O estudo da Teoria dos Direitos Fundamentais constitui de suma importância para a construção do presente trabalho, pois além de constituírem as bases do sistema jurídico de um Estado, as normas dos direitos fundamentais ocupam uma posição de destaque na maioria das constituições, uma vez que representam os fins precípuos de um Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que suas normas vinculam a atuação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, além de constituírem o principal ponto de incidência de aplicação do princípio da proporcionalidade.
Antes mesmo de se adentrar no conceito propriamente dito dos direitos fundamentais, o que em razão de sua evolução histórica é algo que deve ser analisado com cautela, mister se faz apontar as inspirações que nortearam as primeiras declarações desses direitos.
Dentre as inspirações que culminaram nas declarações dos direitos fundamentais, não se pode deixar de apontar o pensamento cristão e o jusnaturalista, no qual tinham a visão do homem como algo abstrato. Porém, de acordo com as lições do Prof. José Afonso da Silva não há necessariamente uma ou outra inspiração, uma vez que as declarações de tais direitos são frutos de reivindicações e lutas que conquistaram os direitos nelas consubstanciados, em determinados momentos em que a própria sociedade proporcionou as condições matérias para sua consolidação.
Aponta ainda o mencionado jurista, que para o surgimento de tais declarações, houve a necessidade de que certas condições objetivas e subjetivas estivessem presentes. Segundo este, as condições objetivas destacam-se pelo momento histórico de transição da sociedade absolutista para uma sociedade voltada mais para expansão comercial e cultural[1].
Já as condições subjetivas, segundo a doutrina francesa, consistiram: no pensamento cristão; na doutrina natural dos séculos XVII e XVIII e no pensamento iluminista. Mesmo tendo a doutrina francesa apontado essas três pensamentos como condições subjetivas que proporcionaram o surgimento de tais declarações, cabe ressaltar que tais condições foram sendo superadas ao longo dos tempos, aliado principalmente às revoluções[2] que passaram a ocorrer ao longo dos séculos, e que acabou por trazer novas condições para o surgimento das declarações dos direitos fundamentais.
Com a evolução dos tempos tais declarações passaram a ser vistas não mais como meros documentos que continham alguns preceitos, mas sim como proclamações solenes, para posteriormente constituírem os preâmbulos das Constituições até chegarem no patamar de normas constitucionais de direito.
Como inicialmente apontado, conceituar os direitos fundamentais é algo que requer um estudo aprofundado de suas várias designações terminologias empregadas a esses direitos ao longo de sua evolução histórica. Aos direitos fundamentais já foram designadas várias expressões, tais como: direitos naturais, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais e liberdades públicas.
Dentre essas expressões, a grande maioria fora insuficientemente capaz de expressar o verdadeiro conteúdo e finalidade desses direitos, uma vez que enquanto algumas restringiam o alcance desses direitos, como é o caso das expressões direitos naturais e direitos dos homens, outras já foram superadas pela evolução sócio-econômica do novo Estado de Direito.
A terminologia que mais se coaduna com o conteúdo e o alcance desses direitos constitui-se em direitos fundamentais do homem, pois tal expressão traduz “os princípios que resumem a concepção política do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico”[3].
Assim, é através dessa expressão que os direitos fundamentais encontram sua real essência, no qual consiste em propiciar aos indivíduos uma vida de liberdade com dignidade, havendo assim uma intenção, por parte do Poder Estatal, de proteger e preservar as liberdades individuais conjuntamente com a dignidade humana.
Para a grande maioria dos doutrinadores, o conceito dos direitos fundamentais detém, em razão de sua fundamentalidade[4], um aspecto formal e um material.
Segundo as lições de Ingo Sarlet a fundamentabilidade formal dos direitos fundamentais advém do direito constitucional positivo e consiste em: a) como parte integrante da Constituição, tais direitos representam o ápice de todo o ordenamento jurídico; b) como normas constitucionais, encontram-se sujeitos aos limites formais e matérias, no que diz respeito às reformas constitucionais; c) e enquanto normas diretamente aplicáveis vinculam de forma imediata as entidades públicas e privadas.
