1- INTRODUÇÃO
A noção de Estado Democrático de Direito advém de um governo feito e limitado pelo povo. O povo escolhe e confere poderes aos governantes para que estes decidam, em seu nome, o destino da nação. Contudo, estes poderes não são absolutos, são pautados em normas garantidoras da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, os direitos fundamentais atuam como instrumentos assecuratórios de proteção dos cidadãos diante do poder do Estado.
Em uma acepção ampla da expressão direitos fundamentais pode-se dizer que estes são os pressupostos basilares de uma vida pautada na liberdade e na dignidade da pessoa humana. Isto significa que o conteúdo desses direitos são os elementos constitutivos, ou ainda, os elementos norteadores de um Estado que se diga Democrático de Direito.
O processo de surgimento das constituições escritas foi o responsável pela positivação dos direitos fundamentais. Daí a importância das primeiras declarações de direitos do homem, cujo cunho, apesar de eminentemente burguês, foi determinante para ampliação desses direitos a todos os segmentos sociais no decorrer desse processo histórico.
Calha ainda gizar que somente com este processo de constitucionalização dos direitos fundamentais foi que o homem alcançou, definitivamente, o centro das atenções, isto é, tornou-se sujeito de direitos, alterando substancialmente sua relação para com o Estado.
No Brasil, a Constituição da República de 1988 elencou no Título II os Direitos e Garantias Fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos, quais sejam, dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos direitos sociais, da nacionalidade, dos direitos políticos e dos partidos políticos.
É diante destas breves considerações, portanto, que pretendemos fazer uma breve exposição sobre os direitos fundamentais, especialmente sobre sua evolução na ordem histórica cronológica de reconhecimento constitucional e sobre as principais características que lhes foram sendo incorporadas (e identificadas pela doutrina) ao longo deste processo evolutivo.
2- DESENVOLVIMENTO
2.1 Distinção entre Regras e Princípios
De início, faz-se imprescindível para o estudo sobre os direitos fundamentais a distinção entre regra e princípio.
Pois bem. A distinção entre regras e princípios constitui elemento essencial no estudo dos direitos fundamentais, haja vista fornece o substrato necessário para solução de problemas na dogmática desses direitos.
Apoiando-se na teoria dos direitos fundamentais de Alexy, segundo o qual, para a distinção entre regras e princípios deve-se partir da premissa que ambas as categorias são conjugadas como normas, pois, exprimem um dever ser, de ordem, permissão e proibição.[1]
Nesse contexto, a diferenciação dessas modalidades configurar-se-á numa distinção entre duas espécies de norma. Alexy enuncia diversos critérios diferenciadores. No entanto, propugna como o mais comum o da generalidade. Assim, enquanto os princípios são normas que possuem um alto grau de generalidade, as regras possuem a característica inversa.[2]
A partir dos critérios diferenciadores enumerados, Alexy elabora três possíveis teorias para demonstrar a distinção estrita entre regras e princípios. A primeira, rodeada de cunho negativista dos critérios diferenciadores de regras e princípios, portanto insuficiente para tal mister. A segunda, ainda considerada frágil pelo jurista, é baseada no grau generalidade como critério distintivo. Somente pela terceira teoria, baseada na distinção não apenas no grau, mas, sobretudo na qualidade da norma é que Alexy afirma como correta a estrita distinção entre as regras e princípios.[3]
O critério gradualista-qualitativo torna-se, deste modo, o ponto determinante para a distinção entre as duas espécies de norma. Neste diapasão, os princípios devem ser entendidos como mandamentos de otimização (normas); cuja característica consiste em serem cumpridos da melhor maneira possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas.[4]
Isto significa que os princípios podem ser satisfeitos em diferentes graus, e, que a medida de seu cumprimento não depende apenas das condições fáticas, mas também das condições jurídicas, cuja esfera de limitação é determinada pelos princípios e regras opostos. [5]
Como destaca Stumm,[6]
[contém] os princípios uma ordem de concreção que considera, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas, a melhor possível. A maximização dessa operação, apenas é possível porque eles “apresentam razões que podem ser substituídas por outras razões opostas”, não determinando, em definitivo, qual a razão que deve prevalecer. Por isso, os princípios não são razões definitivas, mas ao contrário, constituem-se sempre em razões prima facie.
