1.1. Aspectos gerais
Etimologicamente, no dizer de Stolze e Pamplona (2006, p.2-3),
A palavra ‘responsabilidade’ tem sua origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade, contendo, ainda, a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito romano, o devedor nos contratos verbais.
Em outros termos, “responsabilidade” é a obrigação que uma pessoa tem que prestar ao praticar um ato, seja este omissivo ou comissivo. Ato comissivo é a conduta positiva do agente; ato omissivo é a conduta negativa do agente, ou seja, este se abstém de agir quando teria o dever de agir, “dever esse que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente”. (CAVALIERI, 2007, p.24).
Da noção da palavra “responsabilidade”, concluímos que a responsabilidade civil “é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.” (Ibid, p.2).
O dever jurídico originário é a obrigação propriamente dita, ou seja, o compromisso do agente em não violar o dever jurídico; advém a responsabilidade do descumprimento de uma obrigação. Destarte, a obrigação “é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, conseqüente à violação do primeiro.” (Ibid, p.2).
Deste arcabouço, podemos partir de duas premissas:
Primeira: não há responsabilidade, em qualquer modalidade, sem violação do dever jurídico preexistente, uma vez que responsabilidade pressupõe o descumprimento de uma obrigação. Segunda: para se identificar o responsável é necessário precisar o dever jurídico violado e quem o descumpriu. (Ibid, p.5).
Cavalieri (2007, p.10-12) enumera as principais causas jurídicas que podem originar o dever de indenizar: o ato ilícito strictu sensu; o ilícito contratual, que é o inadimplemento de uma cláusula estabelecida em contrato; violação de deveres especiais de segurança; garantia, entre outras.
Cumpre salientar que o ilícito em si não gera o dever de indenizar e sim o dano causado a outrem pela prática daquele ato. Portanto, nem toda violação de dever jurídico vai gerar um dano e, consequentemente, a responsabilidade de repará-lo.
Deduzimos então do argumento retro mencionado que para ser caracterizada a responsabilidade civil, três pressupostos são essenciais: a conduta, o dano e o nexo causal entre a conduta e o dano. Na responsabilidade subjetiva, a qual analisaremos à frente, além desses elementos é necessário existir o elemento culpa. Passemos agora ao estudo de cada um dos pressupostos.
Conduta é qualquer ato humano voluntário, seja omissivo ou comissivo. Como bem salienta Cavalieri (2007, p.24), a vontade, a liberdade de escolha do ser humano na prática do ato é o aspecto subjetivo e a ação é o aspecto objetivo da conduta.
Assim, podemos conceituar a conduta como “[...] o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo conseqüências jurídicas.” (Ibid, p.24).
O segundo pressuposto de existência da responsabilidade civil é o dano. Sem o dano, não existe ressarcimento, pois não há o que reparar; não havendo o que reparar consequentemente não haverá responsabilidade civil. “Daí a afirmação [...] de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de indenizar.” (Ibid, p.71).
Para Cavalieri (2007, p.71) dano é
[...] a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral [...].
Dano patrimonial é o dano material, a perda do patrimônio pela vítima, possível de ser mensurado. Dano moral é aquele que atinge a vítima no seu íntimo. Não há uma perda patrimonial, mas sim uma ofensa contra a sua dignidade, sua honra e para cada caso particular, a critério pessoal do Juiz, o dano será mensurado. Em qualquer hipótese, seja moral, seja patrimonial, o dano será reparável, conforme será demonstrado no item 1.5. deste capítulo.
Por fim, como pressuposto indispensável da responsabilidade civil, se tem o nexo causal. Quer dizer que para haver a obrigação de reparar, necessário se ter o nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima, ou seja, se o dano sofrido não foi conseqüência de uma conduta praticada pelo agente, este não poderá ser responsabilizado, mesmo que tenha agido com dolo ou com culpa.
Até aí, a questão sobre nexo causal não apresenta quaisquer dificuldades. Todavia, dúvidas vão ocorrer quando um dano advier de vários fatos. Na doutrina, há três teorias que tentam resolver o problema: A Teoria da equivalência dos antecedentes, a teoria da causalidade adequada e a teoria da causalidade direta ou imediata.
Para a Teoria da equivalência de condições, qualquer causa que leve ao evento danoso será considerada relevante. Como bem explicam Stolze e Pamplona (2006, p.86), “[...] todos os fatores causais se equivalem, caso tenham relação com o resultado.”
Critica-se essa teoria pelo fato de conduzir a uma exasperação da causalidade e a uma regressão infinita do nexo causal. Por ela, teria que indenizar a vítima de atropelamento não só quem dirigia o veículo com imprudência, mas também quem lhe vendeu o automóvel, quem o fabricou, quem forneceu a matéria-prima, etc. (CAVALIERI, 2007, p.47).
Na teoria da causalidade direta ou imediata, a causa
[...] seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma conseqüência sua, direta e imediata. (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006, p.90).
No que tange à teoria da causalidade adequada a causa
[...] é o antecedente não só necessário mas, também, adequado à produção do resultado. Logo, se várias condições concorrerem para determinado resultado, nem todas serão causas, mas somente aquela que for mais adequada à produção do evento. (CAVALIERI, 2007, p.48).
Ou seja, a causa que for mais relevante ao acontecimento do dano, sem a qual não existiria prejuízo, será considerada a adequada.
