200200519026), Data da Decisão: 16.09.2004, Órgão Julgador: SegundaTurma,Relatora:MinistraElianaCalmon,Fonte:https://ww2.stj.jus.br/revistaleletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1448788&sReg=20020519026&sData=20041129&sTipo=5&formato=PDF. Acessado em 21/11/2008.
[32] STJ, Acórdão: REsp 217461/PR (199900476280), Data da Decisão: 11.05.2004, Órgão Julgador: SegundaTurma,Relator:MinistroFranciulliNetto,Fonte:http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=selic+e+ilegalidade+e+enunciado+20&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3.
Acessado em 10/01/2009.
[33] STJ, Acórdão: REsp 330746/SC (200100822450), Data da Decisão: 07.11.2002, Órgão Julgador: Segunda Turma, Relator: Ministro Franciulli Netto, Fonte: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=selic+e+ilegalidade+e+enunciado+20&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=12. Acesso em 10/01/2009.
[34] FIGUEIREDO, 2008, p. 60.
[35] CDC, art. 6º, VIII: São direitos básicos do consumidor: a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
[36] CDC, art. 51: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm. Acessado em 30/11/2008.
[37] STJ, Acórdão: REsp 466.979/RS (2002/0106575-5), Data da Decisão:26/05/2003, Órgão Julgador: Segunda Seção, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior. Fonte: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=688785&sReg=200201065755&sData=20030526&sTipo=51&formato=PDF, acessado em 28/11/2008.
[38] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, Art. 117,§único. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm, acessado em 28/11/2008.
[39] Constituição dos Estados Unidos do Brasil, Art. 142: “A usura será punida.” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm, acessado em 28/11/2008.
[40] Constituição dos Estados Unidos do Brasil, Art. 154: “A usura, em todas as suas modalidades, será punida na forma da lei”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm, acessado em 28/11/2008.
[41] Lei 1.521/1951, Art. 4º, a). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1521.htm, acessado em 28/11/2008.
[42] MP 2.170-36, art. 5º: “Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2170-36.htm, acessado em 28/11/2008.
[43] Disponível em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86452, acessado em 29/11/2008.
[44] Dá fundamento a este entendimento: Código de Processo Civil, arts. 267, §3º, 301, §4º e 303, II.
[45] CDC, art. 6º : “São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
[46] CDC, art. 51, §2º: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.
[47] CDC, art. 47: “ As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm. Acessado em 02/12/2008.
[48] CF, art. 129, III. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acessado em 30/11/2008.
Analista processual do Ministério Público do Estado de Sergipe, graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, especialista em Direito Público pela UNIASSELVI/SC, pós-graduando em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Adriano Carvalho. Hermenêutica civil-constitucional dos juros bancários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2010, 08:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21561/hermeneutica-civil-constitucional-dos-juros-bancarios. Acesso em: 22 nov 2024.
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