Antes de se adentrar na conceituação do princípio da proporcionalidade, deve-se levantar uma questão importante, que é a hipótese ou não de haver a ocorrência de conflito entre princípios. Importante destacar que, as normas podem ser encontradas na forma de regras e princípios. E, dessa forma, havendo conflito entre regras, devem-se utilizar os critérios apontados por Norberto Bobbio (como mais adiante se apresenta), ocorrendo, normalmente, a aplicação de uma regra em detrimento de outra. Mas, e quando houver conflito entre princípios? Um questionamento precede à esse, qual seja, é possível conflito entre princípios?
Ruy Samuel Espíndola lembra que havendo conflito entre regras tem-se a antinomia jurídica própria, mas, a colisão entre princípios resulta na antinomia jurídica imprópria No primeiro caso, exclui-se a regra conflitante (utilizando-se os critérios de hierarquia; especialidade; e, cronológico, dependendo do caso). Na segunda hipótese, não há exclusão, dentro da ordem jurídica, de uma das normas conflitantes. Sendo que:
Há incompatibilidade, porém não exclusão. Nesses casos, segundo Dworkin, o aplicador do Direito opta por um dos princípios, sem que o outro seja rechaçado do sistema, ou deixe de ser aplicado a outros casos que comportem sua aceitação. Ou seja, afastado um princípio colidente, diante de certa hipótese, não significa que, em outras situações, não venha o afastado a ser aproximado e aplicado em outros casos.[1] (grifo do autor).
Não havendo, portanto, a possibilidade de se excluir um princípio do sistema jurídico, não há o que se falar em efetiva ocorrência de conflito entre princípios, havendo, de outra forma, uma mera incompatibilidade entre eles no momento da aplicação no caso concreto, sendo que, o intérprete, dessa forma, fará uma ponderação sobre qual princípio deve ser aplicado naquele momento no dado caso concreto.
Para que se faça essa ponderação, bem como averiguação de qual princípio deve ser utilizado para aquela hipótese concreta que se apresenta, o intérprete tem, como ferramenta, o princípio da proporcionalidade.
Proporcionalidade:
A interpretação das normas jurídicas deve obedecer a certo critério, devidamente estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro. Ressalta-se que o intérprete deve buscar a conciliação do sistema, utilizando-se, para tanto, das ferramentas que lhe são colocadas à disposição: a hierarquia, a ordem cronológica ou temporal, a especialização e a ponderação de valores, ferramentas estas que são utilizadas seguindo-se a idéia do razoável.[2]
Para Norberto Bobbio, devido à tendência de cada ordenamento jurídico se constituir em um sistema, a presença de antinomias (que é o conflito de normas) em sentido próprio é um defeito que o intérprete tende a eliminar. Assim, um questionamento deve ser feito, posto que há duas (ou mais normas conflitantes). Qual das duas normas deve ser eliminada? Norberto Bobbio apresenta, então, os critérios para a solução da antinomia existente:
As regras fundamentais para a solução de antinomias são três:
a) o critério cronológico;
b) o critério hierárquico;
c) o critério da especialidade.
O critério cronológico, chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori.
[...]
O critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derrogat inferiori.
[..]
O terceiro critério, dito justamente de lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali.[3] (grifo do autor).
Depreende-se, então que a interpretação das normas constitucionais deve ser feita de forma sistemática, levando-se em conta todo o sistema normativo, compreendendo-se o ordenamento jurídico, para se aplicar de forma mais acertada a norma geral abstrata, ao caso concreto, tornando-a norma concreta individual. É claro que não se pode esquecer-se das outras formas de interpretação que poderão e, deverão ser utilizadas na aplicação da norma constitucional ao caso concreto, como, por exemplo, a interpretação embasada nos valores constitucionais, os quais são trazidos do seio da própria sociedade.