Já seguindo as lições de Carl Schmitt o aspecto formal dos direitos fundamentais se caracteriza pelo fato de tais direitos receberem das constituições atuais um lugar de destaque, uma vez que suas normas detêm um maior grau de proteção e segurança em relação às outras normas positivadas no texto constitucional. Proteção esta, garantida no próprio texto constitucional, onde tais preceitos estão inseridos no rol das cláusulas pétreas, o que faz presumir que tais normas detêm um caráter imutável[5].
Já a fundamentalidade material consiste no fato de que tais direitos integrarem a parte material da Constituição, na medida em que tais direitos refletem o conteúdo das decisões fundamentais de um Estado e de uma sociedade.
Importante destacar que o alcance da fundamentabilidade material encontra-se fundada no art. 5°, §2°, no qual dispõe: “os direitos e as garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela dotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. É através desse dispositivo que a fundamentabilidade material possibilita à Constituição uma maior abertura na concepção dos direitos fundamentais, uma vez que tem a possibilidade de reconhecer direitos como fundamentais, mesmo quando estes não estejam inclusos no catálogo instituído por ela mesma.
Tal reconhecimento se dá em razão do conteúdo que esses direitos comportam, aliado ao fato deste conteúdo traduzir valores que acabam sendo compatíveis com o ordenamento jurídico de um Estado.
Ainda com relação à regra contida no art. 5°, §2° da Constituição, cabe salientar que tal preceito induz ao entendimento de que há direitos fundamentais implícitos não só no corpo do texto constitucional, mas também em outros textos, que por alguma razão traduzem determinados valores de um Estado Democrático de Direito.
Feita essas deduções a respeito do conceito formal e material dos direitos fundamentais, cabe salientar que o reconhecimento dessa dicotomia traduz a idéia que o constitucionalismo brasileiro aderiu a certos valores e princípios, mas ao mesmo tempo reconheceu a existência de direitos fundamentais fora do catálogo, admitindo desta forma certa independência com relação ao constituinte ordinário.
Mesmo tendo feita essas considerações a respeito da fundamentabilidade dos direitos fundamentais, conceituá-los ainda é uma tarefa árdua, na medida em que o sentido material desses direitos é algo que está adstrito à realidade de cada ordenamento jurídico, estando tal conceito condicionado a cada realidade social e a cada sistema constitucional considerado isoladamente.
Ao tentar conceituar tais direitos, o Jurista Robert Alexy[6] afirmou que os direitos fundamentais devem ser vistos como posições jurídicas atribuídas às pessoas, que por seu conteúdo e importância (neste caso destaca-se a fundamentabilidade em sentido material) integram o texto constitucional, aliado ao fato de serem retiradas da esfera da disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentabilidade formal em questão), bem como as que, por seu conteúdo e importância, possam lhes equiparadas, agregando-se à Constituição material.
Em razão das grandes transformações, no que diz respeito ao conteúdo, titularidade, eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, são atribuídos a esses direitos a existência de três dimensões e para alguns doutrinadores a existência de uma quarta dimensão. Na seqüência história, os direitos fundamentais podem ser resumidos em três princípios, que manifestam respectivamente suas dimensões, quais sejam: liberdade, igualdade e fraternidade.
Quanto à expressão gerações alguns doutrinadores, a exemplo do jurista Paulo Bonavides, consideram a insuficiente para expressar a evolução histórica do conteúdo desses direitos, uma vez que a terminologia dimensões exprime de maneira mais adequada tal evolução, pois tal expressão não induz uma superposição de um direito consagrado sob outro, na medida em que tais direitos estão em processo de cumulação e expansão.