Cavalieri (2007, p.48) acolhe esta última teoria como a mais razoável a ser adotada em nosso Direito Civil:
[...] em sede de responsabilidade civil, nem todas as condições que concorrem para o resultado são equivalentes (como no caso da responsabilidade penal), mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir concretamente o resultado. Além de se indagar se uma determinada condição concorreu concretamente para o evento, é ainda preciso apurar se, em abstrato, ela era adequada a produzir aquele efeito. Entre duas ou mais circunstâncias que concretamente concorreram para a produção do resultado, causa adequada será aquela que teve interferência decisiva.
Contudo, divergem os doutrinadores Stolze e Pamplona (2006, p.93) do posicionamento do retro citado autor, afirmando:
Alinhamo-nos ao lado daqueles que entendem mais acertado o entendimento de que o Código Civil brasileiro adotou a teoria da causalidade direta ou imediata (teoria da interrupção do nexo causal), na vertente da causalidade necessária.
No nosso modesto pensamento, entendemos que a discussão sobre qual é a teoria adotada no Código Civil pátrio não é o mais importante, pois, a partir do caso concreto, pode-se julgar de acordo com os princípios basilares do nosso Direito, como o da analogia, o da dignidade da pessoa humana, o da vida, entre outros. O que mais interessa é propiciar às partes uma decisão mais justa.
O elemento culpa, como já explanado anteriormente, não é requisito essencial para a caracterização da responsabilidade civil, mas é pressuposto necessário de uma das modalidades do instituto: a responsabilidade civil subjetiva, portanto, também deve ser analisado.
Ab initio, necessário se faz conceituar a culpa em seu sentido amplo. Chironi traz uma idéia clara do que seja culpa:
A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico. (1903 apud Dias, 1997, p. 108).
A partir deste conceito, podemos perceber que a culpa lato sensu abrange o dolo e a culpa, enquanto que a culpa strictu sensu abarca somente a culpa. Agora, cumpre-nos diferenciar o dolo da culpa. Cavalieri assim os distingue:
Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante -, enquanto que no segundo a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados. O juízo de desvalor no dolo incide sobre a conduta, ilícita desde a sua origem; na culpa, incide apenas sobre o resultado. (2007, p.30-31).
Enfim, em resumo, na culpa o agente tem vontade de praticar o ato, mas não prevê o resultado; no dolo, o agente já pratica o ato prevendo o resultado lesivo. Cabe ressaltar que ambos os casos cabem reparação de danos, desde que se produza o resultado danoso, como bem salienta Dias (1997, p.108-09).
Cavalieri (2007, p.33) ainda afirma que na culpa (em sentido estrito), apesar do agente não ter como objetivo de praticar o ato ilícito acaba, por erro de conduta, chegando a um resultado danoso pra a vítima, cabível, então, uma indenização. Finalmente o supramencionado autor conceitua a culpa como “[...] conduta voluntária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário.” (2007, p.32)
Em suma, a culpa advém sempre de um falta de cautela, de cuidado do agente no momento da conduta. “A falta de cautela exterioriza-se através da imprudência, da negligência e da imperícia. Não são, como se vê, espécies de culpa, nem elementos desta, mas formas de exteriorização da conduta culposa.” (Ibid, p.36).
Maria Helena Diniz apresenta a diferenciação entre os institutos:
A imperícia é falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a negligência é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento; e a imprudência é precipitação ou o ato de proceder sem cautela. (2006, p. 46).
Para um melhor discernimento das espécies, trazemos à baila os exemplos contidos na obra de Cavalieri:
Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou que avança o sinal. [...] Haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar, por deficiência de freios, pneus, etc.
................................................................
Haverá imperícia do motorista que provoca acidente por falta de habilitação. (2007, p.36-37).
As espécies de culpa são diversas, se analisarmos sob diferentes enfoques. Veremos cada uma delas a seguir.
Em sua obra, Maria Helena Diniz (2006, p.47-50) classifica a culpa em função do dever violado, quanto à sua graduação, relativamente aos modos de sua apreciação e quanto ao conteúdo da conduta culposa.
Em função do dever violado, a culpa pode ser contratual ou extracontratual. A culpa será contratual se originário de um contrato, de um acordo entre as partes; será extracontratual se originar de lei ou norma jurídica.
Quanto à sua graduação, a culpa pode ser grave, leve ou levíssima. Cavalieri nos dá o conceito de culpa grave, leve e levíssima:
[...] a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens.
...............................................................
Haverá culpa leve se a falta puder ser evitada com atenção ordinária, com o cuidado próprio do homem comum, de um bônus pater familias.
Já, a culpa levíssima caracteriza-se pela falta de atenção extraordinária, pela ausência de habilidade especial ou conhecimento singular. (2007, p.37).
Relativamente aos modos de sua apreciação, há a culpa in concreto, quando se aprecia somente a imprudência, negligência e a imperícia e culpa in abstracto, quando se compara a conduta do agente com a conduta do homem médio (DINIZ, 2006, p.48).
Quanto ao conteúdo da conduta culposa, haverá a culpa in commitendo quando o agente praticar uma imprudência; culpa in omittendo, quando o agente praticar uma negligência; in eligendo, quando o empregador escolhe mal seu preposto; in vigilando, quando alguém sob a custódia do agente ocasiona dano a outrem por falta de cuidado daquele; in custodiando, quando, por falta de atenção do agente, se ocasiona dano a outrem por coisa ou animal[1] (DINIZ, 2006, p.49-50).
