União estável é a relação pública, duradoura e contínua entre homem e mulher com o objetivo de constituir uma família.
Essa, aliás, a dicção do art. 1.723 do Código Civil:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
O legislador constitucional de 1988 tratou do thema nos seguintes termos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...);
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Reconhecendo a união estável como entidade familiar, equipara-se esta ao casamento, estimulando-se, inclusive, a sua conversão neste último.
A propósito, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “... a Constituição anterior à Carta Política de 1988 mencionada que a família decorre do casamento; a atual modificou plenamente a matéria e reconhece a sociedade estável, devendo o Estado incentivar a transformação em casamento...” (REsp 181.801/CE, transcrição parcial).
O legislador ordinário, contudo, a despeito das disposições constitucionais pertinentes à matéria, no campo do direito sucessório, atribuiu tratamento diferenciado à(ao) companheira(o) em relação ao cônjuge.
Eis o teor do art. 1.790 do Código Civil de 2002:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Cite-se algumas diferenças entre o direito sucessório do cônjuge e do companheiro:
a) O cônjuge supérstite, na concorrência com descendentes, tem direito à quarta parte da herança (art. 1.832), e na concorrência com ascendentes, tem assegurada terça parte do monte mor (art. 1.837, 1ª parte), ou metade se houver um só descendente ou se maior for aquele grau (art. 1.837, parte final).
b) Se não houver ascendentes ou descendentes, o cônjuge sobrevivente tem direito à totalidade da herança (art. 1.838).
c) Já com relação ao companheiro, a matéria está disciplinada no indigitado art. 1.790 do Código Civil de 2002.
d) Na primeira hipótese (concorrência com descendentes), à companheira não é assegurada a quarta parte dos bens, mas tão somente “a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho” (art. 1.790, I, CC/02), ou metade desta so os descendentes forem apenas do autor da herança (art. 1.790, II).
e) Na concorrência com ascendentes a herança será, em qualquer caso, de um terço (art. 1.790, III), não há previsão de metade dos bens quando concorrer com um só ascendente.
f) Por fim, não havendo descendentes ou ascendentes, o companheiro sempre terá que dividir a herança se houver outros parentes sucessíveis (art. 1.790, IV).
Evidencia-se, portanto, tratamento diferenciado entre instituições às quais a Constituição Federal procurou equipará-las (casamento e união estável), o que vai de encontro à norma insculpida no art. 226, § 3º da Constituição Federal, além de afrontar, ainda, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF/88).
Nesse sentido, recentemente decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
EMBARGOS INFRINGENTES. UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA HERANÇA. EXCLUSÃO DOS COLATERAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.790, INC. III, DO CÓDIGO CIVIL. Tendo a Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, equiparado a união estável ao casamento, o disposto no art. 1.790, III, do Código Civil vigente colide com a norma constitucional prevista, afrontando princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, resguardados na Carta Constitucional, razão para ser negado vigência ao disposto legal. À união estável são garantidos os mesmos direitos inerentes ao casamento, efeito que se estende ao plano sucessório, mormente no caso em exame onde autora e de cujus viveram more uxorio por três décadas, obtendo o reconhecimento judicial desta união como estável aos fins da C.F. Inexistindo descendentes e ascendentes, é da companheira sobrevivente o direito à totalidade da herança, excluindo-se os parentes colaterais. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS. SUSCITADO INCIDENTE DE RESERVA DE PLENÁRIO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70027265545, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 10/07/2009).
É de se concluir, portanto, pela inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil Brasileiro.
Precisa estar logado para fazer comentários.