Tem-se, como base, para a interpretação, a própria Constituição, em face de sua supremacia, observando-a para a aplicação da norma, em cada caso concreto. Ocorre, todavia, que em determinados casos, há colisão entre normas constitucionais, surgindo, então, a necessidade de operacionalizar este problema, ou seja, se a Constituição é suprema, qual dentre suas normas deve ser aplicada? Pois, se fosse conflito entre norma infraconstitucional e a própria Constituição, esta última é que deve, sempre, prevalecer. Willis Santiago Guerra Filho tenta responder a esta questão, afirmando que:
Para resolver o grande dilema que vai então afligir os que operam com o Direito no âmbito do Estado Democrático contemporâneo, representado pela atualidade de conflitos entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, é que se preconiza o recurso a um ´princípio dos princípios´, o princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma ´solução de compromisso´, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu ´núcleo essencial´, onde se encontra entronizado o valor da dignidade humana. Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do ´Estado Democrático de Direito´, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.[4]
Verifica-se que o autor acima coloca o princípio da dignidade da pessoa humana como valor a ser utilizado como elemento fundamental para a resolução da colisão entre princípios.
Assim, surge a figura do princípio da proporcionalidade, que vai servir como parâmetro ao intérprete, quando houver “colisão” entre princípios constitucionais, como garantidor dos direitos, assegurados pela Constituição Federal.
É importante trazer, neste momento, um conceito do princípio, ora em análise, sendo que o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, dessa forma, é o princípio constitucional segundo o qual, sempre que houver poderes que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, a Administração Pública deve atuar segundo o princípio da justa medida, quer dizer, adotando, dentre as medidas necessárias para atingir os fins legais, aquelas que implicam o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. As decisões da administração que afetam direitos e interesses dos cidadãos, só podem ir até onde sejam imprescindíveis para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se de medidas mais gravosas quando outras, que o sejam menos prejudiciais, forem suficientes para atingir os fins da lei.
Em outras palavras, pode-se dizer que o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a Justiça.[5]
O referido princípio surgiu entre os séculos XII e XVII, quando do surgimento das teorias jusnaturalistas, na Inglaterra, ditando que o Estado soberano deveria respeitar os direitos do homem, direitos estes relativos à sua própria natureza e, portanto, anteriores ao surgimento do próprio Estado. E é durante a passagem do Estado absolutista, época em que o governante tem poderes ilimitados, para o Estado de Direito, que pela primeira vez emprega-se o princípio da proporcionalidade, com o objetivo de limitar o poder de atuação do Monarca em face de seus súditos. Os Estados Unidos da América do Norte também tiveram a preocupação de observar este princípio, utilizando como parâmetro a noção do comportamento razoável segundo as circunstâncias, para a elaboração de suas decisões.[6] No campo constitucional, todavia, deve sua introdução, às revoluções burguesas do século XVIII, em especial à concepção de inatingibilidade do homem e na necessidade incondicionada de respeito à sua dignidade. Em 1791, a França previu, expressamente, em sua Constituição, o princípio da legalidade, o qual foi instrumentalizado de forma a delinear, ainda que implicitamente, o princípio da proporcionalidade.
Mas, coube ao Estado Alemão, a formulação atual do princípio da proporcionalidade, em especial, no que diz respeito aos direitos fundamentais, sendo que a promulgação da Lei Fundamental de Bonn representa, dessa forma, um marco inicial do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos fundamentais como núcleo central e primordial de toda a ordem jurídica.[7]
A Constituição da República Federativa do Brasil, apesar de não prever, de forma expressa, o cabimento do princípio da proporcionalidade, estabelece sua utilização de forma implícita, determinando que utilize seus conceitos, quando da ocorrência de conflitos entre normas constitucionais, servindo este de instrumento para o controle de constitucionalidade.