Outra questão que norteia essa evolução dos direitos fundamentais diz respeito à existência ou não de uma quarta dimensão[7]. Desta forma, é de grande importância, mesmo de forma sucinta, o estudo dessas dimensões, uma vez que estas exprimem as características e os conteúdos de cada direito instituído, demonstrando a importância que cada direito consagrado trouxe para o momento histórico em que foram instituídos.
Os direitos fundamentais da primeira dimensão são aqueles oriundos das revoluções burguesas do final do Séc. XVII, época no qual se buscava a não intervenção estatal na seara dos direitos individuais. Esses direitos se caracterizam por serem de cunho negativo[8], na mediada em que invocam uma não atuação por parte do Estado, refletindo direitos do indivíduo frente à atuação dos poderes públicos, no que diz respeito às liberdades individual do indivíduo.
Por serem fruto do pensamento jusnaturalista, tais direitos garantem aos indivíduos os direitos: à vida, à liberdade, à igualdade perante a lei.
Mesmo sendo direitos que foram consagrados em época tão distante, esses direitos se caracterizam por sua atualidade, o que pode ser comprovado pela sua consagração na maioria dos ordenamentos jurídicos, o que acaba por refletir que tais direitos estão sempre em um processo de expansão e cumulação.
Segundo os ensinamentos de Prof. Paulo Bonavides[9], esses direitos “constituem-se em direitos civis e políticos – já se consolidaram em sua posição de universalidade formal, não havendo Constituição digna desse nome que não os reconheça em toda a extensão”.
Tais diretos atribuem aos seus titulares, os indivíduos, faculdades e poderes que refletem uma subjetividade própria da essência desses direitos, tendo como verdadeiro significado um real instrumento de resistência ou de oposição aos atos estatais, assumindo desta forma um caráter anti-estatal.
Quanto aos direitos fundamentais da segunda dimensão, cabe salientar que estes direitos foram frutos de uma realidade social[10], em que a garantia de direito a uma não intervenção estatal na esfera das liberdades individuais não estava sendo suficientemente capaz de solucionar problemas sócias e econômicos que abarcavam tal época.
Assim, os direitos dessa dimensão caracterizam-se por estarem voltados para uma atuação positiva do Estado, uma vez que oriundos de reivindicações sociais que exigiam do Estado um comportamento mais ativo, no sentido de que este promovesse uma justiça mais direcionada para o social.
Desta forma, tais direitos se caracterizam por serem direitos nos quais os cidadãos não mais iriam questionar a intervenção do Estado na seara das liberdades individuais, mas sim a liberdade por intermédio da atuação do Estado.
O que diferencia os diretos fundamentais da segunda geração para os direitos consagrados na primeira dimensão é justamente o fato de que nesta dimensão havia uma super valorização do homem-singular, livre de opressões do Estado, ao passo que os direitos da segunda dimensão estão mais focalizados no homem inserido na sociedade, garantido aos seus titulares diretos culturais, sociais, econômicos dentre outros voltados sempre para a elevação e concretização do princípio da igualdade.
Ao lecionar a respeito dos direitos consagrados nessa dimensão o Jurista Paulo Bonavides[11] afirmou:
Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, era proteger a instituição, uma realidade social (...), à valorização da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude”.
Tais direitos consagraram aos indivíduos o direito destes exigirem do Estado prestações voltadas para promoção da justiça social, podendo estes exigirem prestações voltadas para a assistência social, para a saúde, educação, dentre outras. Entretanto, cabe ressaltar que nessa dimensão encontram-se direitos que não se caracterizam apenas por uma atuação positiva do Estado, mas também por direitos voltados para as “liberdades sociais”[12], no que compreendem os direitos de greve, sindicalização, ou seja, direitos voltados para a figura do trabalhador .
Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, caracterizam-se por serem direitos que não mais focaliza a proteção do indivíduo frente à atuação estatal ou frente às injustiças sociais, nessa dimensão os direitos agora estão mais voltados para a proteção do indivíduo no contexto grupal, ou seja, direitos que assegurem posições jurídicas no que diz respeito à família, aos povos, às nações.