Por outro lado, as regras, contêm um conteúdo mandamental definitivo, ou seja, podem ser sempre cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela preceitua ou determina.[7]
Os direitos fundamentais são classificados doutrinariamente segundo o critério das gerações, baseado na ordem histórica cronológica de acontecimentos em que esses direitos foram constitucionalmente reconhecidos. De início, é de bom alvitre demonstrar que o lema revolucionário burguês do séc. XVIII, lastreado em três princípios singulares, foi peça chave na construção do conteúdo dos direitos fundamentais, de forma que até a seqüência histórica do reconhecimento desses direitos obedeceu à tríade democrática de liberdade, igualdade e fraternidade.
Assim, nos dizeres de Bonavides[8],
[...] os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do século XVIII.
Essa nova universalidade material e concreta traduz-se no processo histórico de efetivação dos direitos fundamentais, ou seja, a normatização gradativa dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade nas Constituições Ocidentais.
O processo de normatização inicia-se com os direitos da primeira geração, a saber, os direitos de liberdade. Enquadram-se nesse contexto os direitos civis e políticos, sendo eles os primeiros a integrarem as constituições e garantirem ao cidadão o direito à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial, propriedade privada etc.
Os direitos da primeira geração ou direitos de liberdade possuem como titular o indivíduo, são oponíveis contra o Estado, e impõe obrigações negativas de não intervenção na esfera individual do cidadão. Para Bonavides[9] os direitos fundamentais da primeira geração “[...] são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.”
Questão interessante revela-se acerca da diferenciação entre direitos civis e políticos, uma vez que, por se tratar de uma revolução burguesa o princípio da liberdade, apesar de hodiernamente possuir a característica da abstração, àquela época, era essencialmente classista. Como destaca Canotilho,[10]
[os] direitos civis <>; pelo contrário, nem todos têm o direito a tomar parte activa na formação dos poderes públicos, beneficiando de direitos políticos. Tal como já sucedia com a dicotomia entre direito do homem e do cidadão o artifício da distinção permitirá proclamar o princípio da igualdade, mas ao mesmo tempo, evitar o sufrágio universal.
Enfim, se hoje os direitos de primeira geração encontram-se pacíficos nas codificações alienígenas e soam como fonte essencial e obrigatória das constituições modernas, a história demonstra que ascensão e solidificação desses direitos foi preenchida de ataques, conforme o percurso, e modelo de sociedade nos quais o lema burguês enraizava o ideal de liberdade.
A segunda geração dos direitos fundamentais figurou no cenário político durante todo o séc. XX, agigantando-se no período do pós-guerra (2ª Guerra Mundial), época em que surgia o Estado-Social, insculpido em idéias marxistas e no ideal de igualdade. São denominados de direitos sociais, culturais e econômicos, ou ainda, direitos coletivos ou de coletividades.
Os direitos sociais são fruto da transição do Estado tradicional – Estado Liberal Burguês – às novas condições sociais oriundas do esplendor tecnológico e industrial do pós-guerra. Um novo paradigma de Estado começa a surgir para solucionar os graves problemas sociais decorrentes do ultrapassado Estado Liberal. Eis aqui, o momento de incorporação dos direitos sociais aos direitos civis.
Como destaca Bonavides[11],
[os] direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos de liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude.
Os direitos sociais, portanto, assumem um papel inovador no plano social, baseado no conceito de garantias institucionais, cuja amplitude de seu conteúdo possibilitava a concretização e efetivação destes direitos de maneira ampla e impessoal.
A terceira geração de direitos fundamentais transcende aquela proteção específica aos direitos individuais e coletivos outrora difundida. O crescimento das nações e a conseqüente distonia da lógica desenvolvimentista floresce o sentimento de comunidade, assentado na fraternidade e na solidariedade. Nos dizeres de Bonavides[12],
[...] um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.
Assim, consistem em direitos de terceira geração o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, ao desenvolvimento sustentável, ao progresso, à uma vida saudável, à autodeterminação dos povos, entre outros.
