No plano da nova interpretação constitucional há uma forte tendência de conferir aos princípios jurídicos uma condição central na estruturação do raciocínio do jurista, com reflexos diretos na interpretação e aplicação da ordem jurídica. Quer isto dizer, sob o âmbito do pós positivismo os princípios jurídicos são considerados como vetores de aplicabilidade direta nos conflitos, tanto que, OLIVEIRA (2006) afirma de modo incisivo “os princípios desempenham, no plano de solução dos problemas constitucionais, o papel de vetores para soluções ótimas e juridicamente adequadas, na medida em que as controvérsias serão solucionadas com fundamento nas normas que desempenham o papel de fundamentação do próprio ordenamento jurídico”.
Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana tem sido um dos que mais se tem destacado no âmbito da nova interpretação constitucional, passando a ser considerado por muitos como sendo fonte para criação jurídica e ao mesmo tempo o fim para o qual toda norma tem que se dirigir. Com esta nova releitura feita para além do que é instituído pelas regras normativas, o princípio da dignidade da pessoa humana apregoa valores e os fins a serem alcançados pelo Estado e pela sociedade.
Inegavelmente, a idéia de dignidade da pessoa humana é um valor que sempre ocupou um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, estando atualmente positivado como valor fundamental da ordem jurídica na maioria das Constituições contemporâneas, inclusive, na própria Constituição brasileira como princípio que dá estrutura e fundamento ao Estado (CR/88, art. 1º). Caracterizado, portanto, como princípio estruturante, ele transcende-se nas generalidades teórico-política ao mesmo tempo em que projeta-se para o campo jurídico-político-pragmático de realização e promoção da justiça e da defesa do bem.
A pessoa humana dotada de um valor intrínseco, um valor próprio na sua essência, no seu ser, se apresenta superior a qualquer preço, portanto, jamais poderá ser transformado em objeto ou instrumento ou ser tratado como tal. Daí, a pessoa humana, em virtude de sua condição e independentemente de qualquer outra circunstância sempre será titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados pelo seu semelhante e pelo Estado.
No caso do Brasil, quando a Constituição reconhece a existência do princípio da dignidade da pessoa humana ao declará-lo como sendo um dos fundamentos da Republica e do Estado Democrático de Direito, por lógico e óbvio, que ela está afirmando que tal princípio é absoluto e supremo, não sendo apenas um princípio de ordem jurídica, mas também de ordem política, social, econômica e cultural. Nesse aspecto, a interpretação constitucional não tem outra missão senão prestigiá-la, com o que se estará dando primazia a todos os direitos fundamentais do homem. Portanto, num conflito normativo que exija o recurso à indigitada técnica de ponderação, a decisão que dê preferência à dignidade humana deve prevalecer sobre os demais princípios e regras. Isto, todavia, não significa uma quebra ou contradição ao princípio que prima pela unidade da Constituição, pois, embora as normas constitucionais tenham a mesma hierarquia, certas disposições insertas neste diploma jurídico tem uma carga axiológica maior que outras.
Sem sombra de dúvida, a adoção do princípio da dignidade da pessoa humana como locus da nova interpretação constitucional é um efetivo instrumento de aplicação não apenas do direito, mas de realização da justiça, que é o escopo magno da jurisdição, na medida em que, conferindo racionalidade ao ordenamento jurídico fornece ao interprete uma pauta valorativa essencial ao correto entendimento e aplicação da norma. De falar ainda, por ser uma cláusula aberta, dotada de certo grau de vagueza e generalidade que lhe permite a concretização sobre inúmeras situações, sempre ele estará a respaldar o surgimento de novos direitos impregnado de profundo conteúdo ético e atualidade. Todas essas características lhes permitem acompanhar o ritmo frenético da evolução social presente na sociedade, sem que isso provoque rupturas constitucionais.
Competindo ao intérprete o papel de revelar o sentido das normas e fazê-la incidir no caso concreto, com vista a aplicar não apenas o direito, mas, sobretudo, realizar justiça é imperioso que faça a interpretação de um determinado caso concreto a partir da dignidade da pessoa humana, por constituir princípio e valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões. Eis aí a razão porque o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado o ponto de partida e paradigma de toda e qualquer ação do Poder Público, inclusive, do próprio do Poder Judiciário e, ainda, o fundamento de validade da ordem jurídica.
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