Conceituada no art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988) e no art. 3º da Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990 (ECA) a doutrina da proteção integral embasa-se no fato de a criança e o adolescente se encontrarem em fase de formação do caráter e personalidade, pelo que devem receber garantias para a realização de sua dignidade.
A doutrina da proteção integral estabelece que primeiramente a família e supletivamente a sociedade e o Estado, são corresponsáveis por propiciar, mediante confecção e aplicação de lei ou por outros meios, tudo o que oportunize a criança e ao adolescente um desenvolvimento físico, psíquico e social, em atendimento à promoção e defesa de seus direitos. Portanto, oferta-se à criança e ao adolescente uma proteção diferenciada, especializada e global.
Nesse ínterim, se insere o princípio do melhor interesse, cujo conteúdo é relativo, haja vista que a compreensão de seu teor padece de uma avaliação cultural, social e axiológica.
Em função disso, a definição do que seja melhor interesse da criança ou adolescente fica ao vislumbre de uma situação concreta, ocasião em que se fixarão seus limites e conceito.
Neste ponto, cabe indagar se há compreensão pré-concebida do que seja o melhor interesse, haja vista que a noção do justo perpassa por uma análise subjetiva da questão concretamente posta. Nesta análise, abandona-se a parcialidade, mas não a valoração, porquanto o ser humano seja essencialmente valorativo, expressando através de seus atos e discurso suas vivências e seus valores.
Verifica-se, deste modo, que somente o enquadramento ético da questão sob exame é que livra esta apreciação da arbitrariedade do enquadramento moral, lembrando que a ética é que estabelece o padrão de conduta que melhor atenda a pacifica convivência em sociedade.
A fim de melhor analisar a questão, cumpre fazer uma breve digressão acerca das definições de regras e princípios, que, ao contrário das regras, não possuem conceitos pré-determinados, sendo o seu conteúdo limitado em razão da aplicação ao caso concreto. Possuem, portanto, conteúdo aberto, passível de valoração. A definição do que seja melhor interesse, pode sofrer, em razão disso, variações no tempo e no espaço, sendo que é o bem da criança e adolescente que tudo determina.
Entretanto, é possível verificar que há íntima relação do princípio do melhor interesse como direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, os quais lhes são especificamente destinados.
O filósofo Robert Alexy concebe que princípios e regras jurídicas compõem uma categoria normativa, já que ambos ofertam noções do dever ser. Para ele, compreender esses dois tipos de normas é entender a teoria dos direitos fundamentais.
Salienta o filósofo que o ponto decisivo que distingue princípios e regras é o fato de os princípios serem “mandados de otimização”, que podem ser satisfeitos em diferentes graus, sendo que a medida adequada para seu cumprimento depende da análise do caso concreto, ao passo que, no âmbito das regras jurídicas, já há uma determinação expressa e possível de sua aplicação, constituindo-se como uma forma mais rígida de dizer o Direito. “Esto significa que la diferencia entre reglas y princípios es cualitativa y no de grado” (ALEXI, 1997, p. 87).
Se no plano abstrato todos os princípios são harmônicos, o mesmo não ocorre no plano concreto, podendo haver, por conseguinte, uma colisão entre eles. Nessa ocasião, devem-se aplicar os princípios imprimindo-lhes o menor grau de sacrifício possível. Logo, devem-se ponderar os princípios para que se encontre o conteúdo, extensão e limite da aplicabilidade dos mesmos diante do caso concreto.
Por conceber que a graduação de princípios não é possível, já que dotados que carga deontólogica e não valorativa, Klauss Gunter critica a teoria de Robert Alexy, propondo que, no caso de colisão entre princípios, seja estabelecida uma adequação, de maneira que se permita a opção pelo princípio mais adequado ao caso concreto, tal qual afirmou Donald Dworkin (2003, p. 272).
Klauss Gunter, seguindo Donald Dworkin, defende a adequabilidade como critério para resolução da colisão entre princípios (GUNTER, 1993, p. 217).
Tendo em vista o patamar atingido pelo princípio da dignidade da natureza humana na ordem jurídica, melhor técnica parece ser a da ponderação, haja vista o conteúdo ético e axiológico da dignidade da natureza humana, que deve sempre preponderar. Sendo assim, há uma primazia desse princípio sobre todos os outros.
Diante do exposto, deverá haver, quando da análise do caso concreto, uma ponderação de princípios de maneira a identificar de que forma será obtida a dignidade, já que seu conteúdo varia com a situação, havendo uma interferência fatal da subjetividade no conteúdo de cada princípio, considerando-se o paradigma hermenêutico constitucional estabelecido no ordenamento jurídico nacional.
A própria CRFB/1988 preceitua que a criança e o adolescente devem ser alvo de práticas e políticas públicas que garantam seu bem estar e desenvolvimento físico e psíquico integral.
Para tanto, estabelece em seu art. 227 que a proteção e a defesa dos direitos das crianças e adolescentes são prioridades no sistema jurídico nacional, devendo a família, a sociedade e o Estado promoverem a prática e defesa desses direitos. Nesse mesmo sentido, estabelece o ECA em seus arts. 3º e 4º.
A criança e o adolescente recebem atenção especial por parte do ordenamento jurídico, sendo alvos de tutela incondicionada, sendo, inclusive, sujeitos ativos do próprio processo educacional.
Nota-se que o princípio da proteção integral relaciona-se intimamente com a tutela da dignidade da natureza humana, já que obriga tanto a conduta omissiva, qual seja, a de respeitar o direito ao crescimento sadio da criança e do adolescente, quanto a conduta comissiva, obrigando a promoção do desenvolvimento integral desses sujeitos em formação.
O ECA dispõe que são direitos fundamentais da criança e do adolescente: vida e saúde (arts. 7º ao art. 14), dignidade e liberdade (arts. 15 ao art. 18) e a convivência comunitária (arts. 19 ao art. 24). Aplicar adequadamente o princípio do melhor interesse implica em considerar o fim por ele colimado, ou seja, se haverá efetivação da proteção integral do sujeito em formação.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GUNTER, Klauss. The sense of appropriateness. Application discourses in morality and law. Albany: State University of New York, 1993.
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