Gisele Santos Fernandes Góes, na obra “Princípio da proporcionalidade no processo civil” apresenta algumas teorias acerca da constitucionalidade do princípio ora em estudo, destacando sua presença, ainda que implícita, na Constituição Federal. O primeiro fundamento utiliza o preceito contido no Art. 5º, § 2º, da Constituição, tendo em Paulo Bonavides e Eros Roberto Grau (que justifica a utilização do princípio, em face de se tratar de uma garantia dos cidadãos, para que possam se proteger dos excessos praticados pelo Poder Público), como defensores de tal corrente. Referidos autores entendem que o princípio da proporcionalidade flui do espírito da norma contido no mencionado artigo, qual disciplina e apresenta um rol, meramente exemplificativo e, portanto, não exaustivo, de direitos e garantias fundamentais do Art. 5º, sendo que, dessa forma, os direitos não se exaurem apenas no mencionado artigo, observando o princípio da proporcionalidade em inúmeros dispositivos constitucionais, tais como:
1º) art. 5º: inciso V – o direito de resposta é assegurado de modo proporcional ao agravo; inciso X - inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas; inciso XXV – possibilidade de utilização da propriedade particular, em caso de iminente perigo público; 2º) art. 7º: inciso IV – salário mínimo; inciso V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; inciso XXI – aviso prévio proporcional;[8]
Outra corrente encontra balizamento no Art. 5º, LIV, da Constituição Federal, ou seja, no devido processo legal. Dentre os autores que seguem esta corrente estão Gilmar Ferreira Mendes e Raquel Denise Stumm. Esta última afirma que:
A fundamentação do princípio da proporcionalidade, no nosso sistema, é realizada pelo princípio constitucional expresso do devido processo legal. Importa aqui a sua ênfase substantiva, em que há a preocupação com a igual proteção dos direitos do homem e os interesses da comunidade quando confrontados. O núcleo essencial dos direitos fundamentais deve sempre ser resguardado de arbitrariedades, ou de excessos cometidos contra eles. Nesse sentido, tem o princípio da proporcionalidade um papel importantíssimo para a racionalidade do Estado de Direito: a garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais.[9]
Já, Gilmar Ferreira Mendes, ao analisar uma decisão do Supremo Tribunal Federal, entende que:
Essa decisão consolida o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade como postulado constitucional autônomo que tem a sua sedes materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal (art. 5º, LIV). Por outro lado, afirma-se de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido).[10] (grifo do autor).
Posicionamento diverso vai manifestar que o princípio da proporcionalidade encontra seu caráter constitucional fundado no Estado de Direito. Nessa corrente encontram-se Konrad Hesse e Nelson Nery Junior, entre outros. Há, ainda, os que trazem uma fundamentação pluralista, como é o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello, que apresenta três disposições legais e constitucionais, para defender seu pensamento, e, comprovar o respaldo encontrado relacionado ao princípio da proporcionalidade. São, portanto: o Art. 5º, II, que traz o princípio da legalidade; o relativo às disposições gerais da Administração pública – Art. 37; além do Art. 84, IV, que disciplina a atribuição do Presidente da República de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis.
Assim, quando, o Poder Judiciário, no julgamento de um caso concreto, se deparar com um conflito de princípios constitucionais, deve buscar, para solução desta antinomia jurídica, a razoabilidade e, o princípio da proporcionalidade, o qual utiliza a valoração, para a aplicabilidade da norma, ponderando acerca de qual norma deve ser aplicada naquele momento. Tem-se, portanto, que a Constituição Federal possui, em seu corpo, valores ditos mais importantes que outros, no sentido de que uns devem prevalecer sobre os demais, quando houver conflito entre eles. É o caso do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, que é um vetor da Constituição da República, devendo, portanto, estar acima de outros princípios constitucionais, os quais acabam por derivar da dignidade.
Como dito anteriormente, a Constituição tem valores denominados fundamentais para a manutenção do Estado Democrático de Direito, os quais em uma possível confrontação, no momento da aplicação da norma. É o caso dos valores previstos no primeiro artigo da Lei Máxima brasileira, que traz, em seu bojo, os fundamentos do Estado Democrático de Direito, onde se verifica a dignidade da pessoa humana inserida como tal, ao dispor:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.[11]
Raquel Denize Stumn, ao tratar sobre o tema o elucida, ao afirmar que:
Os direitos prima facie devem sofrer uma adequação às necessidades de cada caso, dependendo a sua aplicação definitiva da ponderação e da concordância prática que atenda determinadas circunstâncias concretas. [...]