São direitos fundamentais de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Esta geração de direitos está intimamente ligada à atual dinâmica de interligação dos Estados e, sobretudo à “[...] globalização política na esfera da normatividade jurídica”[13].
Enquanto direito de quarta geração, a democracia positivada há de ser uma democracia direta, fortalecida através dos avanços tecnológicos de comunicação cuja eficiência e alcance legitimam um processo democrático cerceado de informações fidedignas e aberto ao pluralismo.[14]
Enfim, os direitos de quarta geração representam o futuro da humanidade, baseados na universalização e concretização das premissas básicas de todo ser humano cujo substrato é fornecido por todas as gerações de direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais relacionam-se diretamente com a garantia de não interferência do Poder Estatal na esfera de liberdade dos cidadãos, são direitos consagradores da dignidade da pessoa humana e estão previstos nos mais modernos ordenamentos jurídicos ocidentais.
Nesse contexto, apesar da diversidade e da especificidade de cada ordenamento alienígena, ainda sim é possível analisar algumas das características que lhes são peculiares.
A premissa segundo a qual os direitos fundamentais são universais e absolutos deve ser compreendida com reservas.
Pelo traço da universalidade, não seria impróprio afirmar que todas as pessoas são titulares na ordem jurídica dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Ocorre que, no rol de direitos fundamentais, há direito de todas as pessoas, como o direito à vida, mas também há direitos especificamente de alguns indivíduos, v.g. a proteção aos trabalhadores insculpida no art. 7º da Carta Maior Brasileira.
Isto significa que apesar da proteção universal ao indivíduo, o constituinte também quis privilegiar um conjunto de indivíduos cuja história demonstra a necessidade de uma regulamentação especial. “A fundamentalização desses direitos implica reconhecer que determinados objetivos vitais de algumas pessoas têm tanta importância como os objetivos básico de um conjunto de indivíduos.”[15]
No que atine ao traço dos direitos fundamentais serem absolutos, na medida em que gozam de uma hierarquia jurídica e intangibilidade asseguradas pelo Estado, há de se considerar o seguinte fator. Os direitos fundamentais envolvem um conjunto de bens e valores cujo conflito destes princípios pode refletir em uma relativização daqueles direitos. De outro modo, como o interesse do Estado, ou um determinado interesse social, prevaleceria sobre aqueles direitos fundamentais, que teriam prioridade absoluta perante qualquer interesse coletivo?
Para Mendes, Coelho e Branco,[16]
[essa] assertiva esbarra em dificuldades para ser aceita. Mesmo os diversos tribunais que o direito comparado conhece, dedicados à proteção de direitos humanos, proclamam amiudamente que os direitos fundamentais podem ser objetos de limitações, não sendo, pois, absolutos.
No mesmo sentido destaca Moraes,[17]
[os] direitos humanos fundamentais, dentre ele os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
É mister ressaltar que a própria Constituição da República relativiza alguns direitos absolutos do indivíduo, vide o direito à vida previsto no art. 5º, caput que sofre limitação quanto a possibilidade excepcional da existência de pena de morte (inciso XLVII, “a”) e o direito à propriedade que deve atender à sua função social, sob pena de desapropriação (Art. 5º, incisos, XXII, XXIII, XXIV, da CF/88).
Pela característica da historicidade deve-se compreender os direitos fundamentais como um conjunto de bens e princípios que se alinham à sociedade num determinado contexto histórico. Por isso, afirma-se que os direitos fundamentais não podem ser compreendidos como absolutos uma vez que variam no tempo e/ou no espaço.
O traço da historicidade revela que os direitos fundamentais estão em constante evolução, impulsionados pela luta de novas liberdades e pelo desafio de garantir os pressupostos de dignidade do homem outrora conquistados.
Assim, nos dizeres de Bobbio,[18] os direitos
[nascem] quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitação de poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha do modo protetor.
Portanto, é de se considerar que o caráter histórico-evolutivo dos direitos fundamentais é condição sine qua non para sua sustentação dentro de determinado regime jurídico.
Inalienabilidade de direito fundamental é uma condição atribuída que exclui seu titular de quaisquer atos de disposição jurídica formal (v.g. doação, compra e venda) ou material (v.g. destruição do bem), gratuita ou onerosa.