Depois de observados os requisitos de constituição da responsabilidade civil, chegamos à conclusão de que objetivo desse instituto é restabelecer o equilíbrio que existia antes da prática do ilícito entre o agente causador do dano e a vítima. “Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão.” (CAVALIERI, 2007, p.13).
1.2. Conceito de ato ilícito
Diante do ora já exposto, cumpre-nos ressaltar a importância do estudo do conceito de ato ilícito, tendo em vista que a ocorrência do mesmo pode gerar a responsabilidade civil.
No entender de Cavalieri (2007, p.08), os doutrinadores clássicos sempre fazem uma conexão do ato ilícito com a noção de culpa, porém esquecem da responsabilidade objetiva, na qual, como veremos mais tarde, não há o elemento culpa.
Orlando Gomes (apud CAVALIERI, 2007, p.08), sustenta que não há ilícito quando não há culpa, ou seja, a responsabilidade subjetiva estaria ligada a um ato ilícito, enquanto que a responsabilidade objetiva estaria ligada a um ato lícito.
No entanto, não acompanhamos esse entendimento, tendo em vista que em alguns casos de responsabilidade objetiva o agente, ao violar um dever jurídico originário praticará ato ilícito, independente da comprovação de culpa ou não.
Cavalieri tenta resolver o problema no conceito de ato ilícito, afirmando que
[...] a solução adequada para a questão pode ser encontrada no duplo aspecto da ilicitude. No seu aspecto objetivo, leva-se em conta para a configuração da ilicitude apenas a conduta ou o fato em si mesmo, sua materialidade ou exterioridade, e verifica-se a desconformidade dela com a que o Direito queria. A conduta contrária à norma jurídica, por si, merece a qualificação de ilícita ainda que não tenha origem numa vontade consciente e livre.
...............................................................................
No seu aspecto subjetivo, a qualificação de uma conduta como ilícita implica fazer um juízo de valor a seu respeito – o que só é possível se tal conduta resultar de ato humano consciente e livre. Por esse enfoque subjetivista, a ilicitude só atinge sua plenitude quando a conduta contrária ao valor que a norma visa a atingir (ilicitude objetiva) decorre da vontade do agente; ou, em outras palavras, quando o comportamento objetivamente ilícito for também culposo. (2007, p.09).
Em síntese, o ato ilícito pode ser visto sob o ponto de vista de dois caracteres; o objetivo, no qual se enfoca a violação de uma norma jurídica, independente dessa violação ter sido desejada ou não pelo agente e sob o aspecto subjetivo, cujo enfoque está na vontade ou não do agente em violar aquela norma.
Cabe-nos agora diferenciar o ato ilícito em sentido estrito e em sentido amplo. Strictu sensu, o ato ilícito é a reunião de vários aspectos que caracterizam a responsabilidade, ou seja, esta só será admitida se estes elementos co-existirem, como a conduta, o dano o nexo de causalidade e a culpa, precisando este último elemento ser comprovado somente nos casos de responsabilidade subjetiva.
Lato Sensu, o ato ilícito é a violação de uma norma jurídica, “sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico.” (Ibid, p.10). Ou seja, não se verifica a existência da culpa.
Temos como exemplo no nosso Código Civil de ato ilícito no sentido estrito o art. 186, que assim reza: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”.
Já o art. 187 do supramencionado Código traz a previsão do ato ilícito no sentido amplo: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”. Esta situação é conhecida na doutrina como abuso de direito.
Cavalieri ainda nos esclarece:
Outra diferença entre o ato ilícito previsto no art. 186 e o do art. 187 é que apenas o primeiro faz alusão ao dano. Isso importa dizer que a ilicitude configuradora do abuso do direito pode ocorrer sem que o comportamento do agente cause dano a outrem Nem por isso essa ilicitude será desprovida de sanção. O ordenamento jurídico muitas vezes admite sanções distintas da obrigação de indenizar. Ora a sanção será a nulidade do ato, ora a perda de um direito processual ou material, e assim por diante. (2007, p.11).
Portanto, o ato ilícito no sentido estrito será utilizado para caracterizar a responsabilidade subjetiva, enquanto que utilizaremos o ato ilícito no sentido amplo para definir a responsabilidade objetiva.
Cavalieri (2007, p. 11) salienta que o ato ilícito será sempre uma conduta, um comportamento voluntário e nunca uma mera declaração de vontade. Por fim, conclui o jurista que “[...] ato ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade.” (2007, p.12).
1.3. Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual
Após uma introdução ao instituto da responsabilidade civil, a partir de agora falaremos sobre cada uma das suas espécies e as primeiras serão a responsabilidade contratual e a extracontratual (também chamada de aquiliana). Cavalieri explica com nitidez a principal diferença entre as duas modalidades:
Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é conseqüência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto. (2007, p.15).
Isso quer dizer que enquanto a responsabilidade contratual deriva de violação de cláusula de um contrato, um acordo de vontades, a extracontratual deriva de lei.
E como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico, preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica. (Ibid, p.15).
Maria Helena Diniz (2006, p.130-31) distingue a responsabilidade civil contratual e extracontratual, afirmando que na contratual os acordantes devem ser capazes e o onus probandi caberá ao devedor, que deve provar a ausência de culpa ou a presença das excludentes de responsabilidade. Já na extracontratual, pode existir a conduta ilícita praticada por pessoa capaz ou incapaz e o ônus da prova competirá à vítima.
