RESUMO
O presente estudo demonstra a função institucional Ministério Público na tutela dos direitos inerentes à saúde, em específico na garantia do acesso por parcela da população a medicamentos considerados excepcionais.
A Constituição cidadã de 1988, no seu artigo 1º, inciso III, definiu como um dos princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, considerado uma valor constitucional supremo elaborado para orientar os atos jurídicos do Estado Brasileiro. Dentro desse contexto, estão elencados os direitos à saúde, uma vez que a essência da pessoa humana requer uma condição objetiva: os cuidados da preservação da vida.
Em uma seção específica, o constituinte destacou que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nessa ótica, o direito à saúde é revestido como meta-individual e difuso, ou seja, tem como titular um número indeterminado de pessoas, ensejando a titularidade do Ministério Público para garantir a efetividade desse rol de direitos.
Dentro dessa questão, observamos um aumento na demanda de usuários de medicamentos excepcionais que buscam no Ministério Público um suporte para terem suas necessidades farmacêuticas atendidas frente à recusa do Estado em fornecer tais insumos, ressaltando que, segundo a Portaria 3.916/MS, é considerado medicamento excepcional todo aquele utilizado em doenças raras, de custo elevado e cuja dispensação atende a casos específicos.
Com essa definição, os gestores em saúde têm alegado o custo elevado dos medicamentos como principal motivo para a recusa do seu fornecimento, apoiados na premissa da escassez de recursos e a interferência da grande indústria farmacêutica no processo por meio do lançamento de produtos no mercado que não apresentam inovações farmacoterapêuticas consideráveis na cura de determinadas patologias.
Além desses fatores de ordem técnico-científica, a questão burocrática e a não previsão em lista oficial têm sido pontos de ponderação na negativa do fornecimento desse tipo de produto. Em referência à primeira questão, a dificuldade alegada é que o fato da aquisição desses insumos envolve diversos setores de produção, o que inevitavelmente cria um lapso temporal e torna inviável a prestação desse serviço de maneira rápida. Em relação ao segundo motivo, a justificativa elencada é justamente a dificuldade de inclusão dos medicamentos excepcionais na lista elaborada pelo Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos estratégicos, vinculado ao Ministério da Saúde.
Frente à problemática apresentada, dentre outras, o Ministério Público, como instituição defensora dos interesses sociais, tem a possibilidade de legitimar sua atuação de duas formas: (1) através de procedimentos extrajudiciais (Procedimentos administrativos, Inquéritos Civis, Termos de Ajustamento de Conduta), servindo como elo entre o usuário e o Estado na busca de um consenso; (2) ou por medidas judiciais, a exemplo de ações civis públicas e mandados de segurança, instrumentos utilizados quando as possibilidades de conciliação sobre o assunto mostram-se insuficientes e uma providência mais efetiva se mostra necessária para manutenção da saúde do usuário.
Quanto à legitimidade do Ministério Público, a jurisprudência do STF é clara no sentido de prover ao parquet a tutela desse direito. In verbis:
RE 407902 / RS - RIO GRANDE DO SUL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 26/05/2009 Órgão Julgador: 1ª Turma
LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIO PELO ESTADO. O Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada. (grifei)
Decisão: A Turma conheceu do recurso extraordinário e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. 1ª Turma, 26.05.2009.
No tocante à obrigatoriedade do Poder Público em fornecer medicamentos aos usuários, transcrevemos decisão do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Processo AgRg no REsp 1002335 / RS
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2007/0257351-2 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 21/08/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 22/09/2008 Ementa
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA.
1. O art. 461, §5.º do CPC, faz pressupor que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o seqüestro ou bloqueio da verba necessária ao fornecimento de medicamento, objeto da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.
2. Recurso especial que encerra questão referente à possibilidade de o julgador determinar, em ação que tenha por objeto o fornecimento do medicamento RI-TUXIMAB (MABTHERA) na dose de 700 mg por dose, no total de 04 (quatro) doses, medidas executivas assecuratórias ao cumprimento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor da recorrente, que resultem no bloqueio ou seqüestro de verbas do ora recorrido, depositadas em conta corrente.
3. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante.
4. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais . (grifei)
Seguindo a linha jurisprudencial oportunamente apresentada, destacamos decisão proferida pelo Supremo nos autos do RE 271.286 que confirma essa máxima:
RE 271286 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 12/09/2000 Órgão Julgador: Segunda Turma
E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.(grifei) INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.
Desse modo, as providências ora sugeridas, além da previsão constitucional, encontram repouso nos princípios norteadores do Sistema Único de Saúde (universalidade, integralidade e equidade), tendo o Ministério Público a incumbência de zelar pela submissão dessas normas frente a Lex Maxima, em razão do desenho constitucional desta egrégia instituição como fonte de proteção do interesse público e seu dever de atuar como custos legis (fiscal da lei).
Além desse nível de atuação, as curadorias especializadas na área de saúde têm à disposição outros instrumentos paliativos para que o acesso a esses medicamentos especiais seja garantido, tais como: avaliar a estrutura e o modelo de assistência farmacêutica existente ou o que deve ser aplicado de forma mais adequada; atuar em parceria com as respectivas secretarias de saúde no sentido de identificar os principais problemas enfrentados na implantação do serviço, cobrando do gestor público a aplicação de medidas efetivas para consolidar projetos na área de saúde; com o serviço implantado, fiscalizar o seu andamento, pugnando pelo seu regular funcionamento apoiado nos princípios da legalidade, moralidade e eficiência.
Enfim, tais medidas se revestem na premissa de que o Estado é que deve servir ao homem e não o homem ao Estado, proporcionando condições de vida salutares àqueles que em razão do binômio patologia-estrutura social têm dificuldade de acesso a insumos necessários para o seu bem estar físico, mental e social, ou seja, manutenção da sua própria saúde.
CONCLUSÃO
Diante da abordagem realizada, observamos que a atuação do Ministério Público se apresenta de extrema relevância na garantia do acesso a medicamentos excepcionais por parte de usuários do Sistema único de Saúde, diante da recusa dos gestores públicos no fornecimento desse insumo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 10. ago. 2010.
BRASIL. Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm. Acesso em: 10 ago. 2010.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais na constituição de 1988. Porto Alegre. Livraria do advogado. 2001.
O Ministério Público e o direito à saúde. Revista do Direito. 2001. Santa Cruz do Sul/RS. Brasil.
VENÂNCIO, A. T. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro. 2004.
Portaria nº 3.916 / MS. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/consolidada/portaria_3916_98.pdf. Acesso em 10.ago.2010.
Técnico do Ministério Público de Sergipe. Graduando em farmácia pela Universidade Federal de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Plínio Marcos Prudente. Fornecimento de medicamentos excepcionais pelo poder público: realidade, perspectivas e o papel do Ministério Público na garantia de acesso por parte dos usuários do SUS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 out 2010, 22:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21724/fornecimento-de-medicamentos-excepcionais-pelo-poder-publico-realidade-perspectivas-e-o-papel-do-ministerio-publico-na-garantia-de-acesso-por-parte-dos-usuarios-do-sus. Acesso em: 22 nov 2024.
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