Assim, o traço primordial e ao mesmo tempo distintivo dessa dimensão comparada às demais, consiste na titularidade desses direitos, que passou do indivíduo para a coletividade. Assim, tais direitos ditos como de fraternidade são vistos como direitos de altíssimo grau de humanismo e universalidade, pois a proteção garantida por esses direitos não mais focaliza o homem considerado em si mesmo, mas sim para sua existenciabilidade.
Em razão desse deslocamento, tais direitos são considerados como direitos coletivos ou difusos, na medida em que conferem aos indivíduos o direito ao desenvolvimento das nações, o direito ao meio ambiente, à paz e à qualidade de vida.
Cabe explicar que ao conceituar tais direitos como coletivos ou difusos não se deve confundir seu conteúdo com os dos direitos sociais consagrados na segunda dimensão, pois estes visam proteger os indivíduos das desigualdades sociais, ao contrário do que ocorre na terceira dimensão, onde a proteção não está voltada para o homem-indivíduo[13], mas sim para grupos humanos, na medida em que a titularidade desses direitos consiste num número indeterminado de indivíduos.
De acordo com os ensinamentos do Jurista Ingo Sarlet os direitos fundamentais da terceira dimensão são denominados de fraternidade ou de solidariedade em razão de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, aliado ao fato de exigirem uma responsabilidade em escala mundial no que diz respeito à sua efetivação.
A questão da existência ou não de uma quarta dimensão o é algo que ainda traz discurssões tanto no direito internacional como nos ordenamentos internos.
No direito pátrio, o jurista Paulo Bonavides foi o principal responsável pelo reconhecimento dessa dimensão, apontando que os direitos aí consagrados são frutos de uma globalização oriunda do neoliberalismo.
É nessa quarta dimensão que os direitos fundamentais passaram também a sofrer um processo de globalização, conferindo aos seus titulares direitos à democracia, à informação e ao pluralismo, ao mesmo tempo em que tal globalização possibilitou uma universalidade dos direitos fundamentais, proporcionando assim, a instituição do Estado Social.
Ainda sob os ensinamentos do Prof. Paulo Bonavides, o direito à democracia comparado aos demais direitos consagrados nas outras dimensões, constitui o ápice de todo o ordenamento, na medida em que é através dele que os demais direitos alcançam o máximo de sua objetividade, obtendo uma eficácia que se irradia em toda a sociedade e em todo o ordenamento jurídico.
É com esta democracia globalizada, que o homem configura a presença da moral da cidadania, tornando-se o centro da gravidade e dos interesses de um sistema.
Antes de se adentrar no questionamento dos direitos fundamentais em nossa atual Constituição, há um ponto muito relevante que merece ser debatido, é o que diz respeito à ligação existente entre tais direitos e as noções de Constituição conjuntamente com o Estado de Direito.
Essa ligação é de suma importância, na medida em que o paralelismo existente entre esses três institutos caminha para proporcionar uma limitação estatal, pois tal ligação traduz a essência do Estado Constitucional, uma vez que tais direitos não apenas constituem a parte formal da Constituição, mas também o elemento nuclear da Constituição.
A ligação entre a Constituição, o Estado de Direito e os direitos fundamentais torna-se evidente em razão do fato da dependência existente entre a Constituição e os direitos fundamentais. Dependência esta explicada pela inserção no texto constitucional de postulados, no qual determinam que os poderes estatais devam concretizar e dar eficácia a esses direitos, proporcionando a devida proteção às liberdades individuais. É justamente atuando desta forma, que o estado assumirá a forma de Estado de Direito.
A respeito dessa ligação, cabe salientar o pensamento do jurista Péres Luño[14]:
Existe um estreito nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, uma vez o Estado de Direito exige e implica, para sê-lo, a garantia dos direitos fundamentais, ao passo que estes exigem e implicam, para sua realização, o reconhecimento e a garantia do estado de Direito.