Necessário se faz explicar no momento as excludentes de responsabilidade. São elas: fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior e, especificamente na responsabilidade contratual, a cláusula de não indenizar (RODRIGUES, 2003, p.164-82).
Quando ocorre o fato exclusivo da vítima, o agente causador do dano é um mero instrumento do acidente, não se falando, no caso, em nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano (Ibid, 165). Ou seja, no fato exclusivo da vítima (ou culpa exclusiva da vítima), o próprio nexo de causalidade é quebrado.
No fato de terceiro, quando seu ato for a causa exclusiva para o evento danoso, será também uma das hipóteses de excludentes de responsabilidade. Sílvio Rodrigues (2003, p.171) nos dá um exemplo bem didático:
[...] a hipótese do contratante que se obrigou a fornecer sua colheita a um comerciante, ou a matéria-prima por ele produzida a um industrial, e que foi impedido de cumprir a obrigação em virtude de terroristas haverem incendiado sua lavoura ou sua fábrica. Houve fatos de terceiro, absolutamente irresistíveis, que tornaram impossível o cumprimento da obrigação. O fato de terceiro na hipótese é equivalente à força maior. Ele exonera o devedor da obrigação de reparar.
O caso fortuito e força maior são também causas de excludente de responsabilidade. O parágrafo único do art. 393 do Código Civil não faz distinção conceitual entre os dois institutos, denominando-os de fato necessário, conforme se depreende do texto legal supramencionado: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Destarte, na prática, caso fortuito e força maior não possuem qualquer distinção. No entanto, a doutrina ainda os diferencia.
Venosa (2003, p. 42) nos traz um dos entendimentos:
O caso fortuito (act of God, ato de Deus no direito anglo-saxão), decorre de forças da natureza, tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não provocado, enquanto a força maior decorre de atos humanos, tais como guerras, revoluções, greve e determinação de autoridades (fato do príncipe).
Finalmente, se fala em cláusula de não indenizar, utilizada restritivamente à responsabilidade contratual.
A cláusula de não indenizar é aquela estipulação através da qual uma das partes contratantes declara, com a concordância da outra, que não será responsável pelo dano por esta experimentado, resultante da inexecução ou a execução inadequada de um contrato, dano este que, sem a cláusula, deveria ser ressarcido pelo estipulante. (RODRIGUES, 2003, p.179).
Deste conceito, podemos falar em duas limitações a essa cláusula: a bilateralidade, ou seja, essa cláusula deve ser aceita por todos os contratantes; a cláusula não pode ir de encontro com normas jurídicas e os bons costumes (Ibid, p.181).
Cavalieri (2007, p.268-71) nos aponta os três pressupostos de existência da responsabilidade civil contratual: a existência de contrato válido, já que sem um contrato válido e eficaz, não existirá responsabilidade, sendo considerado nulo, portanto, o contrato não produzirá quaisquer efeitos; a inexecução do contrato, quando um dos contratantes ou acordantes deixa de prestar sua obrigação, ocorrendo o ilícito contratual, materializando-se pelo inadimplemento ou mora e, por último, o dano e o nexo causal, ou seja, o dano tem que ter uma relação de causalidade com a conduta do agente.
O Código Civil prevê a responsabilidade civil extracontratual de forma geral nos arts. 186 e 927:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2002).
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”(BRASIL, 2002).
Já o art. 389 do mesmo diploma cuida da responsabilidade civil contratual: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”(Ibid).
Ressalte-se, porém, que apesar do elemento culpa ser pressuposto de constituição da responsabilidade civil, seja ela contratual, seja ela extracontratual, nem sempre ela subsistirá, como no caso de responsabilidade objetiva, conforme veremos a seguir.
1.4. Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva
A principal diferença entre a responsabilidade objetiva e subjetiva encontra-se no elemento culpa, já que este é indispensável na responsabilidade subjetiva, enquanto que na responsabilidade objetiva o elemento culpa é irrelevante para a sua caracterização. “Realmente se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de culpa, e objetiva quando esteada na teoria do risco.” (RODRIGUES, 2003, p.11).
O Código Civil de 2002, em seu art. 186 [...], manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva. A palavra culpa está sendo aqui empregada em sentido amplo, lato sensu, para indicar não só a culpa strictu sensu, como também o dolo. (CAVALIERI, 2007, p.16).
Primeiramente, devemos nos ater aos pressupostos da responsabilidade subjetiva. São eles: conduta voluntária, dolo ou culpa e o nexo de causalidade, já explicados exaustivamente no item 2.1. (Ibid, p.17).
Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. (Ibid, p.18).
Portanto, não restam dúvidas que a culpa, na responsabilidade subjetiva, é elemento essencial para sua constituição.
No entanto, nem todo ato que provoca dano é ato ilícito e, consequentemente, não se caracterizará a responsabilidade; são as causas de exclusão de ilicitude (Ibid, p.18).
As causas de exclusão de ilicitude estão elencadas no art. 188 do Código Civil, que prevê que quando praticada a conduta em exercício regular de direito, em legítima defesa ou em estado de necessidade, não será considerado o ato ilícito.