Assim, por exemplo, qualquer ato de disposição do corpo humano não seria válido por atentar diretamente ao direito fundamental da integridade física que é imanente a qualquer indivíduo.
A inalienabilidade traz consigo, portanto, a característica de que a vontade humana, ainda que livre e consciente, não é instrumento capaz de preterir um direito fundamental, sobretudo se vier a atentar contra a dignidade da pessoa. Nos dizeres de Mendes, Coelho e Branco[19]: “Da mesma forma que o homem não pode deixar de ser homem, não pode ser livre para ter ou não dignidade, o que acarreta que o Direito não pode permitir que o homem se prive de sua dignidade.”
Ocorre que o pressuposto de inalienabilidade dos direitos fundamentais não poder ser concebido em termos absolutos, já que nem os próprios direitos fundamentais podem assim ser considerados, pois estes são históricos e evolutivos, ou seja, são afirmados gradualmente.
Nesse contexto, surge a grande celeuma de como apurar com segurança quais os direitos fundamentais que seriam inalienáveis. Conforme o exposto supra, o direito não pode permitir que o homem se prive de sua dignidade. No entanto, para que a dignidade da pessoa seja assegurada é necessário que exista vida, “[...] já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”[20]. Assim, nesta perspectiva, seria indisponível o direito a resguardar a vida biológica sem o qual não há substrato para o conceito de dignidade.
Desta forma, a inalienabilidade dos direitos fundamentais, embora não absoluta, deve ser entendida e respeitada de forma que a liberdade contratual não ultrapasse os limites que ensejem a decadência das estruturas sociais. Como destaca Mendes Coelho e Branco[21]: “A relativização da característica da indisponibilidade opera, [...] para tornar aceitável que, em nome da autonomia contratual, se reduza, em certos casos, o alcance de um direito fundamental, desde que respeitados certos limites.”
A característica da constitucionalização está associada aos direitos fundamentais porque eles são enunciados e protegidos por normas de valor constitucional. É através desta característica que se torna possível a distinção entre os direitos fundamentais e os direitos humanos ou do homem, expressões tão comumente utilizadas como sinônimas.
Nos dizeres de Canotilho,[22]
[os] direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista) [e] direitos fundamentais são os direito do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente.
Quanto ao grau de efetividade, os direitos fundamentais diferenciam-se porque possuem mecanismos mais céleres e eficazes em relação aos direitos humanos previstos na ordem jurídica internacional.[23]
Por outro lado, apesar da distinção feita entre os direitos fundamentais e os direitos humanos, ambas as categorias de direito não estão completamente dissociadas, uma vez que possuem como objeto a proteção da pessoa humana. Como destaca Sarlet,[24]
[importa], por ora, deixar aqui devidamente consignado e esclarecido o sentido que atribuímos às expressões ‘direitos humanos’ (ou direitos humanos fundamentais) e ‘direitos fundamentais’, reconhecendo, ainda uma vez, que não se cuida de termos reciprocamente excludentes ou incompatíveis, mas, sim, de dimensões íntimas e cada vez mais inter-relacionadas, o que não afasta a circunstância de se cuidar de expressões reportadas a esferas distintas de positivação, cujas conseqüências práticas não podem ser desconsideradas.
Nesse diapasão, nota-se que apesar da atuação em segmentos distintos de positivação, ambas as categorias de direitos são essenciais ao processo de constitucionalização, na medida que se inter-relacionam com o objetivo garantir a dignidade da pessoa humana.
A noção de limitação jurídica do poder estatal é constituída de dois elementos norteadores e imantes a qualquer Estado de Democrático de Direito, são eles: a garantia dos direitos fundamentais e do princípio da separação dos poderes. Aqui, será abordada apenas a questão relativa aos direitos fundamentais no que atine às relações desses direitos com as três esferas de poder – Legislativo, Executivo e Judiciário.
Para tanto, afigura-se importante a transcrição da seguinte lição de Mendes, Coelho e Branco,[25]
[nenhum] desses Poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhes é superior. Os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem. Os direitos fundamentais qualificam-se, juridicamente, como obrigações indeclináveis do Estado.