A ponderação dos resultados é um método de desenvolvimento do Direito, sendo que a elaboração do princípio da proporcionalidade surge justamente da racionalização de soluções concretas para o conflito de direitos e bens, como se evidencia na prática jurisprudencial.[12] (grifo do autor).
Paulo Nalin ao tratar acerca da “Razoabilidade, exigências sócio-econômicas e proporcionalidade na aplicação da lei”, entende que a primeira seria um juízo de valor, colocado à disposição do intérprete, na aplicação do princípio da igualdade. E, a proporcionalidade (em sentido estrito) como um princípio da justa medida, no qual os meios e os fins são contrapostos, visando verificar se os meios de intervenção são proporcionais aos resultados propostos.[13]
O juiz, ao fazer a aplicação da norma deve se valer, então, do princípio da proporcionalidade, que trata de um sistema valorativo, para garantia do direito constitucional, que nas palavras de Carlos Afonso Pereira de Souza e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio:
[...] diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido. O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma.[14]
Além disso, o princípio da proporcionalidade tem como função primária a preservação e manutenção dos direitos fundamentais, elevando-os em detrimento de outras normas. Poderá, todavia, ocorrer um choque, um “conflito”, entre direitos fundamentais, sendo que, neste particular, deverá ser dada maior efetividade àquele cabível, adequado, ao caso concreto (onde se verifica, com certeza, a aplicação, ou não, de determinada norma, àquele caso concreto), devendo-se tomar os devidos cuidados para não prejudicar os direitos fundamentais, garantidos pela Constituição.
[...] na colisão de direitos fundamentais, o legislador poderá, desde que o faça com base no princípio da proporcionalidade, limitar o raio de abrangência de um direito fundamental, visando dar maior efetividade a outro direito fundamental. [...]
É preciso ter cuidado, porém, para não fazer com que a relatividade dos direitos fundamentais (e dos princípios constitucionais, portanto) esvazie o seu conteúdo, ou seja, atinja seu núcleo essencial. O direito fundamental, dentro do seu limite essencial de atuação, é inalterável e, por isso mesmo, seu núcleo é inatingível. Daí a necessidade de colocar, reflexivamente, a proporcionalidade como uma limitação à limitação dos direitos fundamentais.[15]
Verifica-se, pois, que o princípio da proporcionalidade serve como medida a sopesar os interesses e valores envolvidos, dando ênfase ao espírito da norma constitucional, auxiliando na aplicação dos princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro, face à supremacia da Constituição, a qual deve ser respeitada e preservada.
Conclui-se, portanto, que havendo colisão entre princípios a solução não há de ser encontrada com a deliberação imediata da prevalência de um princípio sobre o outro, mas, de outro lado, é acurado em decorrência da ponderação entre princípios colidentes, de modo que cada um deles em dados momentos terá a prevalência. Dessa forma, determinar-se-á, no momento da aplicação, qual princípio deve ser utilizado naquele caso concreto, sem, todavia, eliminar o que não foi empregado do sistema jurídico (como pode ocorrer com as regras).
Interpretação conforme a Constituição
A interpretação conforme a Constituição é um princípio que se deriva diretamente da natureza da Constituição como norma que confere unidade ao ordenamento jurídico, demonstrando, assim, sua supremacia. Dessa forma, o magistrado, ao aplicar a norma, ao caso concreto, deve fazê-lo levando em conta o que preceitua a Constituição Federal, interpretando as normas infraconstitucionais em conformidade com a Constituição, em face de sua supremacia normativa.
O princípio da interpretação conforme a Constituição estabelece que, quando houver a possibilidade de mais de uma interpretação em uma norma, deve-se interpretá-la, dando prioridade à interpretação que possua um sentido em conformidade com a Constituição, pois quando há a possibilidade de se realizar duas ou mais interpretações, deve-se escolher a que for mais compatível com a Constituição Federal.
