1. Considerações iniciais
Cumpre estabelecer, preliminarmente, a diferença entre eficácia e efetividade dos direitos sociais.
Enquanto a eficácia está relacionada à capacidade da norma em gerar efeitos jurídicos, a efetividade consiste na aptidão dela de ser cumprida no plano social.
No dizer sempre expressivo de Afonso da Silva (2007, p. 66):
Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas. Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador. […] O alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade.
[…] Uma norma pode ter eficácia jurídica sem ser socialmente eficaz, isto é, pode gerar efeitos jurídicos, como, por exemplo, o de revogar normas anteriores, e não ser efetivamente cumprida no plano social.
2. Eficácia dos Direitos Sociais
No Direito Constitucional brasileiro, o estudo sobre a eficácia das normas constitucionais foi iniciado por Rui Barbosa que as classificou em: auto-executáveis e não auto-executáveis.
As primeiras independem de legislação infraconstitucional para gerarem efeitos, uma vez que seu conteúdo encontra-se determinado.
Já as segundas, por necessitarem de explicação de seu conteúdo, dependem de atuação do legislador para que possam produzir efeitos.
Posteriormente, Pontes de Miranda classificou as normas constitucionais quanto à eficácia em três categorias: normas que independem de concretização legislativa, normas que dependem de concretização legislativa e normas programáticas, cuja normatividade apenas proibia o legislador de contrariá-las.
Diferentemente, a teoria de José Afonso da Silva atribui eficácia, mesmo que em graus diferentes, a todas as normas constitucionais. Classificando-as, quanto à eficácia jurídica, em normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada, na qual as normas programáticas estão inseridas.
Segundo essa classificação tripartida das normas constitucionais, as normas de eficácia plena dispõem de aplicabilidade direta (não carecem de regulamentação infraconstitucional para tornarem-se aplicáveis), imediata (estão aptas a produzir todos os seus efeitos a partir da entrada em vigor da Constituição) e integral (não podem ter o seu alcance contido pela legislação infraconstitucional).
Quanto às normas de eficácia contida, apesar de elas disporem de aplicabilidade direta e imediata, podem ter seu conteúdo reduzido por legislação infraconstitucional.
Já as normas de eficácia limitada carecem de regulamentação para tornarem-se aplicáveis, produzindo os seus efeitos a partir da entrada em vigor da lei integrativa infraconstitucional. Dessa forma, tais normas são de aplicabilidade mediata e reduzida.
Ressalta-se que a classificação exposta é adotada pela jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme ao seguinte aresto:
Ao contrário das normas constitucionais de eficácia contida e das de eficácia limitada, as normas constitucionais de eficácia plena são revestidas de aplicabilidade direta, imediata e integral. Esse preceito da Lei Fundamental qualifica-se como estrutura jurídica dotada de suficiente densidade normativa, a tornar prescindível qualquer mediação legislativa concretizadora do comando nele positivado. Essa norma constitucional – por não reclamar a interpositio legislatoris – opera, em plenitude, no plano jurídico, todas as suas virtualidades eficaciais, revelando-se aplicável, em conseqüência, desde a data da promulgação da CF de 1988.
Portanto, sob o entendimento tanto de José Afonso da Silva, quanto do STF, os direitos sociais encontram-se inseridos nas normas programáticas.
Em contrapartida, Barroso (2006, p. 14) distingue o conceito de direitos sociais do de normas programáticas. Direitos sociais são “regras destinadas a conformar a ordem econômica e social a determinados postulados de justiça social e a realização espiritual”. Já as normas programáticas são “aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos.”
Por conseguinte, para esse ilustre Doutrinador, há alguns direitos sociais que consistem em normas programáticas e outros que não se configuram como tais. Os primeiros são “proposições diretivas” e deverão ser “efetivados progressivamente, dentro do quadro de possibilidades do estado”, configurando-se como normas constitucionais insindicáveis. Já os segundos configuram direitos subjetivos, justiciáveis.
É de ser revelado que tanto o conceito de norma programática de José Afonso da Silva quanto o de Luís Roberto Barroso não podem ser confundidos com o conceito de outrora de norma de conteúdo meramente programático (ver no caderno).
Hodiernamente, conforme o exposto, não há dúvidas da eficácia jurídica, mesmo que limitada, em todas as normas constitucionais. Incluindo-se, dessa forma, as normas de direitos sociais prestacionais.
