A dignidade da pessoa humana foi trazida pela Constituição de 1988 como fundamento da República Federativa do Brasil. Significa dizer que o Estado existe em função das pessoas e não as pessoas existem em função do Estado. Por isso, que de maneira inovadora, o constituinte originário colocou o Capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado.
Em face desse princípio, toda e qualquer ação estatal deve considerar, sob pena de inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, o indivíduo como um fim em si mesmo e não como instrumento, como meio para outros objetivos. A pessoa é, nesta perspectiva, o valor último, o valor supremo da democracia, que a dimensiona e humaniza.
De acordo com Alexandre de Moraes, esse fundamento trazido no art. 1º, III CF/88, “é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.
Ingo Sarlet, por seu turno, define dignidade da pessoa humana: “Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.
O referido princípio é a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. É este valor que atrai a realização dos direitos fundamentais.
Há autores que defendem a existência de uma dupla dimensão desse princípio: uma negativa e outra positiva. A dimensão positiva determina que a pessoa humana não venha a objeto de ofensas e humilhações. Por outro lado, a dimensão positiva presume o desenvolvimento de cada pessoa, que cada uma possa se desenvolver livremente, sem interferência externas.
Como sabemos não podemos analisar o individuo isoladamente, mas na sua relação com o coletivo, com os demais indivíduos. Isso não significa dizer que o individual deve ser superado pela massa, o que ocorre quando se exagera sobremaneira na preponderância do coletivo e do ecológico, chegando-se a defender que o coletivo deve prevalecer sobre o bem individual.
"É diante desse risco do totalitarismo do Estado convertido e totalitarismo da Sociedade — que se volta o homem, neste tristonho fim de milênio, para o Judiciário, esperando que ele se ponha a serviço da sociedade, mas com salvaguarda plena dos direitos fundamentais que a Carta Magna assegura ao cidadãos”.
Considerando, como nas palavras de Alexandre de Moraes citadas supra, que a pessoa é um mínimo vulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, consideramos o princípio da dignidade da pessoa humana como um valor absoluto. Por essa razão, os demais preceitos constitucionais e legais devem ser observados à luz daquelas normas constitucionais que proclamam e consagram direitos fundamentais, notadamente a dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, ainda que se opte, diante da colisão de direitos, por um interesse coletivo, esta opção não pode nunca sacrificar o valor da pessoa.
Não podemos, todavia, fechar os olhos para a existência de posição antagônica, defendida por autores de tomo, como Robert Alexy, que desconsideram a existência de princípios absolutos, sugerindo, inclusive, que diante da ocorrência destes, seja alterado o conceito de princípio. Consideram impraticável a consideração da dignidade da pessoa humana como premissa absoluta capaz de elidir outros direitos catalogados da Carta Magna ou interpretá-la de forma capaz de revogar o próprio sistema positivado na satisfação do mais comezinho reflexo do que seria dignidade.
Pode-se citar como exemplo da elevação do princípio da dignidade da pessoa humana como valor absoluto, a decisão do Juiz de Direito da 1a Vara Cível de Passo Fundo, Dr. Luís Christiano Enger Aires, a qual indeferiu a reintegração de posse de área invadida por manifestantes do Movimento dos Sem Terra (MST) ao legítimo proprietário da área. Esse magistrado utilizou como argumento para a não concessão do pedido realizado pelos autores da ação a justa ponderação dos interesses em conflito – o direito de propriedade e o direito fundamental à vida digna dos requeridos. Na necessidade de sacrifício de um dos direitos envolvidos, prefere-se ao sacrifício do direito patrimonial, garantindo-se, assim, o mínimo existencial.
Outro exemplo a ser citado, são as decisões no sentido de que não se deve considerar a imposição realizada pelo CC ao regime de bens de separação obrigatória para os que se casam com mais de 70 anos de idade, pois esta restrição viola a dignidade da pessoa humana no que tange a razão e ao querer do cônjuge na disposição dos seus bens nos limites do casamento.
BIBLIOGRAFIA:
Moraes, Alexandre de, Direito Constitucional, Livraria Jurídico Atlas, São Paulo, 2005.
Reale Miguel, Questões de Direito Público, Saraiva, 1997.
Sarlet, Ingo Wolfgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2001.
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