O exercício regular do direito ocorre quando o agente pratica uma conduta que, apesar de ocasionar dano a outrem, o ato praticado está em conformidade com a lei.
“Tal ocorre quando recebemos autorização do Poder Público para o desmatamento controlado de determinada área rural para o plantio de cereais. Atua-se, no caso, no exercício regular de um direito.”(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p.106). No entanto, quando esse exercício regular do direito ultrapassar os limites da boa-fé ou os limites previstos em lei, ocorrerá o abuso de direito.
Na legítima defesa, o agente, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, o direito seu ou de outrem.” (Cavalieri, 2007, p.19).
“Vale lembrar que, se o agente, exercendo a sua lídima prerrogativa de defesa, atinge terceiro inocente, terá de indenizá-lo, cabendo-lhe, outrossim, ação regressiva contra o verdadeiro agressor.” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006, p.104).
Ocorre o estado de necessidade quando o agente destrói ou lesiona outrem, com o objetivo de remover perigo prestes a acontecer.
Entre a legítima defesa e o estado de necessidade há traços comuns: a lesão de um interesse alheio e o fim de afastar um dano. Porém, enquanto a legítima defesa exprime uma reação ou repulsa contra injusta agressão de outrem, o estado de necessidade tem essencialmente o caráter de ação como ataque ou defesa contra um perigo não proveniente de agressão a outrem. (CAVALIERI, 2007, p.19).
Agora, trataremos da responsabilidade objetiva, também denominada de responsabilidade pelo risco.
Devemos salientar que na responsabilidade objetiva, a conduta, o dano e o nexo de causalidade são peças necessárias. O único elemento irrelevante será a culpa, que poderá existir, mas não precisará ser provada pela vítima. Portanto, as causas excludentes de responsabilidade também serão aplicadas na responsabilidade objetiva, visto que rompem o liame de causalidade (Ibid, p.126).
Calmon de Passos resume os aspectos históricos que levaram à disseminação do conceito de responsabilidade objetiva:
Os proveitos e vantagens do mundo tecnológico são postos num dos pratos da balança. No outro, a necessidade de o vitimado em benefício de todos poder responsabilizar alguém, em que pese o coletivo da culpa. O desafio é como equilibrá-los. Nessas circunstâncias, fala-se em responsabilidade objetiva e elabora-se a teoria do risco, dando-se ênfase à mera relação de causalidade, abstraindo-se, inclusive, tanto da ilicitude do ato quanto da existência de culpa (2002).
Diante dessa nova conjuntura,
[...] os tribunais começaram a admitir uma maior facilidade na prova de culpa, extraindo-a, por vezes, das próprias circunstâncias em que se dava o acidente e dos antecedentes pessoais dos participantes. Evoluiu-se, depois, para a admissão da culpa presumida, na qual, [...] há a inversão do ônus da prova. Sem se abandonar a teoria da culpa, consegue-se, por via de uma presunção, um efeito próximo ao da teoria objetiva. [...] Passou-se, ainda, pela fase em que se ampliou o número de casos de responsabilidade contratual, até que, finalmente, chegou-se à admissão da responsabilidade sem culpa em determinados casos. (CAVALIERI, 2007, p.127).
Concomitantemente com a responsabilidade objetiva, surgiu a teoria do risco, base desse instituto. Com a criação da teoria do risco, foram criadas várias subespécies. São elas: o risco-proveito, o risco profissional, o risco excepcional, o risco criado e o risco integral.
Para a teoria do risco-proveito, responsável é quem se aproveita da atividade que ocasiona o dano (Ibid, p.129).
A sua grande dificuldade, todavia, está na conceituação do proveito. Quando se pode dizer que uma pessoa tira proveito de uma atividade? Será necessário obter um proveito econômico, lucro, ou bastará qualquer tipo de proveito? Se proveito tem sentido de lucro, vantagem econômica, a responsabilidade fundada no risco-proveito ficará restrita aos comerciantes e industriais, não sendo aplicável aos casos em que a coisa causadora do dano não é fonte de ganho (Ibid, p.129).
A teoria do risco profissional se baseia nas relações de emprego. O agente tem dever de reparar o dano em decorrência da atividade laborativa da vítima. Fora gerada para os casos de acidentes de trabalho (Ibid, p.129).
Já na teoria do risco excepcional,
[...] a reparação é devida sempre que o dano é conseqüência de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça. A título de exemplo, podem ser lembrados, os casos de rede elétrica de alta tensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos, etc. (Ibid, p.129-30).
A teoria do risco criado tem como um dos seus adeptos o autor Caio Mário, que entende que qualquer pessoa pode ser responsabilizada pelos riscos praticados no exercício de quaisquer atividades, independente de ganho para o agente em decorrência dessa atividade (CAIO MÁRIO, 1992, apud CAVALIERI, 2007, p.130).
O risco integral é uma teoria que é favorável à responsabilidade do agente pela sua conduta até quando da falta do nexo de causalidade, entendendo que o único pressuposto para a caracterização da responsabilidade objetiva é o dano.
Vale dizer que o risco por si só não gera a responsabilização, e sim o dano causado em virtude dele. Portanto, nem todas as atividades de risco darão causa a uma reparação de danos (CAVALIERI, 2007, p.130).
O nosso Direito pátrio entende que a responsabilidade objetiva tem como norte a violação de um dever, in casu, o dever de segurança (Ibid, p.158).
