No atual mundo do trabalho, observa-se a superação dos paradigmas que regem a dinâmica das relações de emprego. As novas tecnologias, a par da inserção de processos de reengenharia laboral, modificaram a técnica institucionalizada de trabalho, após a segunda metade do século passado, e tornaram cada vez mais prescindível o trabalho humano. Essa é a essência do que se denomina Desemprego Estrutural.
Uma diminuição significativa dos postos de trabalho decorre desse fenômeno. Por conseguinte, observa-se o aumento gradativo das formas precárias de trabalho, paralelamente a uma contínua ampliação das exigências para o ingresso nesse mercado. Em tal contexto inserem-se as relações de estágio.
Insertos ainda no mundo acadêmico e, portanto, vulneráveis, por conta das exigências advindas dessa condição, estes trabalhadores carecem de uma tutela que, idealmente, deveria resguardá-los a partir dos direitos fundamentais consagrados na Magna Carta, em seu art. 7º.
Entretanto, a legislação infraconstitucional, em especial a nova lei do estágio (Lei 11788/08, de 25/09/2008), que foi editada com o objetivo de ampliar a proteção a tal categoria, deixou lacunas no que concerne ao paradigma norteador dos direitos fundamentais.
Apesar disso, a Lei 11788/08 apresentou méritos incontestáveis: estabeleceu inovações às relações de estágio, pois incluiu, em seu bojo, limitação à jornada diária de trabalho, além de instituir direitos até então inéditos ao estudante, como o direito ao recesso escolar e ao auxílio transporte. Além disso, estabeleceu os requisitos necessários para configurar como válida uma relação de estágio.
A referida lei promoveu alterações significativas em face da Lei nº 6.494/77 que, até a data supracitada, dispunha acerca do contrato de estágio para estudantes regularmente matriculados em instituições de educação superior ou profissionalizante e de ensino médio e técnico, unificando a legislação nacional atinente ao tema.
Com isso, a nova lei do estágio corrigiu várias imprecisões da Lei 6.494/77, que, por exemplo, tão somente mencionava a necessidade de uma compatibilização entre a jornada a ser cumprida pelo estudante e o seu horário escolar, sem especificar como isso deveria ocorrer.
Desse modo, pela antiga lei, inexistia óbice a que estagiários cumprissem jornada integral de oito horas de trabalho. Em tal situação, o estudante, necessariamente, seria obrigado a relegar a um segundo plano as exigências acadêmicas, por não ter tempo hábil para a correta dedicação aos estudos, a par da formação prática, o que, sem dúvida, prejudicaria as finalidades da legislação protetiva.
Outra importante inovação trazida pela Lei n° 11.788/2008 foi a extensão, aos estagiários, do direito ao gozo de férias, o que se constituiu em importante avanço no sentido de ajustar a lei supracitada aos dispositivos de proteção contidos na Constituição Federal.
Ela também limitou a jornada de trabalho de acordo com o ano de escolaridade e o tipo de curso em que esteja matriculado o estagiário, respeitando a especificidade e o nível próprio de exigência inerente a cada qual. Por fim, essa lei ainda possibilitou a contratação de estagiários por profissionais liberais.
Em suma, a Lei n° 11.788/2008 apresentou à sociedade inequívocas benesses no que tange à concessão, aos estagiários, dos direitos inerentes aos demais trabalhadores, em consonância com o que preveem os princípios basilares trabalhistas e a Magna Carta.
Apesar disso, o legislador deixou de apreciar pontos relevantes na elaboração da referida lei e, em outros, adotou um tom meramente generalista.
Exemplo disso é a questão da reserva de vagas para estagiários deficientes. A lei foi imprecisa sobre a situação das empresas que possuem menos de dez estagiários. Nesse caso, não é possível saber se a reserva deve ser ou não acatada, eis que a cota de deficientes seria inferior a um estagiário.
Além disso, a Lei n° 11.788/2008 omitiu-se em outros aspectos, deixando, por exemplo, de dispor acerca da possibilidade ou não de cumprimento de horas extras pelos estagiários.
Outros dispositivos dessa lei suscitaram celeumas no âmbito jurídico: para alguns, foram considerados um retrocesso; já para outros, foram reputados vanguardistas.
Dentre os principais, é possível citar a imposição do tempo máximo de dois anos para a duração do contrato de estágio; a prerrogativa concedida ao estagiário de diminuição das horas de trabalho durante as provas acadêmicas; a limitação do número de estagiários a 20% do total de empregados da empresa, dentre outros.
É imperativa a resolução de tais impasses, bem como o aclaramento dos pontos obscuros da Lei n° 11.788/2008, pois tais inconsistências são indesejáveis no ordenamento jurídico.
Para tanto, deve o operador do Direito, amparando-se nos métodos da hermenêutica jurídica, contemplar, sobretudo, a essência dos direitos fundamentais previstos em nossa Lei Maior.
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