Assim, na relação entre os direitos fundamentais e a atuação do Poder Legislativo, parte-se da premissa que a atividade legiferante deve guardar respeito e coerência aos direitos fundamentais.
Nesse contexto, a vinculação do poder legislativo aos direitos fundamentais pode vir a impor-lhe diversos comportamentos, seja uma atuação positiva - produção de leis regulamentadoras de direitos fundamentais com objetivo de garantir-lhes eficácia – ou ainda uma atuação positiva-restritiva, com o objetivo de mitigar a atuação de certos direitos fundamentais – v.g possibilidade de violação do sigilo de correspondência para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (Art. 5º, XII, CF/88).
A Administração Pública, assim entendida pela administração direta e indireta, também está vinculada aos direitos fundamentais tornando nulo qualquer ato praticado com ofensa a esses direitos. Este entendimento está consagrado na súmula 473[26] do Supremo Tribunal Federal:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivado de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial.
Da inteligência deste enunciado retira-se a seguinte conclusão: se qualquer ato praticado com ilegalidade pode ser anulado porque não origina direitos, impossível deixar de reconhecer que os atos atentatórios aos direitos fundamentais também sejam considerados nulos.
Por fim, deve-se traçar a vinculação do Poder Judiciário aos direitos fundamentais.
A tarefa do Judiciário compreende a defesa dos direitos violados ou ameaçados de violência, cuja apreciação não poderá ser excluída por lei (Art. 5º, XXXV, CF/88). Nesse contexto, atuam as Cortes Superiores no intuito de controlar os atos dos demais poderes, diante da prerrogativa da imutabilidade das decisões judiciais. Assim, nos dizeres de Mendes, Coelho e Branco[27] “a vinculação das cortes aos direitos fundamentais leva a doutrina a entender que estão elas no dever de conferir a tais direitos máxima eficácia possível.”
Conforme dispõe o art. 5º, §1º, da Constituição da República, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” Neste sentido, percebe-se, desde logo, que a Carta Maior de 1988 pretendeu garantir a todos os direitos fundamentais em geral, mas não somente aos direitos e garantias e individuais (previsto no art. 5º), a devida aplicação imediata.
O significado da expressão aplicação imediata é o de possibilitar a máxima efetividade desses direitos impedindo que os efeitos pretendidos pelo constituinte não permaneçam inócuos. Nesse contexto, há de verificar, todavia, se todos os direitos fundamentais abarcados pelo art. 5º, §1º da CF/88 são dotados de aplicabilidade imediata e eficácia plena, ainda que alguns preceitos erigidos pelo constituinte não possuam normatividade suficiente para tanto. Nos dizeres de Silva[28], são normas de eficácia plena,
[...] aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.
Assim, deve-se considerar que, apesar da louvável tentativa do constituinte pátrio de possibilitar a aplicação imediata dos direitos fundamentais, de forma que esses direitos fundamentais gerem direitos subjetivos, algumas dessas normas têm sua eficácia condicionada à atuação do legislador. Como destaca Sarlet,[29]na esfera dos direitos fundamentais existem dois tipos de normas diferenciadas pela produção de seus efeitos:
[Na] esfera dos direitos fundamentais há como sustentar a distinção entre dois tipos de normas, quais sejam, as que – em virtude de sua insuficiente normatividade – não se encontram em condições de, independentemente de uma interpositio legislatoris, gerar plenitude de seus efeitos, e aquelas que – por dotadas de suficiente normatividade – não reclamam ato de natureza concretizadora para que possam ser imediatamente aplicáveis aos casos concretos e alcançar, desde logo, sua plena eficácia.
Nesse diapasão, no que se refere à aplicabilidade das normas de baixo conteúdo normativo, não obstante ao que reza o art. 5º, §1º da CF/88, sua eficácia limita-se à atuação do legislador infraconstitucional, cuja omissão poderá acarretar numa ação de inconstitucionalidade por omissão ou ainda no mandado de injunção.
A utilização desses instrumentos constitucionais tem como objeto a efetividade de norma constitucional violada devido à inércia dos poderes constituídos. Em passado recente, seus efeitos garantiam apenas a ciência, ao poder competente, para a adoção das medidas necessárias para efetividade da norma carente de legislação.