Com efeito, quem se dispõe a exercer alguma atividade perigosa terá que fazê-lo com segurança, de modo a não causar dano a ninguém, sob pena de ter que por ele responder independentemente de culpa. Aí está, em nosso entender, a síntese da responsabilidade objetiva (Ibid, p.158).
Temos como exemplos de responsabilidade objetiva, citados por Cavalieri (2007, p.133-35) a responsabilidade das estradas de ferro, o acidente de trabalho, o seguro obrigatório, a responsabilidade civil do Estado, entre outros.
Finalmente, dando seguimento a este capítulo, trataremos no próximo item da reparação do dano.
1.5. A reparação do dano
O dano é elemento essencial para a caracterização da responsabilidade civil. Sem ele, não haveria qualquer dever de reparação, mesmo existindo a prática de ato ilícito, pois, como já é sabido, a indenização tem como finalidade restabelecer o estado e que se encontrava a vítima antes do evento danoso (CAVALIERI, 2007, p.13).
Stolze e Pamplona (2006, p.38-39) nos apresentam três requisitos para que o dano seja reparável: quando o agente infringe um interesse jurídico de natureza material ou não, seja pessoa física ou jurídica; a efetividade do dano, ou seja, ele deve ser concreto, não pode ser hipotético; permanência da existência do dano, ou seja, se o dano já tiver sido indenizado, não há que se falar em reparação de dano.
O dano material ou dano patrimonial é a perda do patrimônio pela vítima. Portanto, poderá ser reparado in natura, ou seja, quando o bem é devolvido ao estado anterior, ou, quando não for possível, através de uma reparação indireta, quando o bem será substituído por uma indenização pecuniária, em dinheiro. O dano patrimonial é subdividido em dano emergente e lucro cessante.
O dano emergente é a diminuição concreta do patrimônio do lesado em razão da conduta do agente (CAVALIERI, 2007, p.71).
O lucro cessante é a perda do lucro aguardado, previsto. Ou seja, o ganho ainda não faz parte do patrimônio do lesado, mas muito provavelmente o faria se não ocorresse o evento danoso.
Faz-se razoável apresentarmos um exemplo claro que diferencia as duas subespécies de dano material:
Imagine que uma indústria de veículos haja celebrado um contrato de compra e venda com um fornecedor de pastilhas de freios, que se comprometera a entregar-lhe um lote de dez mil peças até o dia 10. O pagamento efetivou-se no ato da celebração do contrato. No dia fixado, o fornecedor, sem justificativa razoável, comunicou ao adquirente que não mais produziria as referidas peças. Dessa forma, abriu-se ao credor a possibilidade de resolver o negócio, podendo exigir as perdas e danos, que compreenderiam o dano efetivo causado pelo descumprimento obrigacional (as suas máquinas ficaram paradas, tendo a receita mensal diminuído consideravelmente), e, bem assim, o que razoavelmente deixou de lucrar (se as pastilhas de freio houvessem chegado a tempo, os carros teriam sido concluídos, e as vendas aos consumidores efetivadas, com era de se esperar). (GAGLIANO; PAMPLONA, apud GAGLIANO; PAMPLONA, 2006, p.42).
Ainda sobre o dano material, nos cumpre falar de uma teoria que vem se desenvolvendo atualmente. É a perda da chance, teoria que surgiu na década de 60, criada pela doutrina francesa, fazendo uso dela quando o lesado perde a chance de alcançar uma posição financeira melhor no futuro por causa da prática do ato ilícito (CAVALIERI, 2007, p.74-75).
Destarte, é necessário que essa oportunidade seja real, efetiva e não apenas imaginária e a indenização advém da perda dessa chance e não da perda do patrimônio (Ibid, p.75).
Quanto ao dano moral, não há mais controvérsias de que o mesmo é passível de reparação, pois prevista expressamente sua indenização na nossa Carta Magna de 1988, nos incisos V e X do art. 5º. No que concerne à sua cumulação com o dano material, também já foram ultrapassadas quaisquer discussões, porquanto o Superior Tribunal de Justiça já formulou a súmula 37 que afirma: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato.” (BRASIL, 2004).
Cavalieri conceitua o dano moral em sentido estrito e em sentido amplo. Strictu sensu, “[...] dano moral é violação do direito à dignidade.”(2007, p. 76); já o dano moral lato sensu, “[...] abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada.”(2007, p.77)
Desse modo, a dor, a vergonha, o constrangimento, são meras conseqüências da violação à dignidade humana e não o dano moral em si. “[...] dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém.” (Ibid, p.77).
Situação complexa se dá quando a vítima do dano moral morre. O direito à reparação pode se transmitir? Cavalieri (2007, p.85-88) discrimina duas situações: quando o lesado morre durante a ação de reparação de danos morais, o herdeiro pode se suceder ao falecido, não restam dúvidas.
O problema vai ocorrer quando a vítima falecer antes do ajuizamento da ação indenizatória. Wilson Melo Silva (apud CAVALIERI, 2007, p.85) entende que nesta última hipótese a possibilidade de ser reparado por danos morais se extingue juntamente com a morte da vítima.
Cavalieri critica com grande propriedade essa corrente, lembrando que é passível de transmissibilidade a indenização e não o dano moral. “Uma coisa é o dano moral sofrido pela vítima, e outra coisa é o direito à indenização, daí resultante.” (2007, p. 86).