Assim, pode-se concluir que a interpretação conforme a Constituição serve como uma espécie de controle de constitucionalidade, na medida em que busca na norma a interpretação constitucional e não o caso contrário (a não ser na impossibilidade plena de incompatibilidade com a Constituição). E, no Estado Brasileiro, o órgão competente para resguardar o cumprimento pleno e efetivo da Constituição é o Supremo Tribunal Federal, pelo menos na forma concentrada, até porque para que haja a garantia de que nenhum ato jurídico persista no ordenamento jurídico brasileiro quando for contrário à Constituição, há a previsão legal da existência de um mecanismo, que é o controle de constitucionalidade, que tem por objetivo manter a supremacia da Constituição Federal, no sentido em que impede que normas e ações que ferem a Constituição Federal subsistam no mundo jurídico, servindo como instrumento de afirmação da superioridade Constitucional.
Segundo Teori Albino Zavascki “a força normativa da Constituição a todos vincula e a todos submete”, em referência à Supremacia da Constituição Federal, asseverando, ainda, que “qualquer que seja o modo como se apresenta o fenômeno da inconstitucionalidade ou o seu agente causador, ele está sujeito a controle pelo Poder Judiciário” [16].
No Brasil, existem duas espécies de controle de constitucionalidade, o controle concentrado e o controle difuso. O controle incidental difuso possibilita aos litigantes, pessoas comuns, que obtenham o controle constitucional em seus casos concretos, permitindo que todos os magistrados, independentemente do grau de jurisdição, façam esse controle.
O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, tem competência para realizar o Controle Concentrado de Constitucionalidade, por intermédio das Ações que possibilitam a Declaração de Constitucionalidade, ou Inconstitucionalidade de uma norma (como exemplo, tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade) e o controle difuso via Recurso Extraordinário.
Verifica-se a existência, portanto, de dois sistemas de controle de constitucionalidade, quais sejam, o sistema difuso e, o sistema concentrado.
O sistema difuso, também conhecido por sistema americano, reconhece a competência de qualquer juiz para fiscalizar a constitucionalidade das leis quando da sua aplicação a um caso concreto. Com esse sistema afirma-se a supremacia da Constituição perante a lei. A existência desse sistema foi uma das grandes contribuições do constitucionalismo americano, por meio da judicial review [17]. (grifo do autor).
O sistema concentrado, criado no direito austríaco, reserva a atribuição para julgar a constitucionalidade das leis a um determinado órgão competente, podendo ser um tribunal do Poder Judiciário ou não, criado especificadamente para o exercício dessa função. Nesse caso há uma tendência de o órgão se caracterizar por uma função legislativa negativa.
No Brasil, durante toda a sua história, foram realizadas algumas mudanças no tocante ao controle de constitucionalidade. Iniciou apenas com o controle difuso, por via incidental (sistema americano) e, posteriormente, ocorreu a introdução do Controle por via principal, concentrado (sistema europeu), tendo sido este implantado pela Emenda Constitucional nº 16/65. E, a Constituição Federal de 1988 manteve ambos os sistemas, sendo que, portanto, figura hoje, no Brasil, o sistema híbrido ou misto.
Verifica-se, dessa forma, que o controle de constitucionalidade tem a função de impedir que normas inconstitucionais, ou seja, normas que ferem frontalmente a Constituição permaneçam no ordenamento jurídico, impedindo, assim, a vigência das mesmas. E, o papel de defensor da mantença da constitucionalidade é o Poder Judiciário, que nas palavras de Lenio Luiz Streck, “aparece como salvaguarda para eventuais rupturas” [18], rupturas estas ocorridas dentro do ordenamento jurídico em decorrência de afronta à Constituição.
