1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS:
O objetivo do presente artigo é instigar a discussão acerca do polêmico tema que é o dano moral, mais precisamente do fato, pouco discutido, pertinente à vantagem financeira auferida por empresas com a prática de ilícito violador de direitos da personalidade mesmo quando condenadas ao pagamento de indenizações por danos morais.
Em uma análise rápida a assertiva acima pode parecer desarrazoada, transparecendo uma incoerência lógica afirmar que alguém pode lucrar com a prática de uma conduta antijurídica mesmo sendo condenada, no Judiciário, a ressarcir os danos dela decorrentes.
Inquestionável que o ordenamento jurídico pátrio traz diversos mecanismos de proteção aos direitos da personalidade, alguns de natureza preventiva (evitam a prática do ato lesivo), como as ações cautelares, outros de natureza repressiva, nos casos que a lesão já tenha ocorrido, como a imposição de sanções civis que geram obrigações de reparar o dano, este por sua vez pode ser material ou moral.
Os atos ilícitos, geradores de sanções civis, traduzidas em obrigações reparatórias, nada mais são que ação ou omissão humana, consubstanciada na violação do ordenamento jurídico, causadora de prejuízo a outrem. “A iliceidade de conduta está no procedimento contrário ao dever preexistente” afirma CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. E conclui: “Sempre que alguém falta ao dever a que é adstrito, comete um ilícito, e como os deveres, qualquer que seja a sua causa imediata, na realidade são sempre impostos pelos preceitos jurídicos, o ato ilícito importa na violação do ordenamento jurídico.”
Assim, a violação à norma jurídica, causadora de prejuízo a terceiro, gera a responsabilidade civil do agente que praticou o ilícito e, dessa forma, ele terá o dever de reparar o dano, seja patrimonial e/ou moral, causado, para restaurar-se o status quo ante, para só assim, se alcançar a pacificação social objetivo inquestionável do Direito.
De fato, os atos ilícitos são fontes do direito obrigacional; obrigação, por sua vez, segundo o mestre Álvaro Villaça Azevedo: “é a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para a satisfação de seu interesse” (Teoria..., 2000, p.31).
Diante da prática do ato ilícito a norma jurídica impõe o dever de reparar o dano, é o que preceitua o artigo 186 combinado com o art. 927, em sua parte final, ambos do atual Código Civil, in verbis:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Tais dispositivos garantem a reparabilidade do dano moral, ponto central e irradiador da problemática aqui posta. A par da previsão legal, foi na Constituição Federal de 1988 que a possibilidade de reparação dos danos imateriais realmente teve sua maior evolução, para alguns constituindo o seu nascedouro, antes dela a jurisprudência e a doutrina tinham dificuldades práticas na definição e na valoração do dano moral.
2 – DO DANO MORAL
De certo, o dano moral decorre de uma lesão aos direitos da personalidade, prejuízo que não pode ser simplesmente quantificado, precificado, haja vista a impossibilidade de determinar-se o preço da dor, do sofrimento, da angústia, sentimentos ligados a psique e não ao direito. Em verdade, o que é admitido é a atenuação, mesmo que em parte, das conseqüências, por isso que na praxe forense é utilizada a expressão reparação e não ressarcimento ao tratar do prejuízo imaterial.
As situações que geram dano moral são amplíssimas, não merecendo nessa oportunidade aprofundamento, pois, nem mesmo encontramos pacificação nos tribunais superiores.
Ponto relevante, e que infelizmente, em algumas situações, acaba estimulado o desrespeito aos preceitos protetivos individuais e coletivos, notadamente dos consumidores, decorre da natureza jurídica da indenização por danos morais, questão tormentosa na doutrina e também na jurisprudência. Destarte, existem três correntes doutrinárias e jurisprudenciais que tentam defini-la. Abaixo encontramos a esquematização feita por Flávio Tartuce (Direito Civil, V.2, 2008):
1ª Corrente: A indenização por danos morais tem o mero intuito reparatório ou compensatório, sem qualquer caráter disciplinador ou pedagógico, pois a indenização deve ser encarada mais do que uma mera reparação.
2ª Corrente: A indenização tem um caráter punitivo ou disciplinador, tese adotada nos Estados Unidos da América, com o conceito do punitive damages. Essa corrente não vinha sendo bem aceita pela nossa jurisprudência que identificava perigos na sua aplicação. Entretanto, nos últimos tempos tem crescido o número de adeptos a essa teoria. Aqui esta a teoria do desestímulo, desenvolvida, no Brasil, por Carlos Alberto Bittar.
3ª Corrente: A indenização por dano moral está revestida de um caráter principal reparatório e de um caráter pedagógico ou disciplinador acessório, visando coibir novas condutas. Mas esse caráter acessório somente existirá se estiver acompanhado do principal. Essa tese ainda tem prevalecido na jurisprudência nacional.
Não é forçoso concluir que a depender do poder econômico daquele que viola direito da personalidade, e da corrente aplicada ao caso, a lesão a direito moral mesmo com futura condenação ao pagamento de indenização pode gerar um estímulo, um desistímulo, ou até mesmo um indiferente. As empresas fazem uma simples equação para chegar a essa conclusão: a manutenção daquela prática lesiva, mesmo com eventual condenação, é vantajosa financeiramente? Caso a resposta seja positiva a conduta provavelmente será reiterada.
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Defendemos a indissociabilidade do caráter pedagógico da reparação dos danos morais, para através dele empresas que detenham grande potencial econômico possam ser desestimuladas a reiterar práticas abusivas.
De origem americana, baseada no punitive damages, a Teoria do Desestímulo, defendida no Brasil com maestria pelo mestre Carlos Alberto Bittar, traduz exatamente esse anseio. Temos julgado emblemático no STJ, que demonstra com clareza a função pedagógica da reparação por dano moral:
DANO MORAL. REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR. CONDENAÇÃO ANTERIOR, EM QUANTIA MENOR. Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenação de contributo a enriquecimentos injustificáveis. Verificada condenação anterior, de outro órgão de imprensa, em quantia bem inferior, por fatos análogos, é lícito ao STJ conhecer do recurso pela alínea “c” do permissivo constitucional e reduzir o valor arbitrado a título de reparação. Recurso conhecido e, por maioria, provido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 355.392/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrihi, Rel. p/ Acórdão Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 26.03.2002, DJ 17.06.2002, p.258) (grifo nosso)
Claro que a aplicação desse caráter pedagógico não pode levar a empresa à ruína, mas deve ser capaz de coibir futuras condutas atentatórias, e para isso o magistrado deve se valer de um juízo de ponderação, baseado no princípio da proporcionalidade, no momento de fixação do quantum indenizatório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TARTUCE, Flávio. Direito Civil, V. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo. Ed. Método, 2008.
GLAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume I: Parte Geral. São Paulo. Ed. Saraiva, 2009.
GLAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. São Paulo. Ed. Saraiva, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume IV: Responsabilidade Civil. São Paulo. Ed. Saraiva, 2009.
Graduado em direito pela Universidade Tiradentes, pós-graduado em direito processual pela Unisul. Analista do ministério público de Sergipe - especialidade direito, atualmente exercendo suas atribuições na promotoria de defesa do consumidor.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, Lucas Campos Salmeron. A indústria do dano moral: Atividade lucrativa para as grandes empresas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 set 2010, 07:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21708/a-industria-do-dano-moral-atividade-lucrativa-para-as-grandes-empresas. Acesso em: 22 nov 2024.
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