Quanto à mensuração do dano moral, cabe ao juiz, utilizando-se do princípio da razoabilidade, considerando a reflexão dos efeitos do dano e a capacidade financeira do agente quantificar a indenização ao seu alvedrio (Ibid, p.88).
Porém, os danos podem não só causar prejuízo direto sobre o lesionado, mas também outra pessoa pode ser afetada pelo dano indiretamente. É o chamado dano reflexo ou em ricochete. Deve se lembrar que o dano reflexo só será indenizável se o ato ilícito foi a causa direta para o evento danoso.
Sendo assim, somente o dano reflexo certo e que tenha sido conseqüência direta e imediata da conduta ilícita pode ser objeto de reparação, ficando afastado aquele que se coloca como conseqüência remota, como mera perda de uma chance. (Ibid, p.98).
No que tange às partes legitimadas pra propor ação indenizatória, primeiramente temos como legitimado o próprio lesado ou seu representante legal em caso de incapazes, bem como as pessoas jurídicas, que podem sofrer ofensas em relação ao seu nome, reputação, etc. Ainda, os lesados indiretos podem pleitear indenização.
A indenização por morte de outrem é reclamado jure proprio, pois ainda que o dano, que recai sobre a mulher e os filhos menores do finado, seja resultante de homicídio ou acidente, quando eles agem contra o responsável, procedem em nome próprio, reclamando contra prejuízo que sofreram e não contra foi irrogado ao marido e pai. (DINIZ, 2006, p.200).
As principais ponderações sobre a reparação do dano foram ressaltadas. Trataremos neste próximo momento sobre a responsabilidade civil prevista no Código de Defesa do consumidor.
1.6. A responsabilidade civil frente às relações de consumo
Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, se faz necessário falarmos aqui sobre a origem e a finalidade do Código de Defesa do Consumidor.
Cavalieri nos ensina que o direito consumidor surgiu para extinguir as desigualdades originadas pela Revolução Industrial nas relações consumeristas:
A partir dessa revolução a produção passou a ser em massa, em grande quantidade, até para fazer frente ao aumento da demanda decorrente da explosão demográfica. Houve também modificação no processo de distribuição, causando cisão entre a produção e a comercialização. Se antes era o próprio fabricante que se encarregava da distribuição dos seus produtos, pelo que tinha total domínio do processo produtivo – sabia o que fabricava, o que vendia, a quem vendia -, a partir de um determinado momento esse distribuição passou também a ser feita em massa, em cadeia, em grande quantidade, pelos mega-atacadistas, de sorte que o comerciante e o consumidor passaram a receber os produtos fechados, lacrados e embalados, sem nenhuma condição de conhecer o seu real conteúdo.
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Examinando o problema em profundidade, constatou-se que a reestruturação da ordem jurídica nas relações de consumo passava por algo muito mais abrangente do que uma mera atualização pontual da lei. Na realidade, exigia uma nova postura jurídica, capaz de permitir o delineamento de um novo direito, fundado em princípios modernos e eficazes. E foi assim que, nos principais países do mundo, após uma longa e criativa atuação jurisprudencial, foram editadas leis específicas para disciplinar as relações de consumo, entre os quais o Brasil. (2007, p.448).
A Constituição Federal de 1988 passou então a prever a defesa do consumidor no art. 5º, inciso XXXII, no art. 170, inciso V e no art. 48 das suas disposições transitórias. No entanto, só em 1991, então, entrou em vigor no Brasil o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90).
O Código de Defesa do Consumidor era e é até hoje uma legislação inovadora e bem formulada, baseada no princípio da hipossuficiência do consumidor. Ou seja, há uma presunção de que o consumidor está no lado mais fraco e, portanto, deve ser dado a ele um tratamento diferenciado, especial. Aí está a principal diferença entre as relações de consumo e as relações de direito privado comuns, previstas no Código Civil: neste se presume que as partes estão em pé de igualdade, imperando o princípio do pacta sunt servanda (as partes são obrigadas a cumprir as cláusulas estabelecidas no contrato).
No dizer de Cavalieri “[...] o Código do Consumidor [...] criou uma sobre-estrutura jurídica multidisciplinar, normas de sobredireito aplicáveis em toda e qualquer área do Direito onde ocorrer relação de consumo.” (2007, p.451).
Isso quer dizer que o Código de Defesa do Consumidor poderá ser aplicado em qualquer legislação, seja de direito público, seja de direito privado; seja lei geral, seja especial; o que importa é a caracterização da relação de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor definiu os elementos da relação de consumo. São eles: o fornecedor, o consumidor e o objeto da relação.
O fornecedor tem seu conceito previsto no art. 3º do Código, que assim reza:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 1990).
Enquanto o fornecedor se encontra no pólo ativo, o consumidor está no pólo passivo. Assim O CDC conceitua o consumidor em seu art. 2º: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” (BRASIL, 1990).
Verificamos desse conceito que a pessoa jurídica pode ser também considerada consumidora. Mas em que hipóteses? Quando a pessoa jurídica será destinatária final dos bens ou serviços?
Conforme ensinamento de Cavalieri (2007, p.454) o termo destinatário final tem como pressuposto utilização do bem para uso doméstico (bem de consumo) e não para fins lucrativos (bem de produção).
