Casamento, para a ilustre professora Maria Helena Diniz, é “o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo, material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família legítima” (DINIZ, 2004, p. 64).
O ordenamento jurídico brasileiro vem de uma tradição antidivorcista, apoiada pelo direito canônico, herança da colonização portuguesa, que por muitos anos influenciou o legislador nacional, chegando ao ponto máximo quando a indissolubilidade do vínculo matrimonial elevou-se a preceito constitucional, na Carta Magna de 1934, regramento que perdurou nas Constituições de 1937, 1946, 1967 e Emenda Constitucional nº 1 de 1969.
As transformações político-sociais ocorridas no mundo ocidental resultaram em mudanças substanciais no instituto do casamento que perdeu suas características de indissolubilidade e divindade anteriormente existentes.
Hoje há uma tendência natural que o Estado passe a interferir menos nas relações particulares dos cônjuges, isso decorre porque, hodiernamente, o casamento está apoiado, cada vez mais, no amor, no afeto, no desejo mútuo de compartilhar a vida juntos.
O legislador ao buscar soluções para a realidade atual das dissoluções matrimoniais tem que estar sempre atento na evolução histórica, não só do próprio instituto do casamento, mas também de suas formas de rompimento, e, realizando uma análise crítica perceber qual o caminho que deve tomar para que sempre seja dado um passo a frente não havendo retrocessos.
Com o advento do Código Civil de 2002 a expectativa era que fosse seguida a tendência internacional de maior aplicabilidade do divórcio direto em detrimento da separação judicial, o que de fato não ocorreu; pelo contrário foram introduzidas novas causas para a separação litigiosa, prevista no art. 1573.
Importante evolução no campo do divórcio e da separação, merecedora de menção, ocorreu com a aprovação da Lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007 de iniciativa do ilustre ex-ministro da defesa Márcio Tomas Bastos, que permite que a separação e o divórcio consensuais sejam realizados pela via administrativa.
De fato, tal Lei corrobora com os argumentos anteriormente propugnados, ou seja, deve haver, na medida do possível, uma menor interferência estatal nas questões matrimoniais, devendo ser sempre relevante o desejo dos cônjuges, não havendo necessidade da exposição de suas vidas particulares.
No entanto, o grande passo evolutivo do tema realmente se deu com a publicação da Emenda Constitucional 66, em 14 de julho de 2010, que eliminou o instituto da separação, fruto do trabalho do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, que há muito buscava amoldar o sistema jurídico à realidade atual.
Com isso acaba a anacrônica separação judicial que impunha aos nubentes um desgaste desnecessário, tanto psicológico, quanto material, exigindo-se a duplicidade de procedimentos para se acabar com o casamento. A ilustre Maria Berenice Dias defende: “De nenhum senso forçar a mantença do matrimônio durante o período, para só então permitir sua dissolução. Exigir a exposição da intimidade da vida do casal para identificar um culpado, ou impor a espera de um ano para permitir a dissolução de uma união que não mais existe, era, para dizer o mínimo, cruel.” (BERENICE, 2010, p. 14)
Com o fim da separação judicial não subsiste mais questionamentos relativos à culpa, que geravam verdadeiros embates processuais, e acabavam por transbordar a esfera do casal, envolvendo muitas vezes os próprios filhos, que sem dúvida acabavam muitas vezes abalados emocionalmente. Não menos importante, também, foi a eliminação dos prazos para concessão do divórcio.
Desde 14 de julho de 2010, segundo a professora Maria Berenice Dias, “qualquer dos cônjuges pode buscar o divórcio sem precisar declinar causas ou motivos, ou aguardar qualquer tempo. A alteração entrou imediatamente em vigor, não carecendo de regulamentação em sede infraconstitucional. Afinal, se não há prazos para casar, nada justifica a imposição de prazos para o casamento acabar.” (BERENICE, 2010, p. 16)
A alteração foi pequena, se considerarmos apenas o seu aspecto formal, mas imensa quando analisada substancialmente. Abaixo a transcrição da Emenda Constitucional 66:
Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 226. ..............................................................
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio."(NR)
Ponto importante é o relacionado à questão intertemporal. O que ocorre com as pessoas que estão separadas de fato ou judicialmente? Com a alteração constitucional elas podem pedir imediatamente a decretação do divórcio, sem ter que aguardar o decurso de qualquer prazo, facilitando assim a vida de todos, inclusive do Poder Público, através dos cartórios abarrotados de processos.
Portanto, a manutenção da dupla via judicial para por termo ao vínculo matrimonial constituía mera redundância legislativa, resultando apenas em mora na prestação jurisdicional e despesas desnecessárias paras as partes envolvidas, e, para o próprio Estado.
A EC 66/10 representou uma evolução enorme no Direito de Família, e atendeu as expectativas da doutrina mais moderna, porém, certo é que, em verdade, atendeu aos anseios de todos nós, cidadãos brasileiros, que buscamos no Estado proteção, não imposições desarrazoadas.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRASIL, Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil. 6 Ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2004.
DIAS, Maria Berenice. Divórcio Já: comentários à emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 5V
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. 6v.
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 9 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000.
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