Seguindo o pensamento de Péres Luño, percebe-se que os direitos fundamentais além de deterem a função limitativa da atuação estatal, também exercem o papel de legitimar o poder estatal, na medida em que a concretização de tais direitos está condicionada ao reconhecimento da ordem constitucional, estando a validade desses direitos subordinados à validade das normas produzidas por este.
Tal pensamento também é consagrado pelo jurista H-P Schneider[15], no qual leciona que os direitos fundamentais podem ser vistos com conditio sine qua non do Estado Constitucional Democrático de Direito.
Assim, além de constituírem um instrumento de defesa das liberdades individuais, os direitos fundamentais constituem no Estado Democrático de Direito um papel de suma importância, uma vez que sendo considerados como um dos elementos da ordem jurídica objetiva, e conseqüentemente, um dos valores básicos de um Estado, estes estão ao lado dos princípios estruturais e organizacionais, constituindo, desta forma, o núcleo essencial de uma ordem constitucional.
Feitas essas considerações a respeito do paralelismo existente entre os direitos fundamentais, a Constituição e o Estado Democrático de Direito, cabe agora discorrer a respeito do papel desempenhado por esses direitos na atual Constituição.
No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, os direitos fundamentais assumiram um papel até então não ocupado nas constituições anteriores, tudo isso em razão da redemocratização que ocorreu antes da promulgação da Constituição de 1988, e que culminou na elaboração de uma Carta de Direito, onde os indivíduos foram instrumentalizados com as normas de direitos fundamentais a combater os arbítrios originários dos poderes públicos.
No que diz respeito às inovações introduzidas pela Constituição de 1988, destaca-se a localização topográfica, atribuída a esses direitos, logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, o que demonstra que tais direitos representam os valores superiores de todo ordenamento constitucional e jurídico. Outra inovação introduzida diz respeito à amplitude do catálogo desses direitos no atual texto constitucional, onde houve um considerável aumento de direitos que passaram a ser protegidos, o que pode ser comprovado pelo número de incisos contemplados pelos artigos 5° e 7°, onde os diversos direitos das quatro dimensões são consagrados.
Dentre as inovações trazidas pela Constituição de 1988, a de maior significado consiste no preceito contido no art. 5°, §1° no qual dispõe: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Segundo este dispositivo os direitos fundamentais passaram a ter aplicabilidade imediata, porém tal aplicabilidade deve ser vista com cautela, na medida em que não são todas as normas de direitos fundamentais que terão uma efetividade de forma imediata, pois há normas constitutivas desses direitos que necessitam de uma atuação posterior do legislador para obterem eficácia.
Outra inovação de grande importância diz respeito a inserção dos direitos fundamentais no rol das cláusulas pétreas. O legislador ao inserir esses direitos no rol das clausulas pétreas, teve a intenção de proteger as normas de direitos fundamentais de possíveis modificações que pudessem alcançar seu conteúdo e seu alcance, consagrando-as com um maior grau de proteção e garantia.
Assim, foi no atual texto constitucional, que tais direitos receberam o status jurídico tão merecido, na medida em que esses direitos representam e constituem os valores maiores de todo o ordenamento constitucional e jurídico do nosso Estado.
Segundo os ensinamentos do Prof. Ingo Sarlet, os direitos fundamentais introduzidos no atual texto constitucional caracterizam-se por deterem um caráter analítico, pluralista e programático. Características estas que representam uma extensão da própria Constituição de 1988, uma vez que nossa Magna Carta também detém essas características.
A exemplo da Constituição de 1988, os direitos fundamentais se destacam pelo seu aspecto analítico, pois suas normas encontram-se positivadas em diversos dispositivos legais distribuídos no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), além das demais normas que se encontram espaçadas ao longo do texto constitucional. Em semelhante situação, os direitos fundamentais assim como a Constituição de 1988, se destacam por seu caráter pluralista.
