Desde o final da década de 90 vem crescendo o número de leis que versam sobre a espera no atendimento bancário no Brasil. No entanto, durante muito tempo essas leis ficaram no marasmo e não tinham sua aplicabilidade efetivada.
Porém, com o crescimento econômico vivido pelo País, o aumento da bancarização da população e a precarização apresentada no atendimento, surgiram muitas denúncias e reclamações junto às ouvidorias do Bacen e do Procon, em virtude do seu não cumprimento. Todos esses motivos fizeram com que o tema retornasse à tona e fosse cobrada a correta aplicação das leis.
A primeira grande barreira encontrada foi acerca da constitucionalidade das leis. Seriam matérias de ordem municipal, estadual ou não?
Os bancos sustentavam a alegação de inconstitucionalidade sob o argumento de que os municípios e os estados estavam usurpando a competência privativa da União para legislar sobre “política de crédito, câmbio, seguros e transferências de valores” (art. 22, inciso VII) e sobre “matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações” (art. 48, inciso XIII). No entanto, o STF, através do recurso extraordinário n° 423789-SC, julgou pela constitucionalidade da lei, com o argumento de que a competência para legislar sobre o assunto é do Município, tendo em vista que não versam sobre a atividades-fim das instituições bancárias.Veja o acórdão do julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE INTERESSE LOCAL. LEGITIMIDADE.
Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município.
Todavia, o maior problema não se encontra na competência para legislar, e sim na sua efetividade, uma vez que as leis, em sua grande maioria, não trouxeram sanção pecuniária para o caso de descumprimento, ou seja, não inseriram multas que deveriam ser aplicadas aos bancos bem como não criaram órgãos para fiscalizar o cumprimento no atendimento bancário, gerando uma total descredibilidade da lei. Hoje em dia, os municípios vem editando decretos para regulamentar a lei, solucionando em parte este problema.
O Judiciário, por seu turno, também não entendia que o descumprimento levasse a um dano moral, achava-se que não passava de um mero transtorno. Veja-se o acórdao do TJ/SE:
DES. LUIZ ANTÔNIO ARAÚJO MENDONÇA Recurso: APELAÇÃO CÍVEL Julgamento: 03-11-2009 Ementa: PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - APLICAÇÃO DO CDC - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DE SERVIÇO - DEMORA NO ATENDIMENTO - MERO DESCONFORTO. I - Na prestação de serviço bancário, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, por haver relação de consumo entre as partes; II - O prestador de serviço responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor; porém, cabe a este provar o dano e nexo causa; III - O fato de o cliente permanecer em fila de banco por tempo superior ao que estabelece a Lei Municipal para ser atendido, não passa de mero aborrecimento diário, desconforto, e irregularidade administrativa comum na relação banco/cliente, à qual todos os clientes de instituições financeiras estão suscetíveis de experimentar, e que, uma vez ocorrida, gera apenas multa a ser aplicada pelo Poder Público. IV - Recurso conhecido e não provido....
Todavia, essa situação vem mudando, uma vez que o não cumprimento da lei trata de uma transgressão legal, passível de punição, configurando-se o dano moral, conforme se depreende da conjunção dos art.927 e 186 do CC, ou seja, a existência do dano, a culpa do agente ou o risco e o nexo de causalidade entre a atuação deste e o prejuízo causado.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Deve-se salientar que, na maioria dos casos envolvendo atendimento bancário, resta configurado os requisitos da responsabilidade civil. Devendo ser aplicada a sanção pecuniária com o intuito de desestimular e coibir a reiteração dessas condutas. Observe o pensamento de Flávio Tartuce (Direito Civil, V.2, 2008):
[...] A indenização por dano moral está revestida de um caráter principal reparatório e de um caráter pedagógico ou disciplinador acessório, visando coibir novas condutas. Mas esse caráter acessório somente existirá se estiver acompanhado do principal. Essa tese ainda tem prevalecido na jurisprudência nacional.
Hoje em dia, percebe-se o crescimento no número de sentenças condenando os bancos ao pagamento de dano moral. Observe outra decisão vinda do mesmo Tribunal:
DES. CEZÁRIO SIQUEIRA NETO Recurso: APELAÇÃO CÍVEL Julgamento: 24-08-2010 Ementa: Apelação Cível - Ação de Indenização por danos morais decorrente de espera para atendimento em fila de banco - Art. 1º, § único da Lei Municipal nº 2.636/1998 - Demora injustificada no atendimento bancário - Responsabilidade civil configurada - Desídia que afronta a dignidade da pessoa - Dano moral configurado 1. A espera por longo período em fila de agência bancária, além do limite temporal imposto por lei municipal, é fato capaz de gerar profundo desgaste físico, emocional, aborrecimentos e incertezas, capaz de afetar a honra subjetiva da pessoa e atingir direito imaterial seu, ensejador, portanto, de dano moral passível de reparação pecuniária. 2. - Recurso que se conhece, para lhe dar provimento. Decisão Unânime....
Portanto, o juiz, ao aplicar tal pena, deve ter a cautela de verificar caso a caso, uma vez que é necessário o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, devendo ser bem configurado o dano, para evitar que essas leis criem uma verdadeira indústria do dano moral. Por outro lado também não pode deixar impune o desleixo praticado pelos bancos, que evitam contratar novos funcionários em prol dos seus lucros que crescem ano após ano.
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