Importante transcrever a lição de Paulo Lobo, o qual vê na interpretação conforme a Constituição um grande avanço para o controle de constitucionalidade brasileiro:
O princípio da interpretação conforme a Constituição é uma das mais importantes contribuições dos constitucionalistas nas últimas décadas. Consiste, basicamente, em explorar ao máximo a compatibilidade com a Constituição das normas infraconstitucionais a ela anteriores ou supervenientes, e a partir dela. Apenas para ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma quando a incompatibilidade dela com a Constituição for insuperável. Essa diretriz hermenêutica harmoniza-se com os princípios da presunção de constitucionalidade das normas infraconstitucionais e da força normativa da própria Constituição. Mais importante é a função que desempenha na interpretação do conteúdo das leis, que há de ser conformado, delimitado e densificado pelos princípios e normas constitucionais. [19]
O princípio ora analisado se deriva da rigidez da própria Constituição e, via de conseqüência, de sua supremacia em relação às demais normas, chamadas de infraconstitucionais. Desse modo, a interpretação conforme a Constituição, mantém a superioridade desta dentro do sistema jurídico. Assim, deve-se analisar as normas infraconstitucionais sempre tendo como parâmetro a Constituição Federal. Acerca do tema, Paulo Bonavides assim se manifesta:
Decorre em primeiro lugar da natureza rígida das Constituições, da hierarquia das normas constitucionais – de onde proclama o reconhecimento da superioridade da norma constitucional – e enfim do caráter de unidade que a ordem jurídica necessariamente ostenta.
Em rigor não se trata de um princípio de interpretação da Constituição, mas de um princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição.[20]
Pode-se concluir, dessa forma, que quando da interpretação de uma norma, deve-se servir, dentre as inúmeras formas de interpretação disponíveis, daquela que torna a própria norma compatível com a Constituição (não devendo empregar a interpretação que leva à inconstitucionalidade da norma), utilizando, dessa feita, do princípio da interpretação em conformidade com a Constituição.
Todavia, não se deve, pelo princípio da conservação das normas, reformar a norma que se está apreciando, mas somente interpretá-la, até porque o Poder Judiciário não pode, em regra, cumprir o papel do Poder Legislativo (face à tripartição das funções, estabelecida pela própria Constituição). Dessa maneira, não se pode interpretar, na busca da constitucionalidade, de forma a atingir, maculando, o próprio espírito da norma, infringindo a concepção do legislador, alterando-se o texto da lei. Deve-se tentar, ao máximo, a obtenção de uma interpretação de forma a coincidir com os ditames constitucionais, que é o que prega o princípio da interpretação conforme a Constituição, entretanto, não sendo possível, não há permissão de modificação de texto de uma norma, pelo Poder Judiciário, aqui representado pelo Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição Federal, sendo assim, esta norma será, portanto, inconstitucional.
[1] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed., rev. atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 74.
[2]O Princípio da proporcionalidade aplicado às resoluções dos conflitos com a administração pública. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/Discursos>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
[3] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 92/96.
[4] GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio da proporcionalidade em Direito constitucional e em Direito privado no Brasil. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto347.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
[5] PUHL, Adilson Josemar. Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade: como instrumento assegurador dos Direitos e garantias fundamentais e conflito de valores no caso concreto. São Paulo: Pillares, 2005, p. 62
[6] GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio da proporcionalidade em Direito constitucional e em Direito privado no Brasil. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto347.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
[7] SOUZA, Carlos Afonso Pereira de; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade: uma abordagem Constitucional. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
[8] GOÉS, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil: O poder de criatividade do juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 73.
[9] STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 173..
[10] MENDES, Gilmar Ferreira. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 94
[11] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
[12] STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 77-78.
[13] NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.50.
[14] SOUZA, Carlos Afonso Pereira de.; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade: uma abordagem Constitucional. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html>. Acesso: em 02 de maio de 2005.
[15] LIMA, George Marmelstein. O princípio da proporcionalidade e o Direito fundamental à ação. Disponível em: <http://www.ambito-juridico. com.br/aj/dpc0054..htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
[16] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 13-14.
[17]MANDELLI JUNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito constitucional: Instrumento de proteção dos direitos fundamentais e da constituição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 39.
[18]STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: Uma nova crítica do direito. 2. ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro:Forense, 2004, p. 96.
[19] LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e o novo código civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 153.
[20] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 474.
Corregedor Geral do Município de Cuiabá-MT. Advogado<br>Especialista em Direito Público.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RESENDE, Marcelo Sousa Melo Bento de. Reflexões acerca do Princípio da Proporcionalidade no Direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2011, 06:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23931/reflexoes-acerca-do-principio-da-proporcionalidade-no-direito-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
Precisa estar logado para fazer comentários.