O pluralismo desses direitos consiste no fato de suas normas asseguram direitos diversos como: os sociais, o direito a vida, à liberdade, os direitos políticos dentre outros, o que demonstra uma garantia a direitos consagrados em todas as dimensões.
Quanto ao seu aspecto programático, ao contrário de que rege o Art. 5°, §1° da Constituição, no qual prevê a aplicabilidade imediata desses direitos, algumas normas de direitos fundamentais necessitam da atuação do legislador ordinário para serem concretizados e consequentemente obterem eficácia normativa.
Dissertar a respeito da natureza jurídica das normas que contêm preceitos norteadores dos direitos fundamentais é algo não suscita maiores obstáculos, na medida em que desde que começaram a serem introduzidos nos preâmbulos das constituições, estas assumiram o caráter de normas positivas constitucionais.
Em razão de serem consideradas como normas constitucionais, tais direitos refletem a concepção filosófico-jurídica de cada Estado, traduzindo os fins que o Estado almeja alcançar, na medida em que é através desses preceitos que os Estados tomam suas decisões, organizando e guiando a sociedade. São para a maioria dos Estados os valores fundantes, ao tempo em que são os fins de uma determinada sociedade e respectivamente os direitos de seus cidadãos.
Importante destacar que a razão destes direitos terem recebido, na maioria das Constituições, o status de normas constitucionais se deu pelo fato destes preceitos terem por base a consolidação do princípio da soberania popular, o que reflete mais uma vez, a consagração de valores norteadores de uma determinada sociedade.
Além de refletirem a soberania popular, os direitos fundamentais se destacam por conterem uma natureza positiva, uma vez que suas normas são oriundas de preceitos constitucionalmente positivados em um sistema jurídico.
Quanto às características dos direitos fundamentais, para a maioria dos doutrinadores estes direitos possuem as seguintes características: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.
A historicidade é uma característica muito evidente aos direitos fundamentais, bastando para isso verificar a evolução dos direitos consagrados nas diversas dimensões apontadas. Já a imprescritibilidade característico dos direitos fundamentais se dá em razão destes sempre serem exigíveis, pois o exercício de tais direitos ocorre só pelo fato de serem reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Quanto à inalienabilidade, por serem direitos que não detêm um conteúdo patrimonial, seus titulares não têm o poder de dispô-los, ao mesmo tempo em que não podem renunciá-los, o que torna tais direitos irrenunciáveis.
Quanto à eficácia e a aplicabilidade das normas definidoras dos direitos fundamentais a Constituição de 1988 é clara ao expressar no art. 5º °, §1° que tais as normas têm aplicabilidade imediata, porém essa aplicabilidade imediata detém algumas exceções no que diz respeito a algumas normas. Para alguns preceitos constitucionais definidores de direitos fundamentais, como por exemplos os direitos sociais, sua aplicabilidade vai depender da atuação ulterior do legislador ordinário, o que demonstra que tais diretos se caracterizam por certas condições de efetividade, mais precisamente no que diz respeito ao espaço limitado para serem efetivados, pois a aplicação das normas definidoras de direitos fundamentais dependerá na maioria das vezes do conteúdo trazido em seus enunciados, o que reflete sua dependência com a conformação político-jurídico que lhe deu o legislador constituinte.
Como anteriormente apontado, os direitos fundamentais por serem considerados como valores precípuos de um Estado Democrático de Direito, a grande maioria dos doutrinadores afirmam que tais direitos possuem uma dupla dimensão, sendo uma apontada como objetiva ou institucional, no qual determina os valores de uma determinada sociedade, e a outra como subjetiva ou individual, direcionada à proteção dos indivíduos frente à atuação estatal.
Cabe destacar que esse entendimento da dupla perspectiva dos direitos fundamentais constitui em um dos maiores avanços no Direito Constitucional contemporâneo, no qual facilitou alcançar com maior nitidez a compreensão do conteúdo e das funções desses direitos.