Ocorre que, neste momento vive-se uma mudança de paradigma no que atine ao mandado de injunção. Em decisão proferida no mandado de injunção nº. 670, o Supremo Tribunal Federal se posicionou, valendo-se da denominada doutrina concretista[30], no sentindo de que os servidores públicos poderão exercer o direito de greve, nos termos e limites tomados de empréstimo, por analogia, da Lei nº 7.783/89, que regula a greve no âmbito dos trabalhadores da iniciativa privada. Por conseguinte, outros mandados de injunção foram julgados no mesmo sentido, levando-se a crer que o vetusto entendimento da doutrina não concretista[31] está definitivamente com seus dias contados.
Através deste novo paradigma pode-se afirmar que as normas de direito fundamental que não tiverem elementos suficientes que lhes assegurem aplicabilidade imediata, poderão gozar da aplicabilidade imediata prevista no art. 5º, §1º da CF/88, desde que socorridas pelos instrumentos constitucionais próprios.
3- CONCLUSÃO
A conclusão a que se se chega, portanto, é que os direitos fundamentais desempenham um importante e essencial papel na ordem jurídica de um Estado que se diga Democrático de Direito. Nessa esteira, o conteúdo e o alcance dessas garantias impõe obrigações (negativas, em respeito à esfera de liberdade e positivas, na concreção dos direitos de segunda, terceira e quarta geração) cujo principal objetivo, na verdade, reside na consagração da dignidade da pessoa humana.
4- REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, [19 _ _ ?].
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Paulo Gustavo Gonet; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ªed. São Paulo: Atlas. 2005.
MORAES, Alexandre de, Direitos Humanos Fundamentais. 6ª. ed. São Paulo: Atlas. 2005.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6ª ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
STF. Súmula 473. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500. Acesso em: 09 out. 2008.
STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.
[2] Op. Cit. P. 277.
[3] Op. Cit. P. 277.
[4] Op. Cit. P. 277.
[5] Op. Cit. P. 277.
[6] STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.42.
[7] 1985, Apud, BONAVIDES, 2004, p. 277.
[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 563.
[9] Op. Cit., p.11.
[10] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, [19 _ _ ?]. p.518-519.
[11] Op. Cit., p.11.
[12] Op. Cit., p.11.
[13] Op. Cit., p.11.
[14] Op. Cit., p.11.
[15] _ _ _ _ Apud, BRANCO, 2002, p. 119.
[16] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Paulo Gustavo Gonet; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p.120.
[17] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ªed. São Paulo: Atlas. 2005, p. 27.
[18] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6.
[19] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Paulo Gustavo Gonet; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p.123.
[20] MORAES, Alexandre de, Direitos Humanos Fundamentais. 6ª. ed. São Paulo: Atlas. 2005. p.76.
[21] Op. Cit. P. 17.
[22] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, [19 _ _ ?]. p.517.
[23] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Paulo Gustavo Gonet; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p.126.
[24] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6ª ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 34-35.
[25] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Paulo Gustavo Gonet; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p.126.
[26] STF. Súmula 473. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500. Acesso em: 09 out. 2008.
[27] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Paulo Gustavo Gonet; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p.132.
[28] SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 101.
[29] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6ª ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 245.
[30] “Pela posição concretista, presentes os requisitos constitucionais exigidos para o mandado de injunção, o Poder Judiciário através de uma decisão constitutiva, declara a existência da omissão administrativa ou legislativa, e implementa o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional até que sobrevenha regulamentação do poder competente.” (MORAES, 2005, p. 159-160).
[31] Pela posição não concretista, declara-se o reconhecimento formal da inércia do Poder Público, entretanto, o Poder Judiciário apenas aponta a mora e recomenda seu suprimento para que o Poder Legislativo elabore a lei.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe; Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes em 2008; Pós-Graduando em Ciências Criminais pelo Juspodivm Bahia em parceria com a rede de ensino LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Leonardo José Campos Maia de. Uma Breve Incursão Sobre os Direitos Fundamentais - Classificação e Características Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2010, 08:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21780/uma-breve-incursao-sobre-os-direitos-fundamentais-classificacao-e-caracteristicas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
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