Não há qualquer dificuldade em entender que os bens utilizados para produção de outros bens não são bens de consumo e, consequentemente, não fazem parte da relação consumerista. O problema se encontra nos produtos ou serviços que são bens de consumo, mas servem para desenvolver a atividade das empresas (bens intermediários), como computadores, entre outros. Neste caso, Cavalieri entende que a pessoa jurídica será consumidora, pois ela utiliza desses bens intermediários como destinatária final.
Ainda sobre o conceito de consumidor, o Código do Consumidor igualou a coletividade de pessoas que intervenha nas relações de consumo como consumidora, conforme se depreende do parágrafo único do art. 2º supramencionada lei: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”
Por fim, com relação aos elementos da relação de consumo, encontra-se o objeto da relação, que pode ser produtos ou serviços.
Produto tem sua definição no §1º do art. 3º do CDC: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Já o serviço foi definido no §2º do retro mencionado artigo.
Vale registrar que consumidor é “[...] quem adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.” (Cavalieri, 2007, p.456). Utilizar não é só gastar, mas também usar, gozar, desfrutar.
O art. 17 do Código do Consumidor equipara ao consumidor as vítimas de acidente de consumo, ou seja, mesmo a pessoa não tendo utilizado do produto ou do serviço, mas se o evento causar dano à mesma, será considerada consumidora.
Assim, por exemplo, se o veículo desgovernado em razão de defeito mecânico (sistema de freio, suspensão, barra de direção etc.) atropela e fere um transeunte, poderá ele acionar o fabricante do veículo com fundamento no Código do Consumidor. (Ibid, p.479).
Com a formulação do Código de Defesa do Consumidor, foi instituída a teoria do risco do empreendimento. Por esta teoria, “[...] todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa.” (Ibid, p.459).
A responsabilidade objetiva do fornecedor divide-se em responsabilidade pelo fato do produto e do serviço e responsabilidade por vício do produto e do serviço.
Cavalieri (2007, p.460) nos aponta a diferença entre as duas espécies:
Ambos decorrem de um defeito do produto ou do serviço, só que no fato do produto ou do serviço o defeito é tão grave que provoca um acidente que atinge o consumidor, causando-lhe dano moral ou material. Vício, por sua vez, é defeito menos grave, circunscrito ao produto ou serviço em si; um defeito que lhe é inerente ou intrínseco, que apenas causa o seu mau funcionamento ou não funcionamento.
O fato do produto e do serviço está previsto nos arts. 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor, enquanto que o vício do produto e do serviço está previsto nos arts. 18 a 20 do mesmo diploma.
Há diferença também entre o fato do produto e fato do serviço. Na responsabilidade do fato do produto, prevista no art. 12, o Código falou especificamente quais são os responsáveis, deixando o comerciante como responsável subsidiário; já no fato do serviço, todos os fornecedores, sem distinção, são solidariamente responsáveis.
Na responsabilidade por vício do produto e do serviço trata-se somente do defeito do produto e do serviço e não do evento danoso. A responsabilidade dos fornecedores, in casu, é solidária, consoante dispõe o art. 18 do CDC.
A solidariedade só se rompe nas hipóteses dos arts. 18, §5º, e 19, §2º. A primeira trata do produto in natura, isto é, colocado no mercado de consumo sem passar por qualquer processo de industrialização, caso em que responsável perante o consumidor será o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. Responde, também, somente o fornecedor imediato na segunda hipótese – vício de quantidade decorrente de produtos pesados ou medidos na presença do consumidor – se o instrumento utilizado (balança etc.) não estiver aferido segundo os padrões oficiais. (Ibid, p.482).
Tanto o vício do produto quanto o vício do serviço se dividem em vício de qualidade e vício de quantidade. Os vícios (do produto) de qualidade e quantidade são definidos no art. 18 do CDC, no qual está implícito o dever de qualidade que assim dispõe:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.(BRASIL, 1990).
Quanto aos vícios de serviço, os vícios de qualidade e de quantidade são expostos no art. 20 e no §2º do art. 20 do diploma supracitado, respectivamente.
Apesar da responsabilidade do fornecedor ser objetiva, quando não há nexo de causalidade, não há ato ilícito, portanto, não há que se falar em reparação de danos. Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor previu em seus artigos as excludentes de responsabilidade nas relações de consumo, quais sejam, se o fornecedor provar que não colocou o produto ou serviço no mercado; a prova de inexistência de defeito; a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, a qual se equipara à força maior (CAVALIERI, 2007, p.469-75).
REFERÊNCIAS
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RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20 ed. São Paulo:Saraiva, 2003. 4 v.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. 4 v.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 7 v.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7 ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2007. 567p.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil, 4 ed. rev. atual. e reform. – São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL. Lei n. 8078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,DF.12set.1990.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 05 ago. 2007.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 ago. 2010.
PASSOS, J.J. Calmon de. O imoral nas indenizações por dano moral. [2002] Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2989>. Acesso em: 28 de agosto de 2007.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. Súmula n. 37. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0031a0060.htm#S%DAMULA%20No%2037>. Acesso em: 08 de setembro de 2010.
Analista do Ministério Público Especialidade Direito, Graduada em Direito na Universidade Tiradentes, Pós-Graduada em Direito Processual: Grandes Transformações com ênfase em Magistério Superior pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GREYCE BATISTA MENDONçA, . Responsabilidade Civil - Um Estudo Aprofundado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2010, 08:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21960/responsabilidade-civil-um-estudo-aprofundado. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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