Mesmo tendo sido uma das grandes inovações do Direito Constitucional contemporâneo, esse entendimento a respeito da dupla perspectiva encontra alguns obstáculos na sua consolidação, tudo isto em razão de tal perspectiva ser uma matéria ainda não muito recepcionada em alguns ordenamentos, onde a matéria ainda traz algumas discussões e controvérsias tanto no campo doutrinário como no jurisprudencial.
Mesmo não sendo uma matéria que no direito pátrio ainda não obteve um estudo aprofundado, cabe aqui fazer algumas considerações a respeito de seu conteúdo e de suas implicações, tendo em vista uma melhor compreensão das funções dos direitos fundamentais. Funções, estas que não devem ficar limitadas apenas à função da defesa das liberdades individuais frente à atuação estatal.
Seguindo esse pensamento, cabe salientar o entendimento de Péres Luño[16], segundo o qual os direitos fundamentais passaram a serem vistos não somente como garantias de uma não intervenção estatal nos interesses individuais, mas sim como valores básicos e fins diretivos de uma ação do poder público.
Quanto à perspectiva jurídico-objetiva dos direitos fundamentais, esta pode ser vista tanto sob o aspecto valorativo como sob o aspecto de reforçar a eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais.
Sob o aspecto valorativo, os direitos fundamentais são vistos como valores básicos e fundamentais de uma comunidade, o que presume que tais direitos não estão necessariamente circunscrito apenas em volta do indivíduo, mas sim em torno de uma sociedade como um todo.
Ainda sob esse aspecto, verifica-se que de tais direitos emana um a eficácia dirigente, no sentido de que cabe aos poderes estatais o dever de concretizar tais preceitos.
Quanto ao aspecto de reforço da eficácia desses direitos, percebe-se que é atribuída ao Estado a incumbência de proporcionar uma proteção a esses direitos, não somente da atuação dos poderes públicos, mas também da atuação de particulares.
Enquanto a perspectiva jurídico-objetiva se refere aos deveres do Estado frente à sociedade, traduzindo-se em princípios vetores, programas e impulsos, a perspectiva jurídico-subjetiva vislumbra com maior clareza a estrutura dos direitos fundamentais, uma vez que estando estes interligados à realização da dignidade da pessoa humana, tende a observar as possibilidades de conflitos quando há interesses antagônicos, bem como a eficácia dessas normas na proteção dos direitos.
Os direitos fundamentais considerados sob a perspectiva jurídico-subjetiva se traduzem em faculdades e poderes, atribuídos aos seus titulares, de impor judicialmente seus interesses constitucionalmente garantidos perante o Estado, o que acaba por formar uma relação, no qual estão presentes o titular, objeto e o destinatário.
No que diz respeito a relação apontada pelo Jurista Ingo Sarlet, o objeto encontra-se interligado aos seguintes fatores: a) às liberdades individuais, pois tais liberdades não se encontram garantidas de maneira uniforme; b) à exigibilidade das normas definidoras de direitos fundamentais, na medida em que há distinções no modo como estas são efetivadas e c) ao fato das normas de direitos fundamentais conterem natureza, pretensões e titulares de diversas naturezas, o que dificulta definir a eficácia e efetividade desses direitos. Assim, a perspectiva jurídico-subjetiva abre para seus titulares um leque de possibilidades, no sentido de que seus interesses estejam sempre em conformidade com as normas consagradas no texto constitucional.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado Constitucional Democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 217: julho-setembro de 1999.
_________. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº217: julho-setembro de 1999.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
COSTA, Ana Rita F. ET ALII. Orientações metodológicas para elaboração de trabalhos acadêmicos. Maceió, EDUFAL, 2004.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 2ª ed. São Paulo: Celso Bastos, 1999.
ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Direitos fundamentais na Constituição de 1998. In: Revista dos Tribunais – Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 6, n° 25: outubro- dezembro, 1998.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado: 2004.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[1] O momento histórico, no qual deu origem às condições objetivas ensejadoras das declarações dos direitos fundamentais, constitui-se numa época em que a monarquia absolutista encontrava-se em declínio, ao passo que uma nova sociedade progressiva surgia, o que tornou a monarquia absolutista em um regime petrificado e degenerado, na medida em que seus governadores não conseguiam mais conduzir suas nações (Silva, 2002, p. 173).
[2] As condições subjetivas, como mesmo aponta o Jurista Paulo Bonavides (2202, p. 174), não podem ser vistas como algo que se manteve no tempo, mas consideradas com algo que se renovava ao longo dos séculos, principalmente no que diz respeito à revolução industrial e ao surgimento da burguesia capitalista, onde o aparecimento de uma nova classe reivindicava por seus direitos até então desprotegidos.
[3]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 178.
[4] Segundo Robert Alexy ( apud SARLET, 2004, p. 86) a fundamentalidade dos direitos fundamentais constitui-se uma característica atribuída a esses direito em razão garantia concedida à dignidade da pessoa humana bem como à proteção de seus direitos .
[5] Acrescenta ainda Carl Schmitt (apud BONAVIDES, 2004, P. 561) que os direitos fundamentais devem ser observados como algo abstrato, sendo excepcionalmente relativizados e mesmo quando isso ocorrer, essa relativização deve ser feita sob um rígido controle da lei, evitando uma possível invasão do seu núcleo essencial.
[6]apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado: 2004, p.89).
[7] Essa discurssão gira em torno do fato de que o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais das três dimensões é questão que não traz maiores dissídios, na medida em que esses direitos estão garantidos e consagrados na maioria das Constituições, aliado ao fato de estarem em constante processo de transformação no direito constitucional.
[8] A expressão de cunho negativo caracteriza-se por ser um dos status apontados pela Teoria de Jellinek (Barros, 200, p. 133/136) os direitos fundamentais asseguram aos seus titulares posições jurídicas que irão assumir, qualificando-os perante o Estado. Segundo esta teoria há quatro tipos de status: o negativo, o positivo, o passivo e o ativo. É no status negativo que as ações dos indivíduos estão livres, não havendo proibições nem ordens, quanto ao status positivo, verifica-se a atuação do Estado na efetivação das normas definidoras de direitos fundamentais, aliado ao fato dos indivíduos estarem dotados de poder para exigir deste o cumprimento de suas obrigações. Ao lado do status positivo encontra-se o status passivo, no qual se traduz nas obrigações que os indivíduos detêm frente ao Estado, e por fim o status ativo, que se refere às competências que todo cidadão tem de participar da formação estatal.
[9]BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.563.
[10] Os direitos consagrados nesta dimensão caracterizam-se por terem sidos direitos frutos de uma realidade social, onde os impactos da industrialização conjuntamente com as doutrinas socialistas fizeram com que os indivíduos reivindicassem por direitos que posicionassem o Estado em uma atuação mais ativa na promoção da justiça social (Sarlet, 2004, p. 55).
[11]BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.565.
[12] Expressão utilizada pelo jurista Ingo Sarlet (2004, p. 56) ao se referir aos direitos da segunda dimensão, no qual os conceitua como direitos consagradores da justiça social.
[13] Terminologia usada pelo jurista Ingo Sarlet (2004, p. 56) para expressar a posição jurídica, no que diz respeito à titularidade do indivíduo no âmbito da segunda dimensão dos direitos fundamentais.
[14] Apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado: 2004, p.69.
[15] Apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado: 2004, p.68.
[16]Apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado: 2004, p. 152.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe, formada pela Universidade Tiradentes, Pós Graduada em Direito Civil, pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Marcia Rafaella Freire. Noções sobre a teoria dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2010, 18:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21651/nocoes-sobre-a-teoria-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 22 nov 2024.
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