Neste contexto, Diniz (1997, p. 115) faz alusão a um “gradualismo eficacial das normas constitucionais”, segundo o qual:
Há um escalonamento da intangibilidade e nos efeitos dos preceitos constitucionais […]. Todas têm juridicidade, mas seria utopia considerar que têm a mesma eficácia, pois o seu grau eficacial é variável. Logo, não há normas constitucionais destituída de eficácia. Todas as disposições constitucionais têm a possibilidade de produzir, a sua maneira, concretamente, os efeitos jurídicos por elas visados.
3. Do art. 5º, § 1º da CRFB/88
Em razão da topografia do art. 5º, § 1º da CRFB/88, muito se discutiu acerca da aplicação imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais sociais, tendo tal dispositivo como fundamento.
Para Gebran Neto (2002), a imediatabilidade dos direitos sociais não decorre do art. 5º, § 1º da CRFB/88, mas sim da forma de positivação da força normativa da Constituição e da máxima efetividade das normas constitucionais.
Em que pese tal entendimento, o art. 5º, § 1º da CRFB/88 não está circunscrito apenas aos direitos e garantias constitucionais previstos no referido dispositivo.
A sua simples interpretação literal demonstra que não há restrição alguma quanto à abrangência de seu conteúdo. Devendo, assim, ser ele aplicado em todos direitos e garantias fundamentais presentes no texto constitucional.
No mesmo sentido é o ensinamento de Sarlet (2006, p. 272):
Em que pese a circunstância de que a situação topográfica do dispositivo poderia sugerir uma aplicação da norma contida no art. 5°, § 1º da CF apenas aos direitos individuais e coletivos ( a exemplo do que ocorre com o § 2º do mesmo artigo), o fato é que este argumento não corresponde à expressão literal do dispositivo, que utiliza a formulação genérica ‘direitos e garantias fundamentais’, tal como consignada na epígrafe do Título II de nossa Lex Suprema, revelando que, mesmo que se procedendo a uma interpretação meramente literal, não há como sustentar uma redução de aplicação da norma a qualquer das categorias específicas de direitos fundamentais consagradas em nossa Constituição – como já visto equivocadamente designados – direitos individuais e coletivos do art. 5º.
4. Efetividade dos Direitos Sociais
Não há dúvida de que a atual Constituição brasileira é uma das mais avançadas no que tange à disciplina dos direitos sociais. Além disso, o Brasil possui uma das dez maiores economias mundiais.
No entanto, o Brasil apresenta altíssimos índices de analfabetismo e de mortalidade infantil, saneamento básico insuficiente e muitas vezes inexistente. Colocando-o na 70º posição do ranking elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Observa-se, então, que nas vésperas de completar 20 anos de promulgação, a Constituição do Brasil, ainda, em muitas de suas páginas não passa de uma mera “folha de papel”.
Passado todo esse tempo, o Estado não se aparelhou, não se preparou para oferecer aos cidadãos condições mínimas para viver com dignidade que todo ser humano precisa, como, por exemplo, saúde e educação.
A omissão do Poder Legislativo na elaboração de lei concretizadora de normas constitucionais capazes de dar maior eficiência e eficácia aos direitos fundamentais sociais prestacionais; a omissão do Poder Executivo na realização de políticas públicas capazes de maximizar o alcance dos direitos fundamentais; a ausência de previsão orçamentária; a reserva do possível e a aplicação de forma equivocada da teoria alemã do mínimo existencial são fatores que podem reduzir a efetividade das normas de direitos sociais a praticamente zero.
Esse panorama pouco favorável levou inúmeras pessoas ao Poder Judiciário para a concretização daqueles direitos por meio de ações judiciais, cujos pedidos são fornecimento de medicamento, construção de creches e realização de intervenção cirúrgica, por exemplo.
Bibliografia
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LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12. ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
PINHEIRO, Marcelo Rebello. A eficácia e a efetividade dos direitos sociais de caráter prestacional: em busca da superação dos obstáculos. Brasília, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
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Advogado, Bacharel em Letras (português-alemão). Pós-graduando em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense - UFF e em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Vagner Rangel. Eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 fev 2011, 09:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23554/eficacia-e-efetividade-dos-direitos-sociais-prestacionais. Acesso em